Junho de 2013: dez anos depois

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Aqueles e aquelas que analisaram corretamente os acontecimentos de 2013 sob a luz do marxismo perceberam que o anseio da população era por mudanças radicais. O povo não tinha se desiludido com a esquerda e adotado uma posição direitista, mas sim que ela ansiava por uma direção revolucionária que a lembrasse de que é preciso lutar para ser livre, que o capitalismo não tem nada a oferecer a não ser a miséria, o desemprego, a morte.

Lucas Marcelino* | São Paulo


BRASIL – Em junho de 2013 aconteceram as maiores mobilizações populares da história do Brasil. Milhões de pessoas foram às ruas dia após dia manifestarem-se, inicialmente contra o aumento das passagens, depois contra vários outros problemas sociais.

Obviamente, tamanho acontecimento levou a várias atitudes e avaliações ainda durante as manifestações e logo após o fim do processo.

Uma parcela tratou logo de condenar os protestos como uma sabotagem ou uma tentativa de golpe da direita com apoio do imperialismo. A direita buscou se apropriar do movimento. Grupos menores e esquerdistas tiraram pouco proveito ou foram alvo de perseguição policial. Mas o que poucos fazem é uma análise material sobre como, de fato, começaram as manifestações e quais os resultados que ecoam até hoje.

A história se repete como farsa

Não foi a primeira vez que um processo de ascensão da luta popular fracassou ou foi apropriado pela elite e descaracterizado até que se tornasse em seu contrário.

Em 1905, na Rússia, a população faminta implorava ao czar que fizesse algo. Os socialdemocratas, como eram chamados os comunistas na época, canalizaram a revolta e levaram centenas de milhares de pessoas para as ruas.

A burguesia russa infiltrou um líder, o padre Gapone, que conseguiu convencer a população a fazer uma passeata pacífica, quase pedindo um favor ao imperador. A população atendeu ao chamado e teve como resultado o Domingo Sangrento, onde milhares de pessoas foram assassinadas a tiros pela guarda do czar.

Em 1952, os revolucionários cubanos reuniram mais de uma centena de militantes para tomar de assalto um quartel do exército. Como resultado, a maioria foi morta e o restante presos e torturados.

Nos dois casos, o que seguiu foi um período de repressão pesada em que a classe trabalhadora se viu obrigada a recuar e suportar as mais difíceis condições de vida para, alguns anos depois, realizarem revoluções que derrubaram o sistema capitalista e instalaram o socialismo nos dois países.

Por que isso não ocorreu no Brasil? Primeiro porque o governo no momento das manifestações era um governo eleito democraticamente e com considerável apoio popular. Quem diz o contrário se esquece que mesmo após as manifestações e a propaganda constante da mídia burguesa contra o governo, a presidenta Dilma foi reeleita.

Em segundo lugar, os partidos com maior inserção na classe trabalhadora não só não atenderam os anseios populares, como fizeram exatamente o contrário. Para encerrar as manifestações, muitas cidades recuaram nos aumentos ou até reduziram as passagens.

Mas, em São Paulo, cidade onde a faísca foi acesa, o prefeito na época, Fernando Haddad (PT), não teve coragem de enfrentar a máfia dos transportes e, de Paris, ouviu o governador Geraldo Alckmin anunciar o cancelamento do aumento enquanto se escondia das câmeras atrás do atual vice-presidente.

Após ser reeleito, o governo Dilma decidiu atender as demandas da burguesia e não do povo. Lançou a Lei Antiterrorismo, escolheu como ministro da Fazenda um banqueiro do Bradesco, reduziu a zero o número de famílias assentadas pela reforma agrária enquanto aprovava o Código Florestal e leiloava o Pré-Sal.

Por fim, não havia uma direção política revolucionária suficientemente forte e influente na sociedade para que suas orientações ecoassem entre a população. Dos poucos partidos que lutaram para manter suas bandeiras em pé, o PCR e a UJR contavam ainda com poucos militantes. E mesmo com várias ações de bravura, não tinham condições de ter hegemonia entre os manifestantes.

Para não se errar em política é preciso ser revolucionário

Obviamente, não podemos culpar Dilma Rousseff pelo golpe sofrido em 2016 e devemos denunciar a grande burguesia como a responsável pelo julgamento político que culminou no impeachment. Mas a entrega do poder sem luta foi o ponto culminante da história de conciliação do PT com a burguesia.

O jornal A Verdade, já em 2002, denunciava os perigos de um governo de conciliação do PT. O acerto de uma avaliação tão adiantada não é fruto de nenhuma profecia, mas da vontade e da capacidade de compreender e aplicar corretamente a teoria e a prática revolucionária do materialismo histórico e do marxismo como um todo.

Essa característica levou parte dos movimentos populares que até então atuavam em setores específicos da sociedade (MLC, MLB, Olga Benario, UJR) a compreender que era preciso levar o programa revolucionário para mais pessoas, para as amplas massas de trabalhadores e trabalhadoras.

Limitar-se a atuar como movimentos era um entrave. Mas, naquele momento não havia um partido que tivesse as características necessárias para reanimar o povo e lutar pelo socialismo. Por isso, era preciso criar um novo partido.

Não foi fácil. De um lado, existia a barreira da burocracia eleitoral e política que visava dificultar a organização popular e que se aprofundou em 2016 com a reforma eleitoral. De outro, havia entre a própria esquerda uma vontade de deixar tudo como estava e manter a revolta no ritmo desejado pelos partidos existentes, o que significava atravancar o ímpeto revolucionário e não atiçar a burguesia.

Mas, entre as duas margens, correu o rio do poder popular e do socialismo que deu origem à Unidade Popular (UP).

Aqueles e aquelas que analisaram corretamente os acontecimentos de 2013 sob a luz do marxismo perceberam que o anseio da população era por mudanças radicais. O povo não tinha se desiludido com a esquerda e adotado uma posição direitista, mas sim ansiava por uma direção revolucionária que a lembrasse de que é preciso lutar para ser livre, que o capitalismo não tem nada a oferecer a não ser a miséria, o desemprego, a morte.

Enquanto muitos se esconderam e outros apareceram para culpar o povo pelos problemas políticos e econômicos, milhares de camaradas se uniram para construir um novo partido revolucionário e apostar no novo que surge, não no velho que caduca.

Foi assim que a Unidade Popular se tornou o mais novo partido legalizado no Brasil e o único sob a injusta legislação eleitoral atual, fato que nem o ex-presidente fascista conseguiu com os milhões de reais de apoio dos ricos.

Passados dez anos desde 2013, só um setor da política nacional pode afirmar em alto e bom som que não teme seu futuro, que na verdade anseia e trabalha dia e noite para que ele chegue o mais rápido possível, pois com ele virá a libertação da classe trabalhadora e a punição da história para quem não soube compreender e não a quis respeitar.

Nós, do jornal A Verdade e da UP, ansiamos por novas jornadas ainda maiores do que as de 2013. Andamos para a frente a par e passo com a história. Sempre com atenção para não deixar que ela se repita nem como tragédia, nem como farsa, mas sim como o primeiro capítulo de um novo livro, em que a vontade do povo será a lei.

*Membro da Executiva Estadual da UP-SP