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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Paulo Lima, o Galo: “Um prato de comida diz muita coisa”

PAULO LIMA, O GALO – Entregador deixa evidente que a luta dos entregadores é por melhores condições de trabalho em todo o país. (Foto: Reprodução/ATS)
Queops Damasceno

SÃO PAULO – Paulo Lima, o Galo, trabalha para diversos aplicativos, como Ifood, Rappi e Uber. Fundador do Grupo Entregadores Antifascistas, Paulo se tonou ainda mais conhecido por ter feito vídeos que alcançaram milhares de pessoas na internet denunciando as precárias condições de trabalho de um entregador em meio à pandemia. Casado, pai de uma garotinha de três anos e morador da Zona Oeste de São Paulo, Paulo tem 31 anos e, em entrevista ao Jornal A Verdade, falou sobre sua luta para sobreviver na maior cidade do Brasil.

Como e quando você chegou a essa profissão de motoboy/entregador?

Meu primeiro trabalho registrado de CLT foi de moto, em 2012. Eu não gostava de trabalhar em regime de CLT, não queria assinar minha carteira, eu queria ser músico, mas depois o tempo passa e você cai na real que tem que trabalhar no emprego que aparece mesmo. Trabalhei registrado até 2015. Nesse período, sofri dois acidentes que quase custaram minha vida. Pude ficar em casa, tive meus direitos todos garantidos. Décimo terceiro, férias, recebi tudo que eu tinha que receber. Mesmo assim, não queria continuar me arriscando, me acidentando, para encher o bolso dos outros. Daí decidi me tornar camelô e trabalhar informalmente. Em 2017, minha filha nasceu. Daí apertou muito, eu não podia deixar as coisas faltarem em casa. Então decidi voltar para moto, em 2019, e os aplicativos já dominavam o mercado.

Como são as condições de trabalho nos aplicativos?

É uma correria, um tormento. O aplicativo te bloqueia várias vezes sem motivo. Tem muito cliente que pede a comida e quer dar o golpe. O cliente fala que o entregador não entregou. Como a gente não tem como provar que entregou, a Uber nesse caso não cobra do cliente e bloqueia o entregador. Eu fui lá chorar várias vezes no robô da Uber, dizer que não era culpa minha, que eu tinha uma filha. Agora, no meio da pandemia, no dia do meu aniversário, a Uber me bloqueou de novo. Meu pneu furou, eu falei que não tinha como continuar a entrega porque eu estava na Vila Olímpia, um bairro de playboy que não tem borracharia, e pedi que o aplicativo mandasse outro entregador para continuar a entrega. Eles falaram que não tinham como mandar e disseram para eu cancelar. Eu perguntei se eles iriam então me bloquear. Eles me garantiram que não. Eu cancelei a entrega e eles me bloquearam.

Foi aí que surgiu a ideia do abaixo-assinado online que você organizou? Quais as reivindicações?

Primeiro eu consegui o contato dos portais The Intercept Brasil, Jornalistas Livres e do Jornal A Verdade para fazer as primeiras denúncias. Foi quando os vídeos viralizaram. Eu pensei que não era legal que eu só aparecesse e pronto. Eu tinha que fazer algo com essa repercussão toda. Foi quando fiz o abaixo-assinado exigindo álcool em gel e alimentação para os entregadores. Mais de cem mil pessoas assinaram rapidamente. Mas eu também não sabia direito como funcionava um abaixo-assinado e então eu decidi que deveria começar a abordar meus companheiros entregadores na rua e tentar organizar esse movimento. Aí foi que tudo mudou para mim. Eu não tenho experiência com esse tipo de coisa, nem li todos esses livros que me falam por aí, O Capital, esses livros assim. Eu fui formado pelo movimento hip-hop, só tinha lido os livros que os manos me passavam do Alex Haley, Negras Raízes, Malcolm X, esses livros aí.

CATEGORIA ORGANIZADA – Com os trabalhadores organizados, entregadores promoveram uma greve nacional por melhores condições de trabalho. (Foto: Reprodução/ATS)
E como foi essa experiência de tentar organizar a categoria dos entregadores?

Num primeiro momento, eu tentei falar com os motoboys, mas não fui muito bem recebido. Muitos abraçaram a ideia de que quem trabalha com aplicativo não é trabalhador, e sim empreendedor. Essa ideia de empreendedorismo impregnou na cabeça dos irmãos. É igual aos escravos que eram tirados da senzala e colocados na casa do senhor. Eles achavam que eram brancos e passavam então a “caguetar” as fugas.

Só para vocês terem uma ideia, alguns companheiros motoboys olhavam para mim e diziam: “Galo, tá ruim pra ti? Então desliga o aplicativo e vai pra Cuba”. Eu respondia: “Parceiro, eu tô lutando por comida pra nós!”. E eles achavam que eu estava “tirando” eles de passa-fome, de mendigo, e diziam: “A gente não quer comida, a gente quer ganhar melhor para comprar nossa própria comida”. Ouvi isso de um, depois de outro, ouvi de uns dez. Aí comecei a refletir sobre isso. E cheguei à conclusão de que eu não devia me reconhecer mais como motoboy, e sim como entregador. Comecei então a procurar os irmãos que entregam de bicicleta. Foi então que fui melhor ouvido, me senti mais em casa e começamos a organizar o movimento.

A principal reivindicação de vocês são as refeições? Vocês querem café da manhã, almoço e janta?

O valor de mercado desses aplicativos está baseado na falta de vínculo empregatício. No dia em que eles tiverem que reconhecer o vínculo empregatício, o valor de mercado deles vai cair. O vínculo empregatício está contra o capitalismo neste momento, igual a mim. Eu e o vínculo empregatício “tamo na mesma bala” (risos). Para os trabalhadores viverem melhor, os aplicativos têm que ganhar menos, entende? Isso eu aprendi! São interesses opostos. O trabalhador não pode ser amigo do aplicativo. Meus amigos comunistas tão me dizendo que é “luta de classes”. Então é isso mesmo!

Mas é muito difícil conseguir esse vínculo agora. Neste momento, a gente precisa ter algumas coisas garantidas. E a primeira delas é o direito à alimentação. Os jornalistas se espantam quando eu digo que nossa única reivindicação são as refeições. Eles não entendem que um prato de comida diz muita coisa. Se você parar para pensar, muita coisa gira em torno de um prato de comida. É muito triste a gente trabalhar levando comida nas costas, se estamos com a barriga completamente vazia.

TRABALHADORES ANTIFASCISTAS – Entregadores declaram ser contra a tentativa de golpe fascista do governo Bolsonaro no mesmo período em que se espalhou a luta antifascista pelo país. (Foto: Reprodução/ATS)
E como surgiu a ideia de construir o movimento antifascista entre os entregadores?

Ah, quando surgiu esse movimento no mundo todo, com o Trump dizendo que antifa era terrorista, ao mesmo tempo em que eu estava vendo os corintianos indo pra pista lutar por democracia, eu pensei que aí tinha uma brecha. Essas ideias estavam me chamando. Eu sei o que é fascismo. Fascismo é um poder maior que oprime poderes menores, não dando chance de todo mundo trabalhar. Os aplicativos são o exemplo de fascismo na prática. Não tem diálogo com o aplicativo, a gente dialoga com um robô, mano. Se não tem diálogo, é fascismo. Eu sou contra isso, então eu sou antifascista. Eu acho que criar os Entregadores Antifascistas foi a melhor maneira que encontramos de separar o joio do trigo.

Tem muito entregador que é bolsonarista. A gente não quer andar junto com esse pessoal. A gente tem que aumentar o movimento de maneira saudável. Tanto o fascismo quanto o racismo, o machismo e a homofobia são galhos da mesma árvore, que é o capitalismo. E depois tem os frutos. Qual é o fruto do fascismo? O Bolsonaro. E a gente não tem que arrancar só o fruto, nós temos que cortar a árvore.

Além de trabalhadores, vocês se consideram políticos?

Nós somos políticos de rua. Os ricos demonizaram a política. Porque queriam se vender como gestores, dizendo que não eram políticos. E o que aconteceu?! Os ricos dominaram a política. Através da grande mídia, que é deles. Tudo que o rico cria é para ele. O rico não criou a polícia para proteger o pobre, criou para ele. A faculdade, o rico também criou para ele. E isso não pode continuar. Nós queremos unir a política de rua com a política sindical, com a política institucional, mas sabendo que a política de rua tem que controlar a política institucional e não o contrário.

Eu não quero ser político institucional, mas tem quem queira. Então eu digo para essas pessoas para virem primeiro ser políticos de rua, fazer o que nós estamos fazendo. Qual a nossa reivindicação? Comida, comida e comida. Somos políticos de rua. Se falta comida na minha casa, eu fico maluco, irmão. As pessoas não conseguem ver que a luta por um prato de comida é uma luta mais ampla. É pra empoderar o trabalhador, é pra que a gente tenha liberdade, morô? Não dá ara acordar no seu lençol de seda e dizer que agora quer ser político. O Brasil não é lençol de seda.

O nosso jornal é vendido nos trens, pessoas que às vezes nem internet têm. O que você teria a dizer para essas pessoas?

Ah, mano, me chama quando vocês forem vender. Eu quero ir um dia junto. No trem vão estar os pais e as mães dos entregadores. Eu quero falar com eles diretamente também. Eu gosto de dar uma “orelhada” nos pais dos moleques também (risos).

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