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sábado, 23 de novembro de 2024

“Orçamento de Guerra” custará trilhões de reais aos cofres públicos

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Por Lusiana Chagas Gerzson e Paulo Henrique Rodrigues
Rio de Janeiro


Na última sexta-feira (03/04), o Congresso Nacional aprovou a proposta de “Orçamento de Guerra” feita por Paulo Guedes e modificada por Rodrigo Maia, uma dupla que já foi responsável por outros atentados contra os direitos do povo brasileiro. A desculpa desta vez foi a aprovação anterior pelo Congresso da renda mínima de R$ 600,00 para desempregados, trabalhadores informais e por conta própria. Aproveitando-se da tragédia causada pelo coronavírus, Guedes inventou a “necessidade” de uma mudança na Constituição, enviando a Proposta de Emenda Constitucional (PEC Nº 10/2020), cuja ementa do texto cinicamente modificado por Maia diz que a PEC “institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente de pandemia internacional e dá outras providências”.

Apesar de falar na pandemia, a medida não transferiu nenhum centavo para o SUS, que continua sem recursos, sem equipamentos de segurança para seus profissionais e sem ventiladores para os doentes. Na verdade, não havia nenhuma necessidade dessa mudança, sua verdadeira intenção foi dar ainda mais dinheiro para os bancos.

O “Orçamento de Guerra” aprovado pela PEC 10/2020 é mais um passo numa farra dos bancos iniciada nos anos 1970 e que violou o acordo internacional de Bretton Woods de 1944. Naquele ano, diversos delegados das nações mais industrializadas do mundo se reuniram nos Estados Unidos com o objetivo de avaliarem a economia global afetada pela 2ª Guerra Mundial e planejarem medidas de recuperação econômica. Uma das decisões da reunião foi estabelecer o dólar americano como moeda única para as negociações internacionais, dada a força do império estadunidense. Em 1971, passados 27 anos, o presidente dos EUA, Richard Nixon, impôs o maior calote da história, acabando com a equivalência entre o dólar e seu valor em ouro, estabelecido no Acordo de 1944. Desde então, o dólar não é mais do que papel. Essa atitude deu início à desregulamentação do mercado financeiro, que permitiu a abolição de praticamente todas as regras de controle sobre os bancos. Estes se aproveitaram disso para transformarem o mundo num verdadeiro cassino, em que eles são os grandes beneficiários e o povo é prejudicado.

Mais dinheiro para os bancos

Um dos pontos mais graves do “Orçamento de Guerra” foi o parágrafo 10 do artigo 115, incluído no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por efeito da aprovação da PEC. O texto diz o seguinte: “O Banco Central do Brasil (Bacen), limitado ao enfrentamento da referida calamidade, e com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta, fica autorizado a comprar e vender títulos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”. Tais títulos são, na verdade, “papéis podres”, porque não valem o valor original estampado nos mesmos.

Mas o que são esses “papéis podres”? Segundo Maria Lúcia Fattoreli, da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, depois do relaxamento dos controles sobre o mercado financeiro, os bancos passaram a poder vender por preço menor os papéis de dívidas públicas ou privadas que desconfiam que não serão pagos, em mercados secundários ou paralelos. Criaram, assim, carteiras de créditos, nas quais estão esses “papéis podres”, de empresas falidas, por exemplo, ou de devedores que faleceram e não tinham bens para garantir o pagamento das dívidas. Tais papéis são vendidos a preços muito inferiores ao valor dos títulos originais, sendo uma forma de os bancos reduzirem seus prejuízos, mas dependem de encontrar compradores para os mesmos. O “Orçamento de Guerra” de Guedes e Maia vai garantir que os bancos se livrem desses “papéis podres” vendendo-os para o governo pelo valor original, faturando bilhões de reais às custas do dinheiro do povo.

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Esses “papéis podres” foram transformados em títulos chamados de derivativos. Muitas vezes criam-se novos derivativos, a partir dos primeiros, que ao final não possuem valor algum, pois vão se depreciando a cada mudança para tentar atrair compradores. O “Orçamento de Guerra” de Guedes e Maia deu, assim, total liberdade para que o Banco Central compre ou venda esses papéis com o dinheiro público, que pertence aos cidadãos brasileiros. O Banco Central pode comprar inclusive “papéis podres” estrangeiros, uma forma de ajudar empresas estadunidenses falidas, sem qualquer transparência nas negociações. Ninguém saberá nem com quais empresas haverá negociação, nem quais valores serão negociados. O “Orçamento de Guerra” servirá, assim, para salvar bancos e empresas às custas do povo. A manobra custará trilhões de reais aos cofres públicos.

Em vídeo no Youtube, de 03/04/20, Fattoreli afirmou que o Congresso Nacional se aproveitou da urgência necessária às ações nesses tempos de pandemia para realizar um novo saque aos cofres públicos. Ela também insiste, em coro com o deputado Glauber Braga, que não há nenhuma necessidade de uma PEC para assegurar a renda mínima de R$ 600,00 para os desempregados, trabalhadores informais e por conta própria. O benefício deve alcançar cerca de 38 milhões de pessoas, com um custo de apenas R$ 48 bilhões, enquanto o país possui hoje na conta única do Tesouro Nacional R$ 1,4 trilhão, além de mais R$ 1,7 trilhão em reservas internacionais, e cerca de R$ 1 trilhão no Banco Central da sobra de caixa dos bancos.

Fattorelli denuncia que o “Orçamento de Guerra” de Guedes e Maia também está legalizando “a indecente remuneração da sobra de caixa dos bancos que desviaram, de forma ilegal cerca de R$ 1 trilhão de recursos públicos nos últimos 10 anos”. Essas sobras de caixa são formadas pelos recursos que os bancos não conseguem emprestar e sobram em seus caixas, que são compradas pelo Banco Central sob a figura ilegal de “depósito voluntário remunerado”. Há anos que o Banco Central vem lesando os cofres públicos desta forma para beneficiar os bancos. Ou seja, enquanto dão apenas R$ 48 bilhões para a população pobre, transferem cerca de R$ 1 trilhão, ou seja, vinte vezes mais, para os bancos!

A escandalosa roubalheira do dinheiro público em benefício dos bancos que Guedes e Maia acabaram de fazer contrasta com a constante redução dos recursos para as áreas sociais, ou seja, as aposentadorias, educação e saúde. Uma doença tão grave como a do coronavírus está colocando enorme pressão sobre os serviços, os recursos financeiros e os profissionais do SUS. O “Orçamento de Guerra” não deu nem um tostão para o SUS. Desde que a crise começou, o SUS recebeu apenas um recurso extra de R$ 5 bilhões do governo, enquanto os planos de saúde privados, que atendem os mais ricos, ganharam o dobro, R$ 10 bilhões. O “esquecimento” do SUS, apesar da justificativa da crise de saúde, e a demora em liberar a renda mínima para os mais pobres, são provas de que a única intenção da medida foi o de promover mais um roubo dos recursos públicos em benefício dos bancos.

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