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quinta-feira, 4 de julho de 2024

200 anos da Confederação do Equador: a força, a bravura e a resistência do povo nordestino

No dia 2 de julho completam-se 200 anos da proclamação da Confederação do Equador que deu origem a uma das maiores revoltas populares da História do Brasil.

José Levino e Redação


LUTAS DO POVO BRASILEIRO – Os europeus, capitaneados por Portugal, não chegaram aqui por acaso. Tudo planejado, em busca de terras e gentes que pudessem explorar para aumentar a riqueza parasitária da burguesia europeia. Nossa terra não estava vazia, pedindo para ser ocupada. Diversas nações indígenas viviam aqui há milhares de anos. Não trouxeram os invasores a civilização, nem a salvação. Trouxeram, sim, a barbárie e a condenação aos infernos.

E foi na região Nordeste que a desgraça começou. Nos primeiros 30 anos, por meio de um falso escambo, os indígenas lhes entregavam o pau-brasil (eis o início do desmatamento) e recebiam, em troca, espelhos, colares, pentes e outros cacarecos.

Mas, quando resolveram se instalar mesmo por aqui para produzir aquilo que interessava aos ricos da Europa (inicialmente a cana-de-açúcar), cuja base principal era a Zona da Mata nordestina, a máscara caiu e ficou provado que a Cruz de Cristo (nas mãos de falsos profetas) abriu o caminho para o fogo do inferno da escravidão (com destruição das comunidades indígenas a ferro e fogo) e da Mata Atlântica para implantação da monocultura da planta doce.

Indígenas resistem

Ao contrário, embora contassem apenas com arcos e flechas, os indígenas escreveram páginas memoráveis de resistência em todo o país.  Sem sombra de dúvidas, o destaque é do Nordeste com a Confederação dos Cariris, batizada pelos invasores de “Guerra dos Bárbaros”. Eles é que eram os bárbaros, mas são, até hoje, mestres em atribuir aos outros os seus pecados.

Em meados do século 17, era preciso avançar a dominação para os sertões. Foi aí que os invasores se surpreenderam com a resistência dos Tapuias, povos indígenas sertanejos, no médio São Francisco, Recôncavo Baiano, sertões de Piranhas e Piancó, Paraíba; Açu, Rio Grande do Norte, e na ribeira do Jaguaribe, Ceará. As primeiras batalhas que aconteceram foram de 1651 até 1679, e se espalharam por Maranhão, Piauí e Pernambuco, até 1720.

Aos tapuias se juntaram as nações janduís, paiacus, caripus, icós, caratiús e cariris, com cada povo mantendo sua autonomia, mas com unidade assegurada pela liderança dos Cariris, que deram nome à Confederação. A derrota, depois de 70 anos de guerra, aconteceu com os reforços que as tropas oficiais tiveram, proporcionadas pelos sanguinários bandeirantes paulistas, sendo esta bandeira comandada por Domingos Jorge Velho, o mesmo que destruiu o Quilombo dos Palmares (1597-1694).

Os bandeirantes eram milícias fortemente armadas, com base especialmente em São Paulo, financiadas por setores das classes dominantes para buscarem ouro e outras pedras preciosas no interior e, de quebra, aprisionavam indígenas e destruíam quilombos, vendendo os prisioneiros como escravos.

É completamente errado interpretar a vitória dos paulistas contra negros e indígenas por uma pretensa superioridade racial sobre o povo nordestino. Canudos (1896-1897) está de prova, pois, uma simples comunidade de camponeses venceu três expedições do Exército. A superioridade dos “paulistas” estava no armamento utilizado, de qualidade altamente superior ao dos indígenas e quilombolas, que, além de arcos e flechas, contavam apenas com armas tomadas nos embates anteriores, sem manutenção e muitas vezes defasadas.

Ao atacar Palmares e Cariris, a milícia mercenária de Jorge Velho foi mais eficiente que o Exército Colonial porque suas tropas já eram experimentadas na penetração pelos sertões, acostumadas a privações e com conhecimento específico das condições da terra e do solo dos sertões nordestinos.

Confederação do Equador

A “Independência” do Brasil, proclamada por D. Pedro I, em 7 de setembro de 1822, foi resultado de diversos fatores, como as lutas do povo brasileiro (Inconfidência Mineira – 1789, Conjuração Baiana – 1798, Revolução Pernambucana – 1817, etc.); pelos interesses das classes dominantes em formação, que desejavam se livrar da carga pesada de impostos cobrados pela Coroa; e pela conjuntura político-econômica do Império Português, que vinha sofrendo com a crise do sistema colonial em escala mundial. O então imperador D. João VI, ao ser forçado a retornar para Portugal, aconselhara o filho Pedro: “Antes o Brasil fique para ti que para um desses aventureiros”.

A população de Salvador, basicamente formada de negros escravizados e livres, mestiços e brancos pobres, vivia em situação de penúria. Assim, eles pregavam uma sociedade onde não houvesse diferenças sociais. Anos mais tarde, em 1835, eclodiria a Revolta dos Malês, a maior rebelião de negros escravizados da História do Brasil.

Dom Pedro I convocou a primeira Assembleia Constituinte do Brasil (junho de 1822), mas, ao ver que os debates levariam a resultados diferentes daqueles esperados por ele (e pela Coroa Portuguesa), dissolveu-a em novembro de 1823 e outorgou ao país uma Constituição (1824), centralizando o poder em suas mãos.

Essa centralização gerou muita inquietação nas províncias, ante a ameaça real ao pouco de autonomia que gozavam na época colonial. E onde essa inquietação se transforma em revolta? No Nordeste, partindo de Recife, e mobilizando Pernambuco e os estados vizinhos da Paraíba, Alagoas, assim como Rio Grande do Norte e Ceará.  O estopim foi a nomeação, pelo imperador, de um presidente para a Província de Pernambuco. “Chega de receber ordens do Rio de Janeiro”, foi a palavra de ordem detonadora da revolta, no dia 02 de julho daquele mesmo ano, que tinha como objetivo proclamar uma República Independente, com o nome de Confederação do Equador e em sua bandeira os dizeres: “religião, independência, união, liberdade”.

Ante a organização de tropas militares imperiais para sufocarem a Revolução (inclusive com a contratação de uma esquadra naval composta por cinco navios, comandada pelo almirante escocês Thomas Cochrane), era preciso mobilizar o povo. Este não se negou. Foi para as ruas e acrescentou suas próprias reivindicações – fim da escravidão e poder popular –, gritando uma quadra: “Marinheiros (portugueses) e caiados (senhores das terras)/ Todos devem se acabar/ Porque só pardos e pretos (o povo pobre)/ O país hão de habitar.

As classes dominantes recuaram, com medo do poder popular, facilitando a dominação dos revoltosos pelas tropas imperiais e a queda da Confederação do Equador. O religioso e jornalista Joaquim do Amor Divino, conhecido como Frei Caneca, liderou uma retirada para o interior, a fim de recompor forças e contra-atacar, mas os resistentes foram alcançados, presos e massacrados.

Por sua participação na defesa da Confederação do Equador, Frei Caneca despertava tamanha admiração entre o povo que seus algozes foram obrigados a comutar a pena de morte por enforcamento para fuzilamento, pois nenhum carrasco se dispôs a enforcá-lo. Foi fuzilado no Forte das Cinco Pontas, em Recife, no dia 13 de janeiro de 1825. Seu corpo foi deixado num caixão em frente ao Convento dos Carmelitas.

Ele já havia participado da Revolução Pernambucana, permanecendo preso por quatro anos em Salvador após a derrota do movimento. Em 06 de março de 1817, os revoltosos proclamaram uma República Independente do Brasil e instalaram um governo provisório, que resistiu por 75 dias e suspendeu o fim dos impostos à Coroa Portuguesa; assegurou a liberdade de imprensa e de culto; institui os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Mas isso não para todos os brasileiros, pois textualmente manteve o regime de escravidão contra a população negra.

Em retaliação à Confederação do Equador, Dom Pedro I desligou do território pernambucano a Comarca do Rio de São Francisco (atual região do Extremo Oeste Baiano correspondente a 24 municípios).

E a luta continua

E tantas lutas se seguiram: Ligas Camponesas, sindicatos e movimentos rurais e urbanos, organizações de resistência à Ditadura Militar e por reivindicações específicas nunca faltaram, bem como a resistência eleitoral ao fascismo. As lições da História deixam bem claro que o povo nordestino é altivo, inteligente, bravo.

Queremos igualdade, fim da exploração, justiça social para toda a Nação. Carecemos de lideranças que se identifiquem com seus objetivos históricos, com seus interesses de povo e de classe oprimida, e não se rendam (ou se vendam) ao canto ilusionista de fascistas “salvadores da pátria e da família e da religião”, nem falsos democratas, para quem a liberdade é válida apenas enquanto serve aos seus interesses próprios.

A opressão do Nordeste está relacionada com a dominação de classe imposta sobre o povo brasileiro. Por isso, o fim do preconceito e da opressão aos nordestinos só acontecerá com a libertação geral do nosso povo, valendo para os oprimidos de todo o país, o que diz nosso poeta popular maior, Patativa do Assaré, em O Agregado e o Operário: “Camponeses, meus irmãos/ E operários da cidade/ É preciso dar as mãos/ Cheios de fraternidade/ Em favor de cada um/ Formar um corpo comum/ Praciano e camponês/ Pois só com esta aliança/ A estrela da bonança/ Brilhará para vocês”.

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