Não ao obscurantismo e à xenofobia. Não à “união nacional” com a reação. Sim à solidariedade e à fraternidade.
O assassinato de 12 pessoas, entre elas os principais cartunistas e jornalistas de Charlie Hebdo, suscita uma grande emoção e uma grande raiva em nosso povo. É a liberdade de expressão, de crítica, o direito ao escárnio, que os autores desse crime vil quiseram assassinar. Foi para dizer “não” – pois não cederemos e não nos deixaremos intimidar – que dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas, na mesma noite do atentado.
A outra mensagem dessas manifestações é a recusa e a condenação a todo amálgama que alimenta a islamofobia. Há semanas que “intelectuais” despejam seu ódio contra o islã diante dos microfones e estúdios de televisão. E hoje, lugares frequentados por muçulmanos são alvo de ataques. Como dissemos em nosso comunicado de 07 de janeiro, “é necessário parar a instrumentalização da religião, qualquer que seja, para dividir e questionar os valores de fraternidade e de tolerância”. Por isso, nós defendemos a laicidade, o direito de cada um de crer e de não crer, o direito de criticar qualquer religião, de satirizá-la.
O presidente da República reiterou com veemência que a França estava em guerra contra o terrorismo. Esse discurso lembra o de Bush, após o 11 de setembro. Vários veículos de comunicação, responsáveis políticos, retomam essa comparação e conclamam, com ele, à “união nacional”.
Nós não desejamos essa “união nacional”
É verdade que Hollande e seu governo levaram adiante verdadeiras guerras, em vários frentes: no Mali, no Sahel e, em coalizão, no Iraque. Essas guerras não apenas são fadadas ao fracasso – basta ver a situação no Iraque e no Afeganistão –, mas alimentam os grupos jihadistas. Consequentemente, nosso partido, e outros, sempre denunciaram essa política de guerra, que traz consigo alianças com forças reacionárias e que se insere na visão perigosa do “choque de civilizações”. Não desejamos a unidade nacional com a direita. Uma direita que acha normal que essa unidade se estenda à Frente Nacional (FN), partido de extrema-direita.
No contexto atual, não é de “unidade nacional” que nós precisamos, mas nos unir no combate contra a política de miséria e de guerra, pela fraternidade e solidariedade dos povos. A unidade pela qual nós lutamos é a unidade do povo, da classe operária, em torno de seus interesses e dos povos. É a unidade no combate pelo progresso social, pela democracia.
Os 20 anos da Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxista-Leninistas (CIPOML) foram celebrados em Istambul, maior cidade da Turquia. As atividades foram organizadas pelo Partido do Trabalho (Emep). Durante cinco horas, seguiram-se discursos, músicas e homenagens.
Tudo começou com um minuto de silêncio em nome dos companheiros e companheiras perdidos na luta pelo socialismo. Logo após, o Coral do Trabalhador entoou canções revolucionárias, incluindo A Internacional, cantada pelos milhares de presentes.
O discurso da celebração de abertura foi feito por Selma Gürkan, líder do Emep, que deu exemplos de lutas atuais em diferentes países entre as classes trabalhadoras e a burguesia e declarou que a vitória pertence aos trabalhadores. Chamando a atenção para os acontecimentos no Oriente Médio, Gürkan salientou que a resistência Kobane aumentou a luta decidida dos povos do Oriente Médio e do mundo.
Após o discurso de Gürkan, os representantes dos partidos e organizações da CIPOML, um a um, foram chamados ao palco e apresentados. Raul Marco, líder do Partido Comunista da Espanha (ML), fez um discurso representando as organizações membros da Conferência. “Estamos celebrando o 20º aniversário da CIPOML no país de Nazım Hikmet. A nossa determinação para elevar a luta marxista-leninista na arena internacional continua. Nossa organização é hoje uma referência. Devemos apoiar o trabalho de nossos partidos e organizações. Precisamos garantir que nossas publicações internacionais atinjam um público amplo”, afirmou Raul.
Em seguida, foi Jilani Hammami, deputado da Frente Popular da Tunísia, que subiu ao palco. “Eu sou membro de uma nação que olha para o horizonte e vê a estrela da liberdade e do socialismo”. Depois de afirmar que as eleições na Tunísia são as mais críticas, até essa data, ele continuou a dizer: “Nós nunca desistiremos da nossa determinação de ir até a revolução. A vitória está sempre no horizonte”.
Asya Abdullah, líder da frente curda Unidades de Proteção Popular (YPG), que resiste, há quatro meses, à investida do grupo Estado Islâmico pela domínio da cidade síria de Kobane, juntou-se à celebração por meio do Skype. Ao apontar o 25 de novembro como Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, ressaltou o importante papel das mulheres em Kobane. “Mulheres lutando contra isso também é lutar pela liberdade das mulheres. Nossa luta será vitoriosa em Kobane”, afirmou.
Quando Selahattin Demirtaş, presidente da Conferência Democrática dos Povos (HDP), que inclui o Emep, subiu ao palco, abriu-se uma faixa com o slogan de “longa vida e solidariedade aos povos”. Demirtaş disse que estamos em um momento em que as lutas no Oriente Médio estão vindo à tona. “Kobane é a marca disso. A luta continua nas ruas de Kobane entre YPG, que representa os oprimidos, e o Estado Islâmico e os representantes do imperialismo. É claro que o vencedor será a linha da liberdade. Mulheres livres serão vitoriosas. Eles enterrarão esse movimento bárbaro assim como em Stalingrado.
Resistência dos trabalhadores no seu caminho para a Internacional
Vários trabalhadores que atuaram nas resistências e greves em fábricas em Istambul também se juntaram à celebração da CIPOML. As organizações de trabalhadores de cidades distantes enviaram suas declarações de apoio. Trabalhadores dos estaleiros de İstambul-Tuzla saudaram a CIPOML com slogans de “Fim das mortes ilegais no local de trabalho” e “Fim da exploração de trabalhadores estrangeiros”. Trabalhadores do setor de saúde também saudaram a celebração com a sua mensagem de “Verbas para a saúde, não à guerra”.
Também foram representados por seus líderes os sindicatos de trabalhadores e funcionários públicos, como a Confederação Revolucionária de Sindicatos de Trabalhadores (DISK) e os Trabalhadores Públicos pela Confederação dos Sindicatos de Trabalhadores Públicos (Kesk).
No último dia 21 de dezembro, o povo tunisiano foi às urnas para eleger o novo presidente da República em um cenário inédito no país. Desde a proclamação da República, em 25 de julho de 1957, e da adoção da Constituição de junho de 1959, nunca haviam ocorrido eleições na Tunísia de forma livre, democrática e transparente. O regime neocolonial organizou eleições regularmente, mas o resultado se conhecia de antemão, pois era apenas um plebiscito para referendar o único candidato apresentado. Essa paródia se manteve na Tunísia mesmo depois da reforma da Constituição, em novembro de 1987, que designou Habib Burguiba presidente vitalício. Depois do golpe de Estado de novembro de 1987, o general Ben Ali introduziu algumas modificações: ele mesmo designava os participantes entre os políticos que lhe rendiam homenagens e, com isso, recebia 99% dos votos. Isto fez com que nas recentes eleições houvesse um ambiente de apreensão e também de esperança entre os tunisianos, tendo em conta que foram as primeiras eleições presidenciais organizadas desde 14 de janeiro de 2011.
Lembremos que no 1º turno das eleições, realizado em 15 de novembro passado, houve 27 candidaturas. A maioria delas representava, de uma ou outra maneira, candidaturas de tal ou qual facção da burguesia que ansiava manter-se ou voltar ao poder. Frente a eles – e de certa maneira contra eles – se apresentava Hamma Hammami, da Frente Popular, como representante das classes populares, porta voz de suas esperanças para alcançar os objetivos da revolução.
Hamma ficou em terceiro lugar no primeiro turno. Dessa forma, se enfrentaram no segundo turno candidatos igualmente reacionários: de um lado, Bejy Caïd Sebsi, do “Nida Tounes”, antigo ministro de Burguiba e de Ben Ali, e do outro lado, o candidato não declarado do partido islâmico, o presidente provisório Moncef Marzouki. Antes mesmo de começar a campanha, os meios de comunicação burgueses trataram de apresentá-los como opostos e representantes de projetos sociais antagônicos: um como o representante da modernidade, da democracia e do Estado secular, e o outro como defensor da identidade do Estado religioso. Tudo não passava de fraseologia para ocultar o verdadeiro caráter de classes burguês de ambos os projetos.
Tanto os partidos “Nida Tounes” como o “Nahdha” são expressões políticas e organizativas dos interesses da grande burguesia e, independente de suas diferenças, sua essência é a mesma. Basta dar uma olhada em seus programas econômicos e sociais para perceber as semelhanças: neoliberalismo, limitação da intervenção estatal no terreno econômico e de investimentos, privatização acelerada das empresas públicas e dos bancos estatais, liberação dos preços dos produtos de consumo e dos serviços, liquidação das indenizações, etc. O voto massivo e unitário que esses dois partidos deram no dia 10 de dezembro na Assembleia dos Representantes do Povo a favor da Lei de Finanças 2015 foi uma clara manifestação disto. Apenas os deputados da Frente Popular foram contrários, já que essa lei prevê medidas contra o povo e para fazer recair todo o peso da crise econômica sobre as massas populares.
O que afirmamos sobre os dois candidatos explica em boa medida o andamento das suas respectivas campanhas. Em nenhum momento houve confrontação sobre seus programas políticos. O pior de tudo é a personalidade dos candidatos: um esteve durante décadas a serviço dos regimes ditatoriais de Burguiba e Ben Ali, nos quais ocupou cargos decisivos que o faz de certa maneira responsável por numerosas desgraças sofridas pelos tunisianos, pela repressão e eliminação da liberdade quando foi ministro do interior e por nunca ter manifestado o menor remorso e nem autocrítica por esse passado nada brilhante. O outro candidato, nos últimos três anos tem tido compromisso com o islamismo e o projeto reacionário da Irmandade Mulçumana na Tunísia e outros lugares. A metamorfose deste militante dos direitos humanos, que se tornou um protetor das milícias e aliado objetivo das correntes que preconizam e praticam o terrorismo, foi o centro das críticas contra ele. Os grandes erros durante seu mandato lhe valeram duras críticas de toda sociedade. Um de seus últimos erros foi um discurso de ódio e divisão contra todos aqueles que não compartilham de suas posturas políticas e que segundo ele são peões a serviço do antigo regime.
Lembremos que às vésperas do primeiro turno, a possibilidade dos candidatos era diferente, já que nas eleições para o legislativo um mês antes, o “Congresso pela República”, partido de Moncef Marzouki, só obteve 67 mil votos, ou seja, menos de 4% dos eleitores, enquanto que o “Nida Tounes” teve 37% dos votos. Porém, o Partido Islâmico, que não apresentou candidato a presidente, votou no presidente provisório, depois de um semifracasso nas eleições legislativas, com o que pressionou o partido vencedor a negociar. Marzouki obteve o segundo lugar com mais de um milhão de votos, uma pequena distância de seu adversário.
A maioria dos cidadãos havia votado no “Nida Tounes” na eleição legislativa para impedir a vitória do “Nahdha”. O mesmo aconteceu no segundo turno da eleição presidencial, quando votaram em Sebsi para impedir Marzouki de voltar ao Palácio de Cartago. Houve milhares de pessoas que não votariam em nenhum dos dois, mas acabara votando para acabar com as instituições saídas do escrutínio de 23 de outubro de 2011, que deu plenos poderes ao partido islâmico e aos seus comparsas. Trata-se então de um voto de veto, e não de um voto de adesão a um programa.
Os partidos liberais representados no parlamento pela União Patriótica Liberal (16 cadeiras no parlamento) e o “Afek Tounes” (8 cadeiras), junto com os partidos que se reivindicam do movimento “desturiano” (o antigo partido no poder), chamaram os eleitores a votar no Sebsi.
A Frente Popular, consciente de que nenhum dos candidatos era revolucionário e que não defenderiam os objetivos da revolução, e tendo em conta a caótica gestão do país pelo governo da “troica” e seu presidente, que era o candidato real (mas não declarado) do partido islâmico, convocou o povo a fechar-lhe o caminho e deixou os eleitores decidirem seu voto entre um ou outro candidato.
Os resultados oficiais anunciados confirmam a vitória de Beji Caïd Sebsi com 55,68%, contra seu adversário, o presidente interino Moncef Marzouki. A participação eleitoral foi de 60%, com uma forte abstenção, especialmente na juventude.
Com isso, se abre uma nova era de combate para a Frente Popular e para as forças progressistas dentro do país.
Como estudar a filosofia marxista? Qual a melhor forma de aproveitar o tempo que dedicamos ao estudo desta rica e fecunda tradição filosófica? Ao nos propormos a tarefa de estudar a filosofia marxista, o primeiro ponto que devemos ter em mente é uma “obviedade” que, infelizmente, não se mostra tão óbvia assim na prática de estudo dos militantes: a filosofia marxista é filosofia. Isso quer dizer que ela compartilha diversas características com outras correntes de pensamento não-marxistas, o que lhe permite ser identificada ou classificada enquanto filosofia. Embora ela apresente suas particularidades, não se deve perder de vista este ponto.
E o que é filosofia? Apesar de os currículos do ensino médio e quase todos os cursos de graduação terem uma disciplina chamada “filosofia”, elas pouco podem nos dizer sobre sua verdadeira essência, sobre o que realmente lhe caracteriza enquanto tal. Acontece que em muitos casos, principalmente no ensino superior, as disciplinas com o nome de filosofia são “forçadas” à grade curricular apenas por uma exigência do currículo padrão, o que resulta em uma pseudo-filosofia manca, mutilada. E as experiências pelas quais os estudantes passam com tal filosofia deixam como resíduo a falsa sensação de pelo menos “saber do que se trata” o assunto, o que na verdade é um erro, pois tomar conhecimento de alguns temas abordados por alguns filósofos não é a mesma coisa que saber o que é fazer filosofia.
E por não se saber o que caracteriza a atividade filosófica enquanto tal, tende-se, às vezes, a estudá-la com métodos importados das ciências humanas ou até mesmo das exatas, o que mais obstaculiza do que auxilia no processo. Mas a filosofia não é uma ciência humana. Uma curiosidade para ilustrar: já percebeu que dentro das universidades, o nome das faculdades que ofertam os cursos de filosofia geralmente tem nomes como “Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas” ou “Faculdade de Filosofia e Letras”, etc? Sim, pois sempre são coisas distintas. A filosofia não é uma ciência humana, e nem uma área do curso de Letras. A filosofia seria, de certo modo, “inclassificável”.
Mas não vamos tentar, neste momento, abordar diretamente o que é filosofia, pois além desta pergunta já ser em si um grande problema filosófico, não é exatamente necessário para estas breves dicas de como estudar a filosofia marxista. Nosso objetivo aqui é apenas apontar algumas incompreensões que são de grande prejuízo para o estudo da filosofia em geral e, particularmente, ao estudo da filosofia marxista.
Uma ampla bagagem cultural é o ponto de partida, não de chegada
Um ponto muito importante é que filosofar não é acumular conhecimento. A aquisição de uma vasta cultura é um pressuposto para se fazer filosofia, mas ela não se resume a isso. Não se “sabe” filosofia por já ter ouvido falar que Platão desenvolveu a teoria do Mundo das Formas, que Tomás de Aquino elaborou as Cinco Vias para demonstrar a existência de Deus ou que Descartes disse “Penso, logo existo”. Da mesma forma, não se está estudando filosofia marxista ao saber enumerar quais são “as leis da dialética”, como se essas fossem leis da física que bastaria aplicar à realidade e pronto, está tudo feito. Kant já afirmava que não se aprende filosofia, só se aprende a filosofar. Isso aponta para o caráter eminentemente ativo ou prático da filosofia, no sentido de que ela é um fazer, e não mera acumulação de conhecimento.
Estudar outras correntes filosóficas além do marxismo
Trata-se de um erro, ao estudar filosofia, isolar determinado autor de sua época. Evitar isso é de fundamental importância para a filosofia marxista. Perde-se muito da riqueza do pensamento filosófico de Karl Marx ao não se compreender o contexto de onde ele surgiu, ou ao se limitar a resumos e manuais, recorrendo-se a chavões do tipo “Marx inverteu Hegel”, sem saber o que isso significa na verdade. Embora isso pareça óbvio aos marxistas, é dessa maneira que a maioria dos militantes estuda a obra filosófica de Marx: fora do contexto intelectual, filosófico da época, como se uma ou duas citações de Hegel bastassem para “contextualizá-lo”. Para deixar claro: não é apenas o contexto econômico que importa, mas também o contexto “espiritual” da época, o qual goza, segundo Marx, de uma “autonomia relativa” em relação à estrutura econômica.
Em suas obras, Marx está sempre em diálogo com autores de sua época, e quando lemos apenas as obras de Marx, sem ler ao mesmo tempo Hegel e o idealismo alemão, por exemplo, tem-se a impressão de que ele estaria sendo “contra tudo que estava lá”. E não é bem assim. Ao não ler em primeira mão as obras de Hegel não sabemos em que aspectos Hegel e Marx se aproximam, pois, quando lemos apenas Marx, ressaltam-se em nossa consciência muito mais as diferenças do que as aproximações entre ambos. O importante para Marx, em suas obras, era mostrar em que ele era diferente de Hegel, em que ele estava definitivamente rompendo, já que as semelhanças eram muito mais claras para o público da época, já envolvido no debate, do que para nós hoje (lembremos que Marx foi um hegeliano de esquerda). Ao se ler os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, por exemplo, é muito evidente como Marx se expressava no espírito e nos termos do hegelianismo. Sua análise do proletariado como “classe em si” e “classe para si” é um claro exemplo disso, mas no texto ele não sinaliza isso dizendo algo como: “Neste ponto estou utilizando categorias hegelianas para definir o proletariado”. E se não temos familiaridade com a obra de Hegel, isso simplesmente passa batido.
Outro exemplo da importância de se entender o contexto intelectual se encontra no fato de Marx não ter sido o primeiro filósofo a estudar economia. Ora, o próprio Hegel já era um leitor das primeiras obras econômicas que surgiram em sua época, embora ali o capitalismo estivesse menos desenvolvido do que na época de Marx. De certo modo, pode-se afirmar que um dos motivos que levou Marx a perceber a importância da economia foi sua formação filosófica hegeliana. Ao contrário da pecha de “idealista” que lhe pregam, no sentido de que Hegel e todo o idealismo alemão só se preocupavam com as “ideias”, Hegel era um pensador muito preocupado com o concreto, com a realidade (Wirklichkeit é um termo muito comum em sua obra), de modo que ele chegou a dizer que “a leitura do jornal é a oração matutina do homem moderno”. O filósofo alemão Fichte também se envolvia em movimentos políticos e buscava elevar o nível de consciência do povo para promover mudanças sociais na Alemanha. Assim, Marx não foi nem o primeiro filósofo preocupado em transformar a realidade, nem o primeiro a estudar economia, embora tenha sido o mais consequente desses.
Dessa maneira, ao se ler Marx no espírito do próprio marxismo, isso é, ao se ler Marx de uma forma realmente marxista, compreende-se que ele não é um surgimento abrupto, anômalo e desconectado de seu próprio tempo, e que tampouco estão esgotadas todas as contribuições anteriores ou posteriores a ele. Pois o pensamento muito comum de que “tudo anterior a Marx foi superado, agora basta estudar Marx” é falso e leva ao dogmatismo, ou seja, à morte da filosofia.
Lênin foi claro sobre a necessidade de se estudar Hegel quando afirmou: “Não se pode compreender plenamente O capital, de Marx e, particularmente, o seu primeiro capítulo, sem ter estudado e compreendido toda a Lógica de Hegel. Portanto, meio século depois de Marx, nenhum marxista o compreendeu!”. Lênin inclusive deixou algumas anotações que foram publicadas postumamente sob o título Cadernos sobre a dialética de Hegel.
Lemos também, na Biografia ilustrada de Lênin (Elio Bolsanello, Edições Manoel Lisboa) que, em seus últimos dias, já bastante doente, mas preocupado com a consolidação ideológica do partido, Lênin visitou o Kremlin pela última vez, no dia 18 de outubro de 1923, “pôs em ordem seus cadernos, pegou três volumes de Hegel e levou-os consigo…” (grifo nosso). Isto é, para aprofundar sua compreensão do marxismo, Lênin, em seus últimos dias, se preocupava em estudar Hegel.
Para o estudo da filosofia marxista é importante conhecer – repetimos – não só o contexto material e econômico da sociedade na qual as obras surgiram, mas também o contexto espiritual, no sentido daquilo que estava sendo produzido no campo das ideias, as quais não podem ser consideradas meros “reflexos” do contexto material (como interpreta erroneamente certa corrente mecanicista do marxismo).
Ter contato direto com os clássicos e evitar ao máximo os manuais
Outro ponto importante para o estudo da filosofia marxista é o contato direto com os textos dos filósofos. O recurso a manuais não pode ser o principal meio de acesso à filosofia. Embora manuais como Princípios Fundamentais de Filosofia, de Politzer, possam ter alguma utilidade como introdução, eles nunca poderão oferecer uma formação filosófica propriamente dita nem mesmo substituir a leitura das obras de Marx. Não há atalhos para isso. Uma das características das obras de filosofia, de forma geral, é que elas só começam a ser compreendidas (de fato, e não aparentemente) por volta da quinta leitura, e isso não é diferente com os Manuscritos econômico-filosóficos ou com A Sagrada Família, de Marx. Assim, o estudo da filosofia exige tempo e esforço, mas não é de modo algum impossível.
Uma compreensão profunda do real é um pressuposto para sua transformação
Certa vez, em uma carta, Hegel afirmou que se convencia cada dia mais da importância do trabalho teórico, e que, uma vez revolucionado o mundo das representações, a realidade (Wirklichkeit) não poderia escapar também dessa transformação. Embora faltasse a Hegel o conceito de práxis, que seria desenvolvido por Marx para efetuar tal transformação, percebe-se já nele certa preocupação em transformar o real, e a importância do trabalho teórico para isso. E não foram a vida e a obra de Marx um imenso e colossal esforço para interpretar a realidade e adquirir o conhecimento necessário para transformá-la? A obra mais extensa de Marx, O capital, não é uma especulação sobre como seria uma sociedade socialista, mas sim uma análise do capitalismo. E também Lênin, citando Engels em O que fazer?, afirma que a luta do proletariado se dá em três frentes: política, econômica e teórica.
A filosofia marxista deve ser estudada, portanto, como filosofia, e não como dogma, não como um conjunto de doutrinas prontas e acabadas que se esgotam no próprio Marx, pois Marx não se esgotou em si mesmo. Não reconhecer o que pode haver de verdade em toda a história da filosofia significa não compreender o próprio marxismo, que não foi uma criação ex nihilo de Marx. A superação dialética, do termo alemão Aufhebung (que não possui tradução exata para o português), envolve a conservação de parte daquilo que será superado, ou seja, não é a completa aniquilação e nem é um mero ecletismo. Isso quer dizer que a filosofia marxista deve ser estudada dialeticamente, em seu devir, em suas múltiplas determinações e conexões. Ao estudar a filosofia marxista enquanto filosofia, e não como dogma ou livro sagrado, os marxistas poderão apreender a essência daquilo que Marx realizou e continuar, segundo seu método, desenvolvendo a tradição filosófica do proletariado.
“Se não falar, será quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis. Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua valentia”, disse o capitão Bernone de Arruda Albernaz a frei Tito, quando de sua entrada no DOI-Codi. Frei Tito Alencar Lima (v. A Verdade, nº141) ficou mais de um mês sob as garras do famigerado delegado Sérgio Fleury; sobreviveu, mas sua alma ficou profundamente ferida e ele acabou se suicidando. Centenas de prisioneiros políticos morreram sob as torturas mais cruéis no período da Ditadura Militar (1964-1985).
Não tem este artigo o objetivo de descrever esses métodos bestiais utilizados apenas por seres humanos degenerados; tantos, inclusive, que sentiram na própria pele e no espírito os seus efeitos, já o fizeram. O seu fim é refletir sobre a seguinte questão: merecem anistia tanto os que pegaram em armas, expropriaram bens, sequestraram e mataram no combate à ditadura quanto os agentes do Estado que torturaram sadicamente para obter confissões?
Os guerrilheiros nunca torturaram alguém. Atingiram em combate, eventualmente, alguma pessoa que nada tinha a ver com o regime ditatorial que imperava no País. Compare isso com a montagem de uma estrutura profissional, equipada de agentes recrutados no próprio meio militar ou entre policiais civis integrantes de esquadrões da morte: os Dops e DOI-Codi. Nessas casas da morte, os agentes não podem ser classificados de valentes, e sim de modelos de covardia, ao bater, dar choques elétricos, humilhar, empalar homens e mulheres de mãos atadas, sem nenhuma chance de defesa.
Por isso, a tortura é classificada como crime hediondo e imprescritível pelos órgãos internacionais de direitos humanos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que o Brasil descumpriu a Convenção Americana de Direitos Humanos em duas ocasiões: por não processar e julgar os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na Guerrilha do Araguaia, e quando o Supremo Tribunal Federal interpretou a lei de anistia de 1979 considerando que a legislação apagou os crimes de tortura e assassinato de militantes por parte de agentes do Estado brasileiro.
Tais crimes hediondos ocorreram nas dependências do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, já devidamente identificadas, assim como muitos dos torturadores. O tenente-coronel Paulo Malhães falou à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e foi explícito. Confessou que torturou e matou tantos quanto foi necessário, na Casa da Morte, em Petrópolis, e informou como procedia para que os cadáveres não fossem identificados: “Naquela época, não existia [exame de] DNA. Quando você vai se desfazer de um corpo, quais as partes que podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais. Então você quebrava os dentes. As mãos, cortava daqui para cima”. Poucos dias depois do depoimento, foi assassinado, dentro de sua casa, num assalto mal explicado (não teria sido queima de arquivo?).
A Lei da Anistia – nº 6.683/79 – foi promulgada ainda no regime militar, no governo do ditador João Baptista Figueiredo, e concedia “anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos”. É com base no termo “conexos com estes”, que o STF conclui que não cabe punição às torturas e assassinatos praticados nas dependências das Forças Armadas, pois estariam anistiados em conformidade com a lei, visto que seriam crimes conexos com os crimes políticos.
A Constituição Federal de 1988 diz em seu artigo 5º, inciso XLIII: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins…..”. A norma constitucional não se aplicaria, entretanto, aos crimes praticados pela ditadura, pois de acordo com o princípio do direito, a lei não retroage, a não ser para beneficiar o réu.
Depois de muita mobilização dos familiares de “desaparecidos” durante a ditadura, entidades de direitos humanos, organizações de esquerda e a Igreja, especialmente a Arquidiocese de São Paulo, com a publicação Tortura, nunca mais, houve muitos avanços em nosso país quanto à responsabilização do Estado brasileiro, mas insuficientes, haja vista a não abertura total dos arquivos da repressão e a não punição dos responsáveis e executores.
Em 1995, o governo brasileiro promulgou a Lei nº 9.140, assegurando reparação moral às vítimas da ditadura militar no País por meio de indenização às suas famílias. Essa lei estabeleceu ainda a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), com o objetivo de promover o reconhecimento do Estado mediante a responsabilidade pelos crimes cometidos durante o período da repressão política. Nos 11 anos de atuação (1996-2007), a CEMDP recebeu processos referentes a 475 vítimas. Desse total, 136 nomes já constavam no Anexo I da Lei nº 9.140/95. Os outros 339 casos foram objeto de análise da Comissão. Desse número, 221 casos foram deferidos e as famílias foram indenizadas, e 118 casos foram indeferidos. A lei teve caráter restrito, pois não permitiu a localização dos restos mortais dos desaparecidos e não garantiu punição aos que praticaram os crimes. A indenização das famílias foi concretizada pela Lei nº 10.559/2002.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada pela Lei nº 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. O mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela Medida Provisória nº 632.
Além da Comissão Nacional, foram criadas Comissões da Verdade nos Estados. A atuação dessas comissões tem trazido fatos à tona, confirmado outros sobre os quais se tinha informações ou evidências, como é o caso do assassinato e sumiço do cadáver do deputado Rubens Paiva, entre tantos.
Fruto de toda essa luta, algumas ossadas enterradas clandestinamente foram localizadas e as vítimas puderam ser sepultadas por seus familiares e admiradores com as honras merecidas, heróis que foram – a exemplo de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos.
Entretanto, ainda há muito a lamentar e por fazer. A lamentar, a destruição de aproximadamente 19,4 mil documentos secretos produzidos ao longo da ditadura militar (1964-1985) pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI). A destruição foi determinada pela chefia do SNI no segundo semestre de 1981 (no governo do ditador João Figueiredo).
As Forças Armadas, por sinal, não reconhecem oficialmente a prática de tortura nas suas dependências, com autorização ou conhecimento dos seus comandantes, apesar de todos os testemunhos, evidências e provas materiais já apresentados. Isso é grave, pois o reconhecimento e a autocrítica seriam sinais de desaprovação e compromisso público de não repetir essa prática abominável. A negativa ou o silêncio deixam aberta a possibilidade de repetição.
Os crimes, por sua vez, não podem ficar impunes; por isso, a luta continua, reforçada pelo posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Afirma a Corte: “São inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos”.
Esquecer, jamais. Punir os culpados, para que nunca mais se repitam as violações dos direitos fundamentais e elementares da pessoa humana, é tarefa não apenas dos revolucionários, mas de todas as pessoas de bem!
Em setembro de 2014 foi realizada mais uma “Cúpula do Clima” da ONU, que, outra vez, acabou sem acordo entre os países para buscar uma solução aos problemas climáticos do planeta causados pelo homem. Com isso, o povo e os milhares de manifestantes que estiveram nas ruas de Nova York, onde ocorreu o evento, sabem que a situação ambiental vai caminhando para uma destruição sem volta.
Mas não só os manifestantes têm consciência disso, pois essa é a realidade apontada por uma pesquisa científica sobre as espécies animais, publicada na capa de uma edição especial da revista Science – uma das mais respeitadas do mundo –, que teve a participação do pesquisador brasileiro Mauro Galetti, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
Essa pesquisa traz novas visões sobre o Antropoceno, ou seja, a atual etapa geológica vivida pela Terra, caracterizada pela intensa ação humana que produziu mudanças significativas no clima, na biodiversidade, na atmosfera e nos oceanos. Os impactos da atividade humana sobre a natureza estão sendo capazes de alterar até mesmo as rochas, que demoram milhares ou milhões de anos para sofrerem alterações, mas que poderão ser identificadas no futuro como pertencentes à época atual.
Sabemos que esses impactos não são positivos e que a destruição da natureza pelo homem é uma certeza que não pode ser negada; só resta a dúvida sobre quando ela começou. Alguns pesquisadores entendem que foi há 100 mil anos, quando nossos ancestrais saíram da África para povoar o resto do mundo, outros defendem a hipótese de que foi com a invenção da agricultura, há 10 mil anos, e outros dizem que foi com a Revolução Industrial, há cerca de 200 anos.
A forma devastadora como o ser humano explora a natureza é, atualmente, a principal causa da extinção de espécies. Não à toa, mesmo que espécies estejam desaparecendo há 12 mil anos, os pesquisadores definiram o ano de 1500 como o início do extermínio de outras espécies pela ação humana. É só lembrarmos que o ano de 1500 marcou o início da expansão do capitalismo mercantilista com a descoberta da América e a devastação deste continente junto com a África e a Ásia. Desde então, 322 espécies de vertebrados foram extintas, como o tigre-da-tasmânia, o rinoceronte-negro e o dodô (uma ave que não conseguia voar, assim como a galinha).
A principal causa da matança dos animais ainda é a caça para alimentação, seja por necessidade, como na África, ou por diversão, como nas caçadas que envolvem reis e milionários mundo a fora. A segunda causa é a destruição do habitat (moradia), provocada pelo desmatamento. Hoje, a ganância do lucro no campo tem causado o desmatamento em regiões como a Floresta Amazônica para atender a interesses do agronegócio. A introdução de espécies invasoras também ajuda na extinção. Por exemplo: com a chegada dos europeus ao Brasil, cães e gatos passaram a disputar alimentos ou a atacar os animais nativos do Brasil, como pássaros, macacos, tatus e cotias. Isso acontece ainda hoje em parques que viraram morada de cães e gatos abandonados.
As extinções não são novidade para o nosso planeta. A Terra já passou por cinco delas nos últimos 500 milhões de anos, sendo a mais famosa a do período Cretáceo, que eliminou os dinossauros. A diferença fundamental é que as outras cinco foram causadas por acontecimentos naturais, como mudanças na temperatura global, ação de vulcões ou a queda de asteroides. Já o Antropoceno é a única delas causada por uma única espécie: o homem.
Se contarmos as espécies em risco de extinção, os dados mostram que a população animal vem caindo porque elas não têm tempo de se reproduzirem antes de serem mortas. Somente nos últimos 40 anos, a população animal caiu 28%, ou seja, para cada 100 animais que existiam em 1970, hoje só temos 72.
Mas a extinção de espécies animais não causa problemas apenas para a fauna (nome dado à diversidade de animais em uma região), mas também para a flora (diversidade de plantas). Animais como pássaros, macacos, roedores e abelhas são responsáveis por carregar e espalhar as sementes ou o pólen de flores, que darão origem a novas árvores e florestas. Hoje existem várias “florestas vazias”, que são aquelas que possuem árvores e plantas, mas não possuem animais. Essas florestas são pobres e improdutivas. A Mata Atlântica não possui nenhum dos principais animais semeadores em 88% do seu território, e a Serra do Mar, no Estado de São Paulo, possui apenas pássaros.
Por isso, o “capitalismo verde” não soluciona o problema ecológico. Plantar eucaliptos não é reconstruir uma floresta.
A solução imediata para evitar um desastre ainda maior para os seres vivos é o fim da exploração desenfreada das florestas e do extermínio de animais; a segurança de áreas protegidas como parques e reservas naturais contra caçadores e o repovoamento com espécies nativas, que podem ser recuperadas das mãos de traficantes; e obrigar os donos de grandes fazendas a fazer não apenas o reflorestamento, mas também o refaunamento, povoando as florestas replantadas com animais semeadores para que estas se mantenham de pé.
Como disse o pesquisador Galetti: “Essa pesquisa rebate o discurso de que o dinheiro usado para salvar o mico-leão-dourado poderia ser empregado para construir hospitais e escolas. Acontece que não estamos preocupados com o mico-leão porque ele é bonitinho, mas sim porque ele dispersa mais de 100 espécies de plantas, que ajudam a controlar o clima e melhorar a qualidade da água. Os animais são essenciais em processos ecológicos chave para a própria sobrevivência dos seres humanos”.
Mas a solução real para o equilíbrio da vida humana na natureza se dará apenas em uma sociedade socialista, na qual os recursos naturais serão usados para garantir uma vida de qualidade para o ser humano, mas com respeito aos outros seres vivos e à natureza.
Lucas Marcelino, diretor da UNE e militante da UJR
Nas últimas semanas, o tema do aborto ocupou grande destaque nos noticiários devido à morte de duas mulheres no Rio de Janeiro após tentarem interromper a gravidez em clínicas clandestinas.
Jandira Magdalena dos Santos Cruz, de 27 anos, e Elisângela Barbosa, de 32 anos, assim como milhares de outras mulheres brasileiras, perderam e continuam perdendo suas vidas precocemente porque o aborto ainda é considerado crime no Brasil e o debate sobre sua legalização é boicotado pelos setores mais reacionários do país.
Aborto inseguro
O aborto inseguro é aquele feito por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. No Brasil, de acordo com o DataSUS, o aborto inseguro é a quinta causa de morte materna, vitimando uma mulher a cada dois dias. Na Europa, onde a interrupção voluntária da gravidez é permita pela maioria dos países, 90% dos abortos são seguros.
Na maioria dos casos, as mulheres pobres são as principais vítimas de problemas decorrentes de abortos inseguros. “Existe uma diferença entre aborto clandestino e inseguro. O aborto clandestino não é necessariamente inseguro. Ele pode ser feito em clínicas clandestinas, porém com todas as condições de higiene, por médicos treinados, quando a mulher tem dinheiro para pagar”, afirma Jefferson Drezett, ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de um milhão de abortos ocorrem por ano no Brasil, ou seja, mesmo sendo proibido, as mulheres não deixam de recorrer ao procedimento. Logo, se queremos que casos como os de Jandira e Elisângela não ocorram mais, é preciso debater seriamente e sem preconceito o tema da legalização do aborto e o direito da mulher em decidir sobre seu corpo, pois estamos falando de um problema de saúde pública e da vida de milhões de mulheres.
É o que defende o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz d’Ávila. Segundo o médico, “não podemos fingir que não está acontecendo nada. As mulheres decidem interromper a gravidez hoje, decidiram ontem e vão decidir sempre. Enquanto as que podem pagar estiverem protegidas e fazendo esse aborto com segurança – e são as filhas de juízes, médicos e advogados muitas vezes –, ninguém vai se preocupar com aquelas que são de cor negra, pobres e não podem fazer essa interrupção da gravidez com segurança”.
Dito de outra forma, para as mulheres ricas, o aborto já é, de certa forma, legalizado, visto que pode ser feito em condições seguras e não sofre nenhum tipo de discriminação hipócrita da sociedade, ao contrário do que acontece com as mulheres pobres, a maior parte delas negras.
Países legalizaram aborto
Apesar de ainda ser um tabu no Brasil, o tema do aborto já foi abordado por uma série de outros países, que legalizaram a prática e garantiram às mulheres condições seguras de interromper a gravidez.
É o caso do Uruguai, que, desde que legalizou o aborto, em 2012, não registrou mais nenhuma morte materna em decorrência da interrupção consciente da gestação. Ao mesmo tempo, o país vizinho implementou uma política séria de planejamento familiar, educação sexual e atenção à mulher, que levou à diminuição do número de abortos de 33 mil para 4 mil por ano, derrubando o argumento dos defensores da criminalização do aborto de que, uma vez legalizado, a prática se tornaria corriqueira e generalizada.
Na verdade, em todos os países em que o aborto não é crime, como Holanda, Espanha e Alemanha, a taxa de mortalidade vem diminuindo ano após ano, bem como o número de interrupções, pois a legalização do aborto é acompanhada de uma política efetiva de planejamento reprodutivo e educação sexual.
Por que legalizar o aborto?
Hoje, a legislação brasileira só permite a interrupção da gravidez para fetos anencéfalos (em que não ocorreu formação do cérebro), em situações onde as mulheres correm risco de vida caso a gravidez continue e em casos de violência sexual. A mulher que fizer o aborto fora destes critérios pode responder a processo e até ser presa.
Essa proibição leva milhares de mulheres a procurar clínicas clandestinas de aborto ou simplesmente realizá-lo em casa, muitas vezes, sem as condições necessárias para garantir a segurança da gestante, daí o número tão grande de mortes.
Defender a vida das mulheres é defender seu direito a decidir sobre seu corpo, garantir melhores condições de vida e trabalho, uma rede de atendimento de saúde de qualidade e uma política de planejamento familiar e sexual que efetivamente funcione.
Chega de hipocrisia!
Os mesmos setores que defendem com unhas e dentes a criminalização do aborto com o argumento de que estão defendendo a vida, são os primeiros a virarem as costas à mãe e à criança pobre, que deverão enfrentar sozinhas e sem nenhum amparo do Estado todas as dificuldades impostas pelo sistema capitalista existente em nossa sociedade.
Logo, devemos lutar por uma política nacional de educação sexual para prevenir a gravidez indesejada, o uso de contraceptivo para não engravidar e a legalização do aborto para acabar com a morte de tantas Jandiras e Elisângelas pelo país.
Um negro, morto a tiros pela polícia, torna-se notícia em vários cantos do mundo. Seu nome? Michael Brown, mas poderia ser João, Ana, Douglas. O local? Ferguson, nos Estados Unidos, mas poderia ser São Paulo, Rio de Janeiro, uma cidade qualquer da Colômbia ou da África do Sul. A morte da população negra nas mãos de um “Estado branco” é rotina no mundo em que vivemos. Afinal, enquanto Michael Brown era assassinado, quantos outros jovens negros e negras também não estavam sendo?
Analisar a morte de Brown é lembrar-se dos assassinatos de Amarildo Sousa e de Cláudia Ferreira, ambos no Rio de Janeiro, e isso nos dá a certeza de que o genocídio da população negra em várias partes do mundo não é tragédia, mas apenas um rodapé nas páginas dos jornais.
Para que os gritos do povo negro sejam escutados é preciso uma prática radical, um desafio à ordem e às leis vigentes de um Estado e de uma sociedade que somente privilegiam os brancos.
“A carne mais barata do mercado é a negra, que vai de graça pros presídios e pra debaixo do saco”. Em sua música A carne, Elza Soares consegue evidenciar a realidade do corpo negro na sociedade, a exclusão e negação que são rotinas em suas vidas. Aliás, quantos jovens negros estão nos presídios e quantos estão nas universidades? Qual população encontra-se hoje encurralada nos guetos das grandes cidades? A juventude branca ou a juventude negra?
Pesquisa do Ipea realizada em 2013 aponta que, a cada três assassinatos no Brasil, dois vitimam negros. Segundo essa mesma pesquisa, as chances de um jovem negro ser morto é 3,7 maior que um jovem branco. A realidade brasileira não difere da realidade nos Estados Unidos, onde a taxa de desemprego entre os negros é de 11, 4% (pesquisa do National Poverty Center).
Nas escolas, aprende-se que a escravidão no Brasil acabou e, assim, os negros hoje são livres. Mas como se pode afirmar isso se a polícia brasileira mata em proporções semelhantes à polícia sul-africana no período do apartheid? E os policiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas desempenham papel semelhante ao dos capitães do mato no período da escravidão?
A violência do Estado racial, que toma forma na mão de policiais militares, matou Michael Brown, assim como matou Amarildo, Cláudia, os jovens da Chacina da Candelária, o dançarino DG e tantos outros. Para mudar essa situação é preciso mais que uma bênção dos orixás, é preciso a luta do povo negro por sua real libertação. Dessa forma, a morte do povo negro não será apenas mais uma notícia nas páginas de jornal.
Apesar do tão propalado poderio militar norte-americano e das centenas de bilhões de dólares gastos com a chamada “guerra ao terror”, as tentativas dos Estados Unidos de acabar com a Al-Qaeda e impor à força governos submissos aos seus interesses e aos grandes monopólios capitalistas no Oriente Médio fracassaram vergonhosamente, levando a região a uma grave crise econômica, política e humanitária.
De fato, ao invés da democracia e da prosperidade prometidas, Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria encontram-se hoje afundados em guerras civis, com suas economias destruídas, suas riquezas saqueadas e vivendo na mais completa miséria.
Afeganistão
Desde o início da ocupação estadunidense, em 2001, a população afegã vem sofrendo com o aumento da violência. Segundo a ONU, nos seis primeiros meses deste ano o número de civis mortos no Afeganistão aumentou 17% em relação ao mesmo período do ano passado. Ao todo, 1.564 pessoas perderam suas vidas, enquanto outras 3.289 ficaram gravemente feridas, vítimas de conflitos entre as forças oficiais e o Talibã, que ainda controla boa parte do país.
Apesar das inúmeras riquezas que possui – o Afeganistão tem reservas de petróleo estimadas em 1,8 bilhão de barris e é rico em ferro, cobre, cobalto, ouro e metais fundamentais para a indústria, como o lítio – a pobreza cresceu, a expectativa de vida diminuiu drasticamente, enquanto a mortalidade infantil, a fome e a desigualdade social estão entre as maiores do mundo. Hoje, 36% da população vive abaixo da linha da miséria, 35% dos adultos estão desempregados e 1,5 milhão de pessoas passam fome. O país tem também a segunda maior taxa de mortalidade materna do mundo, atrás apenas de Serra Leoa, e a maioria dos afegãos não tem acesso à água potável, ao saneamento básico e à luz elétrica – em pleno século 21.
Iraque
Onze anos após a invasão norte-americana, o Iraque vive uma profunda guerra civil e está praticamente desgovernado. Como resultado, o território iraquiano tem sido controlado por grupos paramilitares armados e financiados pelos Estados Unidos anteriormente, como é o caso do Estado Islâmico, que já domina parte das regiões norte e noroeste do país.
As tão procuradas armas químicas e de destruição em massa jamais foram encontradas, bem como nunca foram comprovadas as supostas ligações do antigo governo iraquiano com grupos terroristas.
A verdade é que o Iraque hoje é um país completamente destruído e dividido pela guerra. Centenas de milhares de pessoas perderam suas vidas e outras tantas foram mutiladas, e a insegurança, o desemprego, a fome e a falta de água potável e outros serviços básicos são uma realidade para a maioria do povo.
Segundo a Cruz Vermelha, 25% da população iraquiana vive abaixo da linha da miséria, 64% enfrentam dificuldades econômicas sérias para sobreviver, 88% não têm acesso à luz elétrica e 86% não têm água em casa. A desnutrição atinge mais de 30% dos habitantes e cerca de 70% das crianças iraquianas sofrem de problemas psicológicos.
Líbia
Intensamente bombardeada pelas tropas da Otan, a Líbia vive em meio ao caos desde que um levante apoiado pela mesma Otan derrubou e matou o ex-presidente Muamar Kadafi, em 2011.
O país sofre com a guerra civil entre milícias, conflito que já matou mais de 50 mil pessoas. Segundo relatório da ONU divulgado no começo de setembro, nos últimos quatro meses os conflitos pelo controle das duas maiores cidades do país, Trípoli e Benghazi, provocou a fuga de mais de 250 mil pessoas. Até embaixadas foram fechadas. Tanto o governo quanto o parlamento líbio encontram-se refugiados na cidade de Tobruk devido à falta de segurança, enquanto na capital, Trípoli, um governo paralelo foi instalado.
Síria
Na Síria a situação não é diferente. Mais de nove milhões de sírios já abandonaram suas casas e cerca de 11 milhões de pessoas precisam da ajuda humanitária para sobreviver.
Segundo o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), 2,9 milhões de sírios estão refugiados em outros países, número que aumenta em 100 mil pessoas todos os meses e deve chegar a 3,6 milhões até o fim do ano.
Ainda segundo a ONU, o número de mortos no país até abril deste ano é de 191.369, mas está subestimado, pois muitas mortes nunca foram registradas. Entre as vítimas, pelo menos 8.803 eram crianças, das quais 2.165 tinham menos de 10 anos. “Lamento profundamente que, com o surgimento de tantos outros conflitos armados neste período de desestabilização global, os combates na Síria e as suas consequências dramáticas para milhões de civis tenham desaparecido dos radares internacionais”, desabafou a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay.
Desde o início, os Estados Unidos e outras potências imperialistas articularam as manifestações de oposição ao governo sírio, financiando e armando grupos paramilitares, alguns deles ligados à Al-Qaeda, que hoje promovem um verdadeiro massacre contra a população do país.
Nova ofensiva
Apesar disso, nenhuma das potências imperialistas parece se preocupar com o sofrimento dos povos desses países ou pensa em rever sua política para região. Ao contrário, continuam gastando fortunas na compra de novos aviões, tanques, mísseis, fuzis, navios, submarinos e drones, e quase nada para resolver a fome e todos os outros problemas sociais que eles mesmos provocaram.
Ao mesmo tempo, enquanto as guerras do imperialismo ferem a soberania dos povos e matam e destroem as esperanças de milhões de pessoas no Iraque, Afeganistão, Síria e Líbia, a indústria do petróleo não tem do que reclamar, pois viu seus lucros dispararem devido aos conflitos no Oriente Médio. De fato, em 2003, o preço do barril de petróleo custava cerca de US$ 25, enquanto hoje gira em torno de 95 dólares, tendo chegado a US$ 140 em 2008. Outros setores econômicos também têm lucrado bastante com as guerras, especialmente a indústria de armas e a da reconstrução.
É para garantir esses lucros que, desde o início da “guerra ao terror”, em 2001, os Estados Unidos já lançaram mais de 94 mil ataques aéreos contra países como o Iraque, Afeganistão, Líbia, Paquistão, Iêmen e Somália, matando centenas de milhares de pessoas, e agora preparam uma nova ofensiva militar, desta vez contra a ameaça do chamado “Estado Islâmico”.
França e Austrália já divulgaram que participarão dos ataques, enquanto o Reino Unido planeja criar novas bases militares nos Emirados Árabes Unidos, Omã e Bahrein para apoiar as operações.
Trata-se da continuação de uma guerra injusta, ilegal e covarde. Injusta porque é uma guerra imperialista, uma guerra de pilhagem, cujo objetivo é tomar posse das riquezas desses países e explorar seus povos. Ilegal, pois desrespeita os mais básicos princípios do direito internacional e da livre determinação e soberania dos povos, passando por cima de várias resoluções da ONU e da vontade da opinião pública mundial. E covarde porque se trata de uma agressão dos maiores exércitos do mundo contra países pobres e indefesos.
O Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo denunciou à Justiça Federal quatro agentes da ditadura militar pela tortura e assassinato do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, em 19 de julho de 1971, nas dependências do DOI-Codi da capital paulista.
Os acusados são o ex-comandante do DOI, o famigerado coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado aposentado Aparecido Laertes Calandra e o delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina. Todos são denunciados por homicídio doloso qualificado (quando há intenção de matar). Segundo o MPF, os três, “com outras pessoas até agora não totalmente identificadas, mataram a vítima Luiz Eduardo da Rocha Merlino, por motivo torpe, com o emprego de tortura e por meio de recurso que impossibilitou a defesa do ofendido”. Além deles, o médico legista Abeylard de Queiroz Orsini é acusado de falsificar o laudo necroscópico de Merlino, que afirmava que o jornalista havia morrido vítima de atropelamento.
Além da prisão dos acusados, o Ministério Público também pede o cancelamento de suas aposentadorias, o afastamento imediato de Dirceu Gravina de suas funções na Polícia Civil e a suspensão da licença médica de Abeylard de Queiroz Orsini.
Crimes contra a humanidade
Segundo o MPF, o assassinato de Luiz Eduardo Merlino é caracterizado como um crime contra a humanidade e, por isso, não prescreve nem pode ser anistiado.
Para Ângela Mendes de Almeida, ex-companheira de Merlino, “o significado dessa ação para a família é importantíssimo. Na verdade, era esse tipo de ação, uma denúncia criminal, que queríamos desde o início, quando movemos o primeiro processo na área cível, em 2008. Um crime, um homicídio, ainda mais decorrente de tortura até a morte, tem que ser punido criminalmente”.
Luiz Eduardo da Rocha Merlino tinha 23 anos quando foi assassinado. Nascido em Santos (SP), em 18 de outubro de 1948, era estudante de história na USP e militante do Partido Operário Comunista (POC). Preso em 15 de julho de 1971, Merlino foi levado ao DOI-Codi de São Paulo, onde foi barbaramente torturado, vindo a morrer em decorrência dos graves ferimentos.
Revisão da Lei de Anistia
Mais de 200 investigações já foram abertas pelo MPF para apurar casos de crimes políticos cometidos contra opositores da ditadura e, desde 2011, foram ajuizadas nove ações penais contra 22 agentes da repressão acusados de sequestros, torturas, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos.
Porém, devido à interpretação de que a Lei da Anistia se estende também aos agentes do Estado, até hoje nenhum torturador foi punido, apesar de a Corte Interamericana de Direitos Humanos ter condenado o Brasil a investigar e punir as violações cometidas durante o período, as quais não seriam passíveis nem de anistia nem de prescrição.
Além disso, mesmo após a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), uma série de dificuldades são impostas pelas Forças Armadas para que a verdade sobre os crimes cometidos durante a ditadura seja revelada, como prova a ordem do comandante do Exército, general Enzo Peri, que proíbe, na prática, os quartéis de colaborar com as investigações
Essa resistência por parte do Exército, e também da mídia burguesa, legitima a prática da tortura existente até hoje nos presídios e delegacias de nosso país e reforça a impunidade.
A menos de três meses do fim dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, previsto para dezembro deste ano, é preciso aumentar a pressão pela revisão da Lei da Anistia, o apoio às ações do MPF no sentido de levar a julgamento os responsáveis pelas torturas, assassinatos e desaparecimentos durante a ditadura militar, além de promover movimentos e ações de massa pela memória, verdade e justiça.
Leonardo Péricles iniciou sua militância ainda estudante secundarista, destacando-se como presidente da Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas da Grande BH (AMES-BH), estando à frente de dezenas manifestações em defesa do meio-passe estudantil em Belo Horizonte e por educação pública de qualidade. Como estudante da UFMG, foi eleito diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), protagonizando as lutas em defesa do livre acesso dos estudantes à universidade pública e pela assistência estudantil. Convidado para participar da reorganização do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) no Estado de Minas Gerais, foi um dos responsáveis pela retomada das lutas por moradia popular e reforma urbana na capital mineira. É um dos organizadores da Ocupação Eliana Silva, um exemplo de organização popular e trabalho coletivo, e da união das dezenas de ocupações urbanas da Belo Horizonte. Agora, Leonardo assume um novo compromisso, que é a construção de um novo instrumento político para continuar avançando a organização popular em todo o Brasil, a Unidade Popular pelo Socialismo. Em entrevista exclusiva ao jornal A Verdade, ele fala dessa nova experiência, das expectativas e dos desafios que terá pela frente.
A Verdade – Como nasceu a proposta de organizar a Unidade Popular pelo Socialismo? Leonardo Péricles – Esta ideia não surgiu só agora, mas sim há cerca de oito anos. Um grupo de militantes de diversos movimentos populares, sindicalistas, ativistas e jovens, socialistas e comunistas, de várias partes do país e que desenvolvem importantes lutas pelos direitos do povo, há muito tempo, não se sente representado pelos partidos legais existentes. Após as chamadas jornadas de junho de 2013, quando milhões de pessoas tomaram as ruas do Brasil exigindo direitos historicamente negados (saúde, educação, moradia, democracia, etc.), ficou ainda mais clara a necessidade de organizarmos uma alternativa política para dar resposta a essas demandas. Vivemos num país muito rico, populoso e com muitas riquezas naturais. Temos condições suficientes para resolver todos os principais problemas sociais, ou seja, acabar por completo com a fome, a miséria, o desemprego, a falta de moradia, com o analfabetismo, com a falta de uma saúde pública digna. Temos um povo extremamente criativo, que luta diariamente para sobreviver, que não se rende à opressão, mas que ainda não tem vez neste país. Para esta empreitada, contamos com o apoio de diversas militantes e organizações populares, como o MLB, movimento do qual faço parte de sua Coordenação Nacional, do Movimento Luta de Classes (MLC), da União da Juventude Rebelião (UJR), do Partido Comunista Revolucionário (PCR), do Movimento de Mulheres Olga Benário, dentre outros, que são parte integrante desta construção.
Quais são as principais bandeiras do Partido?
Nosso partido tem como bandeiras principais as mudanças estruturais pelas quais o povo luta há mais de um século no Brasil como, por exemplo, uma reforma agrária popular que tire as terras das mãos dos latifundiários e as entregue aos camponeses pobres; nacionalização de todas as riquezas naturais; nacionalização do sistema bancário e controle popular do sistema financeiro; controle social de todos os monopólios e consórcios capitalistas e dos meios de produção nos setores estratégicos da economia; a reestatização das empresas estatais privatizadas em nosso país, como Vale do Rio Doce, CSN, o sistema de telefonia e de energia; salários dignos para e efetiva justiça para a maioria trabalhadora e o povo.
Lutamos também para construir o socialismo em nosso país, pois esta é a única forma de assegurar nas mãos da classe trabalhadora o poder político. Não se pode conduzir uma luta séria, consequente, em busca da justiça social, se não tivermos este norte. O socialismo é o único sistema que pode garantir a felicidade aos que hoje são oprimidos e explorados pelo sistema capitalista.
As campanhas eleitorais dos três principais candidatos à Presidência da República – Dilma, Marina e Aécio – gastarão quase R$ 1 bilhão. Como pretendem enfrentar esta situação nas eleições?
Para que essas campanhas arrecadem tanto, tiveram que buscar recursos nas grandes empresas, bancos e poderosos monopólios econômicos, que acabam determinando e controlando as principais decisões políticas dos governos através dessas “doações”. E lógico que, ao fazer isso, têm que se comprometer em manter os privilégios desses grupos que os financiam. Não há como governar garantindo os direitos da maioria do povo se esses governantes estão comprometidos com uma minoria, com os donos das fábricas, das terras, dos bancos, que enriquecem explorando justamente a maioria trabalhadora.
Para enfrentar essas campanhas milionárias, que têm como base o marketing, desprezando o debate de ideias e escondendo suas reais intenções, é necessário organizar um movimento capaz de reunir milhões de pessoas, ou seja, devemos responder com militância política. Ao invés de cabos eleitorais pagos, vamos investir na formação de militantes para saírem às ruas, escolas, universidades e bairros populares, que atuem nas organizações classistas, nos sindicatos e entidades combativas, lutadores sociais que representem as forças vivas da sociedade e que defendam transformações profundas.
Mas não é só isso, também temos que acumular força entre os trabalhadores, no que há de mais honesto e sincero que exista no meio do povo, contarmos com milhares de lideranças que não se vendam, que não recebam para fazer campanha e não tenham objetivo de enriquecer e de explorar. Pelo contrário, que lutem contra a compra de votos, contra os privilégios e contra esse modelo de político burguês, com um estereótipo de empresário. Por isso, nosso partido entende que devemos defender as classes exploradas, que são a maioria esmagadora do povo, porque todo partido defende os interesses de uma determinada classe, e, como sabemos, a maioria dos partidos legais defende as classes dominantes.
Por ter havido erros de outros partidos, não quer dizer que não possam haver novas opções que superem esses erros. As diversas experiências devem ser usadas a nosso favor. Podemos acumular forças para que nossas ideias sejam entendidas pelo povo e possamos eleger pessoas comprometidas com os reais interesses populares, mas sem cair em ilusões. O atual sistema econômico e político deve ser derrubado e não simplesmente reformado.
Como pretendem cumprir as exigências da legislação eleitoral para a criação de um novo partido?
Nos últimos anos, surgiram partidos montados artificialmente, comprando pessoas para conseguir assinaturas e até falsificá-las, ou seja, já nascem com esquemas de corrupção.
Nossa construção é popular, de forma que quem está trabalhando no recolhimento de assinaturas, levando nossas fichas para a população, são lideranças populares, sindicais, estudantis, intelectuais comprometidos com as causas sociais, milhares de pessoas com os mesmos objetivos. Por isso mesmo, o trabalho coletivo deve ser o principal. Nós indivíduos somos muito limitados trabalhando sozinhos, mas quando trabalhamos segundo as ideias de um coletivo de pessoas, podemos ir muito longe. Todos os envolvidos na construção da Unidade Popular têm a consciência de estarem contribuindo com a criação de um novo instrumento que possa permitir a libertação da exploração a que milhões estão submetidos hoje.
Onde explicamos as nossas propostas e ligamos essa agitação política com os problemas vividos pelo povo no seu dia a dia, somos bem recebidos. E as pessoas ainda dizem coisas do tipo: “já era hora de isso acontecer”, “realmente estamos sem opção”, “pode contar comigo, já me decepcionei muito, mas acredito que coisa nova pode surgir”.
Também é importante termos muita paciência, pois tem muita gente boa que pode nos confundir com a maioria dos demais partidos burgueses, então temos esses vamos convencer pela nossa prática. Isso que vai diferenciar nossa militância da superficialidade dos demais partidos. Não vamos apenas recolher assinaturas, estamos procurando crescer entre os trabalhadores e somente conseguiremos isso se organizarmos, apoiarmos, incentivarmos e participarmos das lutas do nosso povo. Somos, antes de tudo, uma organização de luta da classe trabalhadora.
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