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sábado, 27 de abril de 2024

Indústria da cana-de-açúcar aumenta lucros com trabalho escravo

Só a luta unificada do proletariado urbano e rural, dos camponeses pobres, de todo o povo oprimido, pode acabar com o sistema capitalista de exploração e construir uma sociedade de trabalhadores, organizada para que cada pessoa tenha vida digna e livre, uma sociedade socialista.

Rafael Freire | Redação


EDITORIAL – O Brasil é líder mundial no plantio da cana-de-açúcar, o que lhe garante o posto de segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás somente dos EUA. Em 2020, o país exportou mais de 2,2 bilhões de litros de etanol, alta de 38% em relação a 2019. Este aumento resultou um faturamento para os usineiros (latifundiários do setor da cana), de quase um trilhão de dólares em 2020.

Para a safra 2023/2024, a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) projeta um aumento da área plantada, especialmente puxado pela expansão no Centro-Sul, capaz de produzir 80 milhões de toneladas.

Os capitalistas da Copersucar – conglomerado que reúne 36 usinas de cana – obtiveram um lucro líquido de R$ 781 milhões com a safra 2021/2022. Outra companhia do setor, a Jalles, viu os lucros saltarem de R$ 388 milhões para R$ 692 milhões.

Segundo Evandro Gussi, presidente da Unica, “o setor de etanol do Brasil saiu mais relevante do que entrou na pandemia à medida que a sociedade passou a valorizar produtos que são ambientalmente mais sustentáveis”. Belíssimas palavras para mascarar o que, de fato, está por trás desses lucros gigantescos.

A grande fonte de riqueza

A História do Brasil está diretamente ligada ao cultivo da cana-de-açúcar. 

Após a invasão dos portugueses a estas terras hoje chamadas de Brasil, em 1500, estabelece-se a monocultura da cana como principal atividade econômica da Colônia, uma vez que o açúcar possuía alto valor no mercado europeu e que os próprios portugueses já detinham experiência na África. É, a partir daí, que se inicia o tráfico de pessoas escravizadas do continente africano e que se consolida o chamado Ciclo da Cana, que durou cerca de 300 anos.

Na realidade, o trabalho escravo negro foi, durante séculos, a grande fonte de riqueza para as elites portuguesas e para os grandes latifundiários brasileiros, tanto pelo próprio tráfico de escravizados quanto pela produção nas lavouras de cana. A escravização no Brasil só foi abolida oficialmente no final do século 19, em 1888.

Trabalho escravo ainda sustenta usineiros

Mas, passado um século e meio, o trabalho escravo ainda sustenta os usineiros. Em 2022, o setor de cana-de-açúcar foi o recordista em número de trabalhadores resgatados em situação semelhante à de escravidão. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do total de 2.575 pessoas resgatadas, 362 vítimas (14%) estavam nesta lavoura. No Município de Varjão de Minas (MG), 273 trabalhadores foram resgatados no corte da cana.

Com a derrota de Bolsonaro nas eleições, a política de fiscalizações por parte do MTE foi retomada de maneira mais efetiva. No primeiro semestre deste ano, foram realizadas 174 ações, que resultaram em 1.443 pessoas resgatadas em situação de escravidão, contra 771 no primeiro semestre de 2022, em que apenas 63 ações foram levadas a cabo.

Do total de resgatados, 87% estavam em atividades rurais e 83% se declararam negros. E este último dado não é “mera coincidência”. Ou seja, a escravidão dos grilhões se transformou em escravidão assalariada para a classe trabalhadora, mantendo sua cor de pele e até certas formas de exploração.

Há cerca de dez anos, o fiscal do trabalho José Ribamar Rodrigues e outro colega, lotados na Superintendência Regional do Trabalho da Paraíba (SRTE/PB), coordenaram uma fiscalização numa grande fazenda produtora de cana no Município de Lucena, a 40 km da capital João Pessoa. Chegando ao local que servia de alojamento para os trabalhadores, eles se depararam com uma situação tão degradante, que afirmaram ao proprietário da fazenda: “isso aqui é uma senzala”.

Segundo ele, a estrutura se resumia a um galpão contínuo, feito de madeira e alvenaria, de teto baixo, com paredes escuras, e uma estrutura de tijolos que servia como fogão a lenha. Não havia quartos, banheiros nem cozinha. Os cerca de 20 trabalhadores dormiam em redes, faziam suas necessidades fisiológicas numa mata, que ficava em frente, e tomavam banho no rio, que ficava atrás, do qual também tiravam a água para beber e cozinhar.

A fiscalização multou o proprietário – segundo o auditor, um dos maiores do Estado da Paraíba –, suspendeu o corte da cana até que se resolvesse um alojamento provisório adequado e outros problemas, como a falta de equipamentos de proteção individual. Determinou ainda um prazo de 60 dias para a construção de um alojamento definitivo com toda a infraestrutura necessária, uma vez que esses trabalhadores passam meses trabalhando e morando nas fazendas.

Precarização e exploração

Ribamar explica ainda que a SRTE/PB foi a pioneira no Brasil a criar um grupo específico de auditores fiscais para atuar no meio rural, e isso apenas no ano de 2000. “Antes, as demandas dos rurais eram cumpridas dentro do conjunto de demandas da fiscalização, não havia um foco específico, que é necessário devido às características do meio rural. À época, a primeira pauta deste novo grupo de trabalho, que envolveu também as entidades sindicais, foram os riscos causados aos trabalhadores pelo uso de agrotóxicos”.

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 7º, equiparou o trabalho rural ao trabalho urbano, mas, só em 2005, foi publicada portaria do MTE com a Norma Regulamentadora Nº 31, contendo um conjunto de especificações sobre segurança e saúde para os trabalhadores da agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura.

Em seguida, em 2009, foi constituído o Grupo de Fiscalização do Trabalho Rural como parte da estrutura nacional do Ministério, assegurando recursos financeiros e corpo de pessoal para realizar as fiscalizações no campo em cada estado.

No entanto, os avanços duraram pouco tempo e foram barrados pelo golpe de 2016. Ana Mércia Fernandes, também auditora fiscal da SRTE/PB e que integrou o Grupo Rural, explica que, a partir do governo do presidente golpista Michel Temer, foi realizado um desmonte sistemático da legislação trabalhista e da estrutura de fiscalização do Ministério do Trabalho.

“Hoje, em todo o Brasil, somos menos de dois mil auditores fiscais, sendo que uma parte realiza serviços administrativos. De fato, são 1.700 cargos vagos, de pessoal que se aposentou e não houve concurso público para reposição ao longo dos anos, o que ainda seria insuficiente para as dimensões do nosso país. Com os governos de Temer e de Bolsonaro, ocorreu uma enorme precarização após a Reforma Trabalhista, terceirização sem limites, o Grupo Rural foi extinto e fomos realocados para outros setores dentro dos órgãos. Hoje, por exemplo, atuo na fiscalização na construção civil. Cheguei a ouvir de gerentes de obra a pergunta: ‘E ainda existe fiscalização?’. Bolsonaro vendeu a ideia de que não havia mais Ministério do Trabalho nem fiscalização, que as empresas poderiam fazer o que quisessem, que ninguém iria fiscalizar e autuar”, detalha Ana Mércia.

Após a Reforma Trabalhista fascista, promovida por Temer e aprofundada por Bolsonaro para beneficiar os grandes capitalistas, milhões de trabalhadores passaram a prestar serviços a empresas terceirizadas. Estas, muitas vezes, não assinam a carteira de trabalho, não depositam o FGTS, demitem a hora que querem e não pagam verbas rescisórias. Tudo isso sem necessidade de homologação por parte dos sindicatos e do Ministério do Trabalho. Uma verdadeira farra de lucros e de negação de direitos.

Só a luta unificada do proletariado urbano e rural, dos camponeses pobres, de todo o povo oprimido, pode acabar com o sistema capitalista de exploração e construir uma sociedade de trabalhadores, organizada para que cada pessoa tenha vida digna e livre, uma sociedade socialista.

A Verdade seguirá, nas próximas edições, dando cobertura a esses temas com reportagens sobre a realidade dos trabalhadores da cana-de-açúcar e de outras categorias.

Editorial publicado na edição nº274 do Jornal A Verdade.

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