É preciso que a classe trabalhadora se una e encabece uma ampla luta na sociedade para barrar novas tentativas de privatização do patrimônio do povo e em defesa da reestatização daquilo que já foi entregue, a preço de banana, para os monopólios capitalistas
Rafael Freire | Redação
BRASIL – Não passa uma única semana sem que nos cheguem notícias de que mais um serviço público ou empresa estatal esteja passando por um processo de privatização. Nem mesmo a derrota de Bolsonaro, que foi retirado da cadeira de presidente da República pelo povo brasileiro porque só agia em benefício dos seus generais, dos milionários do agronegócio e dos banqueiros, foi capaz de frear a sanha dos privatistas. Em seu mandato, o fascista fez de tudo para vender o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e a Petrobras (1), mas a pressão do movimento sindical e popular foi maior.
Na década de 1990, os governos entreguistas e neoliberais de Fernando Collor, Itamar Franco e, principalmente, Fernando Henrique Cardoso desmontaram setores estratégicos para a nação, como energia elétrica, telefonia, bancos estaduais, siderurgia, mineração e petroquímica. Ao todo, foram privatizadas 165 empresas estatais da União, Estados e Municípios (considerando só as capitais).
Os governos do PT (Lula e Dilma) desaceleram o ritmo, mas não acabaram nem reverterem esta política. A partir das chamadas parcerias público-privadas (PPPs), com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi entregue ao capital privado o setor de transportes (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos) e diversos campos de petróleo do pré-sal. Na atual gestão, o presidente Lula encaminhou uma PPP para a construção de um presídio privado no Rio Grande do Sul, a um custo estimado de R$ 2,5 bilhões. Recurso este que hoje faz falta às milhares de famílias sem casa e sem escola no estado, após as enchentes.
A lição que fica é, portanto, que não basta trocar de presidente. É preciso que a classe trabalhadora se una, promova debates, protestos, greves, e encabece uma ampla luta na sociedade para barrar novas tentativas de vender o patrimônio do povo e, ainda, para reestatizar aquilo que já foi entregue, a preço de banana, para os monopólios capitalistas.
As privatizações são um fenômeno típico do sistema capitalista. O capital (riqueza acumulada pela classe burguesa fruto da exploração da força de trabalho da classe proletária) precisa crescer permanentemente. Não pode ficar parado. Quando os capitalistas não conseguem vender as mercadorias que os operários produziram, ou mesmo não obtêm a lucratividade desejada, o sistema entra em crise e é preciso abrir novos caminhos para que o capital volte a gerar lucros cada vez maiores. Como solução imediata, o Estado burguês age para salvar o capital, empurrando a conta para o povo pagar. O patrimônio público, construído por décadas pela classe trabalhadora, é entregue de mão beijada àqueles já muito ricos.
Só no último um ano e meio, o povo brasileiro enfrentou a privatização do Metrô de Belo Horizonte (2), por parte do Governo Federal; da empresa pública de saneamento e distribuição de água de São Paulo (Sabesp), por parte do governador fascista Tarcísio de Freitas; das escolas da rede estadual do Paraná (3); para citar alguns exemplos.
O caso da água
Em 2018, o presidente golpista de Michel Temer (MDB) editou a Medida Provisória 868/18, que alterou o Marco Legal do Saneamento, privilegiando as chamadas “concessões”. Em seguida, a MP se tornou lei, sendo aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente fascista Jair Bolsonaro. Resumindo, os serviços de água e saneamento ambiental do Brasil agora podem ser indiscriminadamente controlados por empresas privadas.
Vejamos a situação do Pará. O esgotamento sanitário é praticamente inexistente no estado: 118 municípios não possuem nenhum tratamento de esgoto e 13 tratam abaixo de 10% os resíduos despejados integralmente nos rios. Na capital, Belém, com 1,3 milhão de habitantes, 84% das residências não têm ligação de esgoto, como denunciou A Verdade na edição nº 280.
Como “solução” para o problema, o governador Hélder Barbalho (MDB) deseja privatizar a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), com um financiamento de R$ 5 bilhões do BNDES para as empresas privadas que queiram explorar o serviço. Diga-se de passagem, a família Barbalho é uma das principais oligarquias locais, responsável por manter o povo paraense sobrevivendo sem dignidade por décadas.
A solução para este gravíssimo problema que afeta não só o Pará, mas o Brasil inteiro, seria a suspensão do pagamento dos juros da dívida pública – seguida de uma auditoria séria, para provar as fraudes que envolvem esse esquema –, garantindo, assim, os recursos necessários ao povo brasileiro.
Em 2022, o Governo Federal entregou aos banqueiros e especuladores (bilionários de dentro e de fora do país), 46,3% do Orçamento (R$ 1,88 trilhão). Em 2023, foram 43,2% (R$ 1,89 trilhão). Respectivamente, no mesmo período, foram investidos míseros 0,0072% (R$ 292,3 milhões) e 0,0034% (R$ 148,2 milhões) em saneamento. Ou seja, o recurso para a área caiu pela metade! Um verdadeiro crime contra o povo! (4)
Em defesa da Sabesp
Como denunciamos em nossa edição nº 286, desde que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) foi privatizada, em abril de 2021, milhares de moradores do Rio e da Baixada Fluminense passaram a conviver com a falta frequente de água nas torneiras. Assim também será no Pará, no Piauí (5) ou em São Paulo.
Em 2023, a Sabesp teve lucro de R$ 3,5 bilhões, 13% a mais do que em 2022. E foi justamente por isso que o governador fascista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, agiu da forma mais brutal e ilegal possível para viabilizar a privatização deste patrimônio do povo, em benefício dos capitalistas, que, agora, embolsarão toda esta montanha de dinheiro.
No dia 06 de dezembro passado, a Assembleia Legislativa de SP (Alesp) aprovou o Projeto de Lei para privatizar a Sabesp, com um imenso aparato policial para reprimir o povo, que se manifestava contrário à privatização. A ação culminou em dezenas de pessoas agredidas e com quatro militantes da Unidade Popular (UP) presos. O episódio ficou conhecido como “Batalha da Alesp”, e esta guerra ainda não acabou.
No estado mais populoso do país, a população já vem sofrendo na pele com os apagões de luz, após o serviço de energia ser assumido pelo monopólio italiano Enel (6) (que também atua no Rio de Janeiro, com os memos problemas). E, por isso, sabe que a privatização da Sabesp só trará prejuízos.
Até as praias…
Por falar em água, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 03/2022), que tem por objetivo privatizar as áreas de marinha em todo o litoral brasileiro. O texto original é do deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA). No Senado, o relator da PEC é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho 01 do ex-capitão.
Pelo projeto, a propriedade das terras na faixa costeira poderia ser transferida para particulares, estados ou municípios. Esta faixa corresponde a até 33 metros da linha da maré mais alta e sua posse e preservação são de responsabilidade da União (Governo Federal), ou seja, é uma área pública, do povo brasileiro.
Na prática, isso significa invadir áreas de preservação ambiental, como restingas e mangues, que são nascedouros de peixes e crustáceos, reduzir a faixa de areia, onde as tartarugas marinhas depositam seus ovos, entre outros crimes contra a natureza. Isso impacta diretamente também na sobrevivência de milhares de pescadores, marisqueiros, etc. que, há décadas, tiram daí seu sustento. Impede, ainda, o comércio informal (única fonte de renda para milhares de desempregados) e o pequeno comércio, além de restringir o acesso do povo à praia, uma das poucas opções de lazer para as famílias trabalhadoras. Imagine, agora, ter que pagar para passar numa catraca para tomar um banho de mar!
É hora de reforçarmos nossas fileiras para defendermos a soberania nacional contra os projetos antipovo dos capitalistas!
Matéria publicada na edição nº 294 do Jornal A Verdade.
NOTAS
- A Petrobras foi sendo privatizada por partes ao longo dos anos. No Governo Bolsonaro, houve novas vendas de ações a especuladores internacionais e venda de unidades inteiras da empresa, como a distribuidora Gaspetro, a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), os campos de Carcará, Iara e Lapa, a BR Distribuidora e a Transportadora Associada de Gás (TAG).
- Após a privatização da CBTU em BH, as passagens se tornaram as mais caras do Brasil (R$ 5,30) e centenas de trabalhadores foram demitidos. Em São Paulo, o Sindicato dos Metroviários tem travado uma luta contínua, com greves e plebiscito, contra a privatização da CPTM e do Metrô.
- No dia 03 de junho, mais de 20 mil pessoas tomaram as ruas de Curitiba (PR) contra o Projeto de Lei da privatização das escolas no Paraná, de autoria do governador Ratinho Júnior (PSD). O programa “Parceiros da Escola” entregará a gestão de pelo menos 200 escolas para empresas privadas.
- Segundo levantamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a cada R$ 1,00 investido em saneamento, economiza-se, pelo menos, R$ 4,00 em saúde básica.
- O governador Rafael Fonteneles (PT) quer privatizar a Águas e Esgotos do Piauí S/A (Agespisa).
- Desde que assumiu o serviço, o lucro anual da empresa cresceu 80% e chegou a R$ 1,4 bilhão, em 2022. Em 2023, seu lucro foi 28% maior do que no ano anterior.
Vai abrir concurso para os Correios. Eu fico receoso de fazer, assumir, e a empresa ser privatizada.