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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Povos indígenas estão sob ataque com votação do Marco Temporal

Nas últimas semanas, a PL 490/07 referente ao Marco Temporal voltou a ser um dos assuntos mais comentados Brasil afora pela aprovação da votação em regime de urgência.

Agnes Rodrigues e Bento Xavier | Diadema


BRASIL – O Marco Temporal é uma tese jurídica que propõe que seriam reconhecidas como territórios indígenas apenas as terras que estivessem ocupadas por indígenas na data de promulgação da Constituição Federal, dia 5 de outubro de 1988. Esta tese, ao estabelecer que essa data seja determinante para o reconhecimento de territórios indígenas, reforça uma política de apagamento da História dos povos originários no país, afetando diretamente a dignidade e condições de sobrevivência dos povos indígenas.

O objetivo por trás dessa defesa é a entrega das terras já demarcadas e em processo de demarcação para grandes empresas do agronegócio incentivando o garimpo, a grilagem, a expulsão de indígenas de suas terras e ainda a indenização aos ruralistas ladrões.

O Marco Temporal também permitiria a construção de rodovias e outras obras em Terras Indígenas sem consulta prévia às comunidades afetadas. Ou seja, é uma proposta de genocídio amparado pela legislação iniciada em 2007, adiada em 2020 e 2022 e que volta a ser pautada no Congresso entre maio e junho de 2023.

No dia 16 de maio, na Comissão de Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, em Brasília, a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, denuncia o caráter arbitrário da tese no Congresso: “A demarcação de terras é um direito dos povos indígenas e um dever constitucional do Estado brasileiro, realizado pela União, mais especificamente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas. O PL 490/07 e seus projetos apensados são um risco. Em nenhum momento, por exemplo, se teve o cuidado de consultar os povos indígenas sobre as propostas, o que é exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Esse projeto sequer poderia estar tramitando nesta Casa”.

O Marco Temporal é um verdadeiro ataque aos direitos constitucionais dos povos indígenas. É uma inversão da história, como se os indígenas tivessem chegado e invadido essas terras e os verdadeiros invasores ficassem como donos legítimos desses territórios explorados. A aprovação desta tese implicaria em um retrocesso que nega a cultura e ciência produzidas por estes povos, além de desconsiderar que são os indígenas que fazem o maior trabalho de conservação dos biomas brasileiros.

Urgência para destruir o patrimônio material e imaterial brasileiro

Segundo o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Rafael Modesto, o Marco Temporal afetaria 95% das Terras Indígenas já homologadas – que somam atualmente 437 territórios.

Outras 598 áreas reivindicadas, caso forem de terras não ocupadas em 5 de outubro de 1988, de nada valeriam se o Marco Temporal fosse instituído, pois seriam anuladas como se nunca tivessem sido território indígena e como se a Constituição inaugurasse a existência dos povos originários no país.

Além de ser um absurdo que seja desconsiderado que os povos indígenas já estavam aqui desde muito antes da invasão de Pindorama, hoje chamado de Brasil, a questão mais arbitrária com relação a isso é que nesta data da promulgação da Constituição (1988) grande parte dos povos indígenas não estavam em seus territórios devido a conflitos desencadeados pela repressão dos resquícios da Ditadura Militar, quando foram expulsos e perseguidos com ainda mais frequência do que durante o regime que, ao todo, matou pelo menos 8500 indígenas. Esta perseguição se perpetua ainda hoje.

A urgência da votação da PL 490 no Congresso foi aprovada às pressas, sem aviso prévio ou consulta aos povos indígenas e muito menos à população geral, com a base ruralista em peso no parlamento garantindo 324 votos a favor da antecipação do julgamento do Marco Temporal, contra 131 que votos contrários.

Esta medida de urgência se apresentou como uma tentativa de boicote à mobilização dos povos indígenas que estava organizada para acontecer em Brasília em frente ao Congresso Nacional e ao STF entre os dias 5 e 8 de junho, uma vez que a data do julgamento foi inicialmente agendada para o dia 7 de junho. Com a aprovação do caráter de urgência, fica a expectativa do julgamento da PL 490 a qualquer momento, numa tentativa de desencontrar a agenda da mobilização indígena com o julgamento. Porém, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convocou uma nova mobilização geral em Brasília contra o PL 490 no dia 30/05, quando está previsto o julgamento do Marco Temporal no Congresso.

A luta contra a aprovação da PL 490 do Marco Temporal mobiliza movimentos sociais e os povos indígenas de todo o país (Foto: Rafael Vilela/ Midiaguaranimbya).

Além da inviabilização da demarcação de terras indígenas serão pautadas também outras políticas antiindígenas e antiambientalistas em andamento no Congresso como a alteração da MP 1154/2023 que foi aprovada na Câmara e esvazia o poder do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) dirigido pela ministra Sônia Guajajara, ao retirar da sua alçada as aprovações finais para as homologações de Territórios Indígenas, passando para o Ministério da Justiça, como se os indígenas não tivessem autoridade e capacidade para definir o futuro de seus territórios.

A luta também será contra a alteração na MP da Mata Atlântica, que facilita o desmatamento do bioma e que foi reinserido na votação da Câmara e aprovada no dia 24 de maio. Essa alteração da MP, feita no governo Bolsonaro, enfraquece as regras de proteção da Mata Atlântica com o fim da exigência de compensação pelas empresas que desmatarem a vegetação fora das áreas de preservação permanente além de também flexibilizar o desmatamento de vegetação original e em estado avançado de regeneração. Estas medidas afetam diretamente as condições de vida de povos indígenas que moram na região, como os Guaranis Mbya.

Pressionar o governo Lula para defender o meio ambiente

É importante lembrar que esse grande desmonte dos direitos indígenas está acontecendo no governo Lula – que se elegeu amparado por promessas de fortalecimento da luta indígena e caminhou ao lado do Cacique Raoni na cerimônia de posse, criou o MPI e garantiu ao mundo que o Brasil estaria ao lado da proteção do meio ambiente e dos povos originários.

A política do governo mais aprovada pela população geral é a de demarcação de Terras Indígenas. Isso só comprova o quanto as medidas implementadas pela social-democracia dentro do capitalismo defendem ideias progressistas, porém, na prática, somente tiram força material para a concretização destas políticas que garantem os direitos destes povos. É urgente que essas medidas de retrocesso sejam barradas, antes que a tragédia contra os biomas e os povos indígenas seja reforçada e chegue num ponto de não-retorno.

Também é urgente que os revolucionários considerem a pauta indígena como um dos principais pilares para a revolução, levando em conta que estes povos somam cerca de 1,6 milhão de brasileiros e protegem 80% da biodiversidade do planeta, que se encontra em Terras Indígenas.

Não somar na luta pelos direitos dos povos indígenas e da proteção dos nossos biomas implica em uma impossibilidade de manter as condições de habitar o mundo da forma que conhecemos e não haverá socialismo em um planeta morto.

Em meio à crise climática causada pelo sistema capitalista vemos a aproximação cada vez maior de um verdadeiro desastre ecológico que nos impedirá de construir uma sociedade justa com acesso à moradia, alimentação, saúde, cultura etc, se não inserirmos a luta dos povos originários por estes mesmos direitos.

Somente um programa revolucionário poderá garantir que esses direitos sejam concedidos a todos, pois hoje vivemos em uma situação de real perigo para a humanidade. É preciso que haja mobilização contra esses ataques aos povos originários, e que os comunistas incorporem a questão indígena em seus trabalhos. Assim avançaremos cada vez mais no caminho para uma revolução socialista brasileira!

Não ao Marco Temporal e as MPs de Morte!

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