Parte do crescimento do fascismo se explica por eles terem explorado ao máximo a falência da Segurança Pública e a completa falta de segurança que a classe trabalhadora vivencia em todos os locais. A esquerda não pode mais deixar esse debate de lado.
Raphael Faé e Vinícius Sousa*
Espírito Santo
OPINIÃO – Um dos temas mais controvertidos e difíceis de ser abordado pela esquerda é a Segurança Pública. E é compreensível. Afinal, sempre que um grupo social exige seus direitos, lá vem a polícia para agredir e dispersar quem apenas clama por uma existência digna e cobra dos poderes instituídos o acesso a direitos, alguns básicos, como moradia, educação e saúde.
Além disso, a Segurança Pública é pensada essencialmente como controle social. Isso porque o capitalismo tem inúmeras contradições, que se mostram em vários aspectos da realidade social. A polícia, então, tem o papel de conter ou minimizar os estragos causados por tais contradições ao recolher os “indesejados” ou quem “enfrenta” essa ordem social.
Agora, subindo mais um degrau em nossa reflexão, a Segurança Pública, como a entendemos, surge com o capitalismo para garantir a reprodução do modo de produção capitalista e proteger a propriedade privada e a apropriação da riqueza. Antigamente, não existia polícia, exércitos permanentes, etc. O senhor feudal garantia suas posses pela força direta, com sua própria milícia. Hoje, o capitalista dispõe de todo um aparato estatal para garantir suas posses. Quando o MLB ocupa um imóvel abandonado, o proprietário não contrata um grupo de mercenários para expulsar as famílias de lá; quem faz isso é o Estado, por meio do Judiciário, que dá ao proprietário uma ordem de despejo, que é cumprida pela polícia. Logo, dizer simplesmente “tem que acabar com a polícia” não resolve muita coisa, já que é uma questão estrutural do capitalismo.
Um novo modelo de Segurança Pública
Vamos subir mais um degrau? Se a Segurança Pública é fruto do capitalismo, praticamente tudo o que compõe nossa realidade também o é. A área da saúde, por exemplo. Primeiro, o hospital reproduz a estratificação de classes da sociedade: pessoas brancas e de classe abastada são médicos; pessoas negras e pardas, de classe média, são enfermeiros; e negros e pobres compõem a equipe de serviços gerais. Segundo, os planos de saúde financiam políticas de saúde que compram vagas em hospitais privados no lugar de construir hospitais públicos. Terceiro, o acesso à saúde mostra essas contradições de modo claro, com o povo sofrendo para ter um atendimento, muitas vezes, incompleto e desumanizado. Quarto, a própria concepção de saúde, de tratamento médico, de medicamentos, etc., é orientada pela lógica da mercadoria do capitalismo. Mesmo com tais problemas, ninguém diz que tem que acabar com médicos ou hospitais, mas reformular o modelo de saúde pública.
O mesmo com a educação. No capitalismo, ela é moldada para servir ao capital. O modelo de escola que temos é uma soma da disciplina militar do século 19 e da produção em série do fordismo. E o ensino é concebido para formar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho, não formar sábios ou revolucionários. Apesar disso, ninguém diz para acabar com professores e escolas, pois há avanços, mesmo com todos esses problemas, e o desafio é insistir numa educação emancipadora. O capitalismo, portanto, estrutura toda a sociedade para reproduzir material e ideologicamente a sua lógica de funcionamento.
Ao falar de Saúde e Educação, lembramos de Cuba como modelo para os socialistas. Mas, pouco se fala da experiência cubana na área da Segurança Pública, que também é um importante fator material de organização socialista daquele povo. Desse modo, parece-nos que é tempo de a esquerda brasileira discutir Segurança Pública, mas com ciência, objetividade e, principalmente, numa perspectiva revolucionária, sem moralismo.
Parte do crescimento do fascismo se explica por eles terem explorado ao máximo a falência da Segurança Pública e a completa falta de segurança que a classe trabalhadora vivencia em todos os locais. Mesmo com propostas absurdas, falsas e ineficazes, seduziu parcelas importantes da sociedade, inclusive as mais pobres.
Portanto, a esquerda não pode mais deixar esse debate de lado, pois não há vácuo de poder. Há temas importantes sendo discutidos, que podem trazer avanços, como a desmilitarização da PM, o ciclo completo de polícia, a carreira única, etc., e isso tem sido feito, pasmem, pela direita e extrema-direita (ao modo reacionário deles).
Logo, a esquerda precisa estar à frente nesse debate e fazê-lo avançar com o humanismo que a caracteriza, e isso passa por aproveitar experiências de movimentos sociais, como o Policiais Antifascismo, criar espaços de debates, criar formas de controle popular sobre a atividade policial, reformular a lógica da segurança pública da repressão para a defesa social, propor a formação prático-ideológica humanizada dos operadores de segurança pública, fora da ideia de “guerra” e “inimigo”, conectar Segurança Pública à educação e à assistência social, criar instrumentos legais que combatam o poder político e econômico de organizações criminosas, reformar e democratizar o Judiciário e o Ministério Público, reformar os Códigos Penal e de Processo Penal para que a justiça penal atinja as classes dominantes, acabar com as castas de Delegado e de Oficiais, dentre outras. Novamente, tudo isso dentro de uma lógica revolucionária e popular, ao mesmo tempo transformadora e realista.
Raphael Faé é policial rodoviário federal e Vinícius Sousa é capitão da Polícia Militar do Espírito Santos, ambas fazem parte do movimento Policiais Antifascismo