O Dia da Vitória na Rússia tornou-se um espaço em que colunistas se esforçam para premeditar cenários políticos que nunca se realizam, desvendar bastidores que não se desvendam e espalhar fatos que são, na verdade, mentiras.
Thales Caramante
MOGI DAS CRUZES (SP) – Ao comentar sobre o desfile militar russo em homenagem aos 75 anos da vitória soviética contra o nazismo e libertação de toda Europa, o colunista Igor Gielow não perde a oportunidade de analisar certas conspirações políticas atuais, como todo bom colunista da Folha de S. Paulo. Há o lead inicial, há a busca por um detalhe irrisório que se transforma em uma “conspiração” ou um “cenário” de uma possível “crise” em torno dos bastidores políticos da Rússia; a ironia com o passado, as comparações desconexas, saltos lógicos, sondagem das “elites políticas” e, como não poderia deixar de ser, há o anticomunismo.
Comentando sobre a política atual, Gielow não deixa de demarcar politicamente entre a vitória soviética e a linha editorial do jornal. Faz pouco caso dos dirigentes responsáveis por essa vitória e busca humilhá-los, pois, apesar de verdadeiros heróis, não partilham da mesma cartilha liberal que o jornal faz questão de propagar diariamente por meio dos cansativos “O que a Folha pensa”.
Sumariamente, Gielow ironiza uma comparação que Putin fez sobre o Pacto de Munique de 1938 com o tratado Molotov-Ribbentrop de 1939. O primeiro é descrito como um acordo entre as forças ocidentais (Inglaterra e França) e Hitler em relação à Tchecoslováquia, e ele descreve o último como “um aperto de mãos entre Belzebu e Satã”. Para ele, a comparação não é aceitável, porque em 1939 se tratava de um pacto de “partilha da Europa” entre os “nazistas e soviéticos”.
Ignorância ou mau-caratismo, Igor Gielow deixa de falar sobre a consequência da submissão inglesa e francesa nos acordos de Munique. Não dedica uma única frase sobre o que aconteceu com a classe trabalhadora tchecoslovaca, para os judeus e eslavos daquele país. Nem teria como, Julius Fučík já falou por todos os que sofreram naquele período e qualquer nota de pesar vinda de Igor seria um desrespeito com qualquer membro da resistência antinazista.
Evidentemente, não era interessante ao autor citar o papel estratégico do campo de concentração de Theresienstadt, citar as milhares de vidas que foram condenadas pela capitulação inglesa e francesa, ou a política que isolou a URSS e sua tentativa de combater a expansão do nazismo. Também não foi citado o genocídio de Lídice, “reparação de guerra alemã” que chacinou uma cidade e uma vila inteira após a morte de Reinhard Heydrich.
Ou mesmo citar o papel estratégico de Praga ao fortalecer e alimentar a máquina de guerra alemã com suas riquezas minerais, algo que permitiu a Alemanha manter uma guerra em duas frentes de batalha por vários anos e ainda questionar inicialmente as forças soviéticas em 1941 até 1943. A capacidade ofensiva alemã só terminou com o fim da Batalha de Stalingrado e a Batalha de Kursk.
Não obstante, descarrilha críticas a José Stálin, conhecido também como José de Aço. Fala de sua suposta “incompetência militar”, sobre o “fato” dele ter “fuzilado sua elite militar no fim dos anos 1930”, assim como também o culpabiliza pelos “desastrosos” avanços dos alemães no início da guerra, além de falar de “passado idealizado”, de “erros e atrocidades” de Stálin como “notas de rodapé”.
Vale destacar que, apesar da ironia com notas de rodapé, seu artigo carece delas em todas as suas afirmações sobre o líder soviético e sobre as virtudes soviéticas. Não poderia deixar de ter, a coluna de Gielow abraça com toda força e emoção o mantra “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” de Joseph Goebbels.
Campos de concentração ou sistema prisional?
A Folha de S. Paulo passou da fase de “comprovar os crimes de Stálin” para a fase de naturalizá-los ao ponto de transformá-los em objeto de contextualização, um lembrete da política nesse ou naquele momento da história. É o que se comprova por meio das novas e diversas notícias difundidas no jornal, seja de colunistas (sua maioria) ou pequenas reportagens de variados assuntos e fins.
Com certa ironia, o anticomunista e colunista Ruy Castro também não poupou tempo para citar o relatório de Khrushchev, conhecida e comprovadamente falso, para estigmatizar Stálin e seus “expurgos” que cometiam “execuções em massa”.
Paula Sperb, em sua reportagem sobre Jorge Amado, afirma que “as execuções e campos de concentração de Stálin são amplamente conhecidos”, por exemplo. Semelhante à coluna de Igor Gielow, a jornalista gaúcha não apresenta nenhuma prova real, apenas toma a frase como se fosse uma generalização de um “fato” do passado, aceito e natural dos eventos da história.
Nunca houve um único campo de concentração soviético. De fato, a URSS, assim como qualquer país no mundo, tinha um sistema prisional, tinha seu código penal, tinha suas instituições de justiça, juízes, advogados, teóricos do Direito, assim, não poderiam deixar de ter também sua prisão para os elementos irregulares às normas estabelecidas pelo Estado operário.
Para efeito de comparação, o sistema prisional brasileiro resume-se hoje a um amontoado de celas imundas carregadas até a borda de jovens negros, muitos presos arbitrariamente por um sistema que se reduz a realizar “um projeto de moer corpos negros e pobres para gerar lucro para uma elite”.
Volta e meia, explodem revoltas nas prisões brasileiras, ocorrem massacres, disputas entre facções com degolação e desmembramentos de rivais, fugas em massa, ações coordenadas de revoltas simultâneas em diversas prisões etc..
A prisão soviética não se comparava às aterrorizantes prisões brasileiras nem aos campos de concentração alemães. A destacar um arquétipo um tanto estigmatizado: a palavra “Gulag” não se refere diretamente à prisão, ao espaço de confinamento, às celas e ao espaço prisional, mas ao sistema que rege a lógica da prisão, sua administração geral.
Pode-se dizer que o sistema Gulag ainda era bem mais “humanizado” do que as prisões brasileiras. Arquivos da Central Intelligence Agency (CIA), inimiga da URSS, revelam que até 1952, os presos recebiam uma quantidade garantida de alimentos, além de alimentos extras para o cumprimento de cotas diárias. O arquivo revela que os prisioneiros recebiam salários pois trabalhavam.
Um detalhe importante é que, após o fim da guerra, o governo soviético tinha mais fundos, o que permitiu aumentar o suprimento de comida para os prisioneiros e que, além disso, 95% dessas pessoas foram condenadas por crimes comuns, não por motivos políticos.
O documento também revela que, a partir de 1952, o sistema Gulag operava com a chamada “responsabilidade econômica”, de modo que, quanto mais os prisioneiros trabalhavam, mais eram pagos em dinheiro, ou seja, o contrário dos campos de concentração nazista. Outra condição generalizada nas prisões era o excedente da meta diária, se o prisioneiro cumprisse suas tarefas em 105%, ele teria um dia de sentença diminuído.
Mesmo presos e em condições precárias, o trabalho de um prisioneiro era mais humanizado na URSS que o trabalho de um brasileiro comum nos tempos atuais. Em média, um prisioneiro trabalhava dez horas por dia em 1954. Um brasileiro trabalha, às vezes, mais de dez horas diárias, o cenário piora se considerarmos o tempo que a classe trabalhadora fica amontoada nos transportes públicos.
A ideia de que o mundo inteiro reconhece “expurgos e execuções em massa de supostos inimigos” e as demais afirmações marginais que fazem de Stálin são puramente bravatas com um fim político. Elas não são verdades, e a Folha de S. Paulo é uma das responsáveis por espalhar a difamação e desinformação com naturalidade mundana para aparentar um viés “democratista”.
Seu caráter jornalístico se perde quando o assunto é socialismo, União Soviética e, principalmente, José Stálin.
Jornais negando o jornalismo e falsificações
Não à toa, os medos de João Pereira Coutinho tornaram-se reais. O colunista da Folha remete seu medo do passado, quando o jornalismo era somente um amontoado de “panfletos de gritaria ideológica que serviam várias causas, exceto a da verdade”, ou um “megafone de partidos ou demagogos, sem qualquer compromisso com o rigor.”
A verdade é que os jornais jamais abandonaram sua ideologia, jamais abandonaram seus “partidos e demagogos”. Para ele, somente “a partir de 1920, pelo menos nos Estados Unidos, houve um maior apelo pela objetividade”. Que objetividade é essa? Senão o contexto, o argumento e a declaração conivente com a linha editorial e ideológica do jornal burguês?
O próprio João Pereira Coutinho entra em total contradição e passa, posteriormente, a atacar o jornalismo. Segue a lógica: “Se não é o jornalismo que me contempla, logo, tudo que foi produzido fora deste padrão estadunidense é propaganda demagógica”.
Passa a fazer uma propaganda cega da concepção da guerra psicológica, busca demonstrar a superioridade norte-americana contra o “arcaico e ideológico sistema socialista soviético”, agora pelo jornalismo.
Comete esse erro quando abandona qualquer objetividade que anteriormente defendia para atacar Stálin e o socialismo por meio de um ataque ao jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, Walter Duranty, correspondente do New York Times em Moscou. Por qual razão?
Walter Duranty foi um jornalista que negou tudo que é mais religioso para a ideologia do jornalismo moderno burguês: negou a fome soviética, a pobreza do socialismo, as políticas de genocídio de Stálin, assassinatos em massa etc. Ao contrário, cobriu diversas vitórias do socialismo em primeira mão, como os planos quinquenais, nomeou de “propaganda antissoviética” qualquer reportagem que falasse em fome e fez tudo isso através de uma cobertura jornalística elementar, presencial e real, algo que nenhum outro jornalista da época conseguiu fazer.
A burguesia então inventou seus jornalistas que cobriram a fome soviética, como o jornalista assumidamente nazista William Randolph Hearst. Ele seguia a cartilha da objetividade do jornalismo estadunidense que agrada a Folha. Por conta disso, tudo que sua linha editorial noticiava se tornava automaticamente em uma verdade absoluta, mesmo que suas fontes (panfletos nazistas), viagens à URSS etc. sejam comprovadamente falsas.
Democratista, não podendo aceitar nazistas, a mídia burguesa atual passa a apoiar a objetividade de outro grande jornalista, Gareth Jones. Este também supostamente cobriu a fome ucraniana em suas viagens à URSS.
Porém, Gareth Jones sofre do mesmo problema de Hearst e sua objetividade jornalística nazista. Jones era um grande entusiasta do nazismo, inclusive não escondia elogios a Hitler e Goebbels em seus cadernos particulares. Inclusive, o nazista Jones teve a oportunidade de os conhecer pessoalmente, entrevistar e receber orientações políticas antes de partir a Moscou.
A antiga referência (Hearst) é nazista; a atual (Jones), sutilmente nazista. Porém, a propaganda em forma de jornalismo vem somente do “mentiroso, comunista e demagogo” Walter Duranty. O crime de Duranty foi ser o único a estar na URSS naquele período e fazer o impensável para a classe burguesa: falar verdades sobre José Stálin e seu governo.
Fora esses dois brilhantes e objetivos jornalistas nazistas, não há ninguém dentro da rede da nova linha objetiva que atenda as demandas da Folha de S. Paulo, que comprove tal “genocídio”, “campos de concentração” e “execuções em massa”.
O fotógrafo Alexander Wienerberger que, com suas fotos (de autenticidade questionável), apenas comprova a narrativa soviética sobre os “anos da fome”, junto aos relatos de Frederick Schuman e outros, não nos resta considerar que a narrativa soviética é a que mais se encaixa com os eventos da época.
Possivelmente porque os soviéticos tinham fontes primárias, reais, verdadeiras e não especulações de uma campanha de difamação lançada pelos nazistas com o nome de jornalismo.
Com esses levantamentos, percebe-se uma narrativa política da história desenvolvida com base em mentiras de panfletos nazistas transformadas em jornalismo. Hoje, tomam forma como objetos de contextualização, porém, como vimos, o próprio jornalismo foi o responsável por combater essas mentiras criadas com o intuito de manter os ricos enricando e os pobres empobrecendo.
“Qual o interesse do grupo Folha? Enriquecer a família Frias”, afirmou Luiz Falcão. Evidentemente que não seriam indiferentes a esse assunto, até porque o sistema que a família Frias condena é o mesmo que a condenará futuramente.