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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

“Se tem algo que o documentário mostra é que quem luta, conquista”

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Thales Caramante e Jady Oliveira

O documentário “Quem Luta, Conquista! Uma História dos 20 anos do MLB” estreou no Primeiro de Maio para relembrar a formação do Movimento de Luta nos Bairro, Vilas e Favelas e seu significado para a conquista da Reforma Urbana e a democratização da cidade para os trabalhadores. O Jornal A Verdade entrevistou os organizadores do projeto, dirigido pela Comissão Nacional de Comunicação do MLB, entre eles Aiano Benfica, Fábio Jota, Stefany de Paula e Cristiano Araújo.

Como se deu o processo de produção do documentário?

Esse documentário surge como uma demanda da Comissão Nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Fazer um registro das histórias que a gente podia contar das tantas possíveis desses vinte anos do MLB. Aproveitamos a ocasião de uma reunião nacional do MLB para colher os depoimentos dos vários estados. A gente não têm recurso para sair pelo país coletando esses registros, seria interessantíssimo e, na verdade, essa falta de recursos nos abriu outras janelas: a primeira foi a coleta das entrevistas em uma reunião com os coordenadores estaduais; depois firmamos uma equipe de militantes do MLB para essa produção.

Nós realizamos entrevistas em dois dias, em conversas que foram de 40 minutos até duas horas. Foram conversas que geraram muito material, conteúdo que pretendemos disponibilizar na íntegra.

O documentário tem cerca de uma hora, então você vê que não é nem metade dessas entrevistas, depois passamos para a fase de pesquisa onde os coordenadores estaduais do MLB – em especial Heron Barroso – levantaram o conteúdo de memória de lutas que tinham de outros estados. A gente aqui também fez isso, levantando os materiais, sobretudo, de Minas onde temos um arquivo e comunicação um pouco mais desenvolvidos.

Ao final, vamos para a edição, em que tivemos que lidar com um conteúdo muito grande de histórias e personagens. Para construir o resultado final, que, claro, não dá conta da história toda, mas dá conta de uma parte importante e de características que consideramos fundamentais na nossa linha política.

Por que decidiram que o documentário tivesse sua estreia no primeiro de maio?
HISTÓRIA – O MLB tem a marca histórica de ser um movimento de trabalhadores na luta pela Reforma Urbana e pelo Socialismo. (Foto: Jornal A Verdade)

O Primeiro de Maio é um dia muito simbólico da luta dos trabalhadores do mundo há mais de cem anos. É muito importante para a gente olhar para o passado e entender as lutas que foram feitas pelos trabalhadores no mundo inteiro, todas as revoltas, conquistas, revoluções, e, também, de mirar aquilo que a gente quer.

Acho que o Movimento de Luta nos Bairro, Vilas e Favelas escolher lançar seu filme no Primeiro de Maio reafirma seu lugar ao lado dos trabalhadores. Esse foi sempre um dia de estar nas ruas, de comemorar, de colocar que a luta dos trabalhadores continua. Se o mundo vai mudar através dos trabalhadores, então será através do Primeiro de Maio que nós iremos comemorar e relembrar disso.

Claro que também por toda a história do MLB, que nesses vinte anos que está povoada por esses trabalhadores que conquistam suas casas e continuam nas lutas. É um dia que combina muito com a história do movimento, pois é um movimento de trabalhadores que lutam pela Reforma Urbana e também pela Revolução Socialista. Então hoje é perfeito para comemorar, olhar a história e apontar para o futuro, afinal é isso que o filme faz.

O documentário do MLB “Conte isso aqueles que dizem que fomos derrotados” recebeu o prêmio SESC de Arte Contemporânea 2019. Para além das premiações, qual a importância dessas produções audiovisuais no trabalho de comunicação e memória do Movimento?
LIGAÇÃO – De 2015 para cá nós vemos uma aproximação muito grande do movimento com o cinema. (Foto: Jornal A Verdade)

Os nossos filmes têm sido reconhecidos em diversos espaços, no Festival de Brasília em 2018, SESC em 2019, em diversos espaços que até fogem do nosso campo de atuação. Lembramos também que não são os únicos filmes.

Fazendo a pesquisa para fazer este documentário, nós percebemos também que existem vários filmes realizados ao longo do anos junto com a luta do MLB: tem o filme feito junto a Ocupação Lanceiros Negros em Porto Alegre, “Lanceiros Negros Vivem”, tem o filme realizado junto a Ocupação Leningrado no Rio Grande do Norte, outro em uma ocupação em Diadema, chamado “Casa na Marra” e o filme “A Última Noite da Ocupação Valdete Guerra” do Ceará.

Isso mostra que o MLB têm uma história de filme feitos, em Minas Gerais temos mais três filmes em projeto de finalização. Então de 2015 para cá nós vemos uma aproximação muito grande do movimento com o cinema, com o cinema independente engajado nas lutas, o que revela uma aliança muito importante para nós, uma aliança que já se manifestava ao longo da história com o movimento operário brasileiro com o Renato Tapajós e as lutas do ABC Paulista. Ao longo da história da América Latina isso também esteve presente, Pino Solanas junto com os movimento peronistas de esquerda na Argentina, o cinema revolucionário cubano, cineastas aliados a Unidade Popular no Chile, na Colômbia também.

Enfim, a gente precisa ver que essa aliança entre cinema e política, cinema e movimento sociais, é uma aliança histórica muito lucrativa em ambas as partes, pois ela permite ao cinema a reflexão, pensar linguagens para tratar e intervir no mundo real e para os movimentos sociais e organizações permite uma nova forma de atuação política.

Sobre a memória, os estados que têm relação com o cinema, que conseguiram constituir a construção de um acervo de imagens, torna-se muito mais fácil a gente relatar essas lutas, já aqueles que estão fazendo um trabalho muito relevante, muito importante, mas não tem uma produção audiovisual feita ao longo dos anos, a gente quase não tem imagens, quase não tem relatos, depoimentos, cenas das lutas, cenas das comunidades, entrevista com os moradores. Com isso, a gente fica muito esvaziado com a capacidade de pensar a nossa própria história.

Então produzir imagem, produzir cinema, tanto o filme que vai para o festival, quanto o filme que vai para a internet, como o filme usado para o trabalho de base, ou mesmo o filme que cumpre essas três funções, conserva a nossa identidade e nossas formas de luta, nossa linha política, ajuda a gente a refletir sobre o que a gente fez, o que o torna um lugar de acúmulo tão importante como um texto teórico. Os filmes permitem a nós a refletir sobre a realidade, sobre nossa história, a pensar sobre ela, atuar sobre o presente e, também, projetar o futuro.

O Grupo Globo detém praticamente todo o monopólio das produções cinematográficas no Brasil. Qual a principal dificuldade em se realizar uma produção independente em meio a todos os monopólios da mídia?

O Grupo Globo de fato têm um poder muito grande sobre a produção audiovisual e do entretenimento no Brasil, inclusive do cinema de massas. Entretanto hoje, a gente tem um ambiente de produção cinematográfica muito rico no país.

Para exemplificar, só junto ao MLB é possível elencar quase dez filmes feitos nos últimos anos. Quase dois filmes por ano no Ceará, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, ou seja, estados fora do eixo comercial. Acho que isso é um sinal: assim como nosso movimento constrói cinema, outros realizadores e movimentos que se expressam através dessa linguagem têm realizado diversas produções importantes, como as produções audiovisuais indígenas, por exemplo.

Inclusive, sobre isso, o MLB está para lançar, no próximo mês, uma amostra de cinema de lutas por terra em diversos contextos. Será uma forma de toda a militância perceber que existe cinema sendo produzido fora do grande circuito comercial e das grandes produtoras. Enfim, existe um circuito feito por mulheres, pela comunidade LGBT+, pelo movimento negro, de muita relevância de linguagem, de muita circulação e de muita visibilidade inclusive fora do Brasil.

Entretanto, ter uma Globo Filmes junto permite muita coisa, é claro que isso seria, para a gente, um outro contexto completamente diferente. Mas, nós temos que perceber que a nossa opção de fazer cinema como a gente faz é uma opção engajada no presente e no futuro da sociedade. Ou seja, a gente decide reunir nossos esforços e aquilo que a gente aprendeu ao longo dos anos para fazer do cinema uma ferramenta a mais da luta de emancipação do nosso povo, através da luta por moradia digna, por Reforma Urbana e, fundamentalmente, no fim, através de  um processo revolucionário.

E, para fazer isso, precisamos entender o cinema como mais uma ferramenta, mais um gesto no mundo, mais uma forma de participar nessa luta que é muito importante. Às vezes, está no mesmo patamar ou é menos importante inclusive que a luta pela terra que as famílias e coordenações conduzem. Então é uma aliança, como um gesto a mais para impulsionar a mudança. É entender que esse cinema sai de um lugar de destaque, relevo, que faz parte somente das elites, para ser um cinema engajado que fala da ocupação, sobre cavar um buraco, subir uma barraca de lona, fazer o almoço, passar um café e entende que diante de tudo isso, segurar uma câmera é uma forma de participar das mudanças que precisam ser engajadas no presente e no futuro da nossa sociedade.

Quais os meios para se conquistar a chamada Reforma Urbana? O Movimento de Luta nos Bairros tem seguido o caminho correto de acordo com seu levantamento para o documentário?
OCUPAÇÃO – O MLB busca conquistar a Reforma Urbana através da luta contra a concentração de terras. (Foto: Jornal A Verdade)

A gente sabe que o caminho para a Reforma Urbana não é fácil, essa reforma significa uma transformação completa da realidade urbana que a gente têm no país hoje, como a divisão dos meios de produção, divisão da propriedade da terra, da posse da terra, inclusive acho que até a democratização da mídia está envolvida nessa reforma. Ela também diz muito sobre o direito à cidade, o direito à cultura, direito ao lazer, direito à saúde, à educação, ao transporte. Isso tudo é um pouco do que envolve a Reforma Urbana.

Para o MLB, realizar a Reforma Urbana significa lutar para conquistar esses direitos que são dos trabalhadores que constroem as cidades. Então a Reforma Urbana é um passo gigantesco que a gente dará para a Revolução. Nesse sentido, o MLB nesses últimos 20 anos, está no caminho certo para realizar isso quando consegue conquistar moradia para as famílias pobres, para os trabalhadores que constroem as cidades.

O Movimento de Luta nos Bairros inventou uma política pública habitacional, porque quando se ocupa um terreno, levanta as casas, se dá moradia para as famílias, isso é realizar uma política habitacional, algo que a gente não vê os governos promoverem no país. Esse acesso aos direitos têm sido conquistado só pelo MLB nos últimos anos. Tudo isso são exercícios do que seria de fato uma Reforma Urbana, do que seria depois dela. Se tem algo que o documentário mostra sobre a história do MLB é que quem luta, conquista.

Há ideias de mais produções futuras?

A Frente de Comunicação do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas em Minas Gerais já produziu dois filmes e estamos planejando o lançamento de um longa metragem que irá lançar no cinema.

Além disso, estamos produzindo um filme sobre a Ocupação Izidora, que é a maior ocupação da América Latina, na qual participou o Edinho – Coordenador do MLB – e morador da Ocupação Carolina Maria de Jesus em Belo Horizonte; também Sthefany Paula, moradora dessa ocupação, junto a mais uma companheira. Os três estão realizando esse curta-metragem que está previsto para ser lançado ainda esse ano.

Também estamos com mais uma produção que será exibida como uma instalação  de três telas, a ser lançada em agosto na Bienal de Arquitetura de Veneza no Pavilhão brasileiro. Esse filme já está em fase de finalização e trata da ocupação Carolina Maria de Jesus, que ocupou um prédio no centro de Belo Horizonte. Hoje, já são cerca de 80 famílias morando em um prédio que estava há mais de trinta anos abandonado e se transformou em moradia digna para essas famílias. O filme tenta retratar um pouco dessa luta e do cotidiano das famílias, desses trabalhadores e militantes do MLB.

Estamos bastante ansiosos de colocar o MLB para fora do Brasil, porque sabemos que alcançar o maior número de pessoas, expandir essa luta que tá sendo feita aqui e que às vezes achamos que é muita pequena – que é só um prédio de oitenta famílias –, na verdade, demonstra muita força da organização que tem sido realizada através da luta, e que hoje está garantindo moradia digna para tantas famílias. Acho que o filme tenta retratar um pouco isso, colocando a vida de trabalhadores no trabalho formal e informal, ou cuidando das famílias do prédio e o sentimento de coletividade na ocupação. Lembrando que é um filme instalação, então ele estará projetado na galeria em três telas diferentes

Além disso, esse ano também estreia o longa-metragem produzido pelo MLB sobre a Ocupação Eliana Silva, uma ocupação do Barreiro. O filme já está sendo finalizado e deve estrear esse ano. Então iremos lançar três produções esse ano, um curta-metragem, um longa-metragem e uma instalação.

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