“A frustração é concessão de uma indignação que só sente quem sabe que as coisas precisam mudar. Se há espaço para a derrota, há também para a vitória. E é por ela que continuaremos lutando incansavelmente.”
Angie Fernandes
Unidade Popular Pelo Socialismo
SÃO PAULO (SP) – Os novos parâmetros de angústia e hostilidade com que temos convivido por fruto do acirramento da luta de classes pelo degringolar de uma crise capitalista mundial nos têm posto o desafio de sobreviver a um terrorismo de Estado que nos tem tentado estrangular de todos os lados. Encontrar meios de reagir é, mais do que nunca, o ponto fulcral. E não há, portanto, outro modo de reação que não pelas mãos do povo.
Um governo que se vale do medo e da ofensiva armada como instrumento de controle e governabilidade para cercear direitos que nunca foram concedidos, e que, portanto, foram conquistados pelo povo, é um governo que se põe sempre à espreita para tomar de volta esses mesmos direitos. Eis o motivo mais evidente e manifesto do porquê é inadmissível hesitar agora: a mobilização popular é o único modo de refrear uma tragédia anunciada que já está em curso há mais de ano.
E nós, que nos abnegamos das mais variadas formas em face da decadência desse Estado, temos nos atormentado dia após dia com a dificuldade de articular uma reação, ao mesmo tempo que lidamos com os sucessivos enlutamentos, com a exploração incessante do sistema capitalista, com uma crise sanitária em meio a uma pandemia e com as precárias condições das quais dispomos para sobreviver.
Queremos sair de casa e ocupar as ruas, e, no entanto, nem todos nós podemos. E aqueles que podem, o fazem, mesmo quando repletos de medo, tomados por um sentimento de perfeita indignação que sobressai a apreensão e o receio que o contexto de pandemia nos revelou ser possível sentir. Porém, ainda sim, essa apreensão e receio não simplesmente desaparecem ante a indignação.
Já aqueles de nós que, no entanto, colidem com as obstruções que as novas circunstâncias lhe impõem, e assim se veem de algum modo impedidos de se unirem às atividades práticas, vivenciam, eles também, outro grau de frustração. A esses companheiros: as razões que os impedem de sair de casa são legítimas, mesmo com o sentimento de culpa ocasionalmente batendo-lhes à porta.
Há, ainda, aqueles companheiros que, obrigados por suas condições materiais, precisam estar fora de suas casas e dentro das fábricas, recepções, call centers, lojas de departamento, usando do precário transporte público, dirigindo como motoristas de aplicativo, exercendo trabalhos informais e tendo de aceitar condições muito flexibilizadas de seus direitos trabalhistas para conseguirem pagar o preço altíssimo do combustível que os leva ao trabalho todo dia, das contas que chegam ao final do mês e da insegurança alimentar que ronda todo o país. Tudo isso, enquanto convivem com uma doença viral que já tirou a vida de 400 mil brasileiros, em um exercício sequente de fugir da morte por fome e por doença.
Mas os que ficam em casa também não escapam. O Estado genocida vai até eles dentro de seus próprios lares, por meio de balas perdidas, despejos truculentos, chacinas e ações ilegais da polícia que intervém sempre armada com aparato de guerra, que nunca chega na casa daquela gente obscenamente rica, mas que sempre acerta o caminho da favela.
Mas esse trajeto latino-americano de sanha e fome não pode continuar sendo uma sentença para o nosso povo. Especialmente por vivermos tempos tão nebulosos, o indispensável é que façamos, de fato, cada qual, segundo nossas capacidades. Que nos espelhemos nos exemplos de nossos irmãos latino-americanos na Colômbia, em nossa pronta reação ao massacre do povo de Jacarezinho, no Rio de Janeiro, nos atos pró-vacina e pelo retorno urgente do auxílio emergencial. Que nos espelhemos nas palavras de Fidel, quando diz que “em tempos de genocídio, é preciso ter nervos de aço”.
Quem não luta, não conquista. Quem pode ir às ruas, que não hesite! E quem se vê impedido, que se comprometa por outras vias, da agitação, da propaganda, da formação política, mas que também não hesite em sair do imobilismo e nunca permita que o derrotismo e a desesperança nos paralisem.
Ser comunista é ser alguém que se importa. E, algumas vezes, se importar significa mal conseguir dormir à noite pelas mortes naturalizadas de centenas de milhares de brasileiros nos últimos meses. Significa se conceder o direito de sentir medo, tristeza, por vezes desilusão e, sobretudo, revolta. Nos revoltamos porque estamos exaustos do conformismo, do condicionamento, do acúmulo de frustrações. E estamos exaustos porque sabemos que nossa revolta é justa. Nos lembremos disso a todo instante. Nossa convicção ideológica precisa ser o que nos faz levantar da cama todos os dias.
Se o capitalismo nos faz findar nossos dias com o sentimento de fracasso, é porque poderíamos estar sentindo o triunfo do êxito. A possibilidade de perder sempre implicará a possibilidade de ganhar, e a luta precisa existir enquanto ganhar for possibilidade. E quando não for, que criemos as condições para que seja.
A frustração é concessão de uma indignação que só sente quem sabe que as coisas precisam mudar. Se há espaço para a derrota, há também para a vitória. E é por ela que continuaremos lutando incansavelmente.
Em memória dos companheiros colombianos mortos e torturados pelo narcoestado de Ivan Duque. Em memória dos 28 homens e mulheres assassinados pela Polícia Civil e Militar de Eduardo Paes e Cláudio Castro na chacina do Jacarezinho, Rio de Janeiro. Em memória dos quase meio milhão de brasileiros que perderam suas vidas graças a uma doença que Jair Bolsonaro escolheu não combater.
Caminhamos para a vitória, porque apenas a vitória nos apetece.