O jornal A Verdade entrevistou Emanuel Cancella, secretário-geral do SindiPetro-RJ e diretor da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). Na entrevista, Cancella denuncia a política de leilões do petróleo praticada pelo Governo Federal, o sucateamento da Petrobras e defende a unidade do movimento sindical e popular para barrar a entrega dessa importante riqueza nacional.
A Verdade – A Petrobras realizou neste ano a 11ª rodada de leilões do petróleo. Qual o balanço que o Sindipetro-RJ faz desses leilões?
Emanuel Cancella – O Governo e seus partidos aliados dizem que os leilões vão trazer desenvolvimento, emprego e renda para as regiões. O fato é que foram realizadas 11 rodadas e até hoje as empresas que arremataram blocos petrolíferos nos leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP) não construíram no Brasil nenhuma plataforma de petróleo, refinaria, sonda de perfuração ou navio. O campo da Shell, Bijupirá Salema, na bacia de Campos, produz 60 mil barris de petróleo por dia, mais do que o consumo diário da Bolívia. O petróleo da Shell nem sequer passa pelos portos brasileiros, vai direto para o exterior.
Agora está marcada a primeira rodada de leilões do pré-sal. O que será leiloado e que prejuízo terá o País com sua realização?
Nenhum país desenvolvido faz leilão de petróleo. EUA, China, Rússia guardam suas reservas petrolíferas e vão comprar petróleo principalmente no mercado árabe. Deveríamos tratar essas reservas de forma estratégica e produzir à medida de nossas necessidades. Lembro que o Brasil já é autossuficiente na produção de petróleo. Essas reservas não se renovam. A presidente Dilma disse no debate eleitoral que o pré-sal é o nosso passaporte para o futuro. E ela, de forma contraditória, anuncia o leilão de Libra para outubro. Libra é o maior campo de petróleo descoberto pela Petrobras e um dos maiores do mundo.
Para justificar os leilões, o Governo afirma que a Petrobras não tem condições de realizar ela mesma a exploração do pré-sal. Isso é verdade?
A verdade é que a Petrobras desenvolveu tecnologia inexistente no mundo que permitiu a descoberta do pré-sal. Essa tecnologia é só nossa. Temos uma carência de engenheiros, geólogos, técnicos na área de petróleo. E também a indústria nacional não dá conta hoje das necessidades para suprir o mercado de equipamentos e ferramentas. Então, o Brasil deve tratar esse petróleo de forma estratégica, criar novas universidades e escolas técnicas para recompor a mão de obra necessária, dar apoio à indústria nacional para atender à demanda. O petróleo está guardado há milhões de anos e, se ficar mais algumas décadas, não vai acontecer nenhuma perda. Por isso, Dilma foi feliz quando disse que o pré-sal é nosso passaporte para o futuro e infeliz quando manda leiloar e exportar nosso petróleo.
Então por que ocorrem os leilões?
Os leilões só acontecem por subserviência de nosso Governo. O Brasil continua a ser o grande fornecedor de matéria-prima para o mundo, e depois vamos importar produtos com valor agregado para suprir o nosso mercado interno, que é um dos maiores do planeta. Temos energia, água e matéria-prima para sermos o grande fornecedor de produtos com valor agregado em escala internacional. Contraditoriamente, exportamos minério de ferro, soja, petróleo, produtos primários ou commodities, e depois importamos esses mesmos produtos com valor agregado. Basta de sermos colônia ou quintal para os outros! Queremos um Brasil soberano e independente!
Há um processo de privatização da Petrobras?
Sim! O governo de Fernando Henrique Cardoso conseguiu quebrar o monopólio do petróleo, tentou, sem sucesso, privatizar a Petrobras e mudar seu nome para Petrobrax. FHC, que não conseguiu privatizar a Petrobras, transformou a companhia em Unidades de Negócios para vendê-la em fatias. Só conseguiu vender 30% da refinaria do sul, a Refap. Lula depois adquiriu de volta os 30% da Refap. Precisamos restabelecer o monopólio estatal do petróleo e a Petrobras 100% estatal, pois mais de 70% das reservas de petróleo no mundo estão em mãos de empresas estatais. A presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, criou o “desinvestimento” para fazer o que FHC não conseguiu. Esse modelo criado por Foster é pior que os leilões. Os leilões são sustentados pela Lei nº 9.478, que prevê concorrência e audiência pública. No desinvestimento, Foster (uma dirigente suspeitíssima, inclusive acusada de favorecer o próprio marido na Petrobras) é quem decide para quem vender ativos da Petrobras – e já vendeu 40% do campo BS 04 para Eike Batista e parte da bacia Potiguar para a British Petroleum (BP). A BP é a empresa “ficha-suja” causadora do maior acidente de petróleo no mundo, no Golfo do México. O desinvestimento tem recebido forte oposição, inclusive do TCU. Não temos dúvida de que o desinvestimento é a privatização da Petrobras. A presidente Foster, no seu afã privatista, chegou a anunciar pelas grandes revistas a venda de refinarias e de terminais, e depois negou.
Recentemente, a presidente da Petrobras elogiou a Chevron e a petroleira de Eike Batista. Por que a Petrobras ficou tão próxima do grande capital e se afastou dos trabalhadores e do povo?
A Petrobras e o monopólio estatal do petróleo nasceram nos braços do povo. A campanha O Petróleo é Nosso!,na década de 1940 e 1950, foi o maior movimento cívico de nosso povo e resultou na Petrobras e no monopólio. Só o povo unido e nas ruas vai conseguir acabar com os criminosos leilões e o desinvestimento.
Há um avanço muito grande da terceirização na Petrobras. Quais as consequências desse processo? Há uma piora das condições de trabalho e de salários dos terceirizados?
Hoje na Petrobras existem, para cada trabalhador próprio da companhia, quatro terceirizados. Esse processo na companhia avança de forma geométrica. O TCU determinou que as estatais substituam, até 2015, todos os terceirizados na área-fim dessas empresas. A direção da Petrobras age como se nada tivesse acontecido, em total desrespeito ao TCU. O movimento sindical precisa pressionar essas empresas para que cumpram essa decisão. Infelizmente, nesse aspecto, o governo do PT trouxe um retrocesso na companhia. Hoje, concurso na Petrobras é só para técnicos e profissionais – o filho do pobre só entra na companhia para ser terceirizado. Isso porque funções e cargos de auxiliares, ajudantes e assistentes foram eliminados do Plano de Cargos e entregues à terceirização. Os salários desses trabalhadores são bem menores, o treinamento deles é precário; são uma espécie de escravos na Petrobras, e, não por acaso, são a ampla maioria de óbitos nos acidentes da companhia.
Qual o papel dos sindicatos da categoria diante de todo esse quadro?
Combater a entrega de nosso petróleo e barrar a terceirização. Infelizmente, os sindicatos dos petroleiros estão divididos entre a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e a Federação Única dos Petroleiros (FUP). A FNP tem uma linha independente do Governo e da direção da empresa, mesmo tendo entre os sindicatos integrantes do PT e sindicatos filiados à CUT. A FUP é governista exacerbada e lamentavelmente concorda com várias políticas da empresa e do Governo que são prejudiciais ao País e aos trabalhadores. Agora mesmo, o representante da FUP no Conselho Administrativo da companhia votou a favor do desinvestimento. Estamos agora discutindo o Acordo Coletivo de Trabalho, e a FUP defende, há vários anos, aumento diferenciado para os aposentados que, além de discriminatório, é uma fraude salarial, já que os aposentados pagam para ter o mesmo reajuste. Quem barrou a privatização da Petrobras, proposta de FHC, foi a unidade dos sindicatos petroleiros com apoio da sociedade. Precisamos restabelecer essa unidade para defender nosso petróleo e os direitos dos trabalhadores.
O que podemos esperar, de agora em diante, das mobilizações contra os leilões do petróleo?
Estamos atuando em várias áreas para criar uma insegurança jurídica e política, para impedir a entrega do nosso petróleo. Estamos marcando em cima e protestando em cada evento que envolve o leilão e o desinvestimento. Aliás, os companheiros do PCR têm sido importantes aliados nessa luta. Infelizmente, grande parte dos partidos e movimentos sociais está dividida entre aqueles que querem eleger Dilma e aqueles que querem derrotar Dilma. Lamentavelmente, questões importantes como o petróleo ficam para segundo plano. Nunca é demais dizer que as grandes guerras contemporâneas têm como pano de fundo o petróleo. Aliás, o campo de Libra tem leilão marcado agorapara outubro. Libra é a maior descoberta da Petrobras, um dos maiores campo de petróleo do mundo. Mas os partidos, as centrais sindicais e os movimentos sociais, no último dia 30 de agosto, priorizaram a luta contra o PL 4.330, que trata das terceirizações.
Na sua opinião, qual é o objetivo dos EUA de espionar a Petrobras e que medidas o governo brasileiro deveria adotar em relação a isso?
O governo norte-americano espionou o governo brasileiro e a Petrobras. Quando FHC privatizou a Embratel, além da entrega do patrimônio público, deixou vulneráveis nossas telecomunicações. Com certeza o foco da arapongagem é o pré-sal. Mas quem espionou foi a organização multinacional de escutas conhecida como Cinco Olhos, que reúne os serviços de inteligência dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Esse fato torna o leilão de Libra anulado, pois leilão pressupõe igualdade entre os concorrentes. No momento em que se toma conhecimento de que alguns países tiveram acesso à informação sobre o campo a ser leiloado, esse leilão tem que ser cancelado. Além disso, todos os onze leilões já realizados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Bicombustíveis (ANP) têm que ser revistos e, no mínimo, qualquer empresa, banco ou consórcio que tenha origem nesses países envolvidos na espionagem e que tenha arrematado qualquer bloco nos leilões deve ter essa transação anulada.
Redação Rio de Janeiro