Sara Gomez, a lente da Revolução Cubana

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O triunfo da revolução cubana trouxe não só o advento da perspectiva nos setores sociais dos trabalhadores cubanos da época, mas também trouxe a perspectiva de uma arte nacional ampliada e democrática em combate à massificação estrangeira vigente no antigo regime. Sara Gomez foi uma das expoentes dessa arte.

Fernanda Nogueira e Leonardo de Paula | Campinas


CULTURA – A união da efervescência da juventude cubana, o incentivo à cultura como prioridade do novo governo e a reformulação do país a partir de uma nova forma de sociedade, fizeram com que em 24 de março de 1959, apenas 83 dias após a revolução cubana, nascesse o ICAIC – Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos – que veio se provar um dos maiores institutos artísticos do mundo.

Com olhos atentos à juventude, os integrantes fundadores do ICAIC buscavam jovens capazes de exercer sua função combativa e revolucionária no instituto. Levando em conta a mudança na linguagem cinematográfica e política propostas pela entidade, viram florescer na chama estudantil a profissional perfeita.

Atenta às artes, à escrita e às questões estudantis desde cedo, Sara Gómez, já na adolescência apresentava a proposta de implementação do discurso jovem focado no gênero, raça e classe que iriam muito além da sétima arte, provando-se uma prodigiosa artista e uma incipiente revolucionária.

Nasceu assim a relação de Sara Gomez com o cinema, a primeira mulher cineasta da história de Cuba.

A vida de Sara Gomez

Natural de Guanabacoa, município pertencente à província de Havana, capital de Cuba, Sara Gómez veio ao mundo no dia 8 de novembro de 1942. Formada no centro da revolução, Sara desde cedo já se mostrava muito bem encaminhada para a arte, uma vez que já na formação secundária cursou seis anos de música no conservatório “Amadeo Roldán”, enquanto se dedicava também a escrever para os jornais de Havana, entre eles o estudantil “Mella” e o semanário “Hoy, Domingo”.

Após dois anos de sua fundação, em 1962, Sarita integra oficialmente o ICAIC, sendo a única mulher negra de sua equipe e a única mulher diretora da instituição. No mesmo ano é responsável pela direção dos curtas “Fábrica de Tabaco” e “Historia de la pirateria”, sendo o primeiro o responsável por elevar Sara ao posto de primeira diretora mulher na história do país.

Desde os seus primeiros trabalhos, a diretora busca documentar os perigos do colonialismo e a realidade da classe trabalhadora, evidenciando uma preocupação em exaltar o processo coletivo de produção e interação no trabalho. Temática essa que seria amadurecida anos mais tarde na elaboração de narrativas mais complexas a respeito das massas trabalhadoras e periféricas Cubanas da época.

Como ilustrado em “Fábrica de tabacos”, Sara documenta a produção dos famosos charutos cubanos, partindo do simples momento de chegada do consumidor à loja, mas focando nas fábricas que o produzem, narrando todo o processo cauteloso na confecção do produto e culminando no momento de lazer e satisfação no consumo final.

Seus trabalhos iniciais chamaram a atenção não só do ICAIC, mas também de realizadores e admiradores favoráveis à revolução e a recém-formada indústria cinematográfica. Sendo assim, mostrando seu valor, Sarita é catapultada para produções de grande importância na história do cinema, sendo escalada para ser assistente de direção de uma das maiores expoentes do cinema francês da história, Agnes Varda.

Retrato da diretora e cineasta afro-cubana, Sara Gomez (Foto: Reprodução/ Internet).

Seu trabalho em “Saudações Cubanos” é fundamental na consolidação de um dos mais conhecidos documentários a respeito da Cuba dos anos 60, em que explora o lado político pós-revolução e evidencia um grande momento de felicidade e produção artística pelas ruas cubanas.

Como marca de sua arte e identidade Sara ajuda a empregar junto a Agnes uma forte visão racial dentro da obra, elevando a população e sua cultura nas mais diversas expressões e levantando o debate em cima de uma sociedade racialmente livre de preconceitos e revolucionária desde a base.

Sara também foi fundamental na criação e principalmente na consolidação da identidade fílmica do país, tendo colaborado com diretores renomados mundialmente como Tomás Gutiérrez Alea, no longa-metragem “Cumbite’’ no ano de 1964, e Jorge Fraca na obra “O roubo”, de 1965.

Tais obras ultrapassaram as fronteiras de seu país e foram exibidas nos mais diversos festivais de cinema do mundo, demonstrando assim, a imensa importância que Gómez tinha dentro do instituto.

Antes de tudo, uma revolucionária

Apesar do enorme talento para as artes e a clara predileção para o cinema, Sara nunca abandonou seu lado político e revolucionário. Sarita encontrou no cinema uma arma fortíssima para aplicar uma fusão entre uma nova linguagem cinematográfica, uma juventude combatente e a luta, cada vez mais aprofundada, por uma sociedade socialista livre das contradições de classe.

Tomada por esse ímpeto a diretora, com seus 27 anos, concluiu seu projeto mais audacioso até então: a trilogia da Isla dos Pinos – composta pelos filmes “En la otra isla” (1968), “Una isla para Miguel” (1968) e “Isla del tesoro” (1969) – que acompanham a viagem da diretora para Isla de Pinos e, a partir disso, documentam a sociedade pós-revolução refletida nos moradores locais, com marcas insistentes do sistema capitalista.

Sarita volta sua câmera para o que veio a se mostrar seu personagem favorito em toda a Cuba: o jovem. A diretora recorta um panorama – ditado através de entrevistas guiadas pela própria Sara – da vida da juventude cubana que foi colocada a trabalho em prol da disciplina.

A forma como Sara guia as entrevistas deflagra a importância de um grande debate político a respeito dos problemas da sociedade socialista em construção, sem desviar do método de crítica e autocrítica em sua linguagem cinematográfica.

O cinema vivo de Sara Gomez

Na década de 70, apesar das constantes crises de asma (doença que a acompanhou a vida inteira), Sara embarca em um novo empreendimento cinematográfico, seu primeiro longa-metragem.

“De cierta maneira” exprime e analisa, ao acompanhar o romance entre os personagens Yolanda e Mario, uma temática profunda pautada na luta pela terra e identidade, além da forte questão racial e de gênero presentes em Cuba. A película evidencia a expressão artística revolucionária de Sara Gómez colocando em primeiro plano as lutas sociais que o novo país perpassa, materializadas nos protagonistas.

Após dois anos de rodagem Sarita sofre de uma fortíssima crise de asma logo após o término das filmagens e vem a falecer no dia 02 de junho de 1974, com apenas 31 anos.

Deixou seu primeiro longa-metragem incompleto até 1977, momento em que seus companheiros do ICAIC – Tomás Gutierrez Alea e Julio Garcia Espinosa – finalizaram a parte técnica do projeto.

Exemplo de revolucionária, Sara Gomez é parte integral da história cinematográfica e revolucionária de Cuba. Seu cinema, além de documento histórico, foi uma arma importante na construção cultural do novo homem e da nova mulher socialista em Cuba, inspirando incontáveis jovens cineastas.

A luta pela sociedade livre da exploração capitalista toma proporções exorbitantes quando em contato com a arte, Sara Gomez é grande exemplo disso, afinal, não só documentou através de sua maior arma, uma lente, a luta de um povo que vê emergir a esperança perante a nova face de uma sociedade igualmente nova, mas também por documentar sua imortalidade na história das revoluções.

Viva, Sarita! Viva, Cuba!