Nova Lei do Câmbio acaba com as últimas barreiras que ainda restam contra a completa exposição da economia nacional aos ciclos especulativos e às pressões políticas exercidas pelo capital financeiro e trará enormes limitações para a definição soberana da política econômica do país.
Beto Silva
Rio de Janeiro
ECONOMIA – Apesar da pouca repercussão que provocou, a nova Lei do Câmbio (PL 5387/2019), aprovada pelo Congresso Nacional, em dezembro de 2021, e enviada para sanção presidencial, trará enormes limitações para a definição soberana da política econômica do país. Entre as principais mudanças, estão a ampliação do uso interno do dólar (Art. 13), equiparação jurídica do capital estrangeiro ao capital nacional (Art. 9) e autorização ao Banco Central para regulamentar contas em moeda estrangeira no país (Art. 5, IX).
Dessa forma, a lei permitirá a abertura de contas bancárias em dólares no Brasil, o que, hoje, não é possível. A atual proibição desse tipo de conta é uma das poucas barreiras que ainda restam contra a completa exposição da economia nacional aos ciclos especulativos e às pressões políticas exercidas pelo capital financeiro e seus representantes, como agências de risco, corretoras de valores mobiliários e grandes investidores.
A possibilidade de ter conta em dólares no país é um incentivo para os capitalistas converterem suas aplicações e reservas para a moeda norte-americana. A consequência imediata é uma maior pressão sobre a taxa de câmbio, que tende tornar-se ainda mais instável. Atualmente, o preço do dólar no mercado à vista (a taxa de câmbio) é resultado da interação de vários mercados, como o mercado de derivativos cambiais (mercado futuro) e o mercado offshore (transações realizadas no exterior). Desde o início dos anos 2000, a grande dificuldade para políticas de estabilização da taxa de câmbio tem sido controlar e regulamentar as interações entre esses vários mercados, que se influenciam mutuamente. Os períodos de maior estabilidade da taxa de câmbio foram os períodos em que o Banco Central conseguiu interferir nessas interações, visando dissociar o mercado à vista dos demais mercados e dos ciclos de liquidez internacional. Com a possibilidade de contas em dólares no Brasil, os canais de transmissão e interseção desses mercados serão multiplicados e a política cambial ficará ainda mais difícil de ser executada.
Vale destacar que a taxa de câmbio tem sido um dos principais instrumentos de pressão do capital financeiro para constranger e influenciar a vida econômica e política do país. É um fato bem conhecido o poder que agências de risco, corretoras e “economistas de mercado” têm para, através da taxa de câmbio, influenciar políticas e decisões que deveriam ser soberanas do povo brasileiro. Sem pudor, ameaças de desvalorização do real são noticiadas sempre que uma medida neoliberal é contestada ou um candidato de esquerda sobe nas pesquisas de opinião.
A nova lei do câmbio pode ter efeitos adversos também a médio e longo prazo, pois haverá a tendência para que o próprio cálculo capitalista de investimento e produção seja feito tendo a moeda norte-americana como referência. O resultado final de uma operação ou de um investimento será avaliado pelo resultado financeiro em dólares, não em reais. Ou seja, o dólar, paulatinamente, pode deslocar o real de suas funções básicas de medida de valor, unidade de conta e meio de pagamento. Por isso, a nova lei do câmbio pode ser chamada de lei da dolarização da economia brasileira.
Os países que não possuem ou abriram mão de suas moedas, como aconteceu na Zona do Euro, perdem a capacidade de decidir internamente variáveis chaves para o crescimento e a estabilidade econômica, como taxa de juros e taxa de câmbio. Tornaram-se ainda mais dependentes da Alemanha, país que, de fato, determina a política monetária do bloco.
Mesmo os países que mantiveram suas moedas nacionais, mas permitiram o amplo uso interno do dólar, se deparam constantemente com os limites impostos por essa condição. O caso da Argentina é exemplar. A dificuldade de evitar desvalorizações bruscas do peso tem sido o principal entrave para praticamente todas as políticas de desenvolvimento adotadas nas últimas décadas. A experiência argentina mostra também que reverter esse tipo de dolarização é um processo extremamente custoso e politicamente sensível, sendo este um ponto sempre explorado pelos neoliberais do país vizinho.
A moeda nacional é um elemento básico da soberania das nações. Quanto maior o papel do dólar, maior a vinculação subordinada às decisões do Fed, o banco central dos EUA, e menor a capacidade do poder público em planejar e dirigir a economia nacional. A possibilidade de emitir a moeda na qual os contratos e transações são liquidados é um trunfo da economia brasileira ao qual não muitos países periféricos têm acesso. Abrir mão voluntariamente desse benefício é um disparate e mais uma sabotagem do governo Bolsonaro/Paulo Guedes ao desenvolvimento do Brasil.