Eleita pela maior o povo pobre do Brasil, a presidente Dilma Rousseff (PT), no entanto, tem governado para os mais ricos, escolha refletida na composição de seu ministério e nas medidas conservadoras de sua equipe econômica.
Os cortes de investimentos e os aumentos de impostos adotados pelo ministro Joaquim Levy não são meras “decisões técnicas” de um economista competente querendo “equilibrar as contas públicas”, aumentando receitas e diminuindo despesas. A técnica não é neutra, é utilizada para atingir determinados fins sociais, que são frutos de decisões políticas. E a decisão política adotada pelo Governo Dilma foi de, diante do atual quadro de agudização no Brasil dos impactos da crise capitalista global, manter intocados os interesses dos mais ricos à custa dos poucos avanços alcançados no padrão de vida das classes trabalhadoras brasileiras e da classe média.
Senão fosse assim, em vez de elevar alíquotas de impostos sobre áreas de grande impacto sobre a economia popular e restringir o acesso a benefícios trabalhistas, o Governo Dilma teria optado, por exemplo, por utilizar uma ferramenta que foi mantida quase escondida na Constituição de 1988: o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). O artigo 153 da Constituição Federal determina: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (…) VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
Este inciso da Constituição carece de regulamentação há 26 anos. Ou seja, nunca saiu do papel. A preferência sempre foi por cobrar os impostos diretos sobre o consumo, que assaltam diariamente os bolsos das classes populares – onerando os preços de produtos de extrema necessidade, como a cesta básica.
Segundo Ladislau Dowbor, economista e ex-assessor da ONU, 56% da carga tributária brasileira é cobrada da mesma forma, seja ao contribuinte rico seja ao pobre. Isto é extremamente injusto porque, enquanto R$ 100 pagos em impostos não comprometem em nada a conta bancária de um ricaço, o mesmo valor é um verdadeiro assalto no orçamento de um trabalhador que vive com um salário mínimo para fazer a feira e pagar aluguel, transporte, água, luz, etc.
A última proposta no sentido de taxar os ricos foi apresentada em 2008 por Luciana Genro (PSOL), então deputada federal. O projeto cria cinco faixas de patrimônios para taxação, começando com R$ 2 milhões. Um relatório do Banco Credit Suisse calcula que, no ano passado, eram 1.900 os brasileiros com patrimônio superior a US$ 50 milhões (cerca de R$ 130 milhões).
Em uma estimativa comedida, caso a proposta de Luciana Genro estivesse em vigor, a tributação sobre o patrimônio dessa camada mais privilegiada renderia à União R$ 12,35 bilhões anuais, ou seja, mais da metade dos R$ 20 bilhões que o Governo brasileiro pretende arrecadar com os aumentos de impostos anunciados recentemente.
Este debate ganha agora mais relevância com o relatório da organização internacional Oxfam, que aponta que, em 2016, 1% da população mundial vai controlar mais da metade da riqueza produzida no mundo.
As medidas adotadas pelo Governo Dilma II intensificam o caráter regressivo da estrutura tributária brasileira: quanto mais pobre, mais se paga imposto. E o pior é que os que mais pagam impostos são os que menos usufruem dos gastos do Governo. Na hora de cortar verbas, sempre sobra para os serviços públicos e as políticas sociais que mais interessam ao povo.
O Governo deveria aplicar uma política tributária progressiva, em que os ricos pagassem altos impostos enquanto os pobres pagassem impostos menores, e mesmos contassem com subsídios sobre os produtos e serviços de primeira necessidade para aliviar seu impacto sobre o orçamento das famílias trabalhadoras.
Na democracia burguesa, porém, o compromisso dos governantes, em geral, não é com a maioria do povo que os elege, mas sim com a minoria rica que financia suas campanhas e que controla os grandes meios de comunicação.
A única alternativa para as classes e camadas oprimidas pelas políticas antipopulares é se organizar para enfrentar estes ataques com greves, passeatas, ocupações de terras e prédios.
Em seu comentário matutino na CBN, neste dia 23 de janeiro, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, comentarista especializado em economia das Organizações Globo, rasgou elogios ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a quem atribui o mérito por uma suposta “nova política econômica”.
O ministro está em Davos, na Suíça, no Fórum Econômico Mundial, onde, segundo o jornalista, tem circulado com desenvoltura e até se reuniu a portas fechadas com a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, que disse “estar encantada” com o brasileiro. Ele foi também elogiado pelo ministro colombiano, Mauricio Cárdenas, que destacou “a liderança de Levy na América Latina”, sendo ainda chamado pelos participantes do evento como “Davos Man”, ou seja, um homem com o espírito do Fórum Mundial.
Não é para menos. Levy foi dirigente do FMI, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Bradesco. Em Davos, representa não o Brasil, o seu povo, mas sim os interesses do grande capital financeiro nacional/internacional.
A ironia é que, em dezembro de 2005, o Governo Lula I fez alarde de que o Brasil se livrara da dependência do FMI, pagando ao órgão US$ 15,5 bilhões de sua dívida. Agora, com a “nova política econômica” do Governo Dilma II, o FMI é quem está com a caneta da nossa economia nas mãos.
E tem mais
O Ministério da Fazenda nas mãos dos banqueiros; o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio nas mãos da burguesia industrial (Armando Monteiro – PTB); o Ministério da Agricultura nas mãos dos latifundiários (Kátia Abreu – PMDB); o Ministério dos Esportes nas mãos da bancada evangélica (George Hilton – PRB); o Ministério das Cidades nas mãos da “nova direita” (Gilberto Kassab – PSD); o Ministério da Educação nas mãos da oligarquia cearense (Cid Gomes – PROS; mandou a PM bater nos professores em greve, em seu segundo mandato como governador do Ceará).
Dilma afirmou em seu discurso de posse: “nenhum direito a menos!”. Logo de cara, vieram a restrição do acesso ao FGTS e às pensões, o aumento dos juros para financiamento imobiliário, a proposta de abertura do capital da Caixa Econômica Federal e novas denúncias de corrupção dentro da Petrobras.
A maioria da população votou em Dilma para impedir o retrocesso do PSDB, da direita escancarada, mas, na prática, a cúpula petista e seus aliados de direita têm mesmo é praticado da velha política econômica dos tucanos e seus antepassados.
A situação econômica se agrava na Venezuela frente a reiteradas tentativas dos capitalistas de impor o desabastecimento a grande parte da população. Do ponto de vista político, o próprio partido no governo, o PSUV, se vê em uma forte divisão interna e muito suscetível às pressões dos capitalistas para fazer as mudanças necessárias no país e avançar para o socialismo.
Como resposta a essa situação, a esquerda revolucionária venezuelana reforça seus laços de unidade e ação conjunta. Desde a formação da Unidade Popular Revolucionária e Anti-imperialista – UPRA, várias organizações sociais vêm trabalhando coordenadamente no sentido de preparar a classe trabalhadora da Venezuela para avançar revolucionariamente.
Para aprofundar essa unidade, foi convocada uma convenção nacional que ocorrerá em Caracas no dia 31 de janeiro. Abaixo, reproduzimos a carta de convocação da convenção:
CONVENÇÃO NACIONAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA
A Convenção Nacional da Esquerda Revolucionária é um espaço de encontro promovido pela Unidade Popular Revolucionária Anti-imperialista – UPRA para propiciar o debate entre as diversas organizações que reivindicam a esquerda revolucionária venezuelana. Até agora temos desenvolvido nossa ação política de forma dispersa mas sempre conscientes da necessidade histórica de assumir o trabalho conjunto ou, pelo menos, coordenado, para superar dificuldades e avançar com passo firme rumo ao socialismo.
Temos trabalhado para gerar as condições adequadas para a coordenação, por isso abordamos, no primeiro momento, o Encontro Nacional de Organizações Revolucionárias, em Outubro de 2014 onde, reconhecendo nossa diversidade, mas também sabendo do interesse comum de trabalho, realizamos uma jornada com delegados das organizações integrantes da UPRA com o objetivo de analisar os seguintes temas: 1) Situação internacional e nacional; 2) Elementos centrais para a transição; 3) Ofensiva da direita e a tática comum para o atual perído; 4) Plataforma de luta, tendo como centro a unidade popular revolucionária. Trabalhamos para gerar acordos e alianças necessários para nos orientar acertadamente no complexo panorama atual e no período que se avizinha.
As organizações integrantes da UPRA assumiram o compromisso de realizar todos os esforços para consolidar uma referência nacional. Uma rede que em todas regiões, na capital e nos estados possa enfrentar as complexas tarefas que significam abordar seriamente a construção do socialismo, defender a independência nacional e derrotar as tentativas dos imperialistas sob todos os signos, que hoje, mais do que nunca, tratam de apropriar-se dos recursos nacionais e da força de trabalho dos países dependentes para tentar diminuir os efeitos da crise do capitalismo.
O Encontro Nacional de Organizações Revolucionárias, realizado em Barquisimeto em Outubro do ano passado como espaço interno da UPRA, serviu para assentar as bases de um debate mais amplo, com mais organizações, na forma de uma Convenção Nacional da Esquerda Revolucionária. Aspiramos que este seja um ponte de inflexão na construção de uma referência política e social da esquerda proletária, popular e revolucionária que requer o povo da Venezuela para orientar-se ante o panorama complexo que se vislumbra no horizonte. Esta referência requer ideias claras, disposição de luta e estruturas organizativas se queremos, realmente, derrotar a burguesia para instaurar uma sociedade da classe operária, dos camponeses e do povo, sociedade de justiça que deve eliminar as relações que que permitem aos exploradores manter seu modo de opressão contra as maiorias.
Por estas razões, todas e cada uma das organizações integrante da UPRA convidamos para o dia 31 de janeiro, na cidade de Caracas, os que sintam a necessidade de preparar-se para o esforço decisivo de superação da sociedade burguesa. Faremos um grande debate demostrando que nas bases do povo existe sim a verdadeira reserva capaz de insuflar o ânimo requerido para consolidar a sociedade de igualdade, unidade e combate que destrua as bases da exploração capitalista-imperialista e coloque a classe operária e os explorados à cabeça das grandes mudanças que o mundo atual exige.
QUEM PODE PARTICIPAR
Todas as organizações sociais, partidos políticos, associações, movimentos e coletivos que se coloquem nas filas da esquerda revolucionária, que combatam o capitalismo, imperialismo e o reformismo, que tenham um trabalho político, teórico, militar, social, comunitário ou de qualquer outra índole, sempre destacando a necessidade de destruir o capitalismo em sua expressão nacional ou internacional, o imperialismo, e toda a forma de exploração como via para construir o socialismo.
A Conferência se realizará no sábado, 31 de janeiro, a partir das 8h no Liceu Antonio Caro, próximo à estação de Metrô Gato Negro. As mesas de discussão e as deliberações tratarão de quatro pontos centrais: 1) Análise da Conjuntura Nacional e Internacional; 2) Sobre a transição ao socialismo e a tática para o período atual; 3) A Unidade Popular Revolucionária; 4) Plataforma de luta (Eixo transversal).
O segundo ato contra o aumento da tarifa de ônibus, trens e metrôs da região metropolitana de São Paulo começou quente na sexta-feira, 16. O movimento contou com a sorte e mais uma vez a chuva não deu as caras, como é comum em um final de tarde de janeiro no centro de São Paulo. Mas o calor vinha mesmo da indignação das mais de 20 mil pessoas contra a repressão promovida pela PM no primeiro ato.
Muitas centenas de policiais com armas ostensivas, viaturas, motos e um helicóptero garantiam que o clima de tensão permanecesse elevado. No cruzamento da Avenida Paulista com a Consolação a assembleia popular que precede o ato teve início, com a votação sobre o trajeto que a manifestação devia percorrer.
Em comparação com as mobilizações de junho de 2013, é visível o avanço organizativo e político do movimento atual, ainda que permaneçam vários limites. O debate político sobre o trajeto que tem começo, meio e fim; a organização das correntes e grupos partidários em colunas; e a segurança da faixa dianteira com um cordão de militantes são exemplos das lições aprendidas pelo movimento com tudo que ocorreu em junho.
No debate sobre o trajeto foram defendidas cinco propostas diferentes. Venceu, contra a vontade dos dirigentes do MPL, a proposta de marchar à prefeitura e depois até a secretária de transporte para cobrar do prefeito Hadad e do governador Alckmin a revogação do aumento da tarifa.
O repúdio às tentativas do prefeito de desmobilizar o movimento também esteve marcado. Na noite anterior, Hadad se reuniu com representantes da direção majoritária da UNE e de outras entidades estudantis para “negociar” pontos do passe-livre estudantil. A assembleia respondeu unânime que o objetivo da luta é revogar o aumento e conquistar a a tarifa zero no transporte.
Na descida da Consolação foi possível ver toda a força e organização do movimento que fazia uma marcha bonita, numerosa e politizada. Várias casas demonstravam apoio à marcha com cartazes e acenos aos manifestantes.
No cruzamento da Consolação com a Dona Antônia a polícia fez a primeira provocação. Bombas de gás e pimenta foram jogadas bem no meio da marcha com o objetivo de dividir e dispersar parte dos manifestantes. Não conseguiram. No final da praça Roosevelt a marcha estava ainda maior, com novas adesões das pessoas que saiam do trabalho.
Em frente à prefeitura, a polícia fez formação praticamente cercando a marcha. Um ato político foi realizado com projeções na fachada da prefeitura, jograis e palavras-de-ordem. A denúncia da violência da PM teve grande destaque.
Quando a marcha se preparava para seguir até a secretaria de transporte, a PM usou de artilharia pesada. Muitas bombas de gás, de efeito moral e balas de borracha tornaram a dispersão inevitável. A PM desatou a repressão levando à detenção pelo menos 8 pessoas.
A luta contra o aumento da tarifa em 2015 mostra ter tanta vitalidade e adesão quanto a de 2013. Mais uma vez, a repressão policial não parece intimidar quem sai às ruas contra a máfia dos transportes. A consequência de tentar calar a mobilização popular é, como sempre, imprevista.
O terceiro ato contra o aumento será na próxima terça-feira, 20, às 17 horas, com concentração próximo ao metrô Tatuapé, na Zona Leste.
Após 11 dias de greve, os operários de todos os turnos e setores da montadora de veículos Volkswagen, localizada na cidade de São Bernardo do Campo no ABC paulista, fizeram os patrões da montadora alemã voltarem atrás em suas pretensões de demitir 800 trabalhadores e impor um regime de terror no interior da fábrica. Os trabalhadores também conquistaram um reajuste salarial que repõe a inflação do período.
Não à toa, os operários foram comunicados da demissão com telegramas entregues em suas casas nas vésperas do ano novo. O objetivo era o de aterrorizar a categoria e barrar a disposição de luta dos mais de 13 mil trabalhadores da fábrica. Trata-se de uma tática muito parecida com a aplicada pela GM em São José dos Campos no início de 2014, quando mais de mil operários foram demitidos.
Após receber uma série de incentivos fiscais por parte do governo federal, sendo a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI o principal deles, e mesmo após receberem uma enorme quantidade de recursos com juros subsidiados pelo BNDES, as montadoras demitem sem dó. Já o dinheiro recebido do governo os capitalistas enviam mesmo para suas matrizes no exterior.
As montadoras de automóveis são o setor econômico que mais pratica a remessa de lucros ao exterior. De 2010 a 2013 essas empresas enviaram U$ 15,4 bilhões às suas sedes nos EUA, Alemanha, França etc. Dessa maneira, todo o incentivo dado pelo governo brasileiro não se reverte em melhorias para a indústria nacional nem em mais direitos para os trabalhadores, mas apenas em mais lucros para os países imperialistas.
A greve da Volks, no entanto, provou que a união e a luta dos trabalhadores são o único caminho seguro para enfrentar a ganância dos patrões. Com unidade, a greve foi capaz de enfrentar a truculência de seguranças armados no interior da fábrica e paralisar 100% da planta.
No momento em que os efeitos da crise internacional não mais podem ser escondidos em nosso país é preciso aprender com o exemplo dos operários da Volks para as lutas que virão.
Dilma Rousseff e sua equipe econômica escolhida pelo mercado parecem estar convencidos a aplicar o ajuste fiscal que levará o país a um período de recessão, enquanto são mantidos os privilégios dos banqueiros e dos monopólios. É a luta organizada do povo e da classe trabalhadora que pode criar uma alternativa real a esse arrocho.
No último dia 25 de dezembro de 2014, uma turista italiana, Gaia Molinari, engrossou as estatísticas de mulheres assassinadas no estado do Ceará. Vítima de um brutal espancamento, Gaia foi morta na cidade de Jijoca, na Vila de Jericoacara, praia considerada umas das 10 mais belas do mundo.
O caso repercutiu em todo o mundo, o que obrigou a polícia local a apresentar uma resposta rápida ao crime. Imediatamente, a polícia acusou a estudante Miriam França de participação no crime. Miriam conheceu Gaia em Fortaleza, no hostel em que as duas passavam uma temporada.
Entretanto, não havia nenhuma evidência do envolvimento da estudante no assassinato. Na verdade, por ser negra e pobre, Miriam foi eleita pela polícia do Ceará como suspeita “natural” do crime ao entrar em contradição em questões menores durante seu depoimento.
Gaia foi assassinada com fortes pancadas, o que exigiria do agressor bastante força. Já em Miriam não foi encontrada nenhuma marca de luta corporal. A estudante também colaborou desde o começo com as investigações, o que torna sua prisão ilegal e injusta.
Em resposta ao abuso de autoridade da polícia, uma grande mobilização de amigos, familiares e professores de Miriam, além de movimentos sociais, foi realizada para exigir a libertação da estudante, o que aconteceu no último dia 13 de janeiro.
Quem matou Gaia?
A violência contra a mulher no Ceará tem aumentado nos últimos anos. Apenas entre janeiro e julho de 2014, 172 casos foram registrados, um crescimento 14% em relação ao mesmo período de 2013.
Todos esperam que o responsável pela morte de Gaia seja encontrado e punido. Porém, é preciso ir além e combater todos os atos de violência contra a mulher. Lutar contra o machismo e por uma nova cultura, onde os direitos de homens e mulheres sejam iguais.
Quando ouvimos falar em Ditadura Militar no Brasil, a primeira associação que geralmente nos ocorre diz respeito à repressão política: as perseguições, o fechamento de entidades sindicais, estudantis e populares, a cassação de direitos políticos, a censura, o exílio, torturas, mortes, etc. Mas, além de toda essa barbárie, além de todas essas atrocidades que compuseram este lúgubre quadro de horror, houve ainda um outro tipo de violência, também brutal, porém mais sutil, que vitimou milhões de brasileiros: foram os crimes econômicos da Ditadura, que tiveram repercussões drásticas em áreas essenciais como saúde e educação. Num momento da conjuntura em que setores radicais da extrema-direita tentam insuflar camadas politicamente mais atrasadas com seu discurso de ódio e anunciam aos quatro ventos, sem a menor modéstia, decoro ou pudor, suas pretensões ditatoriais, faz-se necessário resgatar este aspecto de nossa história e relembrar que a Ditadura vitimou não apenas aqueles que se engajaram diretamente na luta para derrubá-la, mas também toda a classe trabalhadora brasileira.
Concentração de renda e achatamento salarial
Durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), houve um substancial aumento da concentração de renda no Brasil, alargando o abismo entre ricos e pobres e agravando as desigualdades sociais. Essa concentração se deu, principalmente, às custas do achatamento dos salários dos trabalhadores das camadas mais baixas, aumentando os salários de uma pequena “elite” consumidora de supérfluos para sustentar, assim, o falso “milagre econômico” brasileiro.
Alguns dados ilustram isso muito bem. Em 1960, isto é, quatro anos antes do golpe militar, os 20% mais pobres no Brasil detinham 3,9% da renda nacional. Em 1970, este percentual caiu para 3,4% e, em 1980, para 2,8%. Fazendo um outro recorte, considerando agora os 50% mais pobres, estes detinham, em 1960, 17,4% da renda nacional. Sua participação na riqueza nacional caiu para 14,9%, em 1970, e para 12,6%, em 1980. Ao mesmo tempo, os 10% mais ricos subiram de 39,5%, em 1960, para 46,7%, em 1970, e para 50,9%, em 1980. Os 5% mais ricos viram suas fortunas aumentar de 28,3%, em 1960, para 34,1%, em 1970, até chegar aos 37,9%, em 1980. E, por fim, os 1% muito ricos saltaram de 11,9%, em 1960, para 14,7%, em 1970, até os 16,9%, em 1980.
Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em plena época do “milagre econômico”, 12,5% dos trabalhadores ganhavam até meio salário mínimo; 20,8% recebiam até um salário mínimo; 31,1% até dois salários mínimos; 23,6% entre dois e cinco salários mínimos; 7,25% entre cinco e dez salários mínimos; 3,2% entre dez e vinte salários mínimos; e 1,6% recebiam mais que vinte salários mínimos. Ou seja, enquanto o suposto “milagre econômico” estava a todo vapor, 64,4% da população recebia, no máximo, dois salários mínimos.
O falso “milagre econômico”, é importante ressaltar, apresentou um aumento da produção industrial que não refletiu um aumento real da economia. Isto é, o que se chamou “milagre econômico” foi um fenômeno que, segundo alguns analistas, favoreceu cerca de apenas 7,2% dos assalariados, camada que ganhava até dez salários mínimos. Segundo o historiador Júlio José Chiavenato, autor de O golpe de 64 e a ditadura militar, o tal “milagre” só foi possível porque “o empobrecimento do povo não significou necessariamente uma estagnação econômica na soma da renda nacional: ela apenas foi desproporcionalmente distribuída”. Assim, nunca houve “prosperidade” para a classe trabalhadora durante o tal “milagre econômico”, mas miséria, muita miséria para a ampla maioria do povo brasileiro.
Desnacionalização da economia
A hipocrisia do discurso “nacionalista” dos militares é desmascarada da maneira mais gritante quando analisada a relação e a subserviência destes com o capital estrangeiro. A Ditadura, ao privilegiar os investimentos externos, comprometeu o futuro do país a médio e longo prazo. A Constituição promulgada em 1967, em seu Artigo 161, literalmente “entregava” o subsolo brasileiro à exploração das empresas estrangeiras interessadas nos minérios estratégicos.
E um dos principais desdobramentos dessa subserviência, com consequências catastróficas para as décadas seguintes, foi o aumento exorbitante da dívida externa. Em apenas 15 anos, os militares elevaram a dívida externa brasileira em 15 vezes. Passou de 3 bilhões de dólares para 45 bilhões, um recorde mundial. O governo Geisel, geralmente considerado “austero” – talvez uma inspiração para um tal “choque de gestão” contemporâneo – elevou a dívida externa, que era de 9,8 bilhões de dólares, em 1974, para 35,1 bilhões, em 1978. E isso tinha uma razão de ser: não desacelerar a economia, considerando que, se reduzisse os empréstimos externos, comprometeria a produção que dava fabulosos lucros às multinacionais.
E por falar em multinacionais, estas não encontravam nenhuma barreira para explorar os trabalhadores e os recursos brasileiros e remeter fantásticos lucros para suas matrizes no exterior. A fabricante de cigarros Souza Cruz, por exemplo, de 1966 a 1976, investiu 2,5 milhões de dólares no Brasil e remeteu ao exterior, sob a forma de lucros, vultuosos 82,3 milhões. A Firestone, por sua vez, investiu tímidos 4,1 milhões, conforme dados de uma CPI da Câmara dos Deputados, realizada em 1976, e remeteu ao exterior a gorda fatia de 50,2 milhões de dólares.
Para garantir a satisfação de seus patrões, a Ditadura se encarregava de sufocar os trabalhadores brasileiros com seus baixos salários, concedia ampla liberdade de remessa de lucros ao exterior e generosos incentivos fiscais. Vale destacar que uma das primeiras medidas da Ditadura Militar foi revogar a Lei de Remessa de Lucros, aprovada em 1962 e promulgada em janeiro de 1964, no fim do governo de João Goulart.
Até mesmo empresários brasileiros, insuspeitos de qualquer “subversão”, também denunciavam a desnacionalização da economia brasileira imposta pelos militares. Dados mostram que, em 1977, após 13 anos de governo militar, 72% da indústria de aparelhos elétricos era dominada pelos estrangeiros, ocorrendo o mesmo com 99% do setor de fumo, 69% dos materiais de transporte, 60% da mecânica e 100% das máquinas para escritório. Como se não bastasse, 52% do comércio externo brasileiro estava nas mãos das multinacionais.
A miséria brasileira
A entidade internacional World Population apurou que, em 1979, morriam 52 crianças por hora no Brasil. A desnutrição foi responsável, neste mesmo ano, por 52,4% dos óbitos entre crianças de até cinco anos de idade. O IBGE registrou, em 1981, que 70% da população não comia o necessário, e reconhecia de forma oficial a existência de 71 milhões de subnutridos no Brasil. Tudo isso em pleno período de “milagre econômico”.
Em uma entrevista ao jornal O Globo, de 28 de junho de 1987, o pediatra Yvon Rodrigues, da Academia Nacional de Medicina, dava conta que uma pesquisa realizada pelo próprio governo militar, mas não publicada devido a seus resultados aterradores, descobriu que no Brasil “havia famílias que comiam ratos, crianças que disputavam fezes…”.
Ou seja, enquanto o “milagre econômico” registrava um aumento no PIB de 11,4%, em 1973, 13 milhões de crianças e 28 milhões de adultos passavam fome no Brasil. Este ano também registrou a maior baixa salarial da história do Brasil, escancarando a contradição entre crescimento econômico e crescimento da miséria.
Saúde
Em 1979, um documento do Banco Mundial apontou que a saúde do brasileiro piorava a cada ano. No Nordeste, 30% dos menores de 18 anos se alimentavam com 400 calorias diárias, enquanto a cota mínima seria de 3 mil, e que cerca de 80% dos nortistas e nordestinos tinham uma expectativa de vida 14 anos abaixo daquela das elites sociais.
Segundo dados do IBGE, entre 1960 e 1968, a mortalidade infantil subiu de 62,9 para 83,8 (por mil habitantes) em São Paulo. Em Belo Horizonte, de 1960 a 1972, o índice pulou de 74,2 para 105,3.
Mesmo diante desse quadro, os investimentos da Ditadura Militar na área da saúde diminuíram com o passar dos anos. Em 1966, o Ministério da Saúde recebia 4,29% do orçamento federal; essa porcentagem foi caindo progressivamente, até atingir o percentual de 0,99% do orçamento, em 1974.
Ditadura nunca mais!
Estes poucos dados já são suficientes para revelar a essência do que foi a Ditadura Militar no plano econômico: um governo títere, subserviente aos interesses estrangeiros e que, longe de criar uma “base” para industrializar o Brasil, desnacionalizou a economia e submeteu o povo a condições de vida desumanas. É claro que, sob um regime democrático, o povo teria reagido abertamente a tais condições de vida através de seus sindicatos, greves e manifestações. Não é difícil compreender, portanto, por qual razão a burguesia precisou se aliar aos militares e instaurar uma ditadura no Brasil: só assim poderia garantir a superexploração dos trabalhadores brasileiros e a realização de fabulosos lucros.
Ressalta-se também, nesta perspectiva econômica, que a luta de todos aqueles que tombaram em combate não era uma reação apenas à falta de liberdade política, mas também uma busca pela emancipação do povo brasileiro de tais condições de vida humilhantes, desumanas e degradantes. Como o fantasma do rei que no Hamlet, de Shakespeare, não podia descansar enquanto sua morte não fosse vingada, podemos ouvir o insistente clamor por justiça das milhares de crianças mortas por fome e desnutrição pelos crimes econômicos do regime. Não há paz sem justiça.
O romance do jovem escritor Yuri Pires intitulado O homem e seu tempo foi lançado pela editora luso-brasileira Chiado, no mês de dezembro. Em seu primeiro livro, Yuri abordou as relações humanas de uma família marcada pela perseguição do regime militar e os caminhos percorridos para encontrar a memória e a verdade sobre esse período.
O livro se passa entre Portugal e Brasil e procura estabelecer a relação entre a ditadura militar brasileira e a ditadura de Salazar, na forma como esses regimes de exceção marcaram as pessoas. Conta a história de Eduardo, um filho e neto de militantes políticos que nasceu numa prisão e ainda criança foi exilado com seu avô para Portugal.
É uma história de como as relações afetivas e culturais influenciam nossas escolhas de vida e como a privação da memória coletiva é capaz de castrar uma parte importante da individualidade. Em outras palavras, o livro fala das marcas profundas que a ditadura deixou na alma das famílias que por ela foram atingidas.
O romance, que se passa em grande parte nos dias atuais, procura estabelecer conexão com a atual luta pela memória, verdade e justiça que se desenvolve no Brasil. Ajuda aos que querem entender melhor a importância de punir os torturadores e assassinos da ditadura, não apenas pelos motivos políticos, mas também pelos motivos humanos.
Poeta e escritor, Yuri Pires foi coordenador-geral do DCE da UFRPE e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Os Centros Populares de Cultura foram organizados na década de 1960, numa época de efervescência social no Brasil. O povo brasileiro tocava um vigoroso processo de lutas naquele período em nosso país. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) realizava greves, as Ligas Camponesas mobilizavam o campo, e a União Nacional dos Estudantes, contando com o apoio do CPC, colocava-se em movimento pela reforma universitária. O governo progressista de Jango, ao propor as chamadas reformas de base, entrava em conflito com os interesses dos setores empresariais e latifundiários, apoiados pelo imperialismo norte-americano. Estes arquitetam o golpe que colocaria o Brasil no rumo do injusto desenvolvimento capitalista, ampliando as desigualdades sociais, o endividamento público, além da já conhecida política de tortura e assassinatos dos militantes e intelectuais que pediam por democracia.
Antes e durante a Ditadura, os movimentos culturais da juventude cumpriram também um papel de resistência, seja no teatro de Arena, de São Paulo, ou nos CPCs espalhados pelo Brasil, ou mesmo após o golpe, com o Show Opinião. Os artistas e intelectuais faziam da cultura crítica uma trincheira de luta que buscava resgatar o “sentimento de pertencimento”, de uma vontade coletiva, entre os brasileiros. Fruto desse movimento, destacam-se as produções teatrais que dramatizavam questões como a dominação imperialista, a elitização do ensino superior e o subdesenvolvimento.
O renascer do CPC em Campos dos Goytacazes
O grupo socialista CPC Pedreiro Amarildo, fundado em Campos dos Goytacazes, no Norte fluminense, propõe resgatar a tradição da arte engajada, tão necessária nos dias de hoje. É uma entidade cultural de agitação política, que está em turnê com a peça teatral Escravos Modernos, que trata de forma simples a condição de exploração do povo trabalhador. Já em sua primeira apresentação na UFF, a peça foi recebida com entusiasmo pelos estudantes. Entretanto, não nos limitaremos ao âmbito do movimento estudantil, e estamos caminhando em direção aos assentamentos de trabalhadores rurais e nos colocando à disposição dos sindicatos de luta dos trabalhadores.
Entendemos que ajudar a contar a história dos trabalhadores e trabalhadoras que construíram tudo que aí está é uma das tarefas mais importantes que temos com a arte. No Município de Campos, os índios Goytacá, primeiros habitantes destas terras, foram expulsos pelos colonizadores. Guerreiros, sua história continua na periferia do conhecimento.
Aos negros escravizados que construíram o canal Campos-Macaé sobraram os guetos e as “casas populares”, novas favelas com superfaturados cimentos coloridos. Com os camponeses não é muito diferente. Cortaram cana de sol a sol para os usineiros como escravos, e infelizmente continuam nos dias de hoje na luta pela terra, sem obter grandes conquistas na região. A cultura das elites se impõe. Os fazendeiros são homenageados com seus nomes em ruas da cidade, enquanto lideranças dos trabalhadores continuam completamente desconhecidas. É preciso valorizar a cultura popular, trazendo as consciências das pessoas para a luta.
A trincheira cultural
Em um cenário de crise do capitalismo mundial, não devemos nos iludir de que o sistema está em crise de hegemonia, ou seja, a ideologia das elites permanece predominante, ditando a tônica das artes, fortalecendo o comportamento individualista, cumprindo seu papel de confundir as pessoas. O discurso da intolerância contra as chamadas minorias, por exemplo, está em alta. É uma verdadeira ascensão dos setores fundamentalistas no Brasil, utilizando o discurso de ódio e preconceito, comprovando para nós o caráter fascista da extrema-direita raivosa.
É necessário despertar mais e mais as pessoas à medida que a crise se agrave e a insatisfação se acentue no seio da sociedade. Por isso, dizemos que é fundamental fortalecer as mídias independentes. Jornais como o A Verdade, sites, canais no YouTube, revistas, as redes sociais, as rádios comunitárias, etc., são poderosos espaços de resistência. É preciso também utilizar os mais diversos campos da arte para motivar e organizar a nossa juventude. Seja pela música, pelo teatro, pela literatura, pela produção audiovisual, enfim, seja lá como for, a juventude está convocada a criar revolucionariamente, como criava os CPCs da UNE, agora, no entanto, com maior diversidade de mídias. Hoje temos a internet, diferente do que tinham os CPCs, em 1961.
Temos que ocupar os espaços e criar novos espaços da classe para a classe, resgatando a tradição dos Centros Populares de Cultura no país e fortalecendo o ideário revolucionário, movendo para frente a luta antifascista e anticapitalista.
Bruna Machel, secretária de Movimento Social do CPC Pedreiro Amarildo
O jornal A Verdade entrevistou Janes Rocha, escritora e jornalista carioca, autora do livro Os Outubros de Taiguara, livro-reportagem lançado pela gravadora Kaurup. Na entrevista Janes Rocha conta como surgiu a ideia do livro e revela que Taiguara foi um dos artistas mais perseguidos pela Ditadura, principalmente por seu apoio a Luiz Carlos Prestes e sua defesa firme do comunismo.
A Verdade – Além de resgatar a obra deste que é um dos maiores compositores da MPB, o que te levou a escolher a história de Taiguara para ser publicada em livro?
Janes Rocha – Este trabalho foi feito por mim a pedido da Kuarup Produções, empresa que detém um contrato de curadoria da obra de Taiguara junto à família dele. Em princípio, eu iria apenas levantar os documentos no Arquivo Nacional. Até então, sabíamos que ele havia sido um dos mais perseguidos da Ditadura, mas não sabíamos quanto. Ficamos impressionados com os números, então decidimos fazer um livro que não é bem uma biografia, na verdade, é um livro-reportagem. Centramos o trabalho na questão da censura e de seu ativismo político muito mais do que em questões pessoais.
Como livro biográfico é o primeiro, porém encontrei duas teses de mestrado e doutorado sobre ele realizadas por pesquisadoras da Universidade de Brasília, muito boas também, e que estão incluídas na bibliografia de Os outubros de Taiguara.
Você encontrou alguma barreira na preparação deste livro?
Não, ao contrário. O Arquivo Nacional dá amplo acesso aos documentos. A família dele foi muito bacana, apoiou e ajudou no que pode, todos, mas especialmente Moína Lima, Marcelo Borghi e Eliane Potiguara. Algumas pessoas que eu pretendia entrevistar, amigos, músicos e políticos, não quiseram falar, ou colocaram dificuldades. Mas creio que mais por questões pessoais que eu respeito, ninguém é obrigado a dar entrevista.
A tecnologia foi importante para a recuperação das músicas. Taiguara deixou inúmeras canções em fitas cassete que nunca haviam sido gravadas em vinil ou CD. A Kuarup, com o trabalho de uma equipe de especialistas, artesãos da música, liderados por Pedro Baldanza, conseguiu recuperar e remixar muitas delas. Se você entrar no site www.taiguara.art.br/ele_vive.html vai poder acessar o disco Ele Vive, que está sendo lançado junto com o livro.
Taiguara foi um dos compositores que despertou ódio por parte do Regime Militar. O que causou todo esse ódio, já que ele chegou a ser um dos cantores mais famosos do Brasil na época dos festivais?
Ninguém apresentou uma resposta pronta a essa questão. Muitos acham que ele foi perseguido por sua aproximação com Prestes. Isso só é verdade a partir de 1980, quando ele conhece Prestes e dá início à sua atividade política mais aguerrida. Porém, ele já vinha sendo perseguido muito antes disso, aliás, os documentos das músicas censuradas vão do período 1970-1974, ou seja, antes de seu contato com Prestes.
E o motivo para a perseguição inicial da censura é, na verdade, pura implicância com algumas letras mais sensuais. A primeira música dele censurada não tinha nada a ver com política, foi “Corpos nus”, de 1971, que ele pretendia apresentar no VI Festival Internacional da Canção promovido pela Rede Globo.
Eu acredito, por tudo que pesquisei e pelas informações dos meus entrevistados, que ele se expôs mais que os outros artistas, daí ter atraído a atenção dos censores. Ele radicalizou suas posições, principalmente na sua volta nos anos 80, quando se alia ao Luiz Carlos Prestes. Nesse momento, ele não só entrou na mira do SNI, mas também começou a perder mídia por seu discurso ácido em defesa do comunismo.
Qual a mensagem que você acha que ficou mais forte da obra de Taiguara?
Acho que Taiguara deixou como legado um exemplo de luta e sacrifício com seu ativismo político em defesa da democracia.
Porém, a grande mensagem de Taiguara está em suas canções. Quase todos se lembram dele mais por suas letras românticas dos anos 60 que, de fato, são belíssimas. Mas acredito que a mensagem que ele queria transmitir está nas músicas que fez a partir do álbum “Imyra, Tayra, Ipy Taiguara” (de 1976, inteiramente censurado e recolhido das lojas). Neste álbum, ele começa a fazer uma fusão de ritmos contemporâneos (bossa nova, jazz, pop) com o regional (chamamé, guarânia), que vai aperfeiçoando daí para frente nos discos seguintes, o “Canções de Amor e Liberdade” (1984) e “Brasil Afri” (1994). Além de lindas canções do ponto de vista artístico, são também uma mensagem de integração latino-americana, de integração dos povos e raças que formam o nosso Brasil.
Cloves Silva, estudante de Letras da UFRPE e militante da UJR
“Desejo que esta Mensagem ao Poder Legislativo seja, por igual, uma conclamação a todos os brasileiros lúcidos e progressistas para que, cada vez mais unidos e determinados, nos coloquemos à altura do privilégio que a história nos reservou de realizar a nobre tarefa da transformação de uma sociedade arcaica em uma nação moderna, verdadeiramente democrática e livre”.
O problema é que os brasileiros lúcidos e progressistas eram minoria no Congresso Nacional. Assim, o anteprojeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente João Goulart na abertura da sessão legislativa de 1964 foi rechaçado impiedosamente, taxado de subversivo, orquestrado e a serviço do comunismo internacional.
Só então, o Governo resolve apelar para a mobilização popular. O povo até respondeu positivamente, indo às ruas, especialmente no dia 13 de março, na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro. 150 mil pessoas. Neste ato, Goulart fez coro com o Movimento Popular e Sindical e com os partidos de esquerda, quanto à urgência das reformas, especialmente da reforma agrária, e que para isso seria preciso alterar a Constituição Federal, que exigia indenização em dinheiro para as desapropriações. A indenização teria de ser mediante a emissão de títulos públicos.
Além de mostrar disposição de avanço, Goulart dá provas concretas, com o decreto já assinado em que “Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodoviários federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade”.
Era tarde. Até então, não apenas o Governo não colocara a mobilização popular como fundamental para as reformas, como a esquerda, em sua maioria, mantinha ilusão no caminho institucional, apelando para a participação das massas como forma de apoio, mas não como centro de uma estratégia de criação de um poder popular. Ao contrário, Luiz Carlos Prestes, o lendário dirigente da Coluna Prestes, imortalizado por Jorge Amado como o Cavaleiro da Esperança, naquele mesmo comício de 13 de março, proclamou: “estamos no poder”. Vã ilusão.
As forças progressistas apenas estavam no Governo Federal e em alguns estados, como Pernambuco. Mas o poder continuava nas mãos das classes dominantes, a burguesia nacional e internacional e os latifundiários, tendo ao seu lado, como ficou devidamente comprovado, as Forças Armadas.
A ofensiva das forças retrógradas
Apesar de deter o poder econômico, o poder militar e, parcialmente, o poder político, pois o Congresso estava em suas mãos, estas classes vinham se preocupando há tempos em contar também com o apoio dos oprimidos. Para isso, nada melhor que apelar para o sentimento da religião e da família, bastando acenar com a ameaça do “comunismo ateu e desagregador”.
A ideia, inclusive, surgiu nos Estados Unidos. É bom lembrar que o capitalismo brasileiro nasceu e se consolidou mediante um poderoso tripé, unindo capital externo, capital interno dependente e associado, e o latifúndio. Impossível, pois, contar com a burguesia nacional como motor de uma revolução nacional anti-imperialista, como sonhava o PCB, não dando crédito à tese dessa impossibilidade defendida por um dos seus mais lúcidos aliados, Caio Prado Júnior (leia A Verdade, nº 86, agosto 2007).
Logo após o comício da Central do Brasil, é desencadeada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que mobilizou milhões de pessoas em todo o país contra o Governo Goulart e as Reformas de Base.
A origem das marchas foi a Cruzada do Rosário, que, sob o pretexto de homenagear a Virgem Maria e rezar o terço em família, tratava-se de propaganda ideológica convencendo o povo de que os que defendiam a reforma eram comunistas e ateus, que queriam destruir a religião e a família.
O idealizador da Cruzada foi um empresário estadunidense, multimilionário, Peter Grace, interessado em investir na América “espanhola”. Ele conseguiu financiamento da CIA para o trabalho a ser desenvolvido pelo padre irlandês Patrick Peyton, chamado padre de Hollywood, por sua capacidade midiática (compare hoje com um padre Marcelo Rossi). A campanha envolveu milhões no Chile, Venezuela, Colômbia, e terminaria em Bogotá, quando, em 1962, o Departamento de Estado dos EUA, com o aval direto do presidente John Kennedy, imprime mudança de rota com sua vinda para o Brasil, onde deveria priorizar Rio de Janeiro e Recife. Assim se fez, sem desprezar Minas Gerais, São Paulo, aliás, todos os grandes centros urbanos. Além das concentrações populares, foram produzidos 600 programas de rádio e televisão.
A participação intensiva dos EUA no golpe que derrubou o Governo constitucional de Jango e implantou a Ditadura Militar é comprovada por documentos do próprio Departamento de Estado, mostrados no documentário O Dia que durou 21 Anos, de Camilo Tavares, filho de Flávio Tavares, jornalista preso e torturado pelo Regime.
Entre os documentos, está a gravação de uma audiência concedida pelo presidente John Kennedy ao embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, na Casa Branca. Gordon sugere a intervenção americana no Brasil e sugere a nomeação do coronel Vernon Walters para a função de adido militar na embaixada dos Estados Unidos. Kennedy concorda. A indicação de Walters se deve ao fato de ele ter servido na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, onde conheceu vários militares brasileiros, entre os quais Humberto de Alencar Castello Branco.
Desse modo, a intervenção se dá por meio de um articulador político, o embaixador Lincoln Gordon, um conselheiro militar, o coronel Walters, a ofensiva ideológica com a Cruzada do Rosário e a Marcha da Família e ainda a distribuição de alimentos de terceira categoria para os pobres, mediante uma campanha intitulada Aliança para o Progresso.
Tinham as reformas de base algo de comunismo?
Nada. Eram reformas perfeitamente possíveis e até exigidas pelo desenvolvimento capitalista, desde que de caráter nacional, soberano, como já acontecera nos países centrais, chamados, na época, de “Primeiro Mundo”.
Era apenas o programa de governo do PTB, dando sequência à linha varguista de consolidação de um capitalismo menos dependente dos países dominantes. Suas principais bandeiras eram a Reforma Agrária, a Reforma Urbana, Educacional e Fiscal. Na sua essência, tratava-se de:
a) Reforma Agrária – Desapropriação do Latifúndio, mediante indenização com títulos da dívida pública, com distribuição para os camponeses sem terra ou com pouca terra (minifúndios).
b) Reforma Bancária – Para concessão de crédito aos pequenos produtores rurais e urbanos, visando ao seu crescimento econômico. O eixo seriam os bancos estatais.
c) Reforma Urbana – Regulamentação do uso e da posse do solo urbano, para desenvolvimento organizado das cidades, garantindo moradia digna para todas as famílias.
d) Reforma Educacional – Valorização do Ensino Público e Gratuito, do Magistério, abolição da cátedra vitalícia nas universidades. Combate ao analfabetismo, utilizando-se o método Paulo Freire.
e) Reforma Fiscal – Promoção da justiça fiscal, com tributação progressiva e taxação das grandes fortunas.
O projeto previa ainda universalização do voto, incluindo analfabetos e soldados de baixa patente e, no campo da economia, o controle das multinacionais e regulamentação da remessa de lucros para o exterior. A remessa, por sinal, foi regulamentada por Goulart, via decreto. Determinava também a nacionalização de setores estratégicos da economia, em vista do desenvolvimento nacional soberano, a exemplo do elétrico, refino do petróleo, indústria químico-farmacêutica.
Te deixo consternado no primeiro de abril
Dia 1º de abril, dia da mentira, sintomático, pois o golpe adota o nome de Revolução, Jango está deposto. Até o general de sua confiança, Assis Brasil, não moveu uma palha para defender o Governo. Ele confessou que o tal dispositivo militar em que Jango e as forças da esquerda reformista tanto acreditavam, nunca existiu. Foi mais uma mentira.
Brizola garantiu o levante do II Exército, mas Jango se opôs. Não queria derramamento de sangue. Preferiu renunciar. A proposta de greve geral feita pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) não teve êxito. Houve apenas paralisações isoladas, como a da Mina de Morro Velho (leia A Verdade, nº 18, junho de 2001).
A noite de agonia se instalaria por 21 anos e seus efeitos permanecem até hoje. O que aconteceu depois é do nosso conhecimento. Totalmente, nunca será. Antes do fim, os órgãos de segurança queimaram documentos. Os responsáveis ou executores da repressão que se abateu sobre o povo brasileiro se recusam a falar à Comissão Nacional da Verdade, aliás, criada 26 anos após a redemocratização, com todos os generais-presidentes (ou ditadores de plantão) já falecidos. Os poucos que assumem a condição de terem torturado e assassinado presos políticos afirmam que fariam tudo novamente, pelo bem do Brasil.
Se as esquerdas e os movimentos sociais e populares não tirarem as lições, não aprenderem com a História, não fizerem autocrítica e redefinirem suas estratégias, poderá mesmo acontecer tudo de novo. Como tragédia ou como farsa, o que, de nenhuma forma interessa ao povo brasileiro.
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