Ontem, terça-feira (21), fortes chuvas atingiram a cidade de Mauá, provocando deslizamentos no Jardim Zaíra 4, duas casas foram atingidas e uma morte foi registrada, além de 3 pessoas feridas.
Laura Santana, Giovana Massafera, Amanda Bispo
MAUÁ (SP) – O Jornal A Verdade esteve no local na manhã de quarta-feira para apurar os danos e, junto com Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) e o Movimento de Mulheres Olga Benario, prestar solidariedade às famílias que tiveram suas casas atingidas. Ainda em Mauá, no Zaíra 6, um muro desmoronou e provocou outro deslizamento, levando o poste de luz da rua.
Segundo os dados do Instituto Geológico (IG), em 2020, a região do ABC registrava mais de 245 mil imóveis em áreas de risco, sendo quase 22 mil só no município de Mauá (cerca de 9%), e mais da metade com risco alto de desmoronamento.
O Jornal A Verdade entrevistou moradores do Jardim Zaíra 4, que relataram a situação em que se encontra o bairro e as dificuldades que estão enfrentando.
Joceline, 34 anos, atualmente desempregada, com duas filhas, mora num barraco com risco de desmoronamento: “Eu liguei pra defesa civil e não tive resposta de nada. Já fui atrás deles e nada. Eu tenho duas crianças vivendo dentro de casa. Eu não tenho lugar nenhum pra ir. […] Minha janela caiu, ai como eu tinha uma piscina velha eu cortei e coloquei no buraco porque tava molhando dentro de casa. Senão ia ficar no relento, mesmo assim tá entrando água dentro da minha casa. Só tem um espacinho para minhas meninas dormirem, ontem mesmo eu passei a noite todinha sentada só olhando elas dormirem e eu não dormi até agora com medo. É difícil porque se eu dormir, Deus me livre, pelo menos acordada eu consigo fazer alguma coisa se acontecer. Eles simplesmente falam pra eu sair de lá, mas como que eu vou sair de lá, vou ficar no relento com meus filhos? Eu não tenho ninguém, meu pai está doente, então não posso ficar com as minhas crianças e com ele, aí fica difícil”.
Gerson, morador do bairro há 14 anos, ao ser questionado sobre as necessidades de mudança nas condições de moradia do bairro disse: “Muita coisa, viu? Tem muita coisa pra fazer. Precisa arrumar o esgoto que desce na viela. O esgoto desce no caminho, a gente pisa na água de esgoto, cai”.
Erica, 46 anos, desempregada, acrescenta: “A gente mora aqui e não tem apoio de ninguém. Só vem vereador e prefeito na época de eleição e a gente precisa de ajuda aqui. Aqui é área de risco, aqui é tudo difícil pra nós. Ainda mais em tempo de chuva, é pior ainda. A gente tem até medo de sair de casa”.
Roberto, pedreiro, mora a 40 anos no bairro, conta como conseguem superar alguns dos desafios impostos pelo dia a dia sem condições dignas de moradia: “Se não é própria população que dá os braços pra comprar cimento, quem não tem dinheiro ajuda na mão de obra, hoje só desce carro aqui graças a população […] Nós só não somos mais indefesos porque a gente se une, os moradores. Mas se a gente tivesse um pouco mais de participação dos nossos vereadores e do nosso prefeito a gente não estaria do jeito que tá hoje”.
Abandono do poder público
Ano após ano, os problemas causados pela falta de política habitacional e urbana vêm à tona no período das chuvas quando inúmeras famílias veem o fruto do suor de seu trabalho se perdendo nas enchentes, prejudicando a própria saúde enfrentando condições insalubres para tentar conter os danos.
Na cidade de Mauá são mais de 3600 moradias em áreas de risco, sendo que o Zaíra, bairro o mais populoso de Mauá – concentra 22% dos moradores do município – é o que concentra também a maior parte das ruas classificadas como de alto risco, segundo o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). A região possui um histórico de tragédias: em 2011 foram 6 vítimas fatais e em 2019, 4 crianças morreram, afora as centenas de famílias prejudicadas nesses episódios de chuvas fortes.
É fato que no último período, houve aumento do volume de chuvas: foi registrado esse ano 40% a mais de chuva do que o esperado para o mês inteiro em Mauá. Isso, porém, escancara um problema anterior: a falta de políticas públicas para habitação e urbanização que comporte o crescimento da cidade e possua propostas efetivas para remover as famílias das encostas e áreas de risco, relegadas a essa condição devido a imensa especulação imobiliária, impossibilitando que as famílias ocupem os diversos terrenos, casas e prédios abandonados pela cidade que poderiam servir para moradia, beneficiando o lucro privado em detrimento da imensa maioria de famílias pobres.
Este não é, portanto, um problema isolado de uma região ou somente do aumento das chuvas, mas sim da ausência de efetiva ação do poder público e da continuação de favorecimento das classes mais ricas, enquanto o povo que é trabalhador e constrói todas as riquezas e prestam os serviços na cidade sofre do descaso das autoridades.