Alexandre Verçosa, Rio de Janeiro
TEORIA MARXISTA – O Movimento Negro Perifa Zumbi concluiu, no último dia 02, o segundo ciclo de seu Grupo de Estudos do livro Sociologia do Negro Brasileiro, de Clóvis Moura, encerrando assim, ao todo, um período de quatro meses de estudos sobre as duas partes da obra.
Os encontros semanais foram realizados aos domingos. Houve uma forte adesão, inclusive de pessoas de outros estados, interessados em conhecer a obra de Clóvis Moura e entender sobre a dinâmica do racismo no Brasil.
Enquanto um dos mais importantes autores do pensamento social racial brasileiro, Clóvis Moura usou o marxismo como método para analisar o Brasil e a questão racial. Ele analisou a luta de classes no sistema escravista e seus desdobramentos na formação social do Brasil republicano e do capitalismo dependente, que criaram toda uma lógica de organização social que incide direta e indiretamente no racismo.
Clóvis Moura: um lutador e pensador popular
Nascido na cidade de Amarante, no Piauí, em 1925 e falecido em São Paulo, em 2003, Clóvis Moura trabalhou como jornalista quando esteve na Bahia, em 1947. Militante comunista, trabalhou neste período no Jornal O Momento, diário do Partido Comunista do Brasil (PCB), aprofundando seu contato com a teoria marxista e filiando-se ao partido em 1945.
Clóvis Moura foi um dos deputados cassados quando da cassação do PCB 1947, juntamente com Carlos Marighella e Jorge Amado. Em 1962, alinhou-se com as posições do PCdoB, formulando sobretudo o pensamento teórico do movimento negro, contribuindo com a fundação tanto do MNU quanto da UNEGRO.
Clóvis sempre defendeu a importância das relações raciais na luta anticapitalista nacional, apesar de como muitos pensadores e atores sociais negros serem muitas vezes esquecidos pela intelectualidade acadêmica.
Luta antirracista é luta contra o capitalismo
Segundo o próprio autor, a obra “Sociologia do Negro Brasileiro”, lançada em 1988, é uma síntese de 20 anos de pesquisa. Nele, ele antecipa alguns conceitos que ele iria discutir no trabalho “Dialética Radical do Brasil Negro”, em 1994. Dessa forma, no então centenário do fim do sistema formal da escravidão, Clóvis lembra que a estrutura escravocrata permanece basicamente a mesma depois de 1888, já que os mecanismos de dominação e opressão foram mantidos e até aperfeiçoados.
Segundo ele, o racismo permanece como um elemento constitutivo da nova etapa do capitalismo dependente brasileiro que sustenta os privilégios da branquitude. Para Moura, a sociedade brasileira adotou a ideologia do colonialismo na medida em que continuou a associar a ideia de civilização à branquitude e negar qualquer tipo de humanidade ao negro.
Dessa maneira, a estrutura escravista permanece dentro da nova fase do capitalismo em que o Brasil se insere. A abolição não ofereceu mobilidade social ao negro descendente do antigo escravizado mas o marginalizou por meio de mecanismos seletivos ideológicos que justificam essa “imobilização estrategicamente montada”.
A partir da perspectiva materialista, Clóvis propõe uma “modificação desalienadora do pensamento do brasileiro preconceituoso e racista”. Para ele, somente por meio da perspectiva negra seria possível romper com a alienação que gera até hoje o racismo na sociedade brasileira. Defende ainda que a “democracia racial” funciona como um meio de desarticular a consciência crítica e perpetuar a discriminação, o racismo e o extermínio contra o negro. É uma ideologia que justifica a discriminação e responsabiliza o próprio negro pela sua imobilidade social.
A contribuição de Clóvis Moura para a historiografia das lutas populares
Clovis Moura questiona ainda a historiografia “oficial” brasileira que ofuscou a participação negra na construção do país. O autor foi o primeiro a resgatar a história dos quilombos e outras revoltas no Brasil e a dar ênfase no processo de resistência do negro ao escravismo. Para ele, a luta dos escravizados foi um elemento de desgaste permanente no sistema escravista.
O estudo da obra “Sociologia do Negro Brasileiro” é fundamental para compreender o racismo como origem e formação da luta de classes no Brasil. É necessário buscar compreender a formação e a estrutura do racismo no território brasileiro, pois não há como superá-lo sem a organização e a luta revolucionária.