No combate à Ditadura Militar Fascista (1964-1985), o movimento estudantil cumpriu um papel fundamental. No Rio de Janeiro, junto do CAp UFRJ, o Colégio Pedro II e o CE Visconde de Cairu, o Colégio Estadual André Maurois foi um dos principais polos de resistência secundarista.
Gabriel Puga | Rio de Janeiro
LUTAS DO POVO – O Colégio Estadual André Maurois foi fundado em 1965 e, já no primeiro ano de sua fundação, os alunos se organizaram para formar um grêmio e realizar atividades culturais.
Na primeira disputa para o grêmio estudantil, participaram duas chapas e, ainda durante a campanha, foi criado o cineclube Kanal. Após a eleição, a chapa perdedora se juntou à vencedora na construção do Movimento Estudantil na escola, em clima de unidade.
O cineclube Kanal, que tinha esse nome em homenagem ao canal que passa na frente da escola, foi presidido por Silvio Darin, que se tornaria depois um dos principais documentaristas brasileiros, e chegou a atrair o público externo, aparecendo na página de cinema dos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Antes de Silvio, o presidente era o amigo dele Alan Albuquerque.
Alan deixou o cargo quando foi eleito presidente da AMES Rio (Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas), em 1966. Na época, aquela era uma entidade estudantil forte e reconhecida pelos estudantes de todo o município. Uma das principais organizações estudantis no combate à Ditadura, a AMES passou os últimos anos no imobilismo, mas foi resgatada à luta em seu último congresso, realizado no final de 2022.
Além de Alan, Jaime Cardoso, um dos vice-presidentes da AMES também estudava na escola, o que mostra o protagonismo que desempenhava o CEAM nas lutas estudantis da cidade. Na gestão seguinte, o vice-presidente também era um estudante da escola.
O cotidiano do colégio
A primeira diretora do colégio foi Henriette Amado, que era professora de latim por formação e apaixonada por educação. O modelo que implantou na escola era muito menos rígido do que o modelo empresarial-militar da Ditadura, o que criou uma atmosfera de liberdade na escola.
Os alunos não tinham medo de se posicionar. Na escola, havia os militantes organizados na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e na Ação Popular (AP), que eram os mais engajados na construção da AMES Rio. Vários desses militantes, inclusive, foram mais tarde para a luta armada contra a Ditadura Militar Fascista.
Apesar das disputas que existiam entre as duas organizações, conviviam no colégio as diferentes palavras de ordem, faixas e o ME era conhecido por todos os estudantes do CEAM.
Naquele tempo, mesmo sendo estadual, a escola era mais elitizada do que hoje e boa parte dos alunos era de classe média. No entanto, isso não impedia que participassem da luta junto aos estudantes pobres.
A ditadura persegue o CEAM
O Decreto-Lei n. 477 de 1967 do governo militar obrigava os diretores de escolas e universidades a denunciar alunos que fumassem maconha ou participassem de movimentos subversivos.
Em 1970, após perceber que alguns alunos estavam fumando maconha, a diretora resolveu fazer uma experiência, com apoio das equipes de ciência e biologia, em que aplicava drogas em ratos e mostrava os efeitos ao longo dos dias. O objetivo era o de gerar um debate sobre os malefícios da droga. A imprensa noticiou como se Henriette estivesse incentivando o uso de drogas na escola e a polícia partiu para cima.
Foi o pretexto que o governo fascista precisava para atacar o colégio. Em 1971, dezenas de policiais com camburões cercaram a escola e prenderam Henriette.
Esse ataque não foi o primeiro que ela sofreu. Em 1967, a diretora foi alvo de uma grande campanha de difamação e mais de dois mil alunos da escola, que tinha 2500 matriculados, se manifestaram em apoio a Henriette, depois de forte mobilização do ME. Na escola, as manifestações eram uma forma comum de os alunos se expressarem.
Em 1968, a semana da chamada “Sexta-feira Sangrenta”, episódio de repressão policial aos estudantes que aconteceu pouco antes da Passeata dos Cem Mil, começou na segunda-feira. Naquele dia 17 de junho, os estudantes do CEAM organizaram uma grande manifestação, que repercutiu em todo o estado. Naquele dia, a Polícia Militar do Rio de Janeiro tentava invadir a escola para prender “alunos extremistas”.
A voz do CEAM não se cala!
Naquela época o Movimento Estudantil exercia um papel importantíssimo no desgaste da Ditadura Militar Fascista, e por isso era tão perseguido. Hoje, o ME ainda tem grandes enfrentamentos a fazer e continua formando centenas de lutadores sociais. No CE André Maurois não é diferente.
Em setembro de 2022, foi reconstruído o Grêmio Estudantil Henriette Amado do CE André Maurois e eleita a chapa União Revolucionária Estudantil. No final de 2023, a gestão, construída por estudantes do Movimento Rebele-se e independentes, foi reeleita com mais de 70% dos votos.
Renan Hoche, 18 anos, fez parte da reorganização do grêmio e integra hoje a diretoria da AMES Rio. Ele conta que “A luta na escola nunca parou: só teve algumas pausas. O CEAM foi um dos principais colégios ocupados em 2016. Durante a pandemia o ME na escola ficou mais enfraquecido, mas depois voltou com bastante força. Reconstruímos o grêmio e desde então já conseguimos ter várias conquistas dentro da escola. No momento, nossa principal luta é pela revogação do Novo Ensino Médio.”