Bailes funk são criminalizados, enquanto festas clandestinas promovidas pela e para a classe média seguem intocáveis.
Karol Lima
RIO DE JANEIRO (RJ) – As delegacias de Repressão aos Crimes de Informática e de Combate às Drogas da Polícia Civil identificaram e pediram a prisão ontem (02) de 14 artistas que se apresentaram em bailes funks durante o carnaval no Rio de Janeiro, com acusações de crimes de infração de medida sanitária preventiva, epidemia e associação ao tráfico, além de menção à “apologia ao crime”. Entre os indiciados constam somente organizadores e artistas ligados a eventos promovidos em comunidades, alguns deles artistas muito conhecidos, como Negão da BL, MC Poze e DJ Andrezinho da Divisa.
Não é preciso dizer que as acusações de associação ao tráfico de drogas e censura das músicas por “apologia ao crime” sofridas constantemente pelos artistas de funk são absurdas e não passam de perseguição aos pobres, negros e sua cultura. Vide, por exemplo, a prisão do DJ Rennan da Penha, organizador do Baile da Gaiola, em 2019, sem qualquer prova dessa “associação”.
O próprio Presidente da República vive fazendo apologia aos crimes de tortura cometidos no período da ditadura, e onde estão seus processos e condenações?
Escancarando a truculência seletiva da polícia
A acusação contra os artistas de crimes de infração de medida sanitária preventiva e epidemia, previstos nos artigos 267 e 268 do Código Penal também expõe a seletividade da polícia.
De fato, o que fez Bolsonaro nos atos pedindo fechamento do STF senão “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”? A pena prevista é de 10 a 15 anos, e se a propagação resulta em morte, a pena é duplicada. Então, por que Bolsonaro, seus generais, diversos governantes Brasil afora e empresas de transporte que reduziram as linhas de trem e ônibus continuam impunes? O que ocorre nas igrejas, bares e casas de shows lotados senão “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”?
Já os artistas negros e de periferias não só são criminalizados, como são tratados com a mais forte truculência. Prova disso é o caso do também cantor de rap e funk Salvador da Rima, que teve sua casa invadida por policiais, que o agrediram fisicamente e tomaram o celular de sua namorada, que gravava a ação da PM.
A verdade é que a justiça burguesa existe somente para os ricos. Os jovens que frequentam restaurantes e eventos que vão até o sol raiar, mas pagam caro por isso, não são criminalizados. Tampouco os organizadores desses eventos são responsabilizados, mesmo que o Painel Rio COVID-19, atualizado em 01/03/21, aponte que entre as 6 regiões com maior índice de risco de contaminação estão o Centro, Botafogo, Copacabana e Lagoa, bairros considerados “nobres”.
Não basta que mais de 60% das prisões estejam lotadas de homens negros que sequer foram julgados (sendo 75% somente com ensino fundamental completo) e que o Brasil possua a 3ª maior população carcerária do mundo, sabemos que as políticas de encarceramento se voltam para contra a população negra e pobre, e é por isso que os trabalhadores, estudantes e a juventude que faz o mesmo – frequenta festas e shows – em seus locais de moradia, dentro das comunidades, são vistos e tratados como marginais. Deve-se repudiar essas perseguições racistas e elitistas que continuam criminalizando a cultura popular.