Segundo dados da ONU, em 1991 cerca de 25 milhões de trabalhadores agrícolas tiveram alguma intoxicação causada pelo uso dos agrotóxicos, resultando em 437.000 casos de câncer e de 400.000 mortes.
Em 2004, a China embargou um carregamento de soja proveniente do Brasil que registrava resíduos de agrotóxicos acima da legislação. Para não diminuir seus lucros, os capitalistas realizaram um procedimento “comum”, exportando a carga para países pobres, procedimento utilizado sempre que uma carga de grãos contaminados é descoberta. O produto contaminado foi então adquirido por países com menores restrições comerciais (no caso, a Indonésia). Já o restante da produção de soja contaminada, que seria exportada em futuras cargas, ficou no Brasil e foi consumida por nós brasileiros.
Em 2008, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. As quantidades jogadas nas lavouras equivalem a 5,2 litros por habitante ao ano. Esta realidade é o resultado de uma política de imposição das empresas que fabricavam armas químicas utilizadas na Segunda Guerra Mundial, sendo estas proibidas devido ao enorme poder letal e pelo poder de seus resíduos no meio ambiente, mesmo após décadas.
Como resolver então o problema do capital aplicado pela burguesia que apoiou a guerra? O que fazer com os grandes estoques e complexos industriais montados? A solução foi fazer uma adaptação para a agricultura, “acabar com as pragas na agricultura”, tendo início uma bela propaganda ideológica, que dura até hoje, afirmando que sem os agrotóxicos (as antigas armas químicas) não se produzirão “alimentos suficientes” para a população.
Ainda hoje, parte dos pequenos agricultores não usa tantos agrotóxicos, e este “mercado” está sendo “conquistado” com o apoio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que tem garantindo a consolidação da política da burguesia sobre o setor. Os pequenos agricultores, ao acessarem as linhas de crédito para custeio e investimento, precisam comprovar que parte dos recursos teve esta finalidade. Ou seja, os bancos condicionam a liberação de recursos à apresentação das notas fiscais com a compra de agrotóxicos.
As pressões exercidas sobre o governo por parte das empresas produtoras são enormes, em especial sobre os órgãos de regulação. No Poder Legislativo existem várias propostas de alteração da legislação atual, de modo a permitir quantidades maiores de agrotóxicos nos produtos agropecuários. A comercialização dos agrotóxicos no Brasil movimentou recursos da ordem de US$ 7,3 bilhões, somente no ano de 2009. Frente a estes números, podemos compreender o motivo de tanta pressão e corrupção nos órgãos de liberação e entre profissionais da área agropecuária que defendem esta “técnica”.
O caso mais recente de corrupção foi em novembro de 2012, quando o gerente geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meireles, foi exonerado por denunciar um esquema de corrupção existente dentro do órgão para facilitar o registro de agrotóxicos para empresas. O caso ocorreu quando o Acetamiprid 200 foi comprovado como tóxico para a saúde humana além do que a legislação permite.
A empresa CCAB Agro questionou um procurador da Advocacia-Geral da União que atua na Anvisa, e ele deu um parecer jurídico favorável à empresa, liberando o registro de comercialização do produto. Esta é uma prática normal na Anvisa. No caso acima, após a denúncia, a solução encontrada foi exonerar o funcionário denunciante sob a alegação de que, pelo posto de chefia que exercia, “demorou” demais a agir. Pelo menos, em contrapartida, a Justiça Federal em São Paulo decidiu pela suspensão temporária do Acetamiprid 200.
O jornalista e ex-preso político Dermi Azevedo lançou em Belém, na noite do útlimo dia 06, o livro Travessias torturadas – Direitos Humanos e ditadura no Brasil, uma autobiografia que se propõe a “reforçar a esperança em um Brasil justo, fraterno e solidário”, segundo as palavras do autor.
O lançamento ocorreu na Livraria Fox e contou com a presença de amigos, parentes e militantes de movimentos sociais em Belém.
Dermi Azevedo foi preso político em 1968, no XXX Congresso da UNE em Ibiúna, e em 1974, em São Paulo. É anistiado político e participou como um dos representantes da sociedade civil brasileira na II Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU, em Viena (Áustria), em 1993.
No livro, Dermi expõe uma carta a Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra, dirigentes do Partido Comunista Revolucionário, responsáveis pelo seu recrutamento ao PCR na época em que militou no movimento estudantil em Natal – RN.
Transcrevemos aqui o teor da carta:
Camaradas Emanuel e Manoel Lisboa,
Faz tempo que nós não nos encontrávamos pessoalmente. Estivemos juntos em São Paulo, durante o governo de Luiza Erundina, quando seus corpos foram trasladados para o Nordeste. Foi cumprido, assim, o ritual exigido pelos homens e mulheres justos de todos os tempos: o cerimonial que indica para toda a sociedade um parâmetro eterno e imprescritível, o da dignidade humana. Confesso que chorei discreta e copiosamente ao ver aqueles ossos e aquelas sandálias carcomidos pelo tempo. Misteriosamente, os ossos se juntaram e surpreenderam os carcereiros e seus chefes, certos que estavam de que vocês tinham sido esmagados para sempre…
Emanuel e Manoel: eles entenderam tudo errado. Não foram capazes de compreender que, mais cedo ou mais tarde, vocês sairão novamente pelas ruas, plenos de vida, como líderes de uma nova sociedade de homens e mulheres livres. Aliás, camaradas, vocês sabem muito bem que os corpos podem ser triturados inumeráveis vezes; a vitória dos inimigos do povo poderá ser proclamada em decretos, discursos e festejada em orgiásticas manifestações. Mas ninguém será capaz de aprisionar e de matar a chama de vida permanentemente acesa no coração de cada criança, de cada menina, de cada menino, de cada jovem, de cada mãe, de cada pai…
Depois de todo esse longo período voltei a encontrá-los em Belém do Pará, no ato público organizado pelo PCR. Reencontrei-os na pessoa de Cajá. Fazia tempo que nós não nos víamos, mas voltou a ocorrer, nessa noite, o que acontece entre verdadeiros amigos: os assuntos estão sempre na ordem do dia, como se a reunião anterior tivesse acontecido na véspera…
Anotei na minha memória que a marca registrada do ato em Belém foi a da simplicidade. Vocês sabem, aliás, que foram homens e mulheres simples todos os grandes revolucionários: Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Zumbi, Che Guevara, Ho Chi Minh, Ben Bella, Agostinho Neto, Luiz Carlos Prestes, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Gregório Bezerra, Djalma Maranhão, Pedro Pomar, Amaro Luís de Carvalho, frei Tito, irmã Dorothy Stang, Margarida Maria Alves, Vladimir Herzog, entre tantos outros nomes de heróis e heroínas na história da humanidade.
O nosso último encontro pessoal, camaradas, aconteceu numa tarde de sábado de 1967, numa tosca escadaria entre a Cidade Alta e a Ribeira, em Natal. Refletimos sobre a terrível conjuntura que se abatera no Brasil, desde que o Estado policial, repressivo e torturador se abateu sobre a Nação em nome da “segurança nacional”. Nessa reunião, discutimos o que poderia ser a melhor estratégia para o movimento estudantil naquele momento histórico. Você, Manoel, resumiu didaticamente a orientação do Partido: o nosso movimento deveria empenhar-se na luta para desgastar a ditadura e na formação de quadros para a Revolução.
Antes desse sábado, eu me encontrara com você, Emanuel. E você confiou-me a primeira tarefa: estudar e fazer um resumo do livro “Princípios fundamentais de Filosofia”, do filósofo marxista francês Georges Politzer. Lembro-me muito bem o que você me disse naquele momento: “Procure ler e estudar esse livro com espírito revolucionário e não burocrático. Estude sempre e tenha sempre em mente o projeto que move a nossa vida, que é o de construir, na luta, um mundo livre da exploração do ser humano”. Ao registrar essas memórias, quero enfatizar que tenho bem presente, em todo o meu ser, o significado de todo um processo existencial. Nele, aprendi as lições de simplicidade e ternura dos meus pais José e Amélia; de engajamento e de firmeza ideológica de Emanuel Bezerra, Manoel Lisboa de Moura e de outros companheiros de luta contra a ditadura; de honestidade e de espírito científico de professores como Paulo Sérgio Pinheiro e Benjamin de Souza Netto; de compromisso evangélico de Antônio Henrique Pereira Neto, Paulo Evaristo Arns, Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno e Sumio Takatsu; de engajamento revolucionário de Ana Lobo e de sua filha Elsa, de Eliana Rollemberg, de Isabel Peres e de Maria Sala; de consciência de classe de Valdemar Rossi, Nelson Martinez, José Luiz Brum, Brás Joison, Nilson, Gaúcho; de engajamento em favor dos direitos humanos de Roberto Monte, Nilmário Miranda, Perly Cipriano, Nilda Turra e Marga Rothe. Aprendi também que não basta dizer-se de esquerda para proclamar-se militante. Em muitos casos, sobretudo com respeito à condição feminina, as violências acontecem mais no campo progressista.
Em todas essas andanças, sempre tentei ser amoroso. Fracassei muitas vezes. Mas continuo pensando que, sem amor, a vida se esteriliza. O amor verdadeiro exige um exercício permanente de busca, paciência e de recomeço. Poder-se-ia perguntar: como é possível falar em amor depois de ter vivido e de relembrar tantas tragédias? Responderia que o ser humano não é uma pedra jogada no espaço. Sua primeira vocação é a de amorizar o mundo. Isto significa lutar por relações humanas autênticas e construir um espaço vital inspirado na liberdade, na igualdade e na fraternidade. Significa também eliminar todos os fatores que levaram a sociedade a ser um recanto de bem-estar para poucos e de miséria para bilhões de seres humanos.
Se fosse preciso recomeçaria a luta outra vez. Voltaria às ruas de Natal para participar de passeatas estudantis. Reencontraria outros militantes para a partilha de leituras e de estudos. Se fosse preciso, pediria de novo o apoio e o refugio a outros militantes. E continuaria a sonhar como um mundo novo, de homens e de mulheres novos.
É cada dia maior o número de brasileiros com câncer. Com exceção dos ricos, que conseguem ter acesso a remédios caros e importados e aos melhores médicos e hospitais, a imensa maioria dos brasileiros que contraem a doença, morrem em poucos meses. Alguns desinformados afirmam que o crescimento do número de pessoas com câncer é resultado do fato de a população estar vivendo mais. Porém, estudos científicos provam que existe uma relação direta entre o câncer e a alimentação e, mais precisamente, com a contaminação dos alimentos por agrotóxicos. O Brasil, como se sabe, é o país que mais consome agrotóxicos no mundo.
A gravidade dessa situação vem sistematicamente sendo denunciada pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Em dossiê intitulado Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, a Abrasco afirma queo processo produtivo agrícola brasileiro está cada vez mais dependente dos agrotóxicos. Somente na safra de 2011, foram utilizados 853 milhões de litros de agrotóxicos pulverizados nas lavouras, principalmente herbicidas, fungicidas e inseticidas, representando uma média de exposição ambiental/ocupacional/alimentar superior a 5 litros de agrotóxicos por habitante, quantidade altíssima e acima de todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Segundo ainda o dossiê da Abrasco, “Parte dos agrotóxicos utilizados tem a capacidade de se dispersar no ambiente, e outra parte pode se acumular no organismo humano, inclusive no leite materno. O leite contaminado, ao ser consumido pelos recém-nascidos, pode provocar graves danos à saúde, pois eles são mais vulneráveis à exposição a agentes químicos presentes no ambiente, por suas características fisiológicas e por se alimentarem, quase exclusivamente, com o leite materno até os seis meses de idade.” (Veja o dossiê completo em: www.abrasco.org.br)
Tambémo professor Wanderley Pignati, doutor no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso, alerta que o Brasil, além de usar vários agrotóxicos que estão proibidos desde 1985 nos Estados Unidos e na União Europeia, “aqui, dezenas de agrotóxicos são aplicados por avião, coisa que é proibida em vários países. Jogamos agrotóxicos por avião perto de casas, animais, gado, nascentes de rios e córregos.” O professorPignati afirma também que “alguns agrotóxicos causam câncer, problemas neurológicos, má formação fetal e desregulação endócrina”. São extremamente prejudiciais à saúde humana. Estão na água, no ar, na chuva. Os defensivos agrícolas demoram de três a quatro anos para se degradarem. Em 2008, 32,7% das intoxicações registradas no Brasil teve como principal agente tóxico os agrotóxicos de uso agrícola.
Apesar de todos esses alertas, os agrotóxicos continuam sendo usados indiscriminadamente e sem nenhum controle por parte do governo federal. Pelo contrário. Depois de 12 anos exercendo o cargo de gerente-geral de Toxicologia (GGTox) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Luiz Cláudio Meirelles foi afastado por denunciar pressões e fraudes da indústria de agroquímicos dentro do órgão. Não bastasse, o governo federal concede isenção de impostos e financiamentos para as grandes corporações que fabricam esses venenos.
Por trás de tudo isso, estão poderosos monopólios capitalistas como Syngenta, Bayer, Monsanto, Basf, Bayer, Dow AgroSciences e Du Pont, que faturam bilhões de dólares por ano à custa do envenenamento do nosso povo e reservam alguns milhões para subornar ministros, governadores, deputados, senadores e funcionários para que continuem permitindo mais um crime contra o povo brasileiro.
¹Os agrotóxicos são produtos químicos são pesticidas, praguicidas, herbicidas, inseticidas, desinfetantes, usados na agricultura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define pesticide ou plaguicida como toda substância capaz de controlar uma praga, em sentido amplo, que possa oferecer risco ou incômodo às populações e ambiente.
Com o lema ‘‘Quem muda a cidade somos nós: reforma urbana já!’’, será realizada, de 20 a 24 de novembro deste ano, em Brasília, a 5ª Conferência Nacional das Cidades.
O processo de mobilização e escolha dos delegados começa em março, com a realização das etapas municipais, que vão de 1º de março a 15 de maio. Já as etapas estaduais serão promovidas entre os dias 1º de julho e 28 de setembro. Durante as conferências municipais e estaduais serão definidas as diretrizes a serem debatidas na Conferência Nacional.
O objetivo da Conferência é debater como transformar as cidades brasileiras em espaços mais justos. Entre os temas centrais estão o debate sobre a construção da Política e do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), a revisão da Lei de Responsabilidade Territorial Urbana, os avanços da Política Nacional de Mobilidade Urbana, aprovada em 2012, a elaboração dos planos locais de mobilidade e a implementação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PlanSab).
É muito importante participar de todo o processo de construção da conferência. Para isso, o primeiro passo é fazer parte das comissões preparatórias locais que serão montadas nas cidades e estados. Para mais informações, devemos procurar os fóruns locais de reforma urbana, outros movimentos de moradia ou as secretarias de Habitação municipais e estaduais.
Wellington Bernardo,
membro da direção do MLB e do Conselho Nacional das Cidades
No início do ano o governo federal anunciou o aumento do salário mínimo de R$ 622 para R$ 678, o que representou um aumento de 9%, correspondente à reposição da inflação acumulada em 2012 (que foi de 6,1%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor), somada ao crescimento do PIB de dois anos atrás.
Esse aumento, porém, não corresponde às necessidades dos trabalhadores brasileiros, pois, como sabemos, em 2012 ocorreu um festival de aumentos nos preços que gerou uma alta exorbitante no custo de vida dos trabalhadores. Um dos lugares onde podemos visualizar esse aumento foi o nosso prato, a alimentação das famílias brasileiras. O arroz e o feijão tiveram aumento de 36,67% e 31,53% respectivamente. Em algumas capitais a situação foi pior, como em Belém do Pará, que teve um aumento de 69,01% no arroz e 46,64% no feijão, ou em Natal (46,41% de aumento no arroz) e no Rio de Janeiro, com uma alta de 44,27% no feijão.
Mas não para por aí. A farinha de mandioca chegou a aumentar 115,47% em Aracaju e 96,83% em Fortaleza. O preço do óleo de soja cresceu 27,44% em São Paulo e 26,81% em Porto Alegre, e o café chegou a ter seu preço elevado em 30,04% em Vitória. A salada não ficou de fora: o preço do tomate teve aumento significativo, chegando a 42,08% em Fortaleza e 37,36% no Recife. E a carne, que já é artigo de luxo na refeição dos trabalhadores, teve seu preço elevado 10,98% em Salvador.
O transporte público, além de ser marcado pela má qualidade, também é palco de aumentos absurdos. Em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, a tarifa subiu de R$ 2,90 para R$ 3,30, ou 13,79%. O valor era de R$ 2,50 até fim de 2011. No Recife, a tarifa aumentou 5,53%, chegando a R$ 2,25. Em Belo Horizonte, o aumento foi de 5,66%, chegando a R$ 2,80.
O salário mínimo está longe de resolver o problema dos trabalhadores, porque infelizmente não é calculado para isso. Hoje, quando o governo federal estipula o valor do salário mínimo, preocupa-se com os interesses das empresas que contratam a mão de obra, ou seja, os capitalistas. Para o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo deveria ser de R$ 2.561,47 para cobrir as necessidades básicas dos trabalhadores.
Além de pequeno, o aumento do salário mínimo é atrasado, já que o cálculo da inflação é baseado em todos os aumentos de preços que ocorreram em 2012, e a alteração no salário só ocorre em 2013.
Para conquistarmos um aumento decente no salário mínimo e nos demais salários em geral é preciso reverter essa lógica e fazer com que as necessidades dos trabalhadores sejam o determinante. Isso, porém, não virá como um presente dos empresários e dos governos, mas sim como fruto da luta e mobilização dos próprios trabalhadores, que, de forma independente dos patrões, se organizem como classe num combativo movimento, por todo o Brasil, para lutar por seus direitos.
Há alguns meses a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público da capital paulista vem investigando denúncia de fraude e conluio na licitação realizada para a reforma dos trens da linha 1 (Azul) e 3 (Vermelha) do metrô de são Paulo. A denúncia foi feita pelo deputado estadual Simão Pedro (PT), que, por sete meses, investigou o caso.
A representação questiona o gasto de 1,7 bilhão para a reforma de 98 trens, uma vez que, com pouco mais, seria possível comprar todos os trens novos. Cada trem reformado custará aos cofres públicos 85,7% do preço de um novo. Além do mais, alguns dos trens que serão reformados têm mais de 30 anos.
Segundo especialistas, a opção pela reforma de trens usados só é viável economicamente se o preço pago for de no máximo 60% do valor do trem novo. Além disso, o trem novo tem a garantia de 10 anos, contra apenas dois anos em relação aos reformados.
O Tribunal de Contas do Estado também questiona o fato de a licitação não ter sido aberta a concorrência, já que não poderiam participar do processo licitatório empresas sediadas em outros países, reduzindo a competitividade e inflacionando o preço final dos contratos. É a conclusão do Conselheiro do TCE Eduardo Bittencourt, ao analisar o caso: “A análise das presentes contratações revelou um contexto no qual houve apenas uma proposta do licitante único de cada lote. Em outras palavras, não houve propriamente uma disputa licitatória, mas uma atividade de consorciamento, reunindo duas ou três empresas em cada consórcio, que, por sua vez, ofereceu a proposta única de cada respectivo lote. Trata-se, portanto, de uma situação em que não se verificou grande competitividade no certame, demandando, pois, uma detalhada verificação dos aspectos técnicos e econômicos do setor, visando assim aferir a correção do que foi concretamente observado.”
Ou seja, o resultado prático da licitação foi que cada consórcio vencedor foi o único a apresentar proposta comercial para cada lote com preços evidentemente elevados, acima dos valores estimados. Um verdadeiro conluio entre os participantes, que se juntaram numa prática lesiva ao patrimônio público.
As denúncias levam a crer que as empresas “Alstom, Bombardier e Siemens temiam especialmente a Rotem (Coreia do Sul) porque ela já tem o projeto de um trem novo para operação nas linhas 1 e 3 “quase pronto na gaveta”. Esta forneceu recentemente para a CCR os 14 trens para operação na Linha 4 (Amarela). Aparentemente, foi o trabalho de lóbi da Alstom, Bombardier e Siemens, junto ao governo do Estado de São Paulo e ao Metrô, que pressionou para que a licitação fosse nacional em vez de internacional”.
Caso a licitação ocorresse de forma aberta, teríamos, além da Rotem (Coreia do Sul), a CSR (China) e CAF (Espanha) concorrendo com possibilidade de enfrentar a disputa, fato que puxaria os preços para baixo.
Basta compararmos com a licitação da aquisição dos trens novos para a linha 5 – Lilás, na qual, por exigência do Bird, órgão financiador da transação, ocorreu uma licitação internacional; veremos que esta modalidade proporcionou uma redução nos preços pagos pelos trens. O resultado desta concorrência foi que cinco empresas participaram, sendo o valor da proposta vencedora de R$ 453.672.753,46, o que significou uma redução, em relação ao valor estimado pelo Metrô (R$ 813.777.447,34), de nada menos que 44,25%.
Ao contrário, na reforma de trens da linha vermelha, como demonstram os documentos apresentados pelo deputado, o Metrô corrigiu seus preços estimados: Lote 2 – de R$ 388.944.898,88 (em 01/06/2008) para R$ 427.710.212,18 (em 01/12/2008); Lote 3 – de R$ 344.104.713,80 (01/06/2008) para R$ 377.126.544,09 (em 01/12/2008), representando uma majoração de mais de 9 % nos valores iniciais.
Outro problema questionado foi a divisão da licitação em quatro lotes, gerando a necessidade de gastos extras que vão desde a confecção de quatro projetos executivos, quatro fornecedores diferentes de materiais para manutenção e diferentes processos de gerenciamento. Estima-se que, somente pelo fato de termos quatro projetos executivos ao invés de um, haverá um gasto extra de R$ 70 milhões aos cofres públicos.
Para se ter uma ideia mais clara do problema, basta ver a lista de procedimentos exigida nos contratos: “Serão quatro manuais, quatro treinamentos de pessoal, quatro estoques de peças. Quebrou um trem, primeiro vamos ver qual é, de que lote, e aí vamos ver que pessoal foi treinado, que manual usar, que peça quebrou, se há as peças em estoque! E os trens terão equipamentos de quatro grupos de fornecedores diferentes! Haja gerenciamento de compras e estoques!”, afirmou um especialista.
Diante destas graves denúncias e da inconsistência das explicações alegadas pela direção do Metrô de São Paulo, fica claro que estamos diante de mais um escandaloso esquema promovido pelo governo do PSDB, o deputado Simão Pedro declarou a A Verdade “Espero que o Ministério Público investigue a fundo a denúncia. É um absurdo a forma de contratação por propina. Se houver comprovação, espero que haja punição exemplar e mudança no processo de contratação desse tipo.”
A “reforma trabalhista” do presidente espanhol Mariano Rajoy provocou um aumento de 13,2 por cento do desemprego, quase um milhão de novos desocupados, perda de poder de compra dos salários e subida em flecha da precariedade, segundo o balanço feito após um ano de vigência.
“É uma reforma em que todos ganham, empresários e trabalhadores e pretende satisfazer mais e melhor os legítimos interesses de todos”, assegurava há um ano o texto da lei do governo pós-franquista do Partido Popular.
No entanto, “a legislação não serviu para gerar trabalho mas sim para duplicar o ritmo de destruição de emprego e para que os salários baixem em termos nominais”, concluiu Miguel Ángel García, responsável pelo gabinete econômico da central sindical Comisiones Obreras. A liberalização do mercado de trabalho, acrescentou, “desequilibrou a posição dos trabalhadores em relação aos empresários, que abusaram dela para destruir postos de trabalho.
Para a UGT, a reforma trabalhista “confirmou os nossos piores presságios”. A lei “não cumpriu os seus objetivos, não criou emprego, não reduziu o desemprego”, declarou Toni Ferrer, secretário de ação sindical da central. “A contratação caiu com caráter geral em 3,6 por cento, a ocupação baixou cinco por cento e o desemprego aumentou 13 por cento, o que demonstra o fracasso das políticas baseadas em cortes e na redução dos direitos dos trabalhadores”, acrescentou.
Números oficiais divulgados em Madrid revelam que após um ano de aplicação da “reforma trabalhista” o desemprego aumentou 13,2 por cento, o número de desocupados cresceu em 850 mil pessoas, as demissões motivadas (com indenização de 20 dias por ano) aumentou 49 por cento e as manobras relacionadas com a “regulação de emprego” aumentaram 66 por cento. Os salários perderam poder aquisitivo e o Ministério do Emprego reconhece que 30 mil trabalhadores foram afetados pelo fato das entidades patronais não terem aplicado os convênios.
Sara de la Rica, catedrática de Economia da Universidade do País Basco, considera que no primeiro ano a aplicação da reforma foi “desequilibrada e incompleta”. “Não evitou de modo algum a dualidade contratual, continuam a fazer-se contratos temporários apesar das reformas introduzidas e as medidas não deveriam ser tomadas em tempos de crise”, comentou a professora.
Xabier Thibault, diretor geral do Emprego, declarou-se satisfeito com os resultados. O governo “avalia de maneira positiva a reforma, como também o FMI acaba de nos comunicar”, disse. Segundo ele, a “flexibilidade” permitiu “evitar uma maior destruição de emprego”.
Um relatório da OCDE reconhece que as grandes empresas multinacionais pagam valores irrisórios de impostos em comparação com as pequenas e médias empresas e os cidadãos. Além disso, o relatório adverte para o papel desempenhado por países que funcionam como paraísos fiscais.
“Há falta de soluções globais para garantir que os sistemas fiscais não favoreçam indevidamente as empresas multinacionais, deixando os cidadãos e as pequenas empresas com maiores impostos”, sublinha o relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), elaborado a pedido do Grupo dos 20 para apurar os efeitos da “fiscalidade agressiva” praticada pelas grandes empresas. O documento salienta que algumas grandes multinacionais utilizam estratégias que lhes permitem pagar impostos irrisórios na ordem dos cinco por cento enquanto as pequenas empresas chegam a ser penalizadas em 30 por cento ou mais.
O relatório reconhece ainda que “alguns países de pequena jurisdição” proporcionam impostos baixos e recebem em troca “quantidades desproporcionadamente elevadas de investimento estrangeiro direto” em comparação com os outros países. O secretário geral da OCDE, Ángel Gurría, considera que “embora estas estratégias sejam tecnicamente legais desgastam a estabilidade do sistema fiscal internacional”.
“Quando os governos e os cidadãos têm que lutar para chegar ao fim do mês é muito importante que todos os contribuintes – tanto as pessoas físicas como as empresas – paguem uma quantidade justa de impostos e confiem na transparência do sistema fiscal internacional”, acrescentou o dirigente da OCDE.
As regras existentes, de acordo com o relatório, “não refletem adequadamente a integração econômica atual, o valor da propriedade intelectual ou as novas tecnologias de comunicação”. A OCDE considera que “os espaços que permitem às multinacionais eliminar ou reduzir os impostos sobre rendimentos lhes dá uma vantagem competitiva sobre as pequenas e médias empresas”, além de afetar negativamente o investimento, o crescimento econômico e o emprego.
O documento assinala também que muitas das normas estabelecidas para evitar que as multinacionais sejam sujeitas a dupla tributação “permitem-lhes, muitas vezes, não pagar imposto nenhum”.
Segundo fontes oficiais do Pentágono, tanto homens como mulheres que servem no exército dos EUA controlando os chamados drones – aviões não tripulados – poderão receber a nova medalha Distinguished Warfare Medal.
A medalha foi criada para premiar os pilotos que, dirigindo aviões a milhares de quilômetros de distância, “alcançaram extraordinário êxito relacionado a uma operação militar”.
Ganhar uma medalha no exército dos EUA poderá ser tão fácil quanto apertar um botão. E para isso não será mais necessário arriscar a vida no campo de batalha. Tudo poderá ser feito no conforto e segurança de uma base militar.
Até o início de 2013 os ataques de drones já mataram cerca de 3.500 pessoas no Paquistão, sendo que cerca de um terço deste total corresponde a civis e crianças.
Considerado um dos maiores poetas do rock brasileiro, Renato Manfredini Júnior, ou Renato Russo, nasceu em 27 de março de 1960, no Rio de Janeiro, onde veio a falecer no dia 11 de outubro de 1996, com apenas 36 anos de idade. Jornalista e professor de inglês, formou a banda Legião Urbana no início da década de 1980, em Brasília. Mais de 26 anos após o lançamento do primeiro disco, a banda ainda vende 250 mil cópias por ano, um recorde do gênero no País.
Renato Russo não cantou apenas os anseios, os medos e os conflitos da juventude, mas abordou em suas letras temas que vão desde a exploração do trabalhador, o desemprego, o machismo, a ditadura militar, a tortura, o racismo, a retirada dos direitos dos aposentados, passando por questões ambientais, até o cinema, o teatro, a pintura e a literatura.
Segundo Arthur Dapieve, biógrafo do cantor, uma das principais características das letras de Renato Russo, e que explica em parte o enorme sucesso da banda mais de 15 após seu término, é que Renato escrevia sobre temas atuais ao mesmo tempo em que retirava toda marca de temporalidade de suas letras, mantendo assim sua perenidade. Letras como Que país é esse continuam tão atuais agora quanto na época em que foram lançadas. Um exemplo mais sutil e que também carrega essa característica é a canção Metal contra as nuvens, do álbum V, a qual faz referências a algumas medidas antipopulares do governo Collor.
Se existe uma identificação tão grande da juventude brasileira com as músicas de Renato Russo é porque este público se vê espelhado, representado em suas letras. De fato, os jovens que povoam as letras de Renato são, em sua maioria, estudantes, trabalhadores, pais, precarizados e desempregados. São trabalhadores, por exemplo, os jovens namorados de O descobrimento do Brasil: “Ela me disse que trabalha no correio/ E que namora um menino eletricista”. São estudantes os jovens de Vamos fazer um filme: “A minha escola não tem personagem / A minha escola tem gente de verdade / … / O sistema é maus / Mas minha turma é legal”. E são desempregados numa época de crise os jovens de Teatro dos vampiros: “Vamos sair, mas não temos mais dinheiro/ Os meus amigos todos estão procurando emprego”.
“Eu quero trabalho honesto em vez de escravidão”
O tema do trabalho e de sua exploração aparece em canções tanto do início quanto do final da carreira de Renato, mostrando ocupar um lugar permanente nas preocupações do artista. A música Fábrica, do disco Dois (1986), por exemplo, inicia-se cantada na primeira pessoa do plural, como um hino: “Nosso dia vai chegar,/ Teremos nossa vez”. E compara o trabalho dos operários nas fábricas à escravidão: “Quero trabalhar em paz. / Não é muito o que lhe peço- / Eu quero trabalho honesto / Em vez de escravidão”. (1)
Segundo Angélica Castilho e Erica Schlude, autoras do livro Depois do fim – vida, amor e morte nas canções da Legião Urbana, a letra de Fábrica apresenta um questionamento do poder capitalista, assumindo uma postura marxista. Para as autoras, essa música “apresenta o capitalista explorando o trabalhador, uma vez que detém as ferramentas de domínio: o capital e os instrumentos de trabalho”.
Já no álbum A tempestade (último álbum lançado em vida), temos a Música de trabalho, na qual o eu-lírico, precarizado, mostra-se consciente de que não possui um trabalho, mas apenas um emprego: “Sem trabalho eu não sou nada/ Não tenho dignidade/ Não sinto meu valor/ Não tenho identidade/ Mas o que eu tenho é só um emprego/ E um salário miserável”. E descreve também a ditadura do capital sobre o trabalhador e sua inconformidade perante esse quadro: “Se você não segue as ordens/ Se você não obedece/ E não suporta o sofrimento/ Está destinado à miséria/ Mas isso eu não aceito”.
“Chega de opressão”
O protesto contra toda forma de opressão é uma constante nas letras de Renato Russo. A opressão sobre as mulheres, por exemplo, recebeu a atenção do compositor pela primeira vez na letra de A dança, do primeiro álbum, na qual o eu-lírico critica de forma veemente um interlocutor que insiste em tratar “… as meninas / Como se fossem lixo / Ou então espécie rara / Só a você pertence / Ou então espécie rara / Que você não respeita / Ou então espécie rara / Que é só um objeto / Pr’á usar e jogar fora / Depois de ter prazer”.
E no álbum póstumo Uma outra estação, na letra da melancólica canção Clarisse, o eu-lírico lamenta “a violência e a injustiça que existe / Contra todas as meninas e mulheres / Um mundo onde a verdade é o avesso / E a alegria já não tem mais endereço”.
Já o tema da invasão do Brasil e o saque histórico sobre os nativos desta terra, perpetrados por portugueses e outros europeus, são relembrados na letra de “Índios”, uma letra que, por um viés rousseauniano, toca em diversas questões importantes. O etnocídio (aculturação forçada), a violência, a ganância e a espoliação das riquezas naturais são algumas delas. (2)
Mas ao mesmo tempo em que fala do passado, “Índios” indica também o futuro. Os versos “Quem me dera, ao menos uma vez, / Explicar o que ninguém consegue entender: / Que o que aconteceu ainda está por vir / E o futuro não é mais como era antigamente” sugerem que a opressão de hoje é a mesma de ontem, apenas se revestindo de novas formas. Mas, ao mesmo tempo, o futuro, não reproduzindo a lógica de exploração do passado, será diferente. É a tese de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista de que “a moderna sociedade burguesa […] não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas.”
Além desses, outro tema importante e recorrente na obra do cantor é a discriminação contra os homossexuais (sendo o próprio cantor homossexual). Letras como Soldados, Daniel na cova dos leões, Maurício, Meninos e meninas e Leila são algumas das que abordam a questão. Inclusive o título de um dos álbuns da carreira solo de Renato Russo, The Stonewall Celebration Concert, faz referência à chamada Batalha de Stonewall, quando em 28 de junho de 1969 uma batida policial em um bar gay de Nova York gerou um conflito de dois dias entre travestis, homossexuais e forças da repressão.
Política, ditadura e repressão
Menções à política perpassam toda a obra da Legião Urbana, embora Renato Russo quase sempre se esquivasse de perguntas mais diretas sobre o tema em suas entrevistas. (3) Logo no primeiro álbum, o grupo teve problemas com a censura brasileira pelo fato de o título da música Baader-Meinhof Blues ser uma referência direta ao grupo de guerrilha urbana alemão Baader-Meinhof.
E se no primeiro álbum o compositor menciona o grupo guerrilheiro no título de uma música, no segundo são discretamente aludidas a ditadura militar no Brasil e a tortura. Ouvimos em 1965 (Duas tribos): “Cortaram meus braços/ Cortaram minhas mãos/ Cortaram minhas pernas/ Num dia de verão”.
Já no álbum póstumo Uma outra estação esses temas são abordados abertamente. Em La Maison Dieu o eu-lírico promete a um provável perseguido político: “Se dez batalhões viessem à minha rua/ E vinte mil soldados batessem à minha porta à sua procura/ Eu não diria nada/ Porque lhe dei minha palavra”.
Alguns versos adiante, o eu-lírico vê, durante um devaneio, alguém entrar por sua janela e dizer: “Eu sou a tua morte/ Vim conversar contigo/ … / Eu sou a pátria que lhe esqueceu/ O carrasco que lhe torturou/ O general que lhe arrancou os olhos/ O sangue inocente de todos os desaparecidos/ O choque elétrico e os gritos/ … / Eu sou a lembrança do terror/ De uma revolução de merda/ De generais e de um exército de merda”.
E, ao final, deixa o seu alerta para o futuro: “Não, nunca poderemos esquecer/ Nem devemos perdoar/ Eu não anistiei ninguém…/ Abra os olhos e o coração/ Estejamos alertas/ Porque o terror continua/ Só mudou de cheiro e de uniforme”. (4)
João de Santo Cristo, um brasileiro
Mas uma das músicas de maior apelo popular da banda – talvez a mais popular – é Faroeste caboclo, que conta a saga de um jovem negro chamado João de Santo Cristo. Nascido de família humilde, João de Santo Cristo foi vítima desde pequeno do racismo e da discriminação por ser pobre. Mais tarde, saiu do interior e foi tentar a vida na capital do país, trabalhando inicialmente como aprendiz de carpinteiro. “O Santo Cristo até a morte trabalhava/ Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar”. A situação de pobreza o leva para a criminalidade, e esta, para a prisão.
Após conhecer Maria Lúcia, por quem se apaixona, decide tentar mais uma vez uma vida honesta, voltando a ser carpinteiro, decisão que ilustra a situação de milhares de ex-detentos no Brasil. Mas empurrado novamente para a margem da sociedade, Santo Cristo volta para a criminalidade e nela permanece até ser morto por outro traficante. No momento de sua morte, lembra-se de sua infância e de tudo que vivera até aquele momento, resumindo sua vida como uma via crucis, isto é, um caminho para a crucificação.
João de Santo Cristo é, segundo Angélica Castilho e Erica Schlude, um arquétipo. O herói – ou anti-herói – de Faroeste caboclo é “um entre os muitos cristos crucificados em nossa sociedade diariamente”.
Música e protesto
Embora afirmasse em entrevistas que separava música e política, na prática Renato Russo nunca fez isso. Em todos os seus discos encontramos críticas sociais e protestos contra um mundo que considerava injusto. “Este é o nosso mundo: o que é demais nunca é o bastante/ E a primeira vez é sempre a última chance/ Ninguém vê onde chegamos/ Os assassinos estão livres, nós não estamos” (Teatro dos vampiros, disco V).
Se a intenção de João de Santo Cristo, ao ir para Brasília, era chamar a atenção do presidente “para essa gente que só faz sofrer”, a obra de Renato Russo não deixa dúvidas de que a rebeldia, o protesto e a inconformidade social presentes em suas letras tem semelhante propósito: denunciar toda forma de opressão, a exploração e o sofrimento do povo brasileiro.
Glauber Ataide, Belo Horizonte
NOTAS
(1) Uma curiosidade sobre este álbum é que os ruídos quase indecifráveis que podem ser ouvidos antes do início da primeira música são nada menos que trechos de A Internacional, hino dos trabalhadores de todo o mundo. Daí a música Fábrica, do mesmo disco, tratar deste tema e se iniciar também cantada no plural, como um hino.
(2) Os versos “Nos deram espelhos / E vimos um mundo doente” se referem à prática dos europeus de trocarem objetos de baixo valor, como espelhos, por ouro e pedras preciosas dos nativos.
(3) Perguntado em quem votaria nas eleições presidenciais de 1989, Renato Russo declarou seu voto no candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Roberto Freire, na época. E em 1994, afirmou que votaria em Lula, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).
(4) O motivo desta música ter sido lançada apenas postumamente foi o desejo do compositor de evitar conflito com os militares.
1971 – Uma nuvem escura cobria os céus de todo o Brasil. Apesar disso, o sol brilhava naquele dia 20 de janeiro, no Rio. Feriado. Dia do padroeiro da cidade, São Sebastião. Por volta de meio dia, uma família voltava da praia. Rubens Beirodt Paiva, sua mulher Maria Eunice Facciola Paiva e duas filhas: Vera e Eliane. Ao chegar a casa, são abordados por seis homens, que detêm Rubens e dizem que vão levá-lo para a delegacia, para um depoimento, “coisa de rotina”. Ele foi, escoltado, dirigindo o próprio carro. Nunca mais voltou.
Rubens Paiva tinha então 41 anos, era industrial, engenheiro civil formado em 1954 na Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie, São Paulo, seu Estado natal (nasceu em Santos, no ano de 1929). Foi engenheiro construtor de Brasília, depois deputado eleito pelo povo, cassado e exilado em 1964. Foi Vice-Presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE-SP) e deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB-SP). Na Câmara, destacou-se pela defesa de bandeiras nacionalistas. Quando sobreveio o golpe civil-militar de 1964, ele era Vice-Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurava o recebimento de dólares pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), fachada utilizada pela CIA estadunidense para financiar atividades de desestabilização do Governo de João Goulart.
Cassado pelo Ato Institucional nº 1 (AI-1), Rubens Paiva esteve algum tempo no exílio e, retornando ao Brasil, passou a atuar na resistência à ditadura, escondendo militantes perseguidos e ajudando-os a sair para o exterior, enviando denúncias de tortura para organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. Não era comunista, não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Desenvolvia atividades, podemos definir, humanitárias.
Torturas e Mentiras
No dia seguinte, os policiais levaram para o quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, onde operava o DOI-CODI, Maria Eunice e a filha do casal, Eliane, de 15 anos. A adolescente foi libertada 24 horas depois e Eunice ficou presa, incomunicável, durante 15 dias.
Ao sair, não teve mais notícia do esposo. Tomou conhecimento de uma versão divulgada pelos jornais e pela televisão, segundo a qual ao ser transferido para outra unidade militar, um grupo “terrorista” teria resgatado o prisioneiro. Era mentira, como tantas outras farsas montadas para encobrir o assassinato dos militantes oposicionistas, por meio de bárbaras torturas, nos porões das Forças Armadas.
Maria Eunice não acreditou. Buscava informações nas unidades do Exército e a resposta é que o prisioneiro nunca havia estado lá. Conseguiu falar com o então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, que admitiu a possibilidade de Rubens ter sofrido arranhões durante o interrogatório, mas prometia sua libertação em 15 dias.
O advogado Lino Machado, por sua vez, ingressou com três pedidos de habeas-corpus, visando a, pelo menos, identificar os responsáveis pela prisão, mas nada conseguiu. Eunice enviou carta ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, mais uma farsa da ditadura, em que afirmava entre outras coisas: “Rubens é um homem de bem, pai de família exemplar, engenheiro competente, cidadão probo e honrado, empresário responsável e capaz… Não viu contra si, no entanto, instaurar-se nenhum inquérito policial-militar ou processo penal. Não lhe foi feita jamais, acusação de nenhuma natureza. De que hoje o acusam? Onde está? Para onde o conduziram?…Onde estão, afinal, os compromissos do país, assumidos solenemente em suas constituições desde o alvorecer da República e no âmbito internacional, como nação cristã e civilizada, através da adesão às Declarações Universais dos Direitos do Homem da ONU e da OEA? Como admitir a insegurança terrível dos seqüestros ou raptos tornados oficiais?”. O Conselho, presidido pelo próprio Alfredo Buzaid, nada respondeu e simplesmente arquivou o pedido.
Testemunhos da morte bárbara
Da Barão de Mesquita, a “Casa da Morte”, Rubens Paiva foi conduzido para a III Zona Aérea, onde foi torturado junto com as prisioneiras Cecília Viveiros de Castro e Marilena Corona. Por ter amparado uma delas, que desmaiou, Rubens foi atingido por um soco e reagiu com palavrões, o suficiente para todo o grupo de torturadores cair sobre ele, desferindo-lhe pauladas e pontapés, até transformá-lo numa poça de sangue. Em 1986, o oficial-médico do Exército, Amílcar Lobo, que dava “assistência” aos torturados, reanimando-os para que pudessem ser submetidos a mais violência, declarou à revista Veja que viu Rubens Paiva “arrebentado e ensangüentado” no DOI-CODI do Rio de Janeiro, para onde retornou, depois de ser torturado na III Zona Aérea.
A partir desse depoimento e apoiado também no testemunho das prisioneiras citadas, em 1987, o Procurador-Geral da Justiça Militar, Francisco Leite Chaves, instaurou processo penal na Primeira Auditoria Militar do Rio. Chegou aos culpados, mas os autos foram destruídos e o processo arquivado. Como culpados, o processo apontou o coronel Ronald José da Motta Batista Leão, que era chefe da II Seção do I Exército; o Capitão de Cavalaria, João Câmara Gomes Carneiro (João Coco); o subtenente Ariedisse Barbosa Torres, o major PM-RJ, Riscala Corbage e o segundo-sargento Eduardo Ribeiro Nunes.
A Luta pela Reparação
Em 1991, a família ingressou com ação ordinária de indenização contra a União, por danos morais e patrimoniais. A ação nunca foi julgada.
Em 1988, o então suplente de senador, Fernando Henrique Cardoso, afirmou em artigo intitulado “Sem esquecimento”: “O riso franco de Rubens Paiva, sua bonomia, seu modo de ser generoso e de ajudar na mudança das coisas vivem, hoje, apenas na memória dos que o conheceram. Mas viverão enquanto vivermos. E ajudarão a impedir que haja esquecimentos”.
Presidente da República, em seu primeiro mandato, FHC conversou com o Secretário-Geral da Anistia Internacional, Pierre Saué, sobre a situação das famílias de 144 desaparecidos e lhe disse “É um passado complicado de remexer, que incomoda muitos setores”.
Marcelo Rubens Paiva, filho do herói, escritor, reagiu em artigo publicado pela revista Veja, edição de Maio/95: “Como filho de um desaparecido, tenho mil motivos para ficar indignado com o silêncio das autoridades brasileiras. Como cidadão, eu me pergunto se já não chegou o dia de os militares brasileiros… imitarem seus colegas argentinos, abrirem os arquivos, excluírem os antigos torturadores e apontarem aqueles que sujam o nome da corporação. Eu me pergunto como a nova geração de oficiais consegue conviver com a mancha de um passado tão sombrio.”
A Comissão Nacional de Familiares de Mortos e Desaparecidos e os Movimentos de Defesa dos Direitos Humanos e contra a tortura conseguiram mobilizar setores da sociedade, obter apoio no Congresso e em 4 de dezembro de 1995, o Presidente FHC sancionava a Lei nº 9.140, reconhecendo como mortas as pessoas desaparecidas em razão da participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1974 e estabelecendo uma indenização para suas famílias a título reparatório.
Foi criada uma comissão especial para analisar os processos. As famílias ficaram com o ônus da prova. Foi muita luta para conseguir desmontar as versões oficiais, mas a grande maioria conseguiu comprovar a responsabilidade do Estado no desaparecimento de seus parentes. Entre eles, Rubens Paiva, herói do povo brasileiro.
A Hora da Verdade
A Lei 12528/2011 criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída em maio de 2012, com a finalidade de apurar graves violações de Direitos Humanos, praticadas por agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.
Segundo o ex-Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, que coordena a CNV, documentos encontrados no Arquivo Nacional em Brasília e na residência do coronel Júlio Molinas, chefe do DOI-Codi do Primeiro Exército, assassinado em Porto Alegre, comprovam que Rubens Paiva foi realmente executado pela repressão militar.
Em depoimento à imprensa, Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, professora de psicologia na USP, afirma que “…depois que estiver concluído o relatório da comissão, cabe ao Brasil decidir o que quer para o país. Nós vamos esquecer e dizer tudo bem? E vamos perdoar quem fez? Ou vamos dizer que isso é inaceitável hoje, ontem e no futuro? Será um segundo debate político e democrático para traçar o futuro do Brasil.
Não falo apenas do cotidiano das famílias marcadas pelo período de exceção. Incontáveis famílias ainda hoje, em 2011, sofrem em todo o Brasil com prisões arbitrárias, sequestros, humilhação e a tortura. Sem advogado de defesa, sem fiança. Inúmeros dados indicam que especialmente brasileiros mais pobres e mais pretos, ou interpretados como homossexuais, ainda são cotidianamente agredidos sem defesa nas ruas, ou são presos arbitrariamente, sem direito ao respeito, sem garantia de seus direitos mais básicos à não discriminação e à integridade física e moral que a Declaração dos Direitos Humanos consagrou na ONU depois dos horrores do nazismo em 1948. Isso tudo continua acontecendo”.
Se ficarmos omissos, alerta Vera Paiva, “ …seremos cúmplices do sofrimento de milhares de famílias ainda afetadas por essa herança de horror que agora não está apoiada em leis de exceção, mas segue inquestionada nos fatos”.
Luiz Alves é advogado e escritor
Obras Consultadas – Mortos e Desaparecidos Políticos: Reparação ou Impunidade? Organizado por Janaína Teles, São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2000. – Dos filhos deste solo, Nilmário Mranda e Carlos Tibúrcio. Editora Fundação Perseu Abramo e Boitempo Editorial, São Paulo, 1999.
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