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sexta-feira, 3 de maio de 2024

Brasil tem recordes de feminicídios e estupros após 17 anos da Lei Maria da Penha

Apesar da Lei Maria da Penha ser um importante avanço, os dados indicam que ela por si só não é suficiente para combater a violência contra as mulheres.

Luiza Fegadolli e Larissa Mayumi* | São Paulo


MULHERES – No último dia 7 de agosto, completaram 17 anos da aprovação da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Muito se fala sobre como a lei é resultado da luta pessoal de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência por mais de 19 anos pelo seu parceiro. Nesse período, ela buscou diversas organizações nacionais e internacionais exigindo justiça e proteção.

Fala-se, também, da pressão que outros países e conferências internacionais fizeram para que o governo brasileiro tivesse uma lei de proteção à mulher. Tudo isso é verdade. Mas o que não é amplamente divulgado é que essa lei também é resultado do grande movimento popular de mulheres que se organizou, principalmente a partir dos anos 70, para denunciar os casos de feminicídio e violência contra as mulheres.

No final dos anos 70, vários assassinatos de mulheres por seus parceiros tomaram grande repercussão na mídia, como os casos de Eliane Grammond em São Paulo, Silvia Christel no Rio de Janeiro, Jô Lobato em Minas Gerais e, sobretudo, o de Angela Diniz. No julgamento desses casos, a defesa dos assassinos chegou a utilizar como argumento “o excesso culposo de legítima defesa da honra” ou que os assassinos “amavam demais” a ponto de praticar estes crimes.

Assim, indignadas pela condução dos casos na justiça e a falta de medidas do Estado que punisse seus assassinos e protegesse as mulheres, várias manifestações surgiram nesse período, mesmo durante a ditadura militar – período em que eram proibidos atos de rua e com forte censura. Vieram à tona campanhas como a “Quem ama não mata”, que denunciavam as mortes de mulheres por seus ex-parceiros.

Os movimentos de mulheres também realizaram denúncias internacionais à falta de ações efetivas do Estado brasileiro em relação ao caso de Maria da Penha. A partir dessas denúncias, o Brasil recebeu recomendações internacionais de que criasse uma lei de proteção às mulheres com foco no enfrentamento da violência doméstica de gênero, que culminou na sanção da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, nomeada Lei Maria da Penha.

Esse dispositivo legal, traz as definições de violência doméstica, incluindo a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial como crime. Compreende que para que o atendimento às mulheres seja efetivo, é necessário combinar ações da saúde, assistência social, habitação, sistema de justiça, etc, de forma interdisciplinar.

A lei também recomenda programas de prevenção da violência, como campanhas educativas, formação para profissionais e nos currículos escolares em todos os níveis de educação, além da reeducação para os agressores.

Pedágio Organizado pelo Movimento Olga, em São Paulo. (Foto: Movimento de Mulheres Olga Benário)

É preciso combater ainda mais a violência contra as mulheres

Apesar de ser uma lei bastante completa, a mais conhecida pelos brasileiros e de já ter sido eleita uma das melhores leis do mundo, o Brasil ainda ocupa a 5ª posição no ranking dos países que mais matam mulheres. Com 17 anos de implementação no país, será que a Lei Maria da Penha foi suficiente para combater a violência contra as mulheres?

Os últimos dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que no último ano tivemos 1437 de casos de feminicídio, um recorde desde que os casos de assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres foram contabilizados como feminicídios, em 2015.

Além dos feminicídios, o ano passado também foi marcado pelo recorde de casos de estupro no Brasil, com o número de 74.930 de ocorrências. Destes, 56.820 foram estupros de vulneráveis, pessoas incapazes de consentir, seja pela idade (menores de 14 anos), seja por alguma enfermidade ou deficiência. As principais vítimas foram do sexo feminino (88,7%), negras (56,8%), sendo 6 em cada 10 menores de 13 anos.

Além disso, 2022 também apresentou um aumento de todos os indicadores de violência doméstica, com quase 90 mil ocorrências, com 102 acionamentos aos canais de denúncia por hora. Esse aumento dos casos de violência contra mulher e feminicídio foi atribuído, pela própria Segurança Pública, ao corte de verbas nas políticas públicas de enfrentamento da violência contra as mulheres e ao discurso de ódio às mulheres proferido por grupos fascistas.

Portanto, apesar da Lei Maria da Penha ser um importante avanço pois ela tipifica os crimes de violência doméstica e prevê a proteção às vítimas, os dados indicam que ela por si só não é suficiente para combater a violência contra as mulheres e crianças.

Frente a isso, os movimentos populares de mulheres deram diversos exemplos de como enfrentar essa realidade, com atos denunciando a violência e reivindicando mais políticas públicas, além de iniciativas de conscientização e orientações para mulheres em situação de violência.

A exemplo, o Movimento de Mulheres Olga Benário realizou um ato, em conjunto com os familiares e amigos de Ana Carolina, uma jovem de 18 anos, vítima de feminicídio do Rio de Janeiro. Reivindicar por justiça para a jovem e políticas que enfrentam os altos índices de violência e feminicídio da região dos Lagos, no Rio.

Ato contra o feminicídio de Mônica Cavalcante. (Foto: Movimento de Mulheres Olga Benário)

Em Alagoas, onde ocorreram mais de 13 casos de feminicídio este ano até o momento, na cidade de São José da Tapera, movimentos de mulheres organizaram um ato contra o feminicídio de Mônica Cavalcante, que horas antes de ser assassinada, gravou um vídeo dizendo: “[ele] me agrediu várias vezes psicologicamente e fisicamente. Eu fiz de tudo pra gente ser feliz, mas não deu” e incentivando as mulheres a denunciarem e pedirem ajuda.

O ato contou com uma caminhada que refez o caminho que percorreu a vítima antes dela ser assassinada e ao longo do caminho, diversos locais comerciais estavam com as suas portas fechadas, à medida que as mulheres foram caminhando pelos comércios, os mesmos foram abrindo suas portas como forma de prestar apoio à luta.

Em Minas Gerais, onde uma jovem de 22 anos foi estuprada, após voltar de um show, em que foi negligenciada, sendo deixada em situação de vulnerabilidade sozinha antes da ocorrência. Imediatamente, o Movimento de Mulheres Olga Benário e o Movimento 8M Unificado RMBH convocaram um ato contra a cultura do estupro.

Em São Paulo, estado que teve uma alta de 36% dos casos de feminicídio no primeiro semestre deste ano, somando 113 casos, diversos movimentos de mulheres realizaram um ato por justiça à Valéria, Kethy e Isnaia, vítimas de feminicídio da região do ABC, realizado em São Bernardo do Campo, denunciando a prefeitura da cidade pelo sucateamento das casas abrigos regionais.

O Movimento de Mulheres Olga Benário realizou ações no dia 17 de agosto, com panfletagem denunciando o aumento da violência contra as mulheres e divulgando os serviços especializados no atendimento às vítimas.

Estes foram alguns dos exemplos de como as mulheres não abaixaram a cabeça diante das vidas das milhares de mulheres e suas famílias, que foram ceifadas pela violência e feminicídio e apontam o caminho para enfrentar essa realidade: com lutas de rua, lutando por mais políticas mas principalmente para que a violência não aconteça!

A luta pelo fim da violência contra as mulheres é cotidiana, nos atos de denuncia, nas reivindicações pela criação de leis e políticas públicas, nas ocupações urbanas que dão perspectivas de uma vida em liberdade, como é o caso das 15 casas construídas pelo Movimento de Mulheres Olga Benário no país desde 2016.

Basta de feminicídios! Não à cultura do estupro! É pela vida das mulheres!

*Militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario

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