Dezenas de sem teto morreram de frio no último ano em São Paulo

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Na cidade mais rica do país, 31 mil pessoas passaram o dia e a noite de hoje sem abrigo, nas ruas. A situação de rua, combinada às baixíssimas temperaturas e ao completo desamparo, mataram 16 pessoas só na capital do estado de São Paulo no último ano.

Coordenação Estadual do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas São Paulo


SÃO PAULO – Segundo o Censo da População em Situação de Rua, no último ano a população de moradores sem teto na cidade de São Paulo cresceu em mais de 30%, isso representa um total de 31 mil pessoas morando nas ruas. Mesmo a cidade sendo uma das mais ricas do mundo, apenas no ano passado, só na capital Paulista foram registradas 16 mortes nos últimos meses. Esses números estão diretamente ligados ao aumento dos aluguéis, que faz com que mais pessoas percam seus abrigos e tenham como única solução as ruas. Tal processo é uma das consequências da inflação e da especulação imobiliária que vem assolando o nosso país. 

Nas últimas semanas, uma imagem chamou atenção, um sem teto que buscava ajuda no Núcleo de Convivência São Martinho, abrigo na zona leste de São Paulo, morreu de frio enquanto era atendido. Isaías de Faria, de 66 anos, morreu após sofrer uma convulsão à espera do café da manhã. 

O vídeo do Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, chorando ao atendê-lo gerou grande comoção. Ao falar sobre o assunto, o Padre criticou a postura das autoridades públicas diante da situação:

 A gente tem que sair da insensibilidade para o aquecimento da caridade. Sair da hostilidade para a hospitalidade. Muitas vezes o poder público fica parado no lugar, esperando que as pessoas venham. O movimento tem que ser ao contrário.”.

Na mesma noite, 19 de maio, uma outra morte foi notificada no estado de São Paulo. Um homem de 39 anos em situação de rua, foi encontrado morto no centro da Cidade de Mauá após não ter conseguido vagas em abrigo da Prefeitura e não ter tido condições de resistir ao frio, que chegou a 10°C, com sensação térmica de 4°C.

A culpa não é do frio, mas do capitalismo

DESCASO. Mais de 31 mil pessoas estão em situação de rua em São Paulo. Foto: Alan White/Fotos Públicas.

É importante destacar que esses acontecimentos não são obra do destino, muito menos acidentes, mas consequências diretas do neoliberalismo, que vem sendo forçado à custa de muito sangue das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros desde o golpe de 2016 que derrubou a presidenta Dilma Rousseff (PT) e que se aprofundou gravemente com a eleição de Bolsonaro (PP). 

As consequências da implantação desse modelo econômico vão muito além do aumento do custo de vida. O capitalismo e o neoliberalismo são responsáveis diretos pela fome, pela miséria e pelo terrível cenário de falta de emprego e moradia. 

É inegável a responsabilidade do governo de Bolsonaro, dos banqueiros e dos militares, não só pelas mortes causadas pelo vírus e pela fome, como também por tantas outras vidas perdidas pelo frio. 

Os governos estaduais e municipais não ficam atrás no quesito desrespeito à vida humana. O governador João Dória (PSDB), durante sua gestão da capital paulistana, encabeçou a proposta de distribuição de ração humana para a população em situação de rua e jogou água fria em sem tetos que ocupavam a Praça da Sé durante o inverno rigoroso. Medidas que expressam a violência e desumanidade, forma como a burguesia e seus representantes tratam o povo pobre e trabalhador, principalmente em situação de vulnerabilidade. 

Invisibilizados pelo poder público, ocupar é a saída

OCUPAÇÃO. Durante a pandemia, só o MLB realizou 23 ocupações, que salvaram milhares de trabalhadores da situação de rua. Foto: Casa Marighella.

De acordo com a Polícia Federal e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), a região do Bom Retiro, ponto central da cidade, concentra grande parte das pessoas sem teto na capital paulista. O Bom Retiro também concentra grande número de ocupações urbanas por moradia digna. 

Nas semanas de baixas temperaturas, a situação piora e além de não ter política habitacional, desabriga o povo pobre. No último dia 17, às vésperas do dia mais frio do ano, mais de cem pessoas foram despejadas de uma ocupação de um prédio na Rua Augusta, centro de São Paulo, de forma desproporcionalmente truculenta e injustificável. Durante a ação, uma mulher grávida de 20 anos precisou ser socorrida pelo Corpo de Bombeiros. Segundo os moradores, ela entrou em trabalho de parto durante a agressão da Polícia Militar.

E para onde tantas famílias vão? Se depender da prefeitura, para o esquecimento. Nesses momentos, para eles, só resta o medo e a incerteza. 

O direito à moradia e a propriedade privada

MORADIA. “Morar dignamente é um direito humano”. Foto: Laura Passarella.

A posição dos governos federais, estaduais e municipais, seguem no sentido contrário da lei no Brasil. A constituição federal, no seu Inciso XXIII do Artigo 5º, versa sobre a função social da propriedade privada. Ela determina que a propriedade urbana ou rural deverá, além de servir aos interesses do proprietário, atender às necessidades e interesses da sociedade. Desta forma, a função social condiciona o direito de propriedade, ao estabelecer que este direito é limitado pelo respeito ao bem coletivo. 

No seu artigo 182, § 4°, instituiu a progressividade do IPTU no tempo para o solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, como maneira de pressionar o proprietário a cumprir a função social da propriedade. Assim é facultado ao Poder Público municipal, portanto, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, de parcelamento ou edificação compulsórios; IPTU progressivo no tempo, e por fim, desapropriação-sanção.

Segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010, o número de imóveis abandonados na cidade de São Paulo é de aproximadamente 290 mil. Destes, mais de 33 mil estão no Centro. Esses imóveis, como consta na Constituição, estão na ilegalidade.

Caberia ao poder público municipal regularizar esses imóveis, mas não o fazem por muitos motivos, mas podemos destacar dois principais. O primeiro é que as últimas gestões da cidade estão alinhadas às agendas neoliberais, e por isso nada se importam com o bem estar social, e a defesa da propriedade privada é feita a qualquer custo. E segundo é que boa parte desses imóveis são de grandes empresários que fazem lobby para que suas propriedades continuem exatamente como estão, para que assim possam valorizar seu terreno sem ter nenhum custo com isso. 

Atualmente, o país contabiliza mais de 8 milhões de famílias em situação de déficit habitacional, famílias submetidas a condições precárias de moradia, são também duramente afetadas com a queda das temperaturas, já que moram em condições precárias, em moradias com pouca estrutura e com poucas condições de se protegerem do frio por conta do aprofundamento da miséria em que as trabalhadoras e trabalhadores estão colocados. 

O que fazer para evitar que mais trabalhadores sem teto e pessoas em situação de rua morram de frio na capital mais rica do país?

OCUPAÇÃO. As ocupações são a única alternativa para milhões de famílias sem teto no Brasil. Foto: Casa Marighella.

A verdade é que a população sem teto têm morrido de frio. Não por obra do acaso, mas sim por um jogo perverso da burguesia, que não tem nenhum apreço pela vida e que defende seu lucro acima de qualquer custo, inclusive se esse custo for a vida de trabalhadoras e trabalhadores. 

Dessa forma cabe à classe trabalhadora resistir e reagir, e fazer o papel que o governo deveria fazer e não faz, que é dar função social a esses imóveis, ocupando por moradia. E essas ações se tornam ainda mais urgentes e justificadas diante do quadro de morte o qual a população sem teto está sendo empurrada. 

A realidade é que enquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito.