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quinta-feira, 2 de maio de 2024

Amaro Luiz de Carvalho, fundador e herói do PCR

Como dirigente do PCR, Amaro atuou por quatro anos na zona canavieira, coordenando ações e organizando conselhos de luta dos assalariados rurais, até ser preso no dia 22 de novembro de 1969. Na prisão teve comportamento exemplar, resistindo bravamente às torturas praticadas nos cárceres da ditadura militar do Recife e de São Paulo, para onde foi transferido e torturado.

Luiz Alves e Edival Nunes Cajá


HERÓIS DO POVO BRASILEIRO – As palmeiras, plantas típicas do Norte e do Nordeste brasileiro, já foram cantadas em prosa e verso por nomes consagrados da nossa literatura. Ouso louvar, também, uma palmeira que se agiganta sobre todas as que embelezam nossos rincões. Maior e diferente de todas, porque é um ser humano. Afirmo no presente por concordar com a tese de que os homens imprescindíveis não morrem.

Palmeira, Capivara, Amaro Luiz de Carvalho, um operário inteligente, um militante culto, disciplinado, um dirigente e organizador comunista exemplar, nasceu no dia 04 de junho de 1931, em Joaquim Nabuco, Zona da Mata pernambucana, trazendo nas veias o sangue de heróis como Zumbi dos Palmares, o anseio de libertação de centenas de gerações de oprimidos.

Herói do PCR

Desde criança, insatisfeito com as injustiças, não aceitava que um pequeno número de pessoas – os donos das terras, usinas, indústrias, bancos – se enriquecesse às custas do trabalho não pago, da mais-valia, do sofrimento de tantas pessoas.

Da reflexão à ação foi um passo, engajando-se na luta, ingressando aos 15 anos no Partido Comunista, o PCB.

Operário, Capivara teve participação destacada nas lutas da categoria têxtil da Região Metropolitana do Recife, mobilizando e organizando os trabalhadores. Foi preso pela primeira vez em 1958 por liderar uma greve têxtil. As arbitrariedades só fortaleciam sua ideologia e lhe aumentavam o ânimo.

Mas foi na Zona Canavieira, seu berço, que mais brilhou a atuação do herói, criando ligas camponesas e sindicatos, mobilizando e organizando os camponeses pobres e assalariados rurais.

Reforma ou Revolução?

A ida a Cuba, em 1961 – com a Revolução ainda criança, pois ocorrera em 1959 – proporcionou-lhe maior entusiasmo para o trabalho de construção de uma sociedade socialista no Brasil. Ele disse: “Cada camponês que saía, via a força da revolução e a capacidade criadora do povo trabalhador do país irmão”.

Descontente com as mudanças ocorridas no PCB como resultado da traição do 20º Congresso do PCUS, junto a grande número de militantes, desligou-se da organização e fundou o Partido Comunista do Brasil, PCdoB. Capivara reorganizou esse partido, tendo rompido com a linha reformista não apenas por divergências teóricas, mas pelo encaminhamento das lutas concretas.

No seu trabalho “As quatro contradições da Zona Canavieira de Pernambuco”, ele dá um exemplo: “O engenho Serra pertencia ao criminoso Alarico Bezerra. Os camponeses de toda a região afluíram a Serra para reivindicar terras. Nesta invasão, para evitar contra-ataque dos capangas de Alarico, foram postos em armas 100 homens, os quais se portaram com galhardia, sem tocar nos bens da propriedade até que o governo tomasse medidas adequadas… A camarilha revisionista utilizou o presidente do Sindicato de Palmares para dissuadir os camponeses dos seus propósitos, o que não conseguiu, tendo sido desarmado e posto em fuga pela massa enfurecida”.

Luta clandestina

Com o golpe militar de 1964, Capivara passou a atuar na clandestinidade na zona canavieira, especialmente nos Municípios de Jaboatão, São Lourenço da Mata, Moreno, Vitória, Serinhaém e Barreiros.

Participou de um curso de formação e capacitação político-militar na China, onde conheceu as grandes realizações do povo chinês. Pouco tempo após seu retorno, reuniu-se com um grupo de militantes, entre os quais Manoel Lisboa de Moura, ocasião em que avaliaram que a direção do PCdoB estava se burocratizando e emperrando o trabalho revolucionário. De fato, o rompimento com o revisionismo e com o reformismo havia sido apenas formalmente. Em consequência dessa avaliação, decidiram sair daquela organização. 

Tendo Manoel Lisboa à frente, lançaram a “Carta de 12 pontos aos comunistas revolucionários”, logo após o congresso de fundação do Partido Comunista Revolucionário, PCR, em maio de 1966.

Como dirigente do PCR, Amaro atuou por quatro anos na zona canavieira, coordenando ações e organizando conselhos de luta dos assalariados rurais, até ser preso no dia 22 de novembro de 1969. Na prisão teve comportamento exemplar, resistindo bravamente às torturas praticadas nos cárceres da ditadura militar do Recife e de São Paulo, para onde foi transferido e torturado.

Condenado a dois anos de prisão, faltando dois meses para ganhar a liberdade, foi covardemente assassinado na Casa de Detenção do Recife a pauladas. Sua morte foi tramada pela cúpula dos usineiros mais sanguinários de Pernambuco, chefiados por José Lopes de Siqueira (o mesmo que tentou matar Gregório Bezerra) e Júlio Maranhão, na presença do torturador Sérgio Paranhos Fleury, tudo sob a cumplicidade do coronel da PM Olinto Ferraz, então diretor da Casa1.

Um prisioneiro enviou carta anônima ao comandante do IV Exército, denunciando que “…o crime feito contra o preso político Capivara foi feito na maior covardia por três criminosos perversos. Todos os presos estamos revoltados porque não foi tomada nenhuma providência até aqui. Os criminosos estão todos contentes. O cabeça é Dercílio de Brito, outro é Odilon Marculino e o terceiro é Severino Caboclo. Mais de dez presos viram, mas não querem dizer com medo de morrer. Não boto meu nome para depor, para não morrer também. Se vossa excelência der garantia, me apresento para provar na vista de todos os três”.

Houve até testemunhas que denunciaram os assassinos, mas os inquéritos foram todos de fachada, nunca indiciando os autores e os mandantes do crime. É claro que os usineiros e os carrascos do regime militar jamais iriam acusar a si próprios.

A imprensa burguesa divulgou versões mentirosas: “Coração trai Capivara a dois meses da liberdade” (Diário da Noite, 24/08/1971). E comemorou sua morte: “Fim do Terror” (Diário de Pernambuco, 24/08/1971). Achavam que a tranquilidade voltaria ao campo. Não voltou. Não poderia voltar, uma vez que os canavieiros continuaram sendo explorados, tendo seus mínimos direitos trabalhistas negados, sendo demitidos em massa e vivendo em condições desumanas.

Poucos meses antes de ser assassinado, demonstrou, de maneira inquestionável, seu compromisso e amor à revolução brasileira. Assinou de próprio punho sua renúncia à inclusão do seu nome na lista de prisioneiros políticos que foram libertados em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, aprisionado pela VPR, em 7 de dezembro de 1970 e liberado em 16 de janeiro de 1971. Ele agradeceu a lembrança do seu nome pelos companheiros guerrilheiros, mas tinha a determinação de, após sua saída da prisão, continuar a luta em solo brasileiro, sob o comando do seu Partido, para derrubar a ditadura, o capitalismo e ajudar a construir a sociedade socialista.

Em 2013, o Estado de Pernambuco foi condenado pela Justiça a pagar indenização por danos morais a Maria das Dores Gomes da Silva (esposa de Amaro), por também ter sido presa, estuprada e torturada na ditadura. Maria das Dores ficou presa durante 22 dias, depois de ter sido detida ilegalmente por agentes da Polícia em novembro de 1969. Em 24 de agosto de 1971, ela voltou a ser presa pelo Dops para prestar depoimento sobre a morte do marido.

Nota:

  1. Em abril de 2021, o desembargador federal Hélio Silvio Ourém Campos, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Pernambuco, determinou que fossem cobertos trechos do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade que se referem ao ex-coronel Olinto de Souza Ferraz. O Comitê por Memória, Verdade, Justiça e Democracia de Pernambuco fez a denúncia à Procuradoria da República, mas o caso segue sem solução.

Anexo

Dirigente revolucionário

Amaro Luiz de Carvalho foi designado responsável pelo trabalho militar das Ligas Camponesas, coordenando ações em Pernambuco e Goiás. Não frequentou nenhuma universidade, mas, pelo próprio esforço, aprendeu a ler e a escrever e, para cumprir missões internacionalistas, aprendeu a falar espanhol e inglês sozinho, apenas com apostilas, lápis e cadernos.

Escreveu o trabalho “As quatro contradições da Zona Canavieira de Pernambuco” (Editorial a Luta, 1967), do qual transcrevemos os trechos em que ele fala do sindicalismo como instrumento de luta e do poder popular que estava sendo construído na região:

“…Os camponeses da zona canavieira de Pernambuco nunca dependeram nem mesmo das diretorias sindicais para decretarem suas greves. Jamais se submeteram à podridão burocrática da Justiça do Trabalho para se declararem em greve. O que entendiam por decisão coletiva não era o formalismo clássico das assembleias sindicais, mas sim o apoio recíproco dos camponeses.”

“Milhares e centenas de milhares de camponeses de toda a zona canavieira procuravam nas cidades interioranas filiar-se aos sindicatos. As cidades do interior de toda a região açucareira eram sacudidas pela avalanche humana à procura da nova organização, à procura de seus direitos.”

“As autoridades constituídas, para os camponeses, não tinham nenhum valor. As delegacias de polícias foram abjuradas. Todas as questões eram levadas ao sindicato, tamanho era o respeito que tinham pela organização. Todo poder emanava do sindicato.”

Matéria publicada na edição nº 276 do Jornal A Verdade.

 

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