O Eternauta é uma história em quadrinhos de ficção científica escrita por Héctor Oesterheld. Apesar de ter sido originalmente publicada há mais de 60 anos, continua a ser uma narração contemporânea que pauta sobre liberdade e esforço coletivo para enfrentar as adversidades.
Clóvis Maia | Redação PE
Quando se fala em história em quadrinhos vem logo uma ideia de que é algo voltado para o público infanto-juvenil ou se concentra apenas nas figuras dos super-heróis. Longe disso, os quadrinhos são uma expressão artística e como tal refletem a realidade. Um bom exemplo de como os quadrinhos podem contribuir para a sociedade vem da Argentina, com a vida e a obra de Héctor Oesterheld (1919-1977), especialmente em O Eternauta, série que foi publicada há mais de 60 anos, mas que possui uma mensagem tão atual que serve para entender nosso tempo.
A obra
O Eternauta foi uma das primeiras histórias de ficção científica lançadas fora dos EUA. Nela, pessoas comuns se juntam para sobreviver a uma suposta invasão alienígena. Lançada semanalmente de 1957 a 1959, a história foi toda desenhada por Francisco Solano López na revista Hora Cero, selo criado pelo próprio Oesterheld. Em 1969, e com a Argentina debaixo de uma ditadura, a obra é reescrita, dessa vez com um teor mais político e arte fantástica de Alberto Breccia. Nessa segunda versão, os alienígenas teriam feito uma negociação com os países ricos para ficarem com toda a América Latina em troca de liberdade. Uma alusão aos processos ditatoriais que ocorreram na região, articulados com apoio do governo dos EUA, e ao imperialismo.
Em 1976, com a Argentina vivendo as conseqüências de outro golpe militar, Oesterheld lançava de forma clandestina a continuação da sua maior obra. A segunda parte da publicação durou de 1976 a 1978, com Solano López novamente nos desenhos, mas o autor não pôde ver seu fim. A força de O Eternauta se dá pelo fato de o grande protagonista da história ser o coletivo. Para o autor, ter pessoas comuns se juntando para enfrentar suas adversidades era maior e mais válido que qualquer herói individualista e solitário. Foi esse o grande traço deixado para os argentinos e todos os lutadores da América latina.
O autor
Héctor Oesterheld foi geólogo, escritor, roteirista e editor. Entre suas obras destacam-se Latinoamerica y El Imperialismo: 450 anos de Guerra (com arte de Leopoldo Durañona) e Vida del Che, outra parceria dele com Breccia, lançada, confiscada e destruída pelo regime militar argentino em 1968. Como militante, ele foi editor do jornal El Descamisado, órgão dos Montoneros, organização marxista que se organizou na clandestinidade para combater o regime militar durante os anos 70. Militavam com ele suas quatro filhas, todas assassinadas pelo regime militar, duas inclusive grávidas. Segundo a Comissão Nacional dos Desaparecidos Políticos, os torturadores de Oesterheld teriam mostrado a ele fotos dos corpos de suas filhas mortas, isso antes dele se tornar o número 7.546 da lista de desaparecidos políticos até os dias de hoje, 44 anos após seu assassinato.
A Argentina sofreu um golpe militar em 1966, passando por uma ditadura até o ano de 1973, tendo sofrido novo ataque em 1976, golpe esse que destituiu a presidenta Isabel Perón, implantando uma junta militar que deixou um saldo de 30 mil mortos com apoio da Operação Condor e uma dívida externa causada pela corrupção do regime que destruiu a economia argentina no ano de 1983. O Eternauta é considerada uma das principais obras da América do Sul, e Oesterheld o pai dos quadrinhos modernos argentinos. Aqui no Brasil, a sua obra tem sido lançada e descoberta aos poucos. A versão de 1969 foi lançada pela primeira vez aqui em 2019 pela editora Comix Zone.