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quinta-feira, 2 de maio de 2024

Povos indígenas derrotam ruralistas e barram o Marco Temporal no STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal encerraram a votação que rejeitou a Tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas (PL 2093), nesta quinta-feira, 22/09, com o placar de 9 a 2. A votação representa uma vitória da mobilização dos povos indígenas contra a ganância ruralistas em explorar territórios dos povos originários.

Agnes Rodrigues e Victor Bravo | São Paulo


BRASIL – O julgamento angustiou povos indígenas, ambientalistas, ativistas e cientistas, mas fez com que uma parte da sociedade civil se mobilizasse contra o Marco Temporal. Dentre os tópicos levantados pelos ministros foi enfatizado que a posse indígena é distinta da posse civil, uma vez que está enraizada na identidade e modo de vida das comunidades indígenas, não se assemelhando à aquisição de direito à terra.

Destacou-se a natureza fundamental dos direitos indígenas, protegidos e imunes a retrocessos. A “alternativa” apresentada pelo Ministro Alexandre de Moraes, que propõe a indenização prévia para terceiros de boa-fé, foi criticada por potencialmente enfraquecer os direitos territoriais indígenas e abrir espaço para a grilagem de suas terras.

Outro impedimento apresentado foi a possibilidade de “compensação de terras” para as comunidades indígenas, o que foi considerado uma ameaça à sobrevivência das culturas indígenas uma vez que suas terras tradicionais são essenciais para a preservação de suas identidades e modos de vida.

“É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese, que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. Mas temos pontos importantes a serem observados. Os votos do ministro Alexandre de Moraes e Dias Toffoli trouxeram elementos bastante perigosos para os povos indígenas”, relatou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB.

Placar final da votação sobre o Marco Temporal mostra que apenas os ministros indicados pelo ex-presidente fascistas votaram contra os povos indígenas (Foto: Reprodução/APIB).

Histórico de Violência

O Marco Temporal, projeto de lei financiado por ruralistas, banqueiros e empresários de multinacionais, nasceu com o objetivo de perpetuar o genocídio indígena para que se possa continuar a violação de territórios e destruição da natureza que ocorrem desde a invasão de 1500, fazendo isso de forma amparada pela lei.

Essa violência não ataca apenas o território, mas também assassina indígenas, rios, florestas e a terra, tudo isso em prol do lucro de algumas poucas famílias ricas e brancas atacando aquilo e aquelas que sustentam a vida no planeta.

O PL rejeitado no Supremo Tribunal Federal não é o único ataque feito aos povos indígenas e ao meio ambiente. Diariamente, notícias de assassinatos e desaparecimentos de pessoas indígenas circulam em portais e perfis destinados à causa, mas raramente saem da bolha para conhecimento amplo de não-indígenas.

O racismo nas mídias faz com que a morte de indígenas seja negligenciada, normalizada ou mesmo desconhecida, quase nunca ganhando força e destaque nas grandes plataformas e dentro das organizações políticas, gerando pouca ou nenhuma mobilização em protesto aos ataques.

Poucos dias antes do retorno do julgamento da tese do Marco Temporal, no dia 20, três casos de assassinato de indígenas chocaram o movimento e apoiadores pela brutalidade e ódio, mas alcançaram poucos veículos de comunicação.

Influenciadores indígenas pontuaram a negligência do Estado e dos que se dizem aliados. “Onde estão as notícias nos jornais? Onde está a comoção na internet? Cadê as campanhas? Onde está o Ministério Público Federal? Cadê a Polícia Federal e a Civil?”, indagou Uýra, artista e educadora indígena em sua conta de Instagram.

Protesto exige justiça contra mais um crime bárbaro contra uma adolescente indígena (Foto: Luane Karipuna/Apoianp).

No dia 18 de setembro, mais um crime bárbaro de intolerância religiosa e racismo foi denunciado. Um casal de rezadores Kaiowá e Guarani foram queimados vivos por meio de um incêndio criminoso dentro de seus territórios, em uma casa de rezo tradicional.

O portal Kuñangue Aty Guasu relata que os ataques foram posteriores a uma série de discursos de ódio que são recorrentes no território de Guasuty, na cidade de Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul.

“Realizamos algumas escutas hoje [20] e foi denunciado que a Nhandesy Sebastiana vinha recebendo várias ameaças de mortes nos últimos anos, inclusive chamada de ‘feiticeira’, discursos coloniais de ódios recorrentes e reproduzidos em MS”. Ainda segundo o portal, os ataques só aumentaram com o avanço das religiões neopentecostais na região.

Os corpos de Nhandesy Sebastiana e Nhanderu Rufino foram encontrados carbonizados, escancarando o racismo religioso que está vivo e cada vez mais violento, violência essa que nunca acabou desde a invasão portuguesa e que segue ferindo corpos e ameaçando indígenas em um país com 305 diferentes povos originários.

No Mato Grosso do Sul há 115 territórios indígenas reivindicados, sendo que para 85 deles não há nenhuma providência de homologação em curso demonstrando o quanto é urgente que as Terras Indígenas sejam demarcadas no intuito de também proteger a vida dessas pessoas que sofrem ataques diários.

No dia 17 de setembro, outro caso chocou o movimento indígena com a morte de M.C.V., adolescente Karipuna do Amapá, de 15 anos, que foi mais uma mulher vítima de violência sexual e feminicídio.

A jovem foi brutalmente violentada no dia 13 de setembro e, em seguida, foi jogada em uma área de pântano e asfixiada com lama. Após ser violentada, conseguiu fugir e foi levada a um hospital na Guiana Francesa, porém não resistiu e foi a óbito 4 dias depois.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), publicou em suas redes digitais que “este ato de violência é um atentado à vida de todas as mulheres indígenas, expressando a mais triste realidade de misoginia e racismo. Uma herança de escravidão, estupro, aculturamento e genocídio colonial”.

Ainda segundo a COIAB, um relatório da ONU expôs que 1 em cada 3 mulheres indígenas já sofreu violência sexual ao longo da vida e, entre 2000 e 2020, o número de feminicídios de mulheres indígenas teve o aumento alarmante de 167%.

Estes dois casos de crimes contra lideranças e mulheres indígenas mostram o quanto a anulação do PL do Marco Temporal é o mínimo para que os povos indígenas possam continuar existindo.

Nhandesy Sebastiana e Nhanderu Rufino foram assassinados em mais um crime contra os povos originários e sua cultura (Foto: Reprodução/CIMI).

Em meio à articulações importantes como as manifestações contra o Marco Temporal, o Acampamento Terra Livre e a III Marcha das Mulheres Indígenas, todas realizadas em Brasília contando com a presença milhares de indígenas, os assassinatos de pessoas dentro de seus territórios ancestrais denunciam a urgência e importância da demarcação, sabendo que outros tipos de violência contra esses povos não cessarão enquanto vivermos no capitalismo, que mata os povos originários de forma sistemática pois entende que é preferível que estes povos desapareçam, porque assim sobram mais terras para explorar.

É urgente que os comunistas incorporem cada vez mais a questão indígena em seus trabalhos, de modo que não se assemelhem em nada com a burguesia, que não compreende o quanto a vida humana está intrínseca à vida da natureza.

A causa indígena é revolucionária!

Estima-se que os povos indígenas juntamente com famílias ribeirinhas, protegem e preservam 80% da biodiversidade mundial, entre animais, plantas, rios, lagos e áreas marinhas (Foto: Victor Bravo/Greenpeace).

Não podemos jamais tratar a questão indígena e ambiental como uma pauta secundária e alheia à nossa luta cotidiana. Não podemos cometer os mesmos erros que levaram os capitalistas a destruírem o planeta. Não temos tempo para negligenciar ou secundarizar a questão ambiental pela incompreensão do quanto dependemos da saúde do planeta para podermos viver numa sociedade socialista. A catástrofe já está anunciada há tempos. A crise climática está em curso.

É em caráter de urgência que devemos avançar a consciência com relação a esta questão para que nossa luta pela emancipação da classe trabalhadora não esteja desalinhada com a luta ambiental que corre contra o tempo para conter o superaquecimento da Terra, que trará ainda mais miséria e morte para o nosso povo. Afinal, devemos lembrar que os recursos são finitos e cada vez mais escassos.

A saída para essa questão passa necessariamente pela demarcação de territórios, pois a solução para a regeneração e proteção da natureza está nos saberes e tradições ancestrais dos modos de vida indígenas, aliada a uma ruptura do sistema capitalista que aprofunda cada vez mais a devastação ambiental.

A crise do capitalismo avança ao mesmo tempo em que destrói o meio ambiente e cabe a nós, trabalhadores e trabalhadoras, progressistas, revolucionários e comunistas, dominarmos a questão ambiental para que nossa contribuição nesta luta direcione o enfrentamento à emergência climática para uma via revolucionária.

O Marco Temporal ser anulado no STF é mais um passo em direção ao mundo que queremos, mas ainda é preciso somar na luta dos povos originários cada vez mais. Não construiremos um sistema justo enquanto a violência ainda for parte da vida dos corpos-territórios dos filhos e filhas da terra. O Brasil é Terra Indígena!

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