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domingo, 20 de abril de 2025
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Ualid Rabah: “É genocídio e propaganda de guerra”

Leia entrevista exclusiva do jornal A Verdade com Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal), sobre os recentes desdobramentos do cessar-fogo e os próximos passos da luta do povo palestino

Rafael Freire | Redação


A Verdade entrevistou, com exclusividade, o advogado Ualid Rabah (58 anos), presidente da Federação Árabe Palestina no Brasil (Fepal), no dia 02 de fevereiro, durante a Bienal da UNE, em Recife (PE). Ele fez questão, inclusive, de ressaltar “a importância dos meios de comunicação não-hegemônicos para denunciar os crimes de Israel e caracterizá-los como genocídio e propaganda de guerra. Hoje, 70% da população brasileira rejeita o genocídio por isso”.

“Desde outubro de 2023, eu já visitei presencialmente mais de 200 locais no país inteiro para denunciar a perseguição histórica ao povopalestino. De maneira online, já perdi as contas. Conseguimos romper com a lógica de que para debater a questão palestina é necessário chamar um sionista, o suposto ‘ouvir os dois lados’“, relata.

Rabah e seus irmãos nasceram no Brasil, filhos de pai e mãe palestinos da Cisjordânia, que sempre mantiveram laços com sua terra natal (incluindo o uso da língua árabe), mesmo sem retornar a ela por quase 40 anos.

A Verdade – Cessar-fogo em Gaza, mas, ao mesmo tempo, seguem os assassinatos e as prisões na Cisjordânia. Já são mais de 100 mortos nas últimas semanas. Como explicar essa contradição?

Ualid Rabah – É porque, de fato, nós estamos discutindo uma realidade na Palestina que já tem vários cessar-fogo desde, pelo menos, de 2009 para frente. Então é o seguinte: a ocupação de Gaza é uma ocupação à distância por bloqueio. O que é uma ocupação? É o controle dos seus movimentos, o impedimento de você utilizar o seu espaço aéreo, o seu espaço marítimo, você não ter controle nas fronteiras, e você ser atacado. É haver controle do ingresso de comida, de medicamentos, material de construção, a totalidade daquilo que significa tornar habitável um território.

A Cisjordânia não aparenta isso, mas ela também está sob esse domínio. Ou seja, os palestinos têm uma governança na Cisjordânia em algumas partes de concentração urbana, e o restante, as estradas, os postos de controle militar estão ali dentro. Os colonos estão se tornando cada vez mais uma milícia que promove pogroms [ações de limpeza étnica], já são mais de 700 mil.

O controle das fronteiras terrestres é de Israel, o controle do espaço aéreo é de Israel. Os palestinos não têm acesso marítimo, portanto, ele é negado aos palestinos, e devem, em consonância com Israel, por exemplo, exportar pelos portos outrora palestinos que foram israelizados, Haifa, por exemplo, que fica no Mediterrâneo, na Galileia.

A distinção é que, neste momento, Gaza passa por um grande extermínio para deslocar essa população. Se você for pegar como aconteceu entre 1947 e 1951, quando Israel se faz pela força na Palestina, tomando 78% do território, desta porção tomada foram eliminados 88% da população. Esta limpeza étnica não foi promovida em Gaza, mas sim no restante da Palestina. Israel é um projeto colonial.

Eles já estão repetindo agora em Gaza. A diferença é que Gaza hoje vive um genocídio a céu aberto, televisionado. Hoje, essa limpeza étnica do século passado é superada pelos 91% de deslocados em Gaza. Naquele momento, foram 15 mil mortos. Agora, estamos falando de 60 mil mortos.

Naquele momento, houve 774 localidades palestinas invadidas, com 531 destruídas (70% de destruição). Agora, estamos falando em até 92% de residências destruídas em Gaza, num território muito pequeno, pouco maior que o Recife, por exemplo.

Segundo, a matança em escala industrial de mulheres e crianças. Isso, sim, é diferencial. A matança de mulheres (as mulheres grávidas podem ser 10% das que foram exterminadas), o aumento de 300% do aborto involuntário, perto de 60 mil mulheres palestinas que darão à luz nos próximos nove meses, sem considerar as que deram à luz neste período todo, que nós não sabemos ainda quais são as consequências da guerra, da toxicidade desse território, e a eliminação de quantidades industriais de crianças, a maior da história. Quase 10 mil por milhão de habitantes, contra 2.813 na Segunda Guerra Mundial, em seis anos, por milhão de habitantes naquele momento. Isso significa a tentativa de esterilização da sociedade palestina.

Quando você elimina ventres e elimina o que saiu anteontem dos ventres, você está tentando colapsar a capacidade reprodutiva de uma sociedade inteira. Este é um grande diferencial. Todo o resto diz respeito à ocupação e ao projeto sionista desde o século 19, até o final dele, que é tornar a Palestina sem palestinos.

Portanto, os métodos podem ser diferentes de tempos em tempos. Para o restante da Palestina, foi um extermínio na mesma escala que acontece praticamente hoje em Gaza. Agora, está acontecendo o que aconteceu antes, porque há uma tentativa de continuar o processo de limpeza étnica.

Trump tem defendido abertamente tomar Gaza e expulsar os palestinos para outros países árabes. Quais os planos do imperialismo para o Oriente Médio? Quais os interesses econômicos?

A ideia de Trump é eliminar um milhão e meio de palestinos de Gaza para irem para outros lugares, uma limpeza étnica que pode superar 2 milhões de palestinos. Isso é para, novamente, reequilibrar, na mentalidade insana dos sionistas, a demografia em favor dos judeus, para haver maioria judaica, e, sob esse pretexto, continuar reclamando o direito à autodeterminação dos judeus em toda a Palestina.

Esses são os contornos, e o processo de limpeza étnica é para todo o território. Por fim, há uma tentativa (e Trump já tinha anunciado isso no seu primeiro mandato e vai continuar agora) de que os palestinos refugiados (73% da população de Gaza é refugiada de 1947 a 1951, com seus descendentes, claro) não tenham direito de retorno, seja anulada, revogada, a Resolução 194 da ONU, de 11 de dezembro de 1948, de retorno dos refugiados. Por isso, o ataque à UNRWA,  agência especial das Nações Unidas para os refugiados palestinos, para que ela deixe de prestar assistência, para que os palestinos deixem de ter escola, enfim, uma vida normal.

Por isso, o ataque privilegiado aos refugiados em Jenin, em Tulkarem, em Hebron, sair de Jerusalém, onde há até 100 mil palestinos refugiados, tudo isso é um processo de limpeza étnica. Por isso, o ataque aos campos de refugiados palestinos fora da Palestina, como foi no Líbano, nos anos 1970 e em 1982; como foi no campo do Yarmouk, com os aliados de Israel, com os degoladores que urravam enquanto degolavam pessoas, tudo isso é um plano de extermínio dos palestinos.

Sobre o aspecto econômico, não é apenas a maior reserva de gás e petróleo do mundo em toda a região, mas é também a mais importante conexão geográfica e marítima do mundo em todos os tempos, até os dias de hoje. Só para nós termos uma ideia, Gaza tem, na sua costa mediterrânea, a norte da Faixa de Gaza, uma reserva gasífera de 600 bilhões de dólares.

Estamos falando do controle do Mar Vermelho, do Chifre da África e de Bab-el-Mandab, que sai para o Mar Índico, sai para o Mar Arábico, vai para o Pacífico, vai por Ormuz, entra no Golfo Pérsico. Nós estamos falando do controle da saída do Mar Negro para o Mediterrâneo, que é da Turquia, e o controle do Mar Negro é, em grande medida, dos russos.

Nós estamos falando do projeto que é um canal ligando o Golfo Pérsico ao Mar Cáspio, um canal que vai passar por território iraniano, e um outro canal, no Mar Cáspio, unindo o Mar Negro. Esta conectividade deixa de ser ocidental, por isso que estão intimamente conectadas as ações da Otan e dos Estados Unidos, notadamente, na Ucrânia, do extermínio dos palestinos. Isso está em jogo, é uma guerra contra um mundo multilateral que insiste em tentar existir, não sem contradições, evidentemente, não há que se infantilizar nada disso, e isso é uma parte dessa leitura necessária.

Com o cessar-fogo, veio a libertação de milhares de presos palestinos das masmorras de Israel. Alguns beirando 40 anos de prisão, outros crianças praticamente, adolescentes. Que tipo de tratamento receberam e como as organizações palestinas pretendem agora cobrar justiça perante os tribunais?

Primeiro que o cessar-fogo não muda a informação e a investigação do crime de genocídio. O cessar-fogo não anula as investigações do Tribunal Penal Internacional, que, aliás, vêm desde 2021, quando a primeira petição da OLP [Organização para a Libertação da Palestina] e da Autoridade Palestina são admitidas por estarem legitimados para tanto. E finalmente o mandado de prisão não apenas para o Netanyahu.

Segundo, nós estamos falando da troca de sequestrados palestinos por apreendidos israelenses. E o cessar-fogo está sendo traduzido pela mídia hegemônica ocidental como se o objetivo fosse o próprio cessar-fogo. Na verdade, não é isso. Estamos falando também que Israel sequestrou, nessa fase do genocídio, 18.700 palestinos. Já havia 6 mil antes.

Quer dizer, que troca de prisioneiros é essa em que o ocupante produz um estoque no seu almoxarifado de presos e depois troca um tanto libertando alguns que estão sendo libertados depois de 40 anos, 50 anos, alguns deles inválidos ou libertados para morrerem apenas?! Nós precisamos que isso seja alterado. Precisamos que haja a libertação de todos os palestinos incondicionalmente, especialmente do “Mandela Palestino”, Marwan al-Barghouti, que é o único que tem unanimidade para um governo futuro de unidade nacional.

Vejam a qualidade dos que estão sendo libertados na posição de apreendidos e que ficaram esse tempo todo em Gaza, mesmo sob ataque. A qualidade com que eles saem absolutamente inalterados desde o dia em que são apreendidos e veja como saem os sequestrados palestinos das masmorras israelenses. Saem como semivivos. Então essa é a distinção, isso também é um parâmetro de definir o que é civilizatório e o que é barbarizante.

Como foi possível resistir e sobreviver por 15 meses em Gaza bombardeada, sem infraestrutura, sem hospitais, sem residências? Como as pessoas se alimentavam? Como elas dormiam? O lixo que era produzido, esgotos, resíduos… Como que foi possível sobreviver em condições tão duras, diante de cadáveres, diante do luto das famílias?

As pessoas sobreviveram com 10% a 20% do que consumiam. Antes de Israel iniciar essa fase morticida, entravam até 600 caminhões por dia em Gaza, não apenas com a chamada ajuda humanitária, com o fluxo normal de comércio pelas alfândegas, etc. Isso poderia ser mais porque Israel limita a entrada daquilo que eles acham que é certo, veja só a ousadia de Israel e a sua degeneração: a entrada de alimentos em Gaza estava restrita à quantidade mínima de calorias necessárias para um ser humano. E passou a entrar, em alguns momentos, apenas 60 caminhões, ou seja, 10%.

As pessoas consumiram seus estoques, as pessoas consumiram grama, as pessoas consumiram o que tinham plantado para vender, ou seja, não sobrou mais plantações em Gaza, não sobrou mais absolutamente nada, e as pessoas estão raquíticas e doentes.

Isso é absolutamente desumano. E nós também não podemos negligenciar uma coisa muito importante: qual que era o objetivo de Israel e dos Estados Unidos? Era que o Egito abrisse as fronteiras para tirar de Gaza toda a população e, assim, tomar o território.

Entre 1948 e 1949, houve uma tentativa de obrigar o Egito a abrir as suas fronteiras para receber o máximo de refugiados, que ainda hoje estão em Gaza. Portanto, se fossem para o Egito, não voltariam mais. Então, houve uma pressão muito grande no começo desse extermínio para que o Egito abrisse suas fronteiras, e o Egito resistiu.

Na grande limpeza étnica de 1947 a 1951, a Nakba, houve um momento em que se pressionou o Egito e, mesmo sob o Rei Farouk, naquele momento (não era ainda o presidente Gamal Nasser), o Egito resistiu e não aceitou, mesmo sob forte pressão britânica.

Assim como aconteceu com aqueles que foram para a Síria, para a Jordânia e para o Líbano, não puderam voltar até hoje, por isso, 4,2 milhões de palestinos, refugiados e seus descendentes, estão fora das fronteiras da Palestina histórica. 72% da população de Gaza é a refugiada de 1948 e outro tanto equivalente a 25% está como refugiado na Cisjordânia, em vários acampamentos de refugiados, alguns, inclusive, em Jerusalém Oriental.

Então, ao impor esse grau de matança, destruição, fome, sede e os feridos em quantidades industriais, quase 5,5% da população de Gaza, perto de 120 mil feridos, quase toda ela mutilada ou ferida gravemente, era para provocar um grande êxodo. Esse era o propósito. O êxodo, ao não acontecer, malgrado essas condições todas, é que permite agora essa grande marcha de retorno dos palestinos. Uma parte do insucesso de Israel está nesse objetivo de limpar etnicamente que não foi alcançado.

Claro que a política geral de Israel é aquela política que eles chamam, de tempos em tempos, de “aparar a grama”. Quer dizer, de tempos em tempos, destruir e impedir as condições normais de habitabilidade de Gaza e exterminar uma parte da sua população. Se nós considerarmos os que já morreram, os que morreram direta ou indiretamente, neste tempo todo, os que fugiram de Gaza por não poderem ficar ali desde 2008, 2009, nós podemos estar falando de até 600 mil palestinos que morreram direta ou indiretamente, ou saíram para não voltar.

Quais os próximos passos da luta palestina, tanto no território, a partir de suas organizações, quanto desse trabalho que a Fepal e outras organizações têm feito? Qual o papel da solidariedade internacional?

Bom, primeiro de tudo, os palestinos foram capazes de mostrar para o mundo, mesmo sob extermínio, o que é Israel. Isso não é pouca coisa.

Então, esse é um dado fundamental, é importante. Como é que o povo palestino resiste? Primeiro, ficando lá, construindo estruturas, construindo negócios, construindo casas, mantendo sua presença, mesmo sob ocupação, como entidade política, a OLP e a Autoridade Palestina, mantendo suas presenças na ONU, nas organizações internacionais, porque a resistência é um conjunto de elementos. Quando se considera a Palestina um país apto a estar no Tribunal Penal Internacional e, graças a isso, a Palestina pode peticionar no TPI e, com isso, obter um mandado de prisão contra os sionistas, isso é um ganho.

Quando você tem embaixadas no mundo todo, quando você tem 151 países que te reconhecem, ou seja, política, diplomacia, resistência armada, manutenção da vida no terreno, tudo isso é resistência. Mas, se nós chegarmos ao fim disso, sem alcançar aquilo que conquistamos em Pequim, sob mediação chinesa, a reconciliação palestina de todas as forças e a construção de um governo de unidade, inclusive neste momento emergencial, que some o Fatah e o Hamas, todas as demais forças da Palestina, historicamente falando da OLP, todos eles estarem na OLP, chamando eleições em todos os níveis, porque nós não temos eleições para presidente na Palestina desde 2005, desde a morte de Arafat, e não temos em Gaza desde 2006.

Nós não teremos uma vida normal sem isso. Então, se nós não chegarmos ao final deste processo com um governo de unidade nacional e reconciliação, Israel terá vencido. Se nós tivermos, por outro lado, alcançado isso, Israel terá sofrido uma derrota estratégica.

Este é o papel do povo palestino lá. O papel da diáspora fora da Palestina. Nosso papel aqui, pela Fepal, por exemplo, é construir informação fidedigna em tempo real, não apenas informar, mas formar, qualificar o discurso, buscar aliados, aliados em todos os campos, não apenas em um campo restrito, porque contra o genocídio, contra o extermínio, todo ser humano, seja ele de que vertente política for, tem o direito de ser informado e conquistado para isso. E ele tem o direito de aderir à repulsa ao genocídio. E tem o papel da solidariedade.

A solidariedade, evidentemente, não substitui a vontade palestina. Mas a solidariedade é importantíssima, porque ela é que soma aquela parcela de multidões do mundo que derrotaram, por exemplo, o nazismo. Porque o nazismo não foi derrotado apenas belicamente.

É claro que os Estados Unidos têm impedido que isso aconteça pressionando seus aliados. Hoje, por exemplo, a esmagadora maioria dos países europeus se abstém do reconhecimento do Estado palestino. Há um veto que impede isso.

Se não tivesse o veto dos Estados Unidos, a Palestina seria reconhecida integralmente. Então, nós pedimos que o povo palestino mantenha sua resistência.

Nós cumprimos o nosso papel como entidade geral, representando a comunidade palestina, que no Brasil deve ter aproximadamente 200 mil membros com seus descendentes.

E que a solidariedade cumpra esse papel fabuloso. É isso que a gente espera. Tenho confiança na vitória.

Dívidas e juros altos consomem a renda dos brasileiros

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“Por que nada é feito contra quem cobra juros abusivos e enriquece à custa da pobreza de milhões de pessoas? A resposta é simples: quem toma conta do galinheiro é a raposa. O Banco Central, responsável por ordenar o sistema financeiro e garantir uma política monetária sustentável para a população, é quase uma filial da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban).”

Serley Leal | Fortaleza (CE)


Na sociedade capitalista, o dinheiro que circula no mercadinho da esquina, nos bares, restaurantes, feiras, etc., mesmo sendo moeda metálica, cédula, pix ou transferência bancária, está sob controle dos bancos. Além de controlar a circulação de todo esse dinheiro, os donos desses bancos e outros grandes capitalistas também mandam nos governos.

De fato, quem determina o preço do arroz, do feijão, da carne, dos calçados e das roupas, ou seja, de tudo que é vendido ou comprado, são os capitalistas donos das indústrias, redes de supermercados, fazendas, lojas, etc. O lucro dessa classe de bilionários não cai do céu, mas é resultado da exploração de milhões de trabalhadores que, mesmo sendo os verdadeiros responsáveis pela produção de todas as riquezas, recebem em troca um salário de fome.

Mas, como diz o ditado popular, “é preciso esfolar o boi duas vezes”. É isso que os banqueiros fazem no Brasil. Os bancos têm o chamado monopólio do dinheiro. Tanto é que existe até um crime para quem empresta dinheiro a juros fora do esquema oficial: agiotagem. Com o aval do governo, eles convocam o povo para poupar, abrindo contas que dão um rendimento miserável e, com esse mesmo dinheiro, vendem empréstimos com taxas de juros estratosféricas.

Pior: quem determina qual é o preço que os bancos podem emprestar são os próprios bancos! Resultado: de 2004 a 2024, as maiores instituições financeiras que atuam no Brasil conseguiram lucrar mais de R$ 1,3 trilhão, uma verdadeira fortuna.

Paraíso dos banqueiros

Mas por que os juros são tão altos no Brasil? Os economistas burgueses dizem que o governo precisa controlar a inflação e, para isso, as taxas de juros têm que ser altas. É isso que dizem todos os dias na TV.

Mas todo mundo sabe que se aumentasse a oferta de produtos na economia, os preços baixariam. Ou seja, a melhor forma de controlar a inflação é produzindo mais mercadorias. Mas, como no Brasil as terras, fábricas e lojas são propriedades privadas dos grandes capitalistas, da burguesia, sempre que existe uma boa safra ou aumento na produção de mercadorias essenciais para o povo, esses capitalistas destinam o excedente para exportação ou estocam, pois se vendessem no mercado nacional os preços baixariam imediatamente.

Assim, o problema da inflação não está necessariamente na alteração da taxa de juros, a chamada Selic1, mas em como a economia é organizada. Até em economias capitalistas desenvolvidas, o próprio governo limita a venda de produtos para o exterior, garantindo melhor controle de preços.

No Brasil, ao contrário, os governos se submetem à vontade da burguesia e permitem que o povo sofra enquanto os ricos ficam a cada dia mais ricos. Como vivemos no passado sérios problemas de hiperinflação, a justificativa de que é preciso aumentar os juros para conter o aumento dos preços é sempre utilizada. Mas existem outros fatores que explicam essa elevação constante: um deles é o fato de nosso país ser dependente de capital externo para desenvolver a produção interna e, portanto, obrigado a enviar enormes lucros e dividendos para o exterior, sugando todas as receitas e impedindo a formação de uma poupança nacional. Com isso, toda a economia fica à mercê dos banqueiros, e os capitalistas utilizam enormes créditos subsidiados para manterem seus investimentos e ampliarem seus capitais.

Exemplo disso é o Plano Safra, destinado a financiar a agricultura no Brasil com recursos principalmente do Banco do Brasil e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social). Entre 2024 e 2025, o governo vai injetar na agricultura cerca de R$ 475 bilhões em créditos. Desse total, R$ 400 bilhões vão para o agronegócio, ou seja, a maioria do dinheiro vai para uma minoria de empresários a juros entre 7% a 12% ao ano, bem abaixo da taxa média definida para economia, um enorme benefício dado pelo governo.

Quando o assunto é oferecer crédito para os trabalhadores ou pequenos empresários, os juros chegam nas alturas. Um aposentado do INSS, por exemplo, paga em média 23,8% de juros nos empréstimos consignados. Se for um juro de empréstimo pessoal, a taxa média sobe para 94,8% ao ano. Tem empresas que cobram até 15% ao mês! No caso dos cartões de crédito, os juros podem chegar a quase 400% ao ano.

O resultado de toda essa especulação e ganância é o super-endividamento dos mais pobres. No ano passado, cerca de 28,3% das famílias brasileiras não conseguiram pagar suas dívidas, segundo a Confederação de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Dona Maria do Amparo de Souza, aposentada pelo INSS e moradora do bairro Autran Nunes, em Fortaleza, é uma delas. “Meu benefício não dá mais pra nada. Só recebo R$ 832,00. Todo mês, dependo de renovar esses empréstimos no banco se não morro de fome. Mesmo com o aumento que teve, não dá pra nada. É muito complicado viver assim”, desabafa.

Por outro lado, quem não tem do que reclamar da atual política econômica são justamente os banqueiros. O cálculo é simples: considerando o risco médio de atrasos, os prazos de pagamento e as taxas cobradas, praticamente 1/4 da renda dos trabalhadores fica nas mãos dos bancos, ou seja, três meses de trabalho. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a renda total dos trabalhadores somou R$ 328,4 bilhões em 2024, enquanto os lucros dos maiores bancos comerciais, segundo projeções do jornal O Valor, fechou em R$ 112,4 bilhões. Quer dizer, no Brasil, o povo trabalha para enriquecer a burguesia.

Banco Central

São muitas as injustiças que existem em nosso país, e a lei burguesa existe para proteger sempre os mais ricos.

De fato, quando um pai ou uma mãe desesperados furtam uma lata de leite para dar para seus filhos que estão passando fome em casa, a coisa vira caso de polícia. Mas por que nada é feito contra quem cobra juros abusivos e enriquece à custa da pobreza de milhões de pessoas? A resposta é simples: quem toma conta do galinheiro é a raposa.

O Banco Central, responsável por ordenar o sistema financeiro e garantir uma política monetária sustentável para a população, é quase uma filial da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban). A mídia burguesa só lembra do Banco Central a cada 45 dias, quando seu Conselho de Política Monetária define a nova taxa Selic, que serve de base para a remuneração dos donos dos títulos da dívida pública. Atualmente, essa dívida equivale a quase 80% do PIB, chegando a R$ 7,7 trilhões. Cada aumento de 1% da Selic representa R$ 55,2 bilhões a menos nos cofres públicos. Isso significa menos dinheiro para a educação, saúde, saneamento, segurança pública, meio ambiente, etc.

No Governo Bolsonaro, com apoio do Congresso Nacional, o Banco Central mudou de status jurídico e virou uma autarquia independente. O mínimo de controle que existia, não ocorre mais. Em sua reunião do dia 29 de janeiro, o BC decidiu aumentar a taxa básica para 13,25%, a maior do mundo quando se desconta a inflação. Logo, não é um banco do Estado brasileiro, mas uma instituição dirigida em benefício de meia dúzia de grandes magnatas do sistema financeiro.

Controle sobre os bancos

Somente uma mudança drástica e radical poderia colocar fim a essa farra dos bancos no Brasil. Uma revolução socialista significa que a população, em especial, os trabalhadores, os principais atingidos por essa política desigual, deve ter controle total sobre os bancos e sobre toda a economia.

Se são os trabalhadores que produzem todas as riquezas, nada mais justo que tudo isso seja repartido entre eles. Dessa forma, a fome, o desemprego e a falta de condições dignas de vida seriam resolvidos e o Brasil finalmente seria para os brasileiros.

Nota:

  1. Selic é o Sistema Especial de Liquidação e Custódia do Banco Central do Brasil, taxa básica que remunera os títulos públicos federais negociados no mercado financeiro.

Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade

Privatização de linhas da CPTM e do Metrô de São Paulo só beneficia empresários

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No dia 28 de março, o governo de São Paulo realizará um leilão onde tentará cumprir sua promessa de privatização das linhas 11, 12 e 13 da CPTM. Trabalhadores e usuários denunciam o risco de precarização do serviço, que passará a se orientar pelo lucro da iniciativa privada

Thiago Jim e Nathalia Vergara*


Em seu mandato a serviço do empresariado paulista, o governador fascista Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem como objetivo privatizar alguns dos serviços públicos mais importantes para a população do estado de São Paulo.

No segundo semestre de 2024, após a criminosa privatização da Sabesp, Tarcísio passou a levar adiante os projetos de concessão das linhas ferroviárias da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), mais especificamente as Linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Esmeralda. Posteriormente, o governador também pretende privatizar as Linhas 10-Turquesa e 14-Ônix, ampliando o domínio do capital estrangeiro sobre este bem tão essencial ao povo que é o transporte público.

Com a ofensiva do governador, são propagadas mentiras envolvendo redução de custos e e melhorias nas linhas quando, como vem mostrando o jornal A Verdade, o que vem ocorrendo é um cenário de terrorismo para que os poucos funcionários solicitem desligamento incentivado, problemas de funcionamento e uma situação em que a população paga duas vezes por um serviço de péssima qualidade.

Como se demonstra a seguir, a prova de que a privatização beneficia apenas os mais ricos está nas três concessões que, atualmente, estão plenamente em vigor nos serviços metroferroviários da região metropolitana de São Paulo: as da Linha 4-Amarela (ViaQuatro), da Linha 5-Lilás (ViaMobilidade) e das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda (ViaMobilidade).

População paga dobrado

Para cada uma dessas empresas, o governo paga um valor por passageiro transportado. Essa quantia é de R$ 6,28 na Linha 4-Amarela, de R$ 2,49 na Linha 5-Lilás e de R$ 3,83 nas linhas 8 e 9. Além do valor custado pelo governo, em que a população paga através dos impostos, o passageiro custeará novamente seu transporte por meio da tarifa, que hoje custa R$5,20 e que teve um aumento de R$ 0,20 em 2025).

A partir dessa forma da concessão, o governo fica com o orçamento comprometido para fazer “reequilíbrios financeiros” — isto é, entregar mais dinheiro — para os concessionários privados. Dentre as principais razões alegadas para estes reequilíbrios estão a queda de demanda, números de passageiros transportados abaixo das estimativas, ou o atraso em obras que competem ao Estado.

Por causa disso, em 2023, o governo teve pagar às três concessionárias privadas mais de R$ 1,3 bilhão, considerando os diferentes tipos de reequilíbrios existentes. Se essas linhas fossem operadas pelo Metrô e CPTM, não haveria a necessidade de pagar esse valor, mas sim, no máximo, o ressarcimento pelas gratuidades, como já acontece.

O governo tenta justificar o uso das Parcerias Públicos-Privadas (PPPs) como uma forma de ampliar as linhas e atrair a “iniciativa” privada, mas quem acaba por aportar a manutenção e ampliação do transporte metroferroviário é o poder público. Na PPP da Linha 4-Amarela, o governo arcou com 73% da obra. Já no Trem Intercidades, que ligará São Paulo a Campinas, o governo vai arcar com 75% da obra.

Na PPP das linhas 11, 12 e 13, a situação é ainda pior: o governo pretende arcar com até 80%, prevendo um custo de R$13,9 bilhões em 25 anos de concessão. A cifra não inclui nem mesmo os outros gastos que viriam após privatização, como, por exemplo, os reequilíbrios financeiros, cuja soma ultrapassaria em muito os investimentos atuais que o governo realiza com as linhas públicas do trem e metrô.

Outro problema que surge da concessão dos serviços é o fato de que, nos contratos, está previsto que obras importantes como a ampliação das linhas e outras melhorias possam não ser realizadas, caso causem um impacto aos custos e lucros das empresas.

Um exemplo deste cenário está na Linha 5-Lilás, cujo prolongamento para o Jardim Ângela ainda está incerto devido ao “reequilíbrio” da iniciativa privada. Como “solução”, fala-se em aumentar o tempo da concessão ou aumentar o repasse por parte do governo, mas caso a linha fosse operada de forma pública pelo Metrô, a população não estaria pagando por algo que talvez nem aconteça.

Relatos da precarização

Hoje, a principal estratégia da gestão de Tarcísio para tentar justificar a privatização para a população é precarizar o serviço público. Por isso, o que a população vivencia atualmente são uma CPTM e um Metrô precarizados, com redução de funcionários e baixo investimento do governo, criando um cenário em que a imprensa burguesa apresenta a concessão das linhas como algo que beneficiaria o povo paulista, quando o contrário ocorreria.

É o que ocorre na rotina de Maitê Fernandes, usuária da linha 11-Coral da CPTM. Com nove meses de gravidez, Maitê voltava do trabalho em horário de pico da estação Tatuapé até o município de Mogi das Cruzes. “Lembro de várias vezes que a linha Coral parou e demorou uma eternidade para voltar a funcionar. Quando chovia, os trilhos do trajeto enchiam de água e não tinha como passar, até as plataformas ficavam alagadas e era muito difícil lidar com a super lotação. Eu morria de medo de me derrubarem ou me apertarem, por conta do barrigão”, diz, relembrando.

Durante seu trajeto, Maitê ouvia outros usuários reivindicando novas linhas e trens para atender a demanda da população. “Já cheguei a sair da estção Estudantes, em Mogi, às 10h15 e chegar no Tatuapé só depois das 13h30, de tanta demora e falha no sistema deles. Nesse dia, eu lembro que alguém tinha roubado uns cabos de eletricidade na estação Poá e quando um maquinista foi questionado sobre isso ele disse que provavelmente ia demorar, porque a empresa não tinha recurso direito para resolver o problema”, comenta.

“Honestamente, é um absurdo pagar R$5,20 pra andar em um trem que vive lotado, cheio de defeito elétrico e que demora horrores para passar. Isso sem contar baratas nos vãos dos bancos e pisos escorregadios com vazamento de água. Ao meu ver, parece que não tem gente suficiente pra dar conta de tanto problema. E aí eu me pergunto: para onde vai o dinheiro que eu paguei? Porque consertar as vias, contratar mais funcionários ou fazer a manutenção dos trens ninguém faz”, reflete a usuária.

Ao mesmo tempo, os ferroviários adoecem cada vez mais e necessitam trabalhar para além de sua jornada de trabalho para garantir o funcionamento das linhas, enquanto enfrentam uma ameaça de demissão em massa devido à privatização, que justamente necessitaria de recursos materiais e humanos para continuar em funcionamento.

De acordo com um funcionário da linha 11-Coral entrevistado pelo jornal A Verdade, que pediu para não ser identificado para evitar represálias, faltam muitos funcionários em seu setor. “No período da tarde, por exemplo, teriam que ter oito oficiais e dois encarregados, mas têm três oficiais e um encarregado. Por conta disso, os problemas com a linha demoram muito para se resolver e aí fico analisando… Já são 6 anos sem concurso, 3 planos de demissão incentivada, tivemos mortes durante a pandemia da Covid-19 e desligamento compulsório por aposentadoria”, diz.

“Enquanto isso, a chefia entra no psicológico com a desculpa que o trem não pode ficar parado, mas só no meu setor faltam 18 funcionários. A empresa já teve 8600 funcionários e hoje tem pouco mais de 5000. Então eu te pergunto, a culpa é de quem?”, desabafa o ferroviário.

Lutar contra a privatização

Devido à realidade dos usuários como Maitê Fernandes e de trabalhadores como este ferroviário, cresce a importância de lutar por uma nova sociedade, onde não haja exploração e os bens públicos sejam administrados pelo bem-estar da população. Em seu programa, para enfrentar o problema, a Unidade Popular pelo Socialismo (UP) defende a “estatização de todos os meios de transporte coletivo” e a “reestatização de todas as estatais privatizadas”.

Ampliando as denúncias dos males da privatização, os trabalhadores ferroviários se organizam para bater de frente com a tentativa de concessão das linhas 11, 12 e 13, já marcada via leilão para o próximo dia 28 de março. Para o Movimento Luta de Classes (MLC), que atua na categoria, é preciso trabalhar pela organização de uma greve histórica, que faça o governo Tarcísio recuar de seus planos e o obrigue respeitar a rejeição da população à privatização, já demonstrada em pesquisas e no plebiscito popular de 2023.

*Thiago Jim e Nathalia Vergara são do núcleo de ferroviários do MLC-SP

“Perdemos arroz, sofá, várias coisas”

Em bairros como o Jardim Pantanal, a população pobre de São Paulo foi duramente afetada pelas enchentes, e a Prefeitura agora ameaça remover as famílias de suas casas. Por toda a Zona Leste, o jornal A Verdade colheu relatos das perdas e também da disposição dos trabalhadores de lutar por moradia digna

Guilherme Arruda e Guilherme Farpa | São Paulo (SP)


“A maioria das casas aqui encheu. A gente teve que sair de casa correndo no meio da enchente. Perdemos arroz, sofá, várias coisas. Todo ano, acontece isso, mas neste foi pior”. Esse é o relato de Luana, moradora do Lageado, um dos bairros afetados pelas enchentes na Zona Leste de São Paulo. Neste início de ano, os trabalhadores brasileiros estão sofrendo mais uma vez com o abandono dos governos burgueses, que pouco ou nada fazem para conter os efeitos das chuvas de verão. Só no Estado de São Paulo, até o dia 06 de fevereiro, 18 pessoas morreram devido a enchentes e alagamentos em 2025.

Os números escancaram que os investimentos de milhões de reais contra as inundações, anunciados pelo governador Tarcísio de Freitas e o prefeito da capital Ricardo Nunes, não passaram de promessas. Os mais afetados, como de costume, são os mais pobres e moradores da periferia. Além da falta de obras que lidem com a crise climática promovida pelo capitalismo, fica clara a inexistência de uma política de habitação que ofereça moradia digna para as famílias trabalhadoras, que deveriam ter o direito de viver sem o medo constante de perder tudo o que têm.

Nos últimos dias, o jornal A Verdade percorreu uma série de bairros de São Paulo que foram duramente afetados pelas chuvas. Neles, recolheu relatos de moradores que tiveram suas casas invadidas pela água e denunciam os governos dos ricos, que não atuam para conter os desastres e ainda pretendem expulsar milhares de suas casas.

Trabalhadores são vítimas

Na noite de 1º de fevereiro, em que uma tempestade atingiu São Paulo, um motorista de aplicativo de 50 anos morreu afogado no bairro da Vila Prudente. Com a via alagada, ele ficou preso em seu carro e sofreu uma parada cardiorrespiratória.

Naquela mesma noite, a trabalhadora Beatriz Zeballos conseguiu se salvar após ficar presa na estação de trem Oratório, localizada no mesmo bairro, devido ao volume de água na avenida. Ela denunciou: “Aqui na região do Monotrilho, a água está com mais de três metros. Os trabalhadores estão todos aqui ilhados, a gente trabalha o dia inteiro e não tem direito ao descanso. Esse Ricardo Nunes já está há quatro anos no poder e não fez nada. Isso é o reflexo do fascismo no governo, é classe trabalhadora no lixo e na água suja, enquanto eles estão nos apartamentos mais caros da cidade”.

Após promover uma ação de solidariedade às vítimas da inundação, ajudando a limpar os estragos, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) convocou um protesto que mobilizou dezenas de famílias para reivindicar que o poder público não fique omisso frente ao sofrimento do povo.

No dia 04 de fevereiro, a manifestação ocupou a sede da Subprefeitura de Guaianases e conquistou uma reunião com o responsável do órgão. O ato arrancou das autoridades o compromisso de uma obra para enfrentar os alagamentos na região, que será iniciada em março, o cadastro das famílias para indenização pelas perdas e seu encaminhamento para a assistência social.

A ação organizada pelo Movimento junto à população do bairro demonstra a importância da mobilização popular para enfrentar o cenário de crise. “Eu moro sozinha e fiquei muito assustada com a água subindo dois metros na minha porta. Se o MLB não tivesse vindo aqui, a gente ia ficar no vácuo, sem saber o que ia acontecer”, relatou Dona Antônia, idosa e moradora do Lageado, ao fim da manifestação.

Luta no Jardim Pantanal

Situado às margens do rio Tietê, o bairro do Jardim Pantanal sofre com enchentes e o descaso da prefeitura há quase 40 anos. Segundo Áquila Ferreira, cabeleireiro na região, após as chuvas da madrugada do dia 1º de fevereiro, “a gente via um movimento que não era comum na madrugada, muitas pessoas andando na água carregando colchões e móveis. O bairro aqui tá esquecido, não parece que a gente tá na cidade mais rica do Brasil”.

Mais de dez depois, o Jardim Pantanal continua debaixo d’água. Dona Cecília continua com parte da casa submersa e relata: “Eu levantei de madrugada pra ir ao banheiro e já pisei na água. No começo, era só o esgoto transbordando, mas logo depois também começou a entrar água da rua, aí eu perdi guarda-roupa, sofá, tudo”.

Após a última enchente, o prefeito fascista Ricardo Nunes disse que a Prefeitura deveria “incentivar as pessoas a saírem dali”, fugindo de suas responsabilidades, sugerindo uma expulsão violenta dos moradores e oferecendo uma ajuda de custo insuficiente. “Eles dão dinheiro, como se o problema fosse individual, e não social”, continuou Áquila. O poder público conhece os riscos da área desde o início da sua ocupação na década de 1980, mas nunca realizou um planejamento urbano para evitar desastres na região. Segundo estudos do próprio governo, obras de contenção da chuva custariam a metade do valor de realocamento das famílias, estimado em R$1,9 bilhão.

As tendas de cadastro para distribuição de auxílios e mantimentos não acolheram todas as vítimas da calamidade. Segundo testemunhas ouvidas por A Verdade, quando a população protestou e exigiu mais atendimentos, foi fortemente reprimida pela Guarda Civil Municipal de Nunes, com balas de borracha e bombas de efeito moral, acertando, inclusive, as crianças que também estavam nas filas.

A maioria dos víveres, como alimentos e água, estão sendo distribuídos através de cozinhas solidárias organizadas voluntariamente pelos moradores, como conta Raílda dos Santos: “A gente saiu pra trabalhar e tava alagado já, aí chamei meus irmãos e começamos o movimento de fazer marmitas para entregar”. A água do bairro também foi contaminada, adoecendo centenas de moradores que agora dependem da água potável que está sendo distribuída.

Eduardo Silva, morador do bairro, trabalhou na construção de piscinões da Prefeitura na Avenida Aricanduva e demonstra sua revolta: “Lá que tem shopping e tudo não pode alagar, mas por que eles não dão atenção e fazem um piscinão aqui? É culpa dos governantes mesmo”. O mesmo diz José Oliveira, que foi fortemente atingido pela chuva e denuncia que “os nossos governantes não fizeram nada para impedir”.

Unir o povo

Como defende o MLB, é necessária uma Reforma Urbana que enfrente a lógica profundamente desigual em que os ricos têm tudo e os mais pobres são obrigados a morar em áreas de risco e sem acesso a serviços básicos, como saneamento, saúde e educação. Para o direito à moradia digna sair do papel e se tornar realidade, o movimento convoca as famílias a lutar pelo socialismo, o sistema em que os trabalhadores poderão viver com dignidade, sem a exploração dos patrões e o descaso dos governos.

Manoel Pereira, militante do movimento e morador do Jardim Pantanal há mais de 30 anos, resume os próximos passos da luta: “A culpa não é da chuva, é dos governantes que representam a burguesia. Isso gerou muito sentimento de revolta, muitos protestos. Agora, vamos reunir os moradores, os contatos e as lideranças aqui na Escola Nacional Eliana Silva, que fica no bairro, e fazer um trabalho para nos somar nas jornadas de solidariedade e na construção da luta organizada contra o descaso”.

Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade

MLB convoca seu 6º Congresso Nacional

De 10 a 13 de abril, será realizado em Minas Gerais o 6º Congresso Nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), um marco para os 25 anos de luta deste movimento combativo e revolucionário.

Coordenação Nacional do MLB


De 10 a 13 de abril, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) realizará seu 6º Congresso Nacional, um marco para os 25 anos de luta deste movimento combativo e revolucionário. O evento será realizado em Minas Gerais, palco de inúmeras lutas das famílias do MLB, como as Ocupações Eliana Silva, Paulo Freire, Manoel Aleixo, Carolina Maria de Jesus e Maria do Arraial.

A realização do congresso em uma conjuntura política que impõe grandes desafios para a classe trabalhadora do Brasil e do mundo reafirma o compromisso do MLB em organizar o povo pobre para lutar por uma reforma urbana e pelo socialismo, contra as injustiças impostas pelo capitalismo aos trabalhadores, em especial, no combate ao fascismo em nosso país.

O Congresso Nacional do MLB será um importante momento para avaliar as lutas dos últimos anos e impulsionar novas mobilizações e enfrentamentos, aprofundando a organização do movimento a nível nacional para garantir mais e maiores conquistas para as famílias trabalhadoras das periferias brasileiras.

A construção do Congresso é uma tarefa coletiva, da qual participam todas as famílias e todos os núcleos do MLB, sendo os congressos locais, cada reunião, assembleia e plenária dos próximos meses uma parte fundamental desse processo. Somente com o estudo da cartilha do MLB e das teses do Congresso por toda a militância do movimento será possível construir um Congresso vitorioso e fortalecer a luta da classe trabalhadora.

Também é fundamental discutir em toda a base do MLB nossa tarefa de autossustentação, colocando em dia o pagamento das carteirinhas, realizando atividades extras e arrecadando a contribuição de apoiadores para garantir os custos necessários.

Com luta, com garra, a casa sai na marra

Fundado em 1999, o MLB tem 25 anos de lutas, mantendo sempre a convicção de que a organização das famílias trabalhadoras das periferias e dos bairros populares é a maior força do movimento e que as ocupações urbanas são sua principal ferramenta de luta. Dessa forma, foi possível desenvolver um trabalho em nível nacional, que já conquistou moradia para mais de 30 mil famílias pobres.

O crescente número de ocupações realizadas pelo MLB em diversos estados evidencia o acerto da linha política e de ação do movimento, assim como o desenvolvimento das lutas nacionais contra a fome, que, nos últimos anos, garantiram milhares de cestas básicas para as famílias das periferias do país através da ocupação de redes bilionárias de supermercados, empresas multinacionais responsáveis pelo alto preço dos alimentos.

Comprovando na prática o lema “Quem luta, conquista!”, o MLB conquistou também, nos últimos anos, diversas áreas para a construção de empreendimentos habitacionais que beneficiarão mais de mil famílias pobres, fruto de anos de lutas e mobilizações.

Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade

MLB organiza campanha “Território Livre do Analfabetismo”

A campanha “Território Livre do Analfabetismo” nasce diante da oferta insuficiente de Educação para Jovens e Adultos (EJA). Tendo como direção o exemplo de Cuba, o trabalho de alfabetização de jovens e adultos é um dos eixos de atuação do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)

Laís Chaud | Coordenação Nacional do MLB


O analfabetismo é uma realidade presente no Brasil, principalmente no seio das classes mais pobres e excluídas da sociedade. Dados apontam que, hoje, o número de pessoas analfabetas alcança mais de 9 milhões. Para termos uma ideia, isso corresponde à população do Estado de Pernambuco. Dentre esses, a maioria é de pessoas negras e indígenas, idosas e moradoras da região Nordeste do país.

Em artigo publicado por A Verdade (edição nº 301)* sobre a exemplar campanha de alfabetização em Cuba, pudemos conhecer mais dos esforços revolucionários do povo cubano e de como a educação foi, e ainda é, o caminho para sustentar a defesa de uma nação soberana e a liberdade de seu povo.

Tendo como direção o exemplo de Cuba, o trabalho de alfabetização de jovens e adultos é um dos eixos de atuação da área de formação popular do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a Escola Nacional Eliana Silva. Trabalhando a partir da perspectiva do educador popular Paulo Freire e construída com objetivo de desenvolver a formação política, social e cultural, a Escola cumpre hoje um papel revolucionário na vida dos militantes e das famílias do MLB.

A escola não é um edíficio

A construção da Escola e a aplicação de seus eixos devem ser consolidadas em todos os territórios onde existe o trabalho do MLB. Para ter início, não é preciso necessariamente grandes estruturas físicas nem um núcleo formado por dezenas de pessoas. Esperar por isso significaria adiar a possibilidade de sua construção.

Devemos, portanto, relembrar o que estava escrito na contracapa do material de alfabetização de 1961 de Cuba, Alfabetizemos: manual para o alfabetizador: “O importante é estabelecer um local e criar a escola. A escola não é um edifício. A escola é a relação entre professor e alunos, em qualquer lugar. As aulas podem se dar até mesmo debaixo de uma árvore”.

Através dessa orientação, já vemos em alguns lugares do país a iniciativa de turmas de alfabetização da Escola, como em Florianópolis (SC) e cidades do ABC Paulista e na Capital (SP).

A campanha

A campanha “Território Livre do Analfabetismo” nasce diante da falta de ofertas na modalidade de Educação para Jovens e Adultos (EJA). Assim, o MLB de São Paulo iniciou turmas em Diadema, São Bernardo do Campo e nos bairros Jardim Três Marias e Jardim Pantanal, na Zona Leste da Capital. As turmas de São Bernardo, desde 2021, acontecem em espaços públicos, como no Centro Educacional Unificado (CEU). Em Diadema, desde 2023, na casa da companheira Dona Maria, aluna da Escola.

Já no Jardim Pantanal, a militância do MLB, através de mutirões, está construindo a Escola na casa de um companheiro do Movimento, o operário Seu Manoel, que cedeu um espaço de seu próprio terreno para o funcionamento e desenvolvimento desse importante trabalho de formação popular.

Essa última situação se repete também na cidade de Florianópolis. Após alguns mutirões de limpeza e construção, a militância dos núcleos de base e dos núcleos de luta do MLB inauguraram, no início deste mês de fevereiro, um novo espaço físico para a Escola. Antes, as aulas, que aconteciam dentro da casa de uma companheira, passaram a acontecer em um pequeno terreno, no bairro Alto Pantanal, cedido por Bicudo, companheiro do MLB. O projeto de alfabetização teve início no final de 2024 com Dona Maria, militante há cinco anos, que diz querer se alfabetizar para poder ler o jornal A Verdade e escrever a placa que vai colocar em frente da sua casa própria.

O registro da taxa de analfabetismo no Brasil é ainda maior entre as pessoas mais idosas, que tiveram nenhum ou pouco incentivo para retomar os estudos depois de adultas. Essa realidade é reforçada pelas histórias dessas companheiras. O fato é que as duas Dona Maria fazem parte da metade da população que não finalizou o ensino básico.

Dona Maria, de Diadema, afirma já “saber um pouquinho”, mas tem vontade de aprender mais, para poder, por exemplo, saber ler os documentos que ela precisa assinar. Já Dona Maria, do Alto Pantanal, diz que, na época da escola, escreveu muito pouco, pois logo saiu, então tem mais dificuldades, mas afirma que voltar a estudar é “muito bom. Eu gosto de escrever. Na verdade, adoro escrever. Se não fossem vocês, como eu ia fazer?”.

Essas companheiras não só foram incentivadas a garantir seu direito a ler e escrever, como alimentaram uma vontade revolucionária dentro de si. Uma vontade que enfraquece a estrutura rígida desse sistema, que tem a ignorância como plano de vida para o nosso povo, como nos apontou Samora Machel.

Devemos nos espelhar nesses exemplos e colocar em prática a campanha “Território Livre do Analfabetismo”, em todos os bairros, vilas e favelas onde temos trabalho do MLB. Também devemos estudar mais, para poder formar mais Donas Marias, mulheres guerreiras, filhas da nossa classe, para que elas encorajem e incentivem mais mulheres a acreditarem que é possível construirmos uma sociedade livre da opressão.

*“Se não sabes, aprendes; se sabes, ensina!” – A Campanha Nacional de Alfabetização de 1961 em Cuba, escrito por Julia Andrade Ew (Florianópolis/SC)

Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade

Teia dos Povos organiza lutas em defesa dos territórios tradicionais

Entre os dias 29 de janeiro e 02 de fevereiro, três mil pessoas participaram da 8ª Jornada Agroecológica da Teia dos Povos para debater e articular a resistência contra o latifúndio, a especulação imobiliária e o extrativismo da mineração

Isabella Tanajura | Salvador (BA)


Povos indígenas, quilombolas, movimentos sociais do campo e da cidade de todas as partes do Brasil se reuniram em Salvador durante cinco dias na 8ª Jornada Agroecológica da Teia dos Povos para fortalecer as lutas por terra e território das comunidades presentes. Entre os dias 29 de janeiro e 02 de fevereiro, três mil pessoas participaram do evento para debater e articular a necessidade da resistência contra o latifúndio, a especulação imobiliária e o extrativismo da mineração, que ameaçam a sobrevivência desses povos em seus territórios.

Ocorreram debates sobre agroecologia, terra e território, saúde e educação, além de espaços para apresentação de trabalhos acadêmicos e feira de exposição para os produtos desenvolvidos pelas comunidades.

O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), movimento social que luta pela reforma urbana e pelo socialismo organizando milhares de famílias em ocupações urbanas, esteve presente com delegações de Minas Gerais e da Bahia. O MLB defendeu a organização do povo pobre contra a burguesia e os grandes proprietários de terra na forma de grandes ocupações nas periferias do país. Durante a atividade, foram vendidos mais de 130 jornais A Verdade em brigadas.

Em Minas Gerais, a Unidade Popular (UP) organiza o Coletivo Cacique Merong, que luta contra a mineração predatória, responsável por crimes ambientais e violências contra lideranças populares. O nome do coletivo homenageia o líder indígena Merong Kamakã, encontrado morto no ano passado após estar à frente da luta pela retomada de terras do povo Kamakã Mongoió, em Brumadinho, uma área de interesse da mineradora Vale. Ainda hoje, a retomada organizada pelo povo Kamakã Mongoió sofre intimidações e várias formas de violências por parte da Vale.

Levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que pelo menos 11 lideranças populares do campo foram assassinadas em 2024, entre elas Nega Pataxó, no Sul da Bahia.

Tombamento do Abaeté

O encontro ocorreu na capital baiana, no território do Abaeté, ameaçado pela Prefeitura de Salvador e empresários ligados às igrejas evangélicas. Em 2022, foi derrubado na Câmara Municipal de Salvador o Projeto de Lei 411/2021, que previa a alteração do nome “Dunas do Abaeté” para “Monte Santo Deus Proverá” com objetivo de privatizar a área de proteção ambiental do Abaeté e propagar o ódio religioso através do apagamento histórico do nome Abaeté de origem tupi.

Nesse sentido, o Fórum Permanente de Itapuã e as demais comunidades do território que participavam do encontro na Teia dos Povos organizaram um ato no dia 1° de fevereiro para denunciar essa tentativa de usurpar dos povos originários esse território. Os povos de terreiro e indígenas lutam pelo tombamento do Abaeté para impedir a destruição da região, que é um sítio natural e histórico. A Lagoa do Abaeté é um ecossistema de restinga, dunas e lagoas, com grande valor histórico, religioso e ambiental.

Genocídio do povo negro

Tradicionalmente, no dia 02 de fevereiro, são realizadas celebrações de Iemanjá, a orixá das águas salgadas, entidade central nas religiões de matriz africana. Em Salvador, a data é reconhecida como Patrimônio Imaterial e considerada a maior celebração afrorreligiosa do Brasil desde 2021, reunindo milhares de pessoas na festa realizada no bairro do Rio Vermelho. Os participantes da articulação da Teia dos Povos estiveram presentes na celebração como atividade do último dia do encontro.

A Unidade Popular (UP) e a Frente Negra Revolucionária (FNR) realizaram um ato durante a festividade exigindo justiça por Mãe Bernadete, ialorixá e líder do Quilombo Pitanga de Palmares. Ela foi assassinada com tiros no rosto, dentro de casa, na presença de seus netos, há dois anos. A líder quilombola e seu filho Binho, também morto a tiros, em 2017, foram vítimas da especulação imobiliária que tem interesse no lençol freático e mananciais que fazem parte do território.

Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade

UP lança Frente Negra Revolucionária (FNR)

No dia 1º de fevereiro, o auditório do Sindicato dos Urbanitários de Pernambuco, em Recife, ficou lotado e cheio de energia combativa para o lançamento nacional da Frente Negra Revolucionária (FNR), uma iniciativa da Unidade Popular (UP)

Clóvis Maia | Recife (PE)


Com dezenas de entidades e bancadas de todo o país, o auditório do Sindicato dos Urbanitários de Pernambuco, em Recife, ficou lotado e cheio de energia combativa para o lançamento nacional da Frente Negra Revolucionária (FNR), uma iniciativa do partido Unidade Popular (UP). O ato aconteceu no dia 1º de fevereiro, em meio às atividades da Bienal de Cultura e Arte da UNE.

O ato da FNR se iniciou com uma apresentação do Afoxé Alafin Oyó, que trouxe toda a ancestralidade e força da cultura afro-brasileira. Em seguida, foi composta a mesa do lançamento, que contou com a participação do MLB, MLC, Movimento de Mulheres Olga Benario, UJR e da UNE. Um momento de muita emoção foi a fala de Vera Barone, militante histórica do movimento negro em Pernambuco desde os anos 1960, que foi homenageada na ocasião e saudou a disposição da militância da UP em criar a FNR.

Edival Nunes Cajá, falando em nome do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR), resgatou a história do patrono da FNR, Manoel Aleixo, contextualizando o quanto a luta do povo negro brasileiro por justiça e liberdade é uma luta revolucionária. Em seguida, Samara Martins, vice-presidenta da Unidade Popular, representou o Diretório Nacional e fez uma exposição dos motivos que levaram à criação dessa nova frente e dos próximos desafios que se colocam diante de uma conjuntura que apresenta o fascismo como o principal inimigo do povo preto da periferia.

“Nós fizemos um evento extremamente histórico e necessário para uma luta antirracista classista no país, com a necessidade de discutir gênero, raça e classe como determinantes para a luta por libertação dos povos. A Frente Negra Revolucionária vai contribuir muito para avançarmos mais rapidamente para a destruição desse sistema racista, patriarcal, homofóbico, etc., baseado em tantas opressões para nos explorar. Daqui a um tempo, vamos conseguir perceber a grandiosidade que foi esse momento, apesar de a gente já ter sentido a energia, a combatividade e estarmos extremamente felizes de os debates que a gente fez com os movimentos que constroem a Unidade Popular, os debates nos coletivos e nos Diretórios, terem culminado com o lançamento da nossa frente. Então é só alegria. E as nossas lágrimas são, na verdade, juramentos de combate. As lágrimas que a gente chora pelo racismo, pelos nossos que caem, são juramentos de combate e é assim que a gente vai seguir na FNR”, destacou Samara.

Manoel Aleixo

A escolha do patrono da FNR não foi por acaso. Manoel Aleixo da Silva, conhecido como Ventania, foi escolhido em nosso encontro nacional, ocorrido em novembro de 2023, em Salvador (BA), justamente por representar os ideais dessa frente e suas bandeiras de luta. Nascido em junho de 1931, em São Lourenço da Mata (PE), o camponês filho de ex-escravizados formou sua consciência e revolta ouvindo as histórias de nomes como Lampião e Zumbi dos Palmares. Apesar de não ter tido acesso aos estudos formais, Aleixo incorporou a cultura popular, usando o coco-de-roda e a embolada para politizar os trabalhadores rurais em Pernambuco, onde ele passou a atuar nas Ligas Camponesas e nos sindicatos rurais. Nas fileiras do PCR, conduziu uma forte militância orgânica, sendo perseguido e assassinado sob torturas em agosto de 1973, após ser sequestrado em sua residência, em Joaquim Nabuco. O nome de Manoel Aleixo não só continua a luta por memória, verdade e justiça, bem como demonstra que a luta por reparação histórica para a população negra perpassa por vários períodos de nossa história, desde a invasão europeia e a escravidão, que ainda não foi superada.

Matéria publicada na edição impressa nº 307 do jornal A Verdade

Mulheres conquistam adiamento do despejo da Ocupação Alceri Gomes

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Na quarta-feira (18/2), a solidariedade popular barrou uma tentativa de reintegração de posse do imóvel da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes. O Movimento de Mulheres Olga Benario também conquistou uma reunião com a Prefeitura de São Caetano (SP) para apresentar suas demandas

Movimento de Mulheres Olga Benario


Nesta quarta-feira (18/2), foi barrada uma ameaça de reintegração de posse contra a Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes, organizada pelo Movimento de Mulheres Olga Benario em São Caetano do Sul (SP).

No dia, marcado pelas autoridades para a reintegração do imóvel, o movimento mobilizou dezenas de mulheres e apoiadores para resistir ao despejo ilegal, contando com deputada estadual, vereadores das cidades, coletivos progressistas e muito apoio do bairro que fica no entorno da ocupação.

A casa existe desde 23 de novembro do ano passado e é uma das 26 ocupações organizadas pelo Movimento de Mulheres Olga Benario em todo o país. Desde o primeiro dia, a Ocupação Alceri Gomes tem realizado um trabalho de acolhimento das mulheres em situação de violência e organizado mulheres da cidade para lutar em defesa de seus direitos. Porém, em um processo acelerado, que a própria Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou ilegalidades, um juiz autorizou a reintegração de posse com uso de violência policial.

Ao jornal A Verdade, uma das vizinhas que se somou à resistência contra a reintegração afirmou: “Durante todos os 30 anos em que ficou abandonado, esse prédio era, na verdade, lugar para criação de praga, invasão para usuário de droga. Depois que veio a ocupação e vocês limparam o espaço, a gente teve redução de pragas e, para a vizinhança, o prédio ocupado é muito melhor do que o prédio abandonado, desocupado e suscetível a qualquer tipo de ocupação sem nenhum propósito. Há um propósito e eu acho que tem que continuar a ocupação!”

O ato contra a reintegração contou com palavras de ordem e muita agitação denunciando a violência contra as mulheres na região, o despejo ilegal e o descaso de Tite Campanella (PL), prefeito de São Caetano do Sul, que até o momento não havia atendido o movimento. Vereadores da cidade junto a grupo de fascistas tentaram obrigar a Guarda Civil Municipal (GCM) a realizar a reintegração mesmo sem o documento do mandado, sem sucesso, as mulheres organizadas barraram essa tentativa de despejo.

No mesmo dia, o Movimento de Mulheres Olga Benario mobilizou um ato na Câmara dos vereadores da cidade, que teve sua sessão encerrada devido à presença das mulheres.

Ainda no dia 18, a Justiça determinou um novo prazo de 24 horas para a polícia concretizar o despejo. Por isso, a mobilização se manteve para o dia seguinte, crescendo em número de apoiadores. Fruto dessa pressão, as mulheres conseguiram o adiamento da reintegração de posse: ao entrar no processo, a Polícia Militar solicitou a prorrogação do prazo em 30 dias, o que é acatado pelo juiz.

Com a força da manifestação, o movimento foi atendido pela Prefeitura e se reuniu com o chefe de gabinete do prefeito. Suas representantes apresentaram as demandas da ocupação e das mulheres da cidade às autoridades, que se comprometeram a receber o movimento novamente em uma semana.

Para o Movimento de Mulheres Olga Benario, essas importantes vitórias deixam claro que só com mobilização e luta é possível vencer. Para consolidar essas conquistas, o movimento segue mobilizado e realizando atividades na ocupação e nos entornos, chamando as mulheres a se organizarem no núcleo da ocupação que acontece todo domingo, às 10h.

Além disso, para garantir o avanço dessa luta e acolher mais mulheres, o movimento tem realizado uma campanha de arrecadação através do Pix movimentoolgabenario.sp@gmail.com e no link apoia.se/pelavidadasmulheres.

Moradores de Teresina (PI) denunciam descaso da Equatorial Energia

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Moradores da zona rural de Teresina fazem manifestação em denúncia ao descaso da Equatorial Energia com a população. Moradora da zona urbana relata caso de desligamento por cobrança indevida e 30 dias sem energia.

Nimbus Pinheiro | Teresina (PI)


 

Na quarta-feira (22/1), fortes chuvas atingiram a capital piauiense, provocando diversos danos à rede de distribuição da empresa Equatorial, atual responsável pelo fornecimento de energia no estado do Piauí. Os danos, causados pela queda de árvores sobre as estruturas, deixaram milhares de moradores sem eletricidade, em especial os moradores do povoado Boa Hora, na zona rural de Teresina, que passaram cinco dias sem atendimento.

“Vivemos esse período sem energia, comprando água para beber e tomar banho”, relata João Pedro, líder comunitário de Boa Hora. “Nós só temos água por causa da energia, que abastece o nosso povoado, na zona rural.”

Até sábado da mesma semana, a população permaneceria desabastecida. Para aqueles que não tinham condição de comprar água, foi somente o apoio de comunidades vizinhas e de carro-pipa que os possibilitou suprir suas necessidades mais básicas. Assim como a desidratação, a ausência de ventilação elétrica foi uma grande preocupação para os residentes, visto que o aumento da sensação térmica traz riscos aos sistemas respiratório e cardiovascular. Para os enfermos e acamados, a tendência era o agravamento do quadro de saúde.

Povo revoltado se organiza

Além da falta de resolução, o relato evidencia o descaso da Equatorial com seus consumidores, que obtiveram pouco ou nenhum retorno da empresa durante a semana. Na tarde da quinta-feira, João Pedro tentou entrar em contato com o diretor-geral da distribuidora, e não obteve resposta. No sábado, sofrendo com a precariedade gerada pela negligência empresarial, a população organizou sua revolta.

“A manifestação ocorreu pelo período de meio-dia, quando a população não estava aguentando mais. Porque vinha carro da Equatorial, só que não resolvia. Entrava e saía”, explica o líder comunitário. “Então, a população, de modo geral, se uniu, e fechou todas as ruas que dão acesso. Pra que eles não saíssem daqui até quando dessem resposta.”

Durante a manifestação, as estradas foram bloqueadas pelas chamas da queima de galhos e pneus. A polícia militar, em uma tentativa de intimidação, levou um dos manifestantes preso. “A polícia não entendia a manifestação. Só abria o acesso das ruas se [a Equatorial] desse uma resposta. Até que deram uma resposta para a população, de fato.” Afirma João Pedro.

Apesar disso, os moradores resistiram, e, no mesmo dia, conquistaram a normalização do fornecimento de água e energia no povoado. Segundo o atendimento da distribuidora, havia um defeito na fiação elétrica da região, e por isso “precisavam de bastante tempo”.

A demora, entretanto, não se restringe ao período de chuvas. Em casos de atraso da fatura, são comuns as reclamações sobre a espera pela religação depois de efetuado o pagamento. Para Ana Selma, moradora do Parque Brasil III, o retorno só veio após um mês de solicitações.

“Foi trinta dias sem energia. Eu tive que me mudar da minha casa pra casa da minha mãe”, conta a professora, sobre o episódio de 2024. “Perdi até minhas carnes, porque eu, pensando que ia [voltar], deixei. Aí fui pra casa da mamãe, levando o que sobrou. Resistindo pra ver se dava certo, e nunca deu certo.”

Empresa lucra com débito indevido

O desligamento, como alega a Equatorial, foi ocasionado por uma dívida da cliente. A consumidora, porém, refuta a justificativa, apontando que seus atrasos já estavam pagos, e que o débito era inadequado.

“Eles cortaram dizendo que eu tô devendo R$42 a eles. Aí o que a gente colocou: que R$42 é esse? Esses 42 já é outra parcela, indevida, que eles colocaram no meu talão. Até hoje eu pago esses R$42, que a gente tá tentando tirar”, denuncia a cidadã.

Ana Selma aponta, ainda, discordâncias entre as cobranças feitas na época do atraso original, no final de 2022, e as cobranças atualmente registradas no sistema da distribuidora. Além de desconsiderar o pagamento da dívida, quitada em agosto de 2023, a empresa teria realizado um parcelamento sem autorização da usuária. Logo, por não pagar uma conta que estava fora de seu conhecimento, a consumidora teve seu fornecimento de energia cessado por cerca de um mês.

O caso foi levado à justiça, e diversas multas foram aplicadas à empresa, que permaneceu sem dar resposta. Segundo a professora, o caso só foi resolvido sob ameaça de denúncia na imprensa. No dia seguinte, sua energia foi religada.

Enquanto o governo do Piauí segue vendendo a ilusão do progresso através da privatização de estatais, o povo de Teresina mostra que, para conseguir o mínimo de qualidade em serviços essenciais à população, é necessária a organização popular e a denúncia da negligência empresarial, motivada pela ganância capitalista.

Alunos sofrem com calor extremo nas escolas municipais de Praia Grande

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Famílias e trabalhadores da educação se unem para exigir que a Prefeitura de Praia Grande realize investimentos em infraestrutura e a climatização das escolas. Uma plenária do Movimento de Luta de Classes (MLC) no dia 22/02 organizará a mobilização

Maíra de Souza | Praia Grande (SP)


No município de Praia Grande, no litoral do estado de São Paulo, trabalhadores da educação e alunos denunciam que o descaso do governo municipal com as condições insalubres nas escolas públicas em meio à crise climática atingiu um nível intolerável. As comunidades escolares revelam que, em um verão de temperaturas altíssimas, as salas de aula tem se transformado em verdadeiras estufas, sem climatização ou condições mínimas de funcionamento, colocando em risco a saúde de quem trabalha e estuda nelas.

Frente à calamidade, o Movimento Luta de Classes (MLC) e a Unidade Popular pelo Socialismo (UP) no município convocaram uma plenária para este sábado (22/2), buscando organizar uma mobilização que exija melhores condições de infraestrutura para o ensino público da cidade.

Crise climática

A última semana de fevereiro traz consigo previsões alarmantes de recordes de temperaturas altíssimas em todo o país. Nesse contexto, trabalhadores da educação da Baixada Santista relatam ao jornal A Verdade que lidam diariamente com salas de aula abafadas, falta de ventilação, ausência de água potável em condições adequadas e nenhum investimento em sistemas de refrigeração demonstram a realidade que é imposta.

Uma servidora que não quer se identificar relata que é insuportável ficar dentro das salas de aula. “Nas quadras, a situação é ainda pior. As crianças não conseguem se concentrar, sentem dor de cabeça, desconforto e precisam ir ao bebedouro o tempo todo. A situação causa grande agitação e crises nos estudantes autistas, que nessa fase estão se adaptando à sua nova sala de aula”, desabafa.

Mesmo assim, o governo municipal, que deveria garantir condições dignas de trabalho e estudo, não dá sinais de que pretende fazer as reformas de infraestrutura necessárias para enfrentar o calor, fechando os olhos para a crise climática e o sofrimento que ela causa. Mais que negligência, denunciam os servidores, essa inação é um ataque direto à saúde, ao direito à educação e ao futuro das crianças e adolescentes da cidade.

Luta organizada

Apesar das promessas vazias e medidas paliativas de muitos governos, os efeitos da crise climática capitalista já estão batendo à porta. Por isso, as comunidades escolares começam a se organizar para cobrar, pressionar e lutar por mudanças urgentes. A luta por escolas climatizadas, com infraestrutura adequada para enfrentar as altas temperaturas, com investimentos reais em sustentabilidade e políticas públicas que priorizem a vida e o bem-estar de todos se apresenta cada vez mais como uma necessidade urgente.

Dessa forma, o MLC e a UP estão organizando um ato que mobilize todas as trabalhadoras, trabalhadores, estudantes, familiares e defensores da educação de Praia Grande para a luta no município. A plenária convocada para o dia 22/02, que organizará as estratégias de luta e mobilização, terá como proposta inicial as seguintes reivindicações:

  1. Climatização imediata das escolas – solução imediata para pôr fim às condições desumanas que as crianças e profissionais da educação estão submetidos;
  2. Investimentos em infraestrutura sustentável – as escolas precisam de reformas urgentes para se tornarem ambientes saudáveis e preparados para enfrentar a crise climática;
  3. Políticas públicas efetivas – o governo deve assumir sua responsabilidade diante da emergência climática, com ações concretas que garantam a segurança e o bem-estar da população.

Defendendo o fim do descaso e exigindo escolas dignas e um futuro sustentável, o MLC  convida os trabalhadores da educação, as famílias e os jovens de Praia Grande a participarem da plenária do dia 22/02 e se somar a essa luta.