O impacto da desindustrialização sobre as engenharias no Brasil

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DESEMPREGO EM MASSA – Enquanto 40 milhões de brasileiros estão desempregados, o Banco Central libera R$1,2 trilhão para banqueiros. (Foto: Reprodução)
João Camali e Jady Oliveira

SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP) – De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2014, 58% dos engenheiros brasileiros não trabalhavam em sua área de formação. Em seis anos, com o aumento da submissão do país às potências imperialistas e adoção de políticas neoliberais houve a intensificação da desindustrialização e do desemprego. De fato, como reflexo dessa política, atualmente o número de engenheiros formados supera 2,46 vezes mais do que a indústria brasileira é capaz de absorver[1].

Na prática, como há poucas oportunidades de emprego na área, os engenheiros recém-formados, que conseguem escapar ao desemprego alarmante, muitas vezes são empregados nos chamados “cargos ocultos”: áreas administrativas, de gestão, em bancos e no mercado financeiro. Outra parcela acaba recorrendo aos chamados “bicos” em condições de trabalho instáveis e submetidos à dura exploração do capital.

Diferente do que propaga a mídia hegemônica, essa situação não representa uma modernização das relações do trabalho, maior autonomia ao trabalhador e tampouco a possibilidade de tornar-se um empreendedor. O que ocorre na realidade é que muitos trabalhadores levados pelo desemprego ou por más condições de trabalho na área aderem à informalidade, como ser motorista de Uber, sem ter seus direitos assegurados, sem piso salarial, sem condições claras de desligamento, entre outras desvantagens. É o caso de Rogério (nome fictício, trabalhador preferiu não se identificar), que trabalha como Uber, mesmo sendo formado em engenharia de produção pela FEI.

E a política internacional, onde se encaixa nisso tudo? Conforme já alertava Lula Falcão, em artigo escrito para o Jornal A Verdade no ano 2012: “O crescimento da economia nos últimos dez anos não alterou a subordinação do Brasil ao grande capital financeiro internacional nem diminuiu o domínio dos monopólios internacionais sobre a economia. Pelo contrário, ocorreu um impressionante processo de desnacionalização e até de desindustrialização da economia brasileira.”

Exemplificando, com isso, se uma empresa estrangeira faz um investimento em uma fábrica de automóveis aqui no Brasil, ela espera retorno. Então, quando se fabrica carros estrangeiros no Brasil, boa parte do resultado do trabalho dos brasileiros é cedido para o exterior. Tendo noção dessa dimensão internacional e sabendo que o Brasil é um país com fortes traços coloniais e de submissão internacional, mesmo após sua independência, fica fácil concluir que não é do interesse de empresas estrangeiras que o Brasil tenha uma indústria forte e independente, que sirva aos interesses da população brasileira.

Com efeito, no governo do fascista Bolsonaro, essa relação de submissão foi intensificada pelos constantes acordos econômicos e militares com o EUA, na figura de Donald Trump. Chamados de acordos bilaterais, na verdade visam favorecer somente a potência norte-americana, aprofundando a submissão do Brasil a essa potência imperialista. Como o acordo que permite os Estados Unidos fazerem lançamentos de foguetes da Base de Alcântara – cujo posicionamento privilegiado proporciona grande economia de combustível -, sem benefícios aparentes para o Brasil.

Assim, o Brasil segue sendo um país predominantemente exportador de produtos agrícolas e minérios, com pouco desenvolvimento da indústria nacional. Como sustentar uma boa política econômica internacional (balança comercial) se vendemos nossas matérias-primas a um preço baixo, como o minério de ferro necessário para o refino em aço, para comprar o aço que é mais caro?

Com efeito, atualmente, há 40 milhões de brasileiros desempregados e, ao mesmo tempo, o Banco Central libera R$1,2 trilhão (ou R$1.200.000.000,00) de recursos para bancos. O cenário é favorável para a industrialização, pois há recursos e há mão de obra disponível, tanto na forma de engenheiros, quanto na forma de outros trabalhadores essenciais para a indústria. A conclusão que podemos chegar, nesse contexto, é que a desindustrialização no Brasil é uma escolha política, atrelada às dinâmicas do Imperialismo: grandes multinacionais de nações imperialistas abocanham as indústrias menores de países periféricos, concentrando a produção em grandes monopólios capitalistas estrangeiros. Tal escolha é mantida pela submissão do Estado ao capital financeiro internacional, mesmo que ao custo da miséria da população, para a riqueza dos capitalistas. 

O impacto da desindustrialização para a juventude pobre

É comum vermos jovens estudantes buscando o curso de engenharia por “ser versátil” no mercado de trabalho e ter uma remuneração boa, de acordo com a reputação. Porém, normalmente, esses estudantes acabam desiludidos, pois essa “versatilidade” é um reflexo da necessidade de a profissão ter que se adaptar à realidade brasileira: a desindustrialização cresce desenfreadamente, portanto não há emprego na área para os jovens recém-formados.

Enquanto isso, os cursos privados de ensino superior de engenharia seguem faturando muito dinheiro com cursos inacessíveis à maior parte da população. De forma alarmante, os jovens brasileiros (de 18 a 24 anos) tem média de desemprego de 27,7%, versus os 12,2% que já são altos para a população brasileira (IBGE).

Os dados são alarmantes e reforçam a tendência do capitalismo de criar o que Marx chamou de “exército industrial de reserva”, ou seja, para garantir o funcionamento do sistema de produção capitalista e garantir o processo de acumulação, é necessário que parte da população ativa esteja permanentemente desempregada, nesse caso sobretudo a juventude. Esse contingente de desempregados é usado para inibir parte das reivindicações dos trabalhadores e justificar o rebaixamento dos salários.

Mesmo diante dessa realidade, tendo em vista a grande presença de alunos de engenharia em cursos superiores privados e a tendência de separar e hierarquizar o conhecimento científico em ciências “exatas” e “humanas”, ainda predomina nos cursos de engenharia a alienação em relação a assuntos “imprecisos” como as relações humanas e prevalece o distanciamento das discussões  críticas, impulsionando postura apolítica e individualista.

Por isso, é de enorme importância a inserção de estudantes desses cursos em organizações estudantis que debatam e reajam aos problemas específicos das engenharias, como também sua relação intrínseca com o sistema político e econômico. É preciso superar a dicotomia entre as áreas exatas e os aspectos sociais, e aproximar cada vez mais o saber acadêmico da realidade da classe trabalhadora. A indústria, por exemplo, é um aspecto que influencia na vida de todos os brasileiros de diferentes formas e precisa ser estudada em profundidade: desde a desindustrialização e seu papel na política econômica internacional até o seu papel na própria frustração dos jovens com o mercado de trabalho.


[1] Dados do Laboratório de Gestão e Inovação (LGI).