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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Assassinos de Marielle e Anderson tiveram proteção da Polícia e do Governo

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Vereadora de esquerda, Marielle Franco foi assassinada brutalmente pelas estruturas apodrecidas de um Estado guiado pelos interesses capitalistas, governado por corruptos. Enquanto ela defendia o direito à moradia digna para o povo pobre, agentes da burguesia defendiam seus lucros na especulação imobiliária.

O ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro que arquitetou o plano de morte de Marielle foi indicado por generais das Forças Armadas, o que reforça que a impunidade do Alto Comando militar que impôs uma ditadura ao Brasil por 21 anos (1964-1985) continua gerando novos crimes em nosso país.

Rafael Freire e Redação


BRASIL – Relatório da Polícia Federal (PF) apontou os irmãos Chiquinho Brazão (deputado federal pelo União Brasil) e Domingos Brazão (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) como mandantes dos assassinatos de Marielle Franco e de Anderson Gomes (seu motorista). Já o planejamento da emboscada coube a Rivaldo Barbosa (ex-chefe da Polícia Civil do RJ), que recebeu propina, de forma antecipada, pelo serviço macabro.

As prisões preventivas dos três mentores do crime aconteceram no último dia 24 de março, determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Acredita-se ainda que, com as apreensões de celulares, computadores e documentos dos criminosos, novos elementos vão surgir para embasar a denúncia na esfera jurídica.

A motivação para o crime brutal foi a posição de Marielle em defesa da moradia popular para o povo trabalhador do Rio. A vereadora se opunha ao controle das milícias do mercado imobiliário da Zona Oeste e Norte da cidade e lutava contra projetos de lei que aumentavam a especulação imobiliária. Os irmãos Brazão lucram, há décadas, milhões de reais com esse esquema e, por isso, decidiram eliminar a parlamentar.

Marielle e Anderson foram executados com vários disparos de submetralhadora (arma desviada do Bope) quando se deslocavam de carro, após saírem de uma atividade do mandato da vereadora, por volta das 21h00 do dia 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, região central da capital fluminense. A assessora parlamentar Fernanda Chaves também estava no carro, mas sobreviveu. Ronnie Lessa, Élcio Queiroz (ambos ex-policiais militares) e Maxwell Corrêa (ex-bombeiro militar), presos desde 2019, foram os executores. Após delação premiada de Lessa, a PF avançou nas investigações e prendeu os mandantes.

Foram exatos seis anos de impunidade, de desinformação, de sabotagens das investigações. Neste tempo, o nome de Marielle se transformou em sinônimo de resistência popular e de luta por justiça social, rebatizando ruas e praças pelo Brasil. Seu rosto está estampado nas camisas da militância de esquerda, em quadros, bandeiras, cartazes, murais. Virou até tema de samba enredo: “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês” (“História para Ninar Gente Grande”, Mangueira, campeã do Carnaval de 2019 no Rio).

FAVELA DA MARÉ. Marielle conhecia a realidade do povo do Rio. Foto: Arquivo

Quem foi Marielle Franco?

“As rosas da resistência nascem do asfalto. A gente recebe rosas, mas vamos estar com o punho cerrado falando do nosso lugar de existência contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas”, disse Marielle em um de seus últimos discursos no Plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no dia 08 de março de 2018, Dia Internacional das Mulheres.

Marielle Francisco da Silva tinha 38 anos quando levou três tiros na cabeça e um no pescoço. Era filha de Marinete Francisco e Antônio da Silva Neto, nascida e criada no Complexo da Maré, um conjunto de favelas na Zona Norte carioca. Era mãe de Luyara Franco, com 19 anos à época, e casada com a também militante Mônica Benício.

Graduada em Ciências Sociais pela PUC do Rio, tinha mestrado em administração pública pela Universidade Federal Fluminense, com tese crítica às Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs).

Militava contra a violência policial, pelos direitos humanos, pela moradia popular, em defesa da comunidade LGBTIA+, pelo aborto legal e contra a discriminação racial. Foi, por dez anos, assessora do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que impulsionou a CPI das Milícias, em 2008. Era vereadora do Rio desde 1º de janeiro de 2017, cumprindo seu primeiro mandato, após ser eleita pelo PSOL com 46.502 votos nas eleições 2016.

Anderson Gomes

Anderson Pedro Mathias Gomes tinha 39 anos quando levou três tiros nas costas. Estava desempregado e trabalhava para Marielle há apenas um mês, substituindo temporariamente o motorista titular. Era casado com Ágatha Arnaus e pai de um menino, que tinha um ano e dez meses.

Durante sessão em homenagem às vítimas, ocorrida na Câmara Federal, no dia 26 de março, Ágatha declarou que “a luta por verdade não pode ser esquecida. Temos que nos manter firmes. É uma dor tão profunda, é uma dor que não consigo nem colocar em palavras. É uma ferida que não vai cicatrizar. Me faltam palavras para descrever a raiva que eu sinto hoje. Não sinto nenhum alívio, nenhuma paz. Espero muito mais. Espero uma Justiça forte”.

Crime de Estado

Para defender a ideia de que existe “ordem e progresso” no Brasil, é comum ouvirmos a expressão “as instituições estão funcionando”. Sim, estão. Resta dizer a favor e contra quem.

Em entrevista ao jornal A Verdade (nº 277, agosto de 2023), o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso afirmou: “Alguém queria Marielle morta. Foi uma questão política”. E mais: “O Brasil nunca esteve tão próximo a uma máfia, a um Estado influenciado e tomado pela máfia, como no Rio de Janeiro. O Estado hoje, no Rio, depende muito do voto dos territórios onde grupos paramilitares milicianos controlam. Eles acabam sendo muito influentes nas votações e no dia a dia dos territórios, agenciando os seus próprios negócios e não sendo fiscalizados”.

O chamado “crime organizado” só existe na medida em que opera por dentro do Estado burguês (governos, parlamentos, Judiciário, polícias, etc.), e não na forma de um “Estado paralelo”. No caso Marielle, os agentes estatais trabalharam de maneira articulada como nunca. Dentre os envolvidos diretamente no crime, cujas participações já foram elucidadas, um era deputado federal, outro conselheiro do TCE-RJ, o terceiro delegado-chefe; os outros, militares da PM e do Corpo de Bombeiros.

Segundo relatório da Polícia Federal, o então chefe da Polícia Civil fluminense, Rivaldo Barbosa, além de ter arquitetado os detalhes do crime, já tinha agido, antes mesmo do assassinato, para que a investigação não alcançasse os reais mandantes. Segundo a PF, a equipe da Polícia Civil responsável pelo caso “não somente se absteve de promover diligências frutíferas para a investigação, mas também concorreu para a sabotagem do trabalho de apuração”. Quem chefiou a investigação foi o delegado Giniton Lages, indicado por Rivaldo.

Já após a divulgação do relatório da PF, o criminoso Maxwell Corrêa (Suel) – ao saber das prisões dos mandantes – falou o nome do também delegado Daniel Rosa, responsável pela Divisão de Homicídios, como mais um envolvido nas mortes. Quantos mais ainda teremos? Outros delegados ou deputados? Ou será que algum “ex-colega” vereador? Quem sabe um governador ou ex-presidente da República?

Perseguição aos pobres

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, quase 6.500 pessoas foram mortas por forças policiais em todo o território nacional, sendo que 83% eram negras. Houve cidades em que as polícias mataram exclusivamente negros. As cinco primeiras: Santarém (PA) – 13 vítimas; Macaé (RJ) e Vigia (PA) – 12; Recife (PE) – 11; Maceió (AL) – 10.

Como Marielle era preta, pobre e oriunda da Favela da Maré, também era enxergada como “mais uma para a estatística”. Aliás, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, menos de um terço dos casos de homicídio no Brasil são solucionados, de um total aproximado de 40 mil assassinatos por ano.

Portanto, mesmo sendo um crime político, que contou com grande repercussão internacional, havia uma certeza de impunidade por parte dos mandantes. Eles contavam com toda uma rede de proteção amparada por um Estado apodrecido, ao ponto de, cinicamente, lamentarem em público a morte de Marielle e até de posarem para fotos ao lado de sua mãe e de seu pai.

MEMÓRIA. ‘‘Lute como Marielle Franco’’ se transformou em palavra de ordem nas lutas sociais. Foto: Arquivo

A família Brazão e suas relações políticas

A revelação dos mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson é mais uma prova do envolvimento dos fascistas e do Centrão com as milícias do Rio de Janeiro. As suspeitas contra os irmãos Brazão já circulavam em alguns meios da imprensa desde pelo menos 2019. Mas foi no fim de 2023, quando a PF entrou no caso, que a relação deles com o assassinato ficou mais evidente.

A família Brazão é muito conhecida no Estado do Rio de Janeiro. Composta por vários políticos, tem força eleitoral em bairros da Zona Oeste e Zona Norte da capital fluminense, principalmente a região de Jacarepaguá, desde os anos 1990. Ligada ao setor de postos de combustíveis, as relações destes políticos de direita com a milícia são conhecidas há pelo menos 16 anos, quando os dois irmãos foram citados na CPI das Milícias, feita pela Assembleia Legislativa (Alerj).

Desde então, Domingos foi eleito deputado estadual, em 2014, e depois foi escolhido pela Alerj para o Tribunal de Contas do Estado, em 2017. Já Chiquinho ficou durante todo este tempo na Câmara de Vereadores do Rio e, em 2018, foi eleito deputado federal.

Para o sociólogo José Cláudio Souza Alves, professor da UFRRJ que se dedica à pesquisa sobre as milícias brasileiras, “o que a CPI das Milícias atingiu, em 2008, não eram os Brazão que dez anos depois mandaram assassinar Marielle. Dez anos depois, eles já tinham muito mais poder, muito mais dinheiro. Dominavam territórios com vários mecanismos de ganhos e muito mais apoio. Começaram a comprar estrutura policial, estão dentro da estrutura política”.

Por que mataram Marielle?

Os Brazão também sempre tiveram muito interesse no setor imobiliário da Zona Oeste. As empresas que atuam nesta área da cidade são completamente controladas ou precisam do aval das milícias para atuar. Todas as construções são feitas de acordo com os interesses dos chefes das milícias e de seus aliados políticos.

É este o pano de fundo que motivou o assassinato de Marielle, de acordo com as investigações. A vereadora enfrentava os interesses desses grupos criminosos que queriam lucrar com a destinação de verba pública para os empreendimentos imobiliários da milícia. Ela defendia que a Zona Oeste tivesse moradias populares para o povo pobre e que o processo de ocupação fosse acompanhado pela Defensoria Pública e demais órgãos.

A especulação imobiliária se tornou um dos principais pilares financeiros do “crime organizado” na cidade. De acordo com a Prefeitura do Rio, mais de 1.300 edificações irregulares associadas a grupos milicianos foram demolidas. Estima-se que o prejuízo para essas organizações foi de cerca de R$ 650 milhões.

Nesse sentido, o relatório da PF afirma: “Este posicionamento a colocava, assim como os demais vereadores posicionados à esquerda do espectro político, em contraposição frontal às políticas de ocupação de solo urbano encampadas por Chiquinho Brazão, com destaque para o PLC n.º 174/2016, […] idealizado para flexibilizar regras de regularização sem considerar questões sociais, urbanísticas e ambientais, favorecendo especialmente loteamentos e condomínios de classe média e alta em áreas controladas pela milícia”.

Parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF vai na mesma direção: “A vereadora não escondia o seu entendimento de que as iniciativas de regularização fundiária pela caracterização de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) seriam adequadas para atender aos interesses dos segmentos sociais que mais sofrem com o déficit habitacional existente no Rio de Janeiro. No entanto, tais instrumentos teriam sido empregados de forma distorcida pelos irmãos Brazão, apenas para viabilizar a exploração econômica de espaços territoriais que, não raro, eram dominados por milicianos”.

A ligação entre os Brazão e os Bolsonaro

A família Brazão também é antiga aliada da família Bolsonaro. São conhecidos os negócios imobiliários de Flávio Bolsonaro na Zona Oeste do Rio. Ronnie Lessa, o executor, era amigo em comum das duas famílias e morava no mesmo condomínio de luxo em que moram Jair e Carlos Bolsonaro, na Barra da Tijuca.

Carlos, aliás – também conhecido como Carluxo ou Filho 02 –, é vereador do Rio, conviveu diariamente com Marielle nas dependências da Câmara Municipal e é o responsável pela máquina de propaganda reacionária da qual os fascistas sempre se utilizaram para espalhar notícias falsas, inclusive sobre Marielle, minutos após seu assassinato.

No sistema político imposto pela milícia e políticos fascistas e de direita no Rio, os Bolsonaro e os Brazão sempre foram aliados. Afinal, eles deviam suas eleições ao apoio das milícias. Em troca, aprovavam projetos para favorecer os milicianos e os protegiam contra investigações. Em 2022, Chiquinho Brazão apoiou a reeleição do então presidente da República Jair Bolsonaro e fez campanha ao lado de Flávio em vários bairros da Zona Oeste.

Sete dias antes do assassinato, o então interventor federal no Governo Estadual do Rio de Janeiro, general do Exército Walter Braga Netto, nomeou Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil. Durante todo o ano de 2018, o Estado do Rio de Janeiro se encontrou sob intervenção militar ordenada pelo então presidente golpista Michel Temer (MDB). Portanto, tratou-se de uma indicação do Alto Comando fascista das Forças Armadas. 

Este mesmo general seria posteriormente ministro da Casa Civil e da Defesa no Governo Bolsonaro, e ainda candidato a vice-presidente da República, na chapa com o ex-capitão, derrotada nas eleições de 2022. Tivessem os fascistas sido reeleitos, nunca saberíamos quem mandou matar Marielle e o Brasil estaria ainda amargando uma política antipovo debaixo das botas dos militares.

Importante lembrar ainda que, no dia 03 de maio de 2023, foi revelado que o ex-major do Exército (e candidato a deputado estadual pelo PL nas eleições de 2022), Ailton Barros, conhecido como “01 do Bolsonaro”, afirmou saber quem seria o responsável pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Disse ele em mensagem de texto enviada no dia 30 de novembro de 2021: “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda”.

A informação foi obtida após quebra de sigilo em mensagens interceptadas pela Polícia Federal sobre o envolvimento de Ailton num grande esquema de fraudes em cartões de vacina contra a Covid-19. Esse daí estudou na mesma escola do Jair…

Anos de luta por justiça

A revelação de quem mandou matar Marielle e a motivação só foi possível por conta dos seis anos de luta de familiares, companheiros de militância e de várias organizações políticas e sociais, que nunca deixaram de cobrar justiça para o brutal assassinato. Mesmo com toda ação de agentes do Estado para sabotar as investigações e a ofensiva da milícia, que ganhou força com o governo do fascista Bolsonaro, a insistência na perguntar “Quem mandou matar Marielle e Anderson?” garantiu agora a prisão dos mandates.

A elucidação de parte da trama desses assassinatos não põe fim ao caso e ainda nos coloca a necessidade de lutarmos ainda mais contra a burguesia, em especial seu setor mais reacionário – os fascistas, que se valem de cargos políticos para defender seus interesses particulares e aumentar a exploração sobre a classe trabalhadora.

As relações entre polícias, governos, parlamentares e milícias são conhecidas. No entanto, o Estado burguês nada faz para acabar com elas. Pelo contrário. Como diz o Manifesto do Partido Comunista (1848), “o Estado é o comitê gestor dos negócios da burguesia”.

Este Estado apodrecido não se acabará por si só. É necessária a união revolucionária das classes trabalhadoras para fazer frente à burguesia e aos latifundiários no processo diário da luta de classes, mas também na disputa política pelos rumos da sociedade.

Em memória de Marielle e de todos os nossos que tombaram de pé, venceremos!

Editorial publicado na edição nº289 do Jornal A Verdade.

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