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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Pagamento de juros aumenta concentração de renda no Brasil

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Seja através da execução da política monetária e cambial, seja pelo recebimento de lucros e dividendos, ou diretamente pela posse de títulos públicos, o pagamento de juros canaliza a riqueza de toda a sociedade para a elite da classe capitalista.

Beto Silva
Rio de Janeiro


BRASIL – Segundo dados do Tesouro Nacional, em 2021, o governo federal e o Banco Central gastaram R$ 407 bilhões com juros e mais R$ 305 bilhões em amortizações da dívida pública. Esse valor é superior às despesas federais com Saúde, Educação e Assistência Social que, juntas, somaram apenas R$ 427 bilhões1 (Gráfico I).

Essa brutal transferência de recursos públicos para os bancos e fundos de investimento capitalistas é usada contra os trabalhadores de duas formas. A primeira é legitimar a chantagem falaciosa de que o país estaria falido e que não haveria dinheiro para combater a pobreza e o desemprego. Os defensores dessa tese adoram comparar as finanças públicas com as finanças domésticas. Porém, diferente das famílias, o governo emite a moeda sobre a qual a dívida está denominada, determina sua taxa de juros e se beneficia, via aumento da arrecadação, dos seus próprios gastos. Foi com base nessa falsa premissa de “país quebrado” que foram aprovadas as privatizações e as reformas neoliberais (previdência, teto de gastos, trabalhista, etc.) que nos conduziram à crise atual.

A outra forma que o pagamento de juros da dívida prejudica os trabalhadores é aprofundando a concentração de renda no Brasil. Ainda de acordo com os dados do Tesouro Nacional, o sistema financeiro (bancos, fundos de investimentos, fundos de previdência e seguradoras) detêm 79% dos títulos da dívida (Gráfico II). Além desses títulos, vale destacar que 15% da dívida do governo está na forma de operações compromissadas, que são o instrumento usado pelo Banco Central para executar a política monetária. Tanto os juros pagos nas operações compromissadas como nos swaps cambiais (usados na política cambial), embora não tenham contrapartida na receita tributária, constituem, efetivamente, uma transferência do governo para o sistema bancário.

Os defensores desse sistema, argumentam que a poupança e as economias dos trabalhadores estão aplicadas no sistema financeiro e que, portanto, os próprios trabalhadores também se beneficiariam do pagamento dos juros. Entretanto, os números mostram que essa argumentação é radicalmente falsa. De acordo com o Boletim de Distribuição da Anbima, em 2021, apenas 0,1% das contas de investimentos, o chamado segmento private, concentraram 38% dos ativos financeiros negociados no Brasil (ações, cotas de fundos, títulos da dívida pública, caderneta de poupança, etc.). Incluindo o segmento de alta renda (10% das contas), a concentração sobe para 66%. Em contrapartida, 90% das contas possuem apenas 34% dos ativos totais (Tabela I). Essa enorme concentração mostra que é uma ínfima minoria que, de fato, se beneficia dos juros e amortizações da dívida, seja de forma direta (pela posse dos títulos públicos) ou indireta (pela posse de cotas de fundos e ações dos bancos).

Além disso, o perfil dos ativos em posse de cada um desses segmentos também é bastante assimétrico. No segmento de varejo, 54,2% das aplicações estão em cadernetas de poupança, justamente a menos rentável e mais desassociada da dívida pública. Já no segmento private concentram-se 70% das ações e cotas de fundos multimercado. Isso significa que há também uma desigualdade qualitativa na posse dos ativos financeiros, sendo os ativos mais beneficiados, direta ou indiretamente, pelo pagamento de juros absolutamente concentrados nos setores mais ricos da sociedade.

Dessa forma, a transferência de recursos públicos para o grupo de altíssima renda, através do sistema financeiro, é imensamente maior do que para os pobres, que são os principais beneficiados dos gastos sociais.

Seja através da execução da política monetária e cambial, seja pelo recebimento de lucros e dividendos, ou diretamente pela posse de títulos públicos, o pagamento de juros canaliza a riqueza de toda a sociedade para a elite da classe capitalista. Lembremos que esse efeito regressivo também se verifica na tributação, com a maior parte da carga tributária incidindo sobre os impostos indiretos (que penalizam os mais pobres) e isenção para lucros e dividendos.

Portanto, o Estado brasileiro atua de forma a manter a concentração de renda nas duas pontas, tanto quando arrecada como quando gasta. Enfrentar esse mecanismo passa não só pela realização de uma reforma tributária progressiva, mas também pela adoção de uma nova política econômica que permita a redução do pagamento de juros e impeça a sangria de nossos recursos para a oligarquia financeira.

1 Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do Governo Federal (Despesas Liquidadas) e o Boletim de Resultado do Tesouro Nacional (RTN)

2 O segmento private são contas com mais de R$ 3 milhões para aplicações financeiras. Já a classificação entre Varejo e Alta Renda pode variar entre os bancos, mas, em geral, considera-se Alta Renda para contas com mais de R$ 100 mil.

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