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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Antônio Conselheiro em Canudos: luta pela terra e pelo poder popular

João Coelho


SÃO PAULO – No ano de 1893, no sertão da Bahia, nasceu uma das mais importantes experiências de luta do povo brasileiro em defesa da terra para viver e trabalhar: o Arraial de Canudos. Organizados por Antônio Conselheiro, um grande líder social e religioso, cerca de dez mil trabalhadores ocuparam uma fazenda abandonada e iniciaram a construção de uma comunidade livre, onde não havia exploração do homem pelo homem, o trabalho era dividido entre todos e as riquezas repartidas conforme a necessidade de cada um.

Na época, os trabalhadores nordestinos sofriam com a  exploração desumana dos latifundiários, que se aproveitavam da miséria do povo e da concentração da terra em poucas mãos para estabelecer longas e cansativas jornadas de trabalho em troca de uma remuneração que mal dava para comer. Por isso, a luta pela divisão justa da terra entre quem trabalha era uma das questões mais importantes na vida dos sertanejos.

“Pátria sertaneja, independente

Antônio Conselheiro, em Canudos presidente”

O líder do arraial de Canudos, Antônio Vicente Mendes Maciel, ou simplesmente Antônio Conselheiro, nasceu em 1830 no estado do Ceará, filho de pais pobres, mas membros de uma grande e importante família da região. Desde criança assistiu às  contradições da vida no sertão, onde a imensa maioria de camponeses miseráveis sustentava a vida de riqueza de uma minoria de exploradores.

Conseguindo estudar e alcançar uma formação rara em sua época, Antônio foi caixeiro viajante, escrivão, professor e pedreiro. Andando pelo sertão conheceu o Padre Ibiapina – que peregrinava realizando obras de caridade – e, influenciado pelo Padre, passou a pregar entre os pobres, a distribuir conselhos aos mais necessitados e a reunir seguidores para defender um mundo de divisão justa do trabalho e da riqueza.

Com a proclamação da República em 1889, os impostos sobre o povo aumentaram, fazendo com que a vida sofrida dos trabalhadores se torna-se ainda mais difícil. Alguns anos depois, Conselheiro, indignado, reuniu a população de uma cidade e queimou editais de cobrança de impostos; policiais foram enviados para prendê-lo, no entanto foram derrotados pela força da revolta popular.

Após o confronto, o líder continuou suas peregrinações, defendendo uma terra livre dos poderes do Estado oficial, opressor dos pobres, onde tendo como base sua fé em Deus e seu trabalho, as pessoas pudessem viver em paz. Contando com milhares de seguidores, ocupou uma fazenda de gado abandonada por um latifundiário, às margens do Rio Vasa-Bris, criando o Arraial de Belo-Monte, popularmente conhecido como Arraial de Canudos.

Uma comunidade revolucionária

Canudos era uma comunidade altamente organizada, que chegou a reunir cerca de 30 mil pessoas, a maioria camponeses pobres e ex escravos. Lá eram cultivados milho, mandioca, feijão, abóbora e melancia, se criava gado, se produzia instrumentos para a lavoura, como foices e facões, e se extraía carvão, salitre e enxofre.

A comunidade era um exemplo de poder popular, onde a propriedade coletiva e justa da terra e dos outros meios de produção de riqueza possibilitava a divisão verdadeiramente democrática do poder na administração da vida comum. Além de Conselheiro, haviam outros destacados líderes no arraial, como João Abade, que administrava as riquezas garantindo a satisfação das necessidades básicas de todos, Manuel Quadrado, que cuidava do atendimento de saúde e Pajeú, o comandante militar.

Conselheiro era um homem profundamente religioso e acreditava que Deus estava do lado dos oprimidos e não dos opressores; assim defendia que dentro da comunidade, mediados pela fé, todos vivessem uma vida de fraternidade e divisão do trabalho e dos frutos do trabalho.

Resumidamente, Canudos era uma comunidade altamente revolucionária e que combatia frontalmente o poder do Estado e da Igreja, estabelecidos para defender a exploração e o acúmulo de riquezas das classes dominantes.

A Guerra de Canudos

Visto como uma grande ameaça ao poder da República, que acabara de ser instaurada no Brasil através de um golpe militar, o Arraial de Canudos passou a ser atacado pelas tropas do Governo, que visava suprimir aquele exemplo de força da classe trabalhadora organizada. Três expedições oficiais foram derrotadas pelas forças de Canudos, sendo a última delas comandada pelo experiente Coronel Moreira César, dirigindo mais de mil soldados, com o mais moderno armamento da época. 

As forças militares de canudos, comandadas por Pajeú, aplicavam de maneira exemplar a tática guerrilheira, atacando rapidamente e utilizando sempre a mata da caatinga a seu favor. No entanto, na quarta expedição militar contra o arraial, reunindo mais de cinco mil soldados, o Governo conseguiu vencer a força sertaneja, bombardeando, destruindo e queimando a comunidade, além de assassinar a maioria dos prisioneiros em um verdadeiro massacre; Antônio Conselheiro morreu 13 dias antes da queda do Arraial, acometido por graves problemas intestinais.

“Quem não entende Canudos, não entende o Brasil”¹

Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Ariano Suassuna declarou: “O que houve em Canudos, e continua a acontecer hoje, no campo como nas grandes cidades brasileiras, foi o choque do Brasil oficial e mais claro contra o Brasil real e mais escuro”. Canudos foi um dos grandes exemplos na história de como o povo trabalhador, quando unido, organizado e disposto a transformar suas condições de vida, é capaz de enfrentar e vencer as injustiças da sociedade dividida em classes, garantindo uma vida de trabalho, paz e dignidade para todos. 

Como no final do século XIX, a má distribuição da terra para viver e trabalhar continua sendo uns do problemas centrais no Brasil; por isso a luta de nossos irmão em Canudos é um exemplo para todo aquele que, no campo ou na cidade, levanta a cabeça para enfrentar a exploração da burguesia sobre os trabalhadores, para todo aquele que ocupa para ter um pedaço de chão para viver, para todo aquele que defende a reforma agrária, a reforma urbana e uma nova sociedade, justa e fraterna para o nosso povo, a sociedade socialista.

¹ Ariano Suassuna, 2013.

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