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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Unicamp permite demissão de terceirizadas na véspera do Natal

Às vésperas do Natal, a partir do dia 22, a Soluções Serviços, contratada pela reitoria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), demitiu trabalhadoras terceirizadas de todos os bandejões da universidade.

Hafael Thor – Movimento Correnteza Unicamp


CAMPINAS (SP) – De acordo com o relato de uma trabalhadora, mais de 100 pessoas foram demitidas em duas ondas de demissões: a primeira demitiu todas as trabalhadoras do campus de Piracicaba, do Colégio Técnico de Limeira (COTIL), demitiu 25 do restaurante da Faculdade de Ciências Aplicadas de Limeira (FCA) e 15 do Restaurante Universitário de Campinas (RU), totalizando 62 trabalhadoras e a segunda anunciou que mais 50 trabalhadoras seriam demitidas em Campinas.

Para a Soluções, pouco importa se dezenas de pessoas perdem seu emprego e não podem pagar seus aluguéis e sustentar suas famílias, mesmo perto de um dia em que se deveria celebrar a solidariedade e o amor e que claramente o reitor, Tom Zé, e es proprietários dos restaurantes terão fartas ceias.

Com aval da reitoria, a Soluções demitiu as trabalhadoras dando desculpas, dizendo que durante as férias não eram necessárias tantas funcionárias nos restaurantes. Entretanto, como as trabalhadoras já sabem, essa onda de demissão foi a reação da empresa à greve organizada espontaneamente por elas durante o meio de novembro no restaurante da FCA por conta das condições abusivas de trabalho.

Afinal, desde que os serviços dos bandejões da Unicamp foram terceirizados e assumidos pela Soluções, a contratação se deu retirando o direito ao fretado, reduzindo o vale refeição de R$ 800 para R$ 187 e descontando constantemente os salários, mesmo quando as trabalhadoras apresentavam atestado.

Assim, perdendo direitos, se sobrecarregando de funções e sofrendo constantes abusos, as trabalhadoras terceirizadas sofreram vários acidentes de trabalho e o bandejão apresentou uma grande perda de qualidade devido à precarização da terceirização, com es estudantes comendo caramujo, pedra, vidro e tendo infecções alimentares ou vendo a comida acabar antes do horário.

Esse conjunto de injustiças tornou a Soluções responsável por uma grande tragédia: numa segunda, 26 de Setembro, Cleide Aparecida Lopes que já apresentava complicações cardíacas morreu de AVC durante seu expediente de trabalho.

Não só a empresa obrigou as trabalhadoras a continuar trabalhando no mesmo local em que sua colega falecera, como a própria Reitoria se negou a decretar luto oficial, alegando que muitas pessoas ligadas à Unicamp morrem e nunca se fez caso especial, mas não respondeu quantas delas morreram em expediente como dona Cleide e se é aceitável uma universidade e uma reitoria que dizem atender à população e defender a democracia tirar a vida de uma de suas funcionárias.

Não é à toa que desde o início, o movimento estudantil e setores da universidade se solidarizaram com a situação das trabalhadoras terceirizadas. No último semestre, depois da onda de demissões que precedeu a entrada da Soluções, es estudantes organizaram uma série de pula-catracas e atos para explicitar a situação dos bandejões.

Isso tudo desembocou em duas paralisações organizadas pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), devido, também, a uma série de decisões antidemocráticas tomadas pela reitoria que afetaram o conjunto da Unicamp.

Esse conjunto de lutas e a reanimação do movimento estudantil na Unicamp após a pandemia fortaleceram a luta dessas trabalhadoras que organizaram a greve para dar um basta nos excessos da nova empresa.

De acordo com uma das líderes do movimento, a greve seria por conta de falta de EPIs e de atraso nos pagamentos. Também denunciou abusos como desvios de função, tendo que fazer faxinas frequentemente, mesmo sendo contratadas apenas como cozinheiras, não terem recebido treinamento satisfatório por parte da empresa, relatos de choque e um grande receio que a panela de pressão industrial explodisse por falta de manutenção. Relatou: “A gente chegou num ponto escasso de achar necessidade de ir pra uma greve por conta de não ser ouvida. As nossas lideranças uma jogava pra outra: você perguntava pra gestão, a gestão jogava pra coordenadora, da coordenadora jogava pro gerente e assim ficava toda aquela política de não nos ouvir”. Mesmo quando o movimento marcou um diálogo, houve um descaso total, com superiores falando que não sabiam de nenhuma reunião marcada, disse a líder.

DESPEDIDA. Trabalhadoras se cumprimentam nos fundo do restaurante universitário (Foto: Reprodução).

A líder relatou que a posição da diretoria do Sindicato foi de ameaça, afirmando que a movimentação seria ilegal, mas sem dar alternativa justa para a luta que as trabalhadoras faziam. Assim, mesmo sem suporte da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Refeições de Campinas e Região (Sintercamp), as trabalhadoras se organizaram com suporte dos estudantes organizados pelo Comitê em Defesa das Terceirizadas (CDT), organização criada para acompanhar a situação das trabalhadoras terceirizadas e lutar pela desterceirização na Unicamp. Esse exemplo obrigou a Soluções a entrar na mesa de negociação, mas mesmo não conquistando todo conjunto pedido de reivindicações, elegeu sua primeira Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e demonstrou a força da luta das terceirizadas e garantiu que parte dos salários e vales em atraso fossem pagos em seguida.

Logo depois de um mês de estabilidade acordado pela Soluções, a empresa decretou essas demissões em massa sem nenhum aviso prévio, inclusive contratando novas trabalhadoras abaixo do salário antigo. Também se denunciou que parte das demissões no RU foram de trabalhadoras que estavam em contato com grevistas de Limeira, demonstrando que para a Soluções seria melhor “prevenir” demitindo do que negociar.

Outra trabalhadora, cozinheira contratada pela Soluções como assistente, passou os últimos dias afastada por estar doente e recentemente testou positivo para Covid-19. Agora no seu recesso e enquanto permanece afastada, a empresa continua exigindo que ela assine sua carta de demissão enviada por telegrama, sem se preocupar com a sua situação de saúde. Ela denunciou que essa carta não apresentava data nenhuma, por isso, se recusou a assinar e agora conversa com os advogados do movimento. Relatou ao Jornal: “a gente fica nessas tristezas, sabendo que você não pôde comprar nada, né? Nem mesmo uma lembrança pros neto porque você não sabe se vai receber… Agora a gente tá achando que nem nós vamos, porque eles tão falando que eles não vão pagar”.

A Soluções acredita que demitindo irá encobrir seus erros e assustar as trabalhadoras, mas a verdade é que essa onda de demissões não é novidade para terceirizados na Unicamp. Mesmo com milhões de brasileiros passando fome, para a própria licitação da Soluções, a Reitoria da Unicamp achou justo que a nova empresa demitisse 330 trabalhadoras terceirizadas durante as férias do meio do ano.

Isso porque a cada 2 anos toda nova licitação gera ondas de demissões na Unicamp, com o ano de 2019 sendo marcado pela luta de Sidney, trabalhador demitido por se organizar na luta por direitos trabalhistas, e das trabalhadoras contra essas demissões em massa.

O problema não está, portanto, em organizar a luta, mas na própria estrutura da terceirização que não dá a mínima estabilidade as trabalhadoras e banaliza demissões em massa. Pelo contrário, é essa luta que pode escancarar os limites e problemas da terceirização na Unicamp que os setores mais “esclarecidos” na reitoria são incapazes de notar, ou provavelmente ignoram.

O que se deve, portanto, é ampliar e aprofundar a luta, porque foi com ela que conseguimos que as trabalhadoras fossem ouvidas, mesmo que só uma vez, pela sua empresa. O que se põe aqui é a necessidade de lutar pelo fim do contrato com a Soluções Serviços na Unicamp, mas também de inaugurar um novo capítulo da luta contra a terceirização.

O que se deve, portanto, é avançar: tornar essa importante greve da FCA em uma greve de todos os setores, fazer a luta das terceirizadas nos bandejões se tornar uma luta de toda universidade contra a terceirização. Porque se não se reconhece o valor do trabalho cotidiano das terceirizadas para que a Unicamp se mantenha, então é só com a sua falta que a reitoria vai ser obrigada a chegar ao que todos perceberam na luta: todo serviço é essencial para nossa universidade.

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