UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 6 de junho de 2025
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O Socialismo Científico – Parte I

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O texto aqui reproduzido é a primeira parte de uma seleção do livro de Friedrich Engels, Do socialismo utópico ao socialismo científico. Neste texto você entenderá a origem histórica, de maneira dialética, das relações sociais e de bens, como também como se desenvolve as forças produtivas nas sociedades. 

A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é determinada pelo que a sociedade produz e como produz e pelo modo de trocar os seus produtos. De conformidade com isso, as causas profundas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos homens nem na idéia que eles façam da verdade eterna ou da eterna justiça, mas nas transformações operadas no modo de produção e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na economia da época de que se trata. Quando nasce nos homens a consciência de que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, de que a razão se converteu em insensatez e a bênção em praga, isso não é mais que um indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição produziram-se silenciosamente transformações com as quais já não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão de condições econômicas anteriores. E assim já está dito que nas novas relações de produção têm forçosamente que conter-se – mais ou menos desenvolvidos – os meios necessários para pôr termo aos males descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é que tem de descobrí-los nos fatos materiais da produção, tal e qual a realidade os oferece. Qual é, nesse aspecto, a posição do socialismo moderno?

A evolução das forças produtivas

A ordem social vigente – verdade reconhecida hoje por quase todo o mundo – é obra das classes dominantes dos tempos modernos, da burguesia. O modo de produção característico da burguesia, ao qual desde Marx se dá o nome de modo capitalista de produção, era incompatível com os privilégios locais e dos estados, como o era com os vínculos interpessoais da ordem feudal. A burguesia lançou por terra a ordem feudal e levantou sobre suas ruínas o regime da sociedade burguesa, o império da livre concorrência, da liberdade de domicílio, da igualdade de direitos dos possuidores de mercadorias, e tantas outras maravilhas burguesas. Agora já podia desenvolver-se livremente o modo capitalista de produção. E ao chegarem o vapor e a nova maquinaria ferramental, transformando a antiga manufatura na grande indústria, as forças produtivas criadas e postas em movimento sob o comando da burguesia desenvolveram-se com uma velocidade Inaudita e em proporções até então desconhecidas. Mas, do mesmo modo que em seu tempo a manufatura e o artesanato, que continuava desenvolvendo-se sob sua influência, se chocavam com os entraves feudais das corporações, a grande indústria, ao chegar a um nível de desenvolvimento mais alto, já não cabe no estreito marco em que é contida pelo modo de produção capitalista. As novas forças produtivas transbordam já da forma burguesa em que são exploradas, e esse conflito entre as forças produtivas e o modo de produção não é precisamente nascido na cabeça do homem – algo assim como o conflito entre o pecado original do homem e a justiça divina – mas tem suas raízes nos fatos, na realidade objetiva, fora de nós, independentemente da vontade ou da atividade dos próprios homens que o provocaram. O socialismo moderno não é mais que o reflexo desse conflito material na consciência, sua projeção ideal nas cabeças, a começar pelas da classe que sofre diretamente suas conseqüências: a classe operária.

(Extraído do livro Do socialismo utópico ao socialismo científico de F. Engels)

Nossa principal tarefa: combater junto à classe operária

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A classe operária é a força principal para garantir e realizar a revolução socialista no Brasil. Sem ela, é impossível vencer a burguesia, seu Estado e seu exército.  Porém, muito embora todos digam que estão de acordo que a nossa tarefa central seja organizar o partido na classe operária, pouco temos avançado nesse trabalho.

Num país onde a classe operária se constitui numa gigantesca força, a ponto de o atual presidente da República ser um ex-operário, é evidente que é necessário conquistar essa classe operária para a revolução. Este é exatamente o primeiro e o mais importante trabalho que hoje temos que realizar.

No entanto, esse objetivo só será atingido se levarmos a classe operária a adquirir uma nova consciência, uma consciência política revolucionária. E para desenvolver a consciência das massas o meio mais eficaz é desenvolver suas lutas. É claro que nessas lutas, a principal ajuda que os comunistas devem dar é no sentido de avançar a consciência da classe operária. Porém, o que devemos entender por consciência de classe?
Consciência de classe dos operários é a compreensão de que o único meio de melhorar sua situação e de conseguir sua emancipação consiste na luta contra a classe dos capitalistas. Assim, consciência de classe dos operários implica a compreensão de que os interesses de todos os operários de um país são idênticos, solidários, que todos eles formam uma mesma classe, distinta de todas as demais classes da sociedade. Por último, consciência de classe dos operários significa compreender que, para alcançar seus objetivos, a classe operária precisa atuar politicamente por meio de seu partido.

Os operários só adquirem essa compreensão a partir da luta que travam contra os patrões no seu dia-a-dia. Portanto, é  estando presentes nessas lutas, atraindo um número cada vez maior de operários para elas, que os comunistas revolucionários conseguirão desenvolver uma consciência de classe no movimento operário. A atividade principal do nosso partido deve ser, portanto, a luta de classe dos operários. Mas essa atividade não deve consistir em idealizar meios de moda para alcançar a influência entre os operários, e sim aderir ao movimento operário, ou, em outras palavras, ajudar os operários na luta concreta que eles estão desenvolvendo.

A greve

Houve tempo em que a indignação dos operários contra o capital se expressava num sentimento confuso de ódio, que os levava a querer se vingar dos capitalistas. Os operários, então, destruíam as máquinas, as fábricas. Esta foi a primeira forma do movimento operário resistir à exploração. Depois, os operários começaram a compreender o antagonismo de interesses entre a classe operária e os capitalistas. E então começaram a se reunir, discutir ações comuns, organizar suas reivindicações e apresentá-las aos capitalistas, a exigir melhores condições de trabalho, aumento de salários e redução da jornada. Para ver essas reivindicações atendidas, realizavam as greves. Cada greve ensina aos operários quem são os patrões e por que eles são seus inimigos. A greve mostra também o tamanho da força da classe operária.

Cada greve enriquece a experiência de toda a classe operária. Se a greve resulta vitoriosa, mostra à classe operária a força da união dos operários e impulsiona outros a aproveitarem o êxito de seus companheiros. Se a greve não é vitoriosa, debatem-se as causas de seu fracasso e a busca de melhores meios de luta.

Nesse momento cabe ao Partido incentivar os operários, em todos os Estados a uma luta firme por suas reivindicações, a lutar por mais direitos, melhores salários e redução da jornada de trabalho. Isso significa estar atento ao surgimento de todas as lutas operárias e fazer-se presente nelas. Nessas lutas, nossa ajuda deve consistir em apoiar suas reivindicações e mostrar-lhes como devem ser encaminhadas; esclarecer quais seus direitos e quais ainda temos que lutar por conquistar. Nossa ajuda deve também orientar sobre qual a melhor maneira de expressar as reivindicações, qual a forma de luta a ser adotada, em eleger o melhor momento para a luta ser deflagrada. Por isso, o sindicato é um instrumento muito importante e, por isso também, é preciso atuar dentro dos sindicatos e conquistar dezenas, centenas e milhares de sindicatos em todo o país.

Apesar dos obstáculos que temos que superar para conquistar influência na classe operária, particularmente a hegemonia dos revisionistas nos sindicatos, é importante frisar que  a grave e profunda crise que hoje assola toda a economia capitalista mundial, como não podia deixar de ser, põe em xeque todas as posições que defendem a conciliação com o grande capital e amplia os espaços para nossa atuação.  Desse modo, adquire uma importância decisiva a tarefa de introduzir no movimento operário as idéias socialistas.

A importância de atuar nos sindicatos
Portanto, aos militantes do Partido cabe a histórica tarefa de colocar o centro dinâmico do crescimento do nosso partido na classe operária.
Em outras palavras, o trabalho operário é a principal forma de trabalho da sociedade capitalista. É aquele que garante todos os produtos que a sociedade consome. É aí, portanto, que devemos concentrar nosso trabalho. Para dar cabo desta tarefa e atender ao imperativo do caráter proletário da nossa revolução, todos os militantes devem empenhar-se, com o máximo de suas forças, para fazer crescer o partido na classe operária.
Mas para aprofundarmos os vínculos com o proletariado, necessitamos ligar o Partido com os sindicatos, isto é, fazer ingressar rapidamente, o maior número possível de comunistas revolucionários nas empresas e nos sindicatos. Só com um trabalho sistemático dos comunistas nos sindicatos operários é possível aproximar as massas operárias do Partido e adquirir sua confiança.
Isto porque, como lembra Dimitrov, “os sindicatos são, nos regimes capitalistas, o principal instrumento da luta grevista, depois da ação de massa aberta contra o capital dos monopólios e seu Estado”.
Mais: os sindicatos representam, para a classe operária e o conjunto dos trabalhadores, a principal organização na sua luta contra os capitalistas e pela defesa dos seus interesses imediatos. Para a grande maioria do proletariado, os sindicatos são suas fortalezas, que os ajudam a defender o salário e a combater os abusos dos patrões.
Assim, de todas as organizações de massas, os sindicatos são aquelas de que mais a classe operária participa e onde mais se mobiliza para lutar por seus direitos e reivindicações. Constitui, portanto, um enorme prejuízo para a Revolução, os comunistas não compreenderem a importância da atuação nos sindicatos, não compreenderem que para impulsionar a revolução é necessário que ingressem nos sindicatos e se apóiem neles. Lênin, em seu importante trabalho O esquerdismo, doença infantil do comunismo, revelou o quanto a posição esquerdista de se ausentar dos sindicatos, alegando que seus chefes são reacionários, era errada. Vejamos:

“(…) Os comunistas alemães de esquerda deduzem do caráter reacionário e contra-revolucionário  dos chefes dos sindicatos que é necessário … sair dos sindicatos!!, renunciar ao trabalho neles!!, criar formas de organização operária, novas, inventadas!! Uma estupidez tão imperdoável, que equivale aos melhores serviços que os comunistas podem prestar à burguesia. …
“Para saber ajudar as massas e conquistar sua simpatia, adesão e apoio é preciso não temer as dificuldades, mesquinharias, armadilhas, insultos, perseguições dos chefes. Além disso, devem trabalhar obrigatoriamente onde estejam as massas.”. (Lênin, Esquerdismo, a doença infantil do comunismo, Editora Símbolo)

Portanto, não atuar nos sindicatos, mesmo os que têm chefes oportunistas e reacionários, significa abandonar as massas operárias, em particular as mais atrasadas, à influência desses oportunistas e reacionários; significa beneficiar a burguesia e sua dominação política e ideológica sobre o proletariado.

De fato, de todas as organizações de massas, os sindicatos são aquelas de que mais a classe operária participa e onde mais se mobiliza para lutar. Na realidade, a primeira manifestação de consciência dos operários o leva a procurar o sindicato ou a se filiar a um sindicato. Foi assim nos séculos XVIII, XIX e XX e continua sendo até hoje. Só após tomar consciência das limitações das ações sindicais, de que apenas com os sindicatos não será possível uma mudança radical e profunda na sua situação, é que os operários percebem a necessidade de construir um instrumento mais profundo, mais avançado e mais poderoso que o sindicato, o Partido.
Como, inclusive, analisa a Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxista-Leninistas (CIPOML) em seu documento A situação internacional e as nossas tarefas, “Os sindicatos são centros importantes de luta e união da classe operária frente ao capital. As lutas nos últimos quinze anos demonstram essa realidade: os sindicatos se constituem, ainda, em organizações insubstituíveis para os operários. Mesmo que alguns manifestem que os sindicatos são inúteis como meios de luta, todos os sucessos da vida econômica e social mostram que  sua presença junto aos operários é mais indispensável que nunca. (…) Os sindicatos são as únicas organizações capazes de unir e organizar juntas a massa dos operários com os operários avançados”. (Revista A Nova Ordem Mundial, Edições Manoel Lisboa.2007)
Prova disso é o aumento de sindicalização que tem se verificado nos últimos anos em nosso país, como revelou estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) e divulgado em agosto de 2008. Em 1998, o Brasil tinha 11,14 milhões de trabalhadores formais e informais associados aos sindicatos.  E apesar de todo o recuo das lutas sindicais no país, o número de sindicalizados pulou para 16,59 milhões em 2006.
Em 2008, de acordo com a Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o número de sindicatos no Brasil era de 23.077 sindicatos. Pois bem, em quantos desses sindicatos nosso partido tem atuação? Pouquíssimos, como sabemos.
Não bastasse, para formar uma Central Sindical necessitamos de, no mínimo 100 sindicatos nas cinco regiões do país.
Em resumo, a tarefa principal para ligar nosso Partido à classe operária é, de imediato, lançar o maior número de militantes para atuar nos sindicatos operários.  Ingressar nos sindicatos operários, realizar neles um trabalho paciente mas decidido, unificar a classe operária na luta contra o capital, aumentar a influência do partido nos sindicatos e ganhar a confiança, o respeito e a simpatia dos operários, eis as tarefas que levarão nosso Partido a transformar-se no verdadeiro Partido da classe operária.
É evidente que todo esse trabalho se desenvolverá ainda mais rapidamente se realizarmos  conjuntamente brigadas deA Verdade nas fábricas e no centro das cidades, bem como se o jornal se transformar num órgão de denúncia dos abusos e da exploração que os trabalhadores sofrem em seu dia-a-dia.
Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR) – Julho de 2009

A importância da organização das mulheres

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“De nossas concepções ideológicas se desprendem como conseqüência medidas de organização. Nada de organizações especiais de mulheres comunistas! A comunista é tão militante do Partido como é o comunista, com as mesmas obrigações e direitos. Nisto não pode haver nenhuma divergência. Entretanto não devemos fechar os olhos perante os fatos. O Partido deve contar com os órgãos – grupos de trabalho, comissões, seções, ou como se decida denominá-los – cuja tarefa principal consista em despertar as amplas massas femininas, vinculadas ao Partido, sob a sua influência. Para isto é necessário, sem dúvida, que desenvolvamos plenamente, um trabalho sistemático entre essas massas femininas. Devemos educar as mulheres que tenhamos conseguido tirar da passividade, devemos recrutá-las e armá-las para a luta de classes proletária sob a direção do Partido Comunista. Não só me refiro às proletárias que trabalham na fábrica ou se afanam no lar, como também às camponesas e às mulheres das distintas camadas da pequena-burguesia. Elas também são vítimas do capitalismo e desde a guerra são mais que nunca. Psicologia apolítica, não social, atrasada dessas massas femininas; estreiteza de seu campo de atividade, todo seu modo de vida: estes são os fatos. Não prestar atenção a isto seria inconcebível, completamente inconcebível. Necessitamos de métodos especiais de agitação e formas especiais de organização. Não se trata de uma defesa burguesa dos “direitos da mulher”, e sim, dos interesses práticos da revolução”. (Lênin)

Disse a Lênin que suas reflexões constituíam para mim um apoio valioso. Muitos camaradas, muitos bons camaradas se opunham de maneira mais decidida a que o Partido criasse órgãos especiais para um trabalho metódico entre as amplas massas femininas. Chamavam a isto retorno às tradições social-democratas, à célebre “emancipação da mulher”. Tratavam de demonstrar que os partidos comunistas, ao reconhecerem por princípio e plenamente a igualdade de direitos da mulher, devem desenvolver seu trabalho entre as massas de trabalhadores sem diferença de qualquer espécie. A maneira de trabalhar entre as mulheres deve ser a mesma que entre os homens. Todo intento de considerar na agitação e na organização as circunstâncias indicadas por Lênin é considerada pelos defensores da opinião oposta: oportunismo, traição e uma renúncia aos princípios.

-“Isto não é novo nem serve de modo algum como prova- replicou Lênin- não se deixe confundir. Por que em nenhuma nação, nem na Rússia Soviética, militam no Partido tantas mulheres quantos são os homens? Por que o número de mulheres operárias organizadas nos sindicatos é tão pequeno? Estes fatos nos obrigam a refletir. Negar a necessidade de órgãos especiais para nosso trabalho entre as extensas massas femininas é uma das manifestações muito de princípio e muito radical de nossos “queridos amigos” do Partido Operário Comunista. Segundo eles, deve existir uma só forma de organização: a união operária. Já sei. Muitas cabeças de mentalidade revolucionaria, porém embaralhadas, se remetem aos princípios e não vêem a realidade, isto é quando a inteligência se nega a apreciar os fatos concretos aos quais se deve prestar atenção. Como fazem frente, estes mantenedores da “pureza de princípios”, às necessidades que nos impõe o desenvolvimento histórico em nossa política revolucionária? Todas essas defesas vêm abaixo ante uma necessidade inexorável: sem  milhões de mulheres não podemos levar a cabo a construção comunista. Devemos encontrar o caminho que nos conduz até elas, devemos estudar muitos métodos para encontrá-lo”.

“Por isto é totalmente justo que apresentemos reivindicações em favor da mulher. Isto não é um programa mínimo, não é um programa de reformas no espírito social-democrata, no espírito da II Internacional. Isto não é o reconhecimento de que acreditamos na eternidade ou ao menos na existência prolongada da burguesia e de seu Estado. Tampouco é nossa intenção apaziguar as massas femininas com reformas e desviá-las da luta revolucionária. Isto nada tem em comum com as superstições reformistas. Nossas reivindicações existem na prática, pela tremenda miséria e pelas vergonhosas humilhações que sofre a mulher, débil e desamparada em um regime burguês. Com isto testemunhamos que conhecemos essas necessidades, que compreendemos a opressão da mulher, que compreendemos a situação privilegiada do homem e odiamos. – Sim, odiamos e queremos eliminar tudo que oprime e atormenta a operária, a mulher do operário, a camponesa, a mulher do homem simples e inclusive, e em muitos aspectos, a mulher acomodada. Os direitos e as medidas sociais que exigimos da sociedade burguesa para a mulher, são uma prova de que compreendemos a situação e os interesses da mulher e de que na ditadura proletária a teremos em conta. Desde logo, não com adormecedoras medidas de tutela; não, claro que não, sim como revolucionários que chamam a mulher a trabalhar em pé de igualdade pela transformação da economia e da superestrutura ideológica.”

Assegurei a Lênin que compartilhava de seu ponto de vista, porém, que este ponto de vista encontraria, indubitavelmente, resistência. Mentes inseguras e medrosas o rechaçariam como “oportunismo perigoso”.

-“Que vamos fazer! – Lênin exclamou, algo irritado. Este perigo se estende a tudo que digamos e façamos. Se por temor a ele nos abstivermos de atos convenientes e necessários, poderemos converter-os em índios místicos contemplativos. Nada de mover-se, nada de mover-se, senão caímos da altura de nossos princípios! Em nosso caso, não se trata simplesmente de que exijamos isto e sim de como fazemos isto. Eu acredito que sublinhei com bastante clareza, isto. Como é lógico, em nossa propaganda não devemos ficar na posição de rezar um rosário de nossas reivindicações para as mulheres. Não, dependendo das condições existentes, devemos lutar ou por uma das reivindicações ou por outra, lutar de verdade, sempre em relação aos interesses gerais do proletariado”.

“Como é lógico, cada combate nos põe em contradição com a honorável camarilha burguesa e seus não menos honoráveis lacaios reformistas. Isto obriga estes últimos a lutar ao nosso lado, sob nossa direção – coisa que não querem – ou a tirar a máscara. Portanto, a luta faz com que nos destaquemos e mostra claramente nosso perfil comunista. A luta provoca a confiança das amplas massas femininas, que se sentem exploradas, escravizadas, esgotadas pelo domínio do homem, pelo poder dos patrões e por toda sociedade burguesa em seu conjunto. As trabalhadoras, traídas e abandonadas por todos, começam a entender que devem lutar junto conosco. Devemos ainda persuadir-nos uns aos outros que a luta pelos direitos da mulher tem de vincular-se com o objetivo fundamental: com a conquista do Poder e a instauração da ditadura do proletariado. Isto é evidente, completamente evidente. Porém as amplas massas femininas, trabalhadoras, não sentirão desejo irresistível de compartilhar conosco a luta pelo Poder do Estado, se sempre apregoamos somente esta reivindicação, ainda que seja com as trombetas de Jericó! Não, não! Também devemos vincular politicamente, na consciência das massas femininas, no chamamento, com os sofrimentos, as necessidades e os desejos das trabalhadoras. Estas devem saber que a ditadura proletária significa a plena igualdade de direitos com o homem, tanto perante a lei, como na prática, na família, no Estado e na sociedade, assim como também a derrubada do poder da burguesia.”

– A Rússia Soviética está demonstrando isto, exclamei! E nos servirá de grande exemplo!

A agitação e a propaganda entre as mulheres

Lênin prosseguiu:

-“A Rússia Soviética levanta nossas reivindicações para as mulheres sob um novo aspecto. Na ditadura do proletariado, estas reivindicações já não são objeto de luta entre o proletariado e a burguesia, e sim, são tijolos para a construção da sociedade comunista. Isto mostra às mulheres estrangeiras a importância decisiva da conquista do Poder pelo proletariado. A diferença entre sua situação aqui e lá, deve ser estabelecida com precisão, para que vocês possam contar com as massas femininas na luta revolucionária de classes do proletariado. Saber mobilizá-las com uma clara compreensão dos princípios e sob uma firme base organizativa, é uma questão da qual dependem a vida e a vitória do Partido Comunista. Porém, não devemos enganar-nos. Em nossas seções nacionais não existe ainda uma compreensão cabal deste problema. Nossas seções nacionais mantêm uma atitude passiva e expectante perante a tarefa de criar, sob a direção comunista, um movimento de massas das trabalhadoras. Não compreendem que liberar esse movimento de massas e dirigi-lo constitui uma parte importante de toda a atividade do partido, inclusive a metade do trabalho geral no Partido. Às vezes, o reconhecimento da necessidade e do valor de um potente movimento feminino comunista, que tenha diante de si um objetivo claro, é um reconhecimento platônico da palavra e não uma preocupação e um dever constante do Partido.”

“São muitos poucos os maridos, inclusive entre os proletários que pensam no muito que poderiam aliviar o peso e as preocupações da mulher e até suprimi-los por completo, se quisessem ajudar no “trabalho da mulher”. Não fazem por considerar isto em contradição com o “direito e a dignidade do marido”. Este exige descanso e comodidade. A vida continua substituindo de maneira encoberta. Sua escrava vinga-se dele objetivamente, por esta situação e também de maneira velada: o atraso da mulher, sua incompreensão dos ideais revolucionários do marido, debilitam o entusiasmo deste e sua decisão de luta. Estes são os pequeninos vermes que corroem e minam as energias de modo imperceptível e lento, porém seguro. Conheço a vida dos operários não somente pelos livros. Nosso trabalho comunista entre as massas femininas precisa ser compreendido por uma parte cada vez mais considerável dos homens. Devemos extirpar, até as últimas e mais ínfimas raízes, o velho ponto de vista próprio dos tempos da escravidão. Devemos fazê-lo tanto no Partido como entre as massas. Isto se relaciona tanto com nossas tarefas políticas como à imperiosa necessidade de formar um núcleo de camaradas – homens e mulheres – que conte com uma séria preparação, teórica e prática, para realizar e impulsionar o trabalho do Partido entre as trabalhadoras.”, concluiu Lênin.

(Fonte: livro Recordações de Lênin, de Clara Zetzin)

“Lênin vive! Lênin viverá!”

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Há 138 anos, no dia 22 de abril, nasceu Vladimir Ilicht Ulianov, Lênin, líder da mais importante revolução já realizada na história da humanidade, a revolução socialista russa, e fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Para festejar o aniversário de Lênin e homenagear o herói da classe operária mundial, uma imensa multidão, em sua grande maioria jovens, se fez presente no último dia 22 de abril na Praça Vermelha, em Moscou, onde se encontra seu mausoléu. A presença da juventude na manifestação não é à toa. Os jovens são hoje as principais vítimas do retorno do capitalismo nesse país.

Em homenagem a Lênin e à sua vida dedicada à libertação da humanidade, A VERDADE publica o artigo Lênin, organizador e chefe do Partido Comunista da Rússia, publicado no Pravda por ocasião do 50 ° aniversário do nascimento de Lênin.

Lênin, organizador e chefe do Partido Comunista da Rússia

Há dois grupos de marxistas. Ambos atuam sob a bandeira do marxismo e se crêem marxistas “autênticos”. Não obstante, estão longe de ser idênticos. Mais ainda: separa-os um abismo, pois seus métodos de trabalho são diametralmente opostos.

O primeiro desses grupos limita-se, habitualmente, a aceitar formalmente o marxismo, a reconhecê-lo convencionalmente. Não sabendo ou não querendo penetrar na essência do marxismo, não sabendo ou não querendo traduzi-lo em fatos, transforma as teses vivas e revolucionárias do marxismo em fórmulas mortas e vazias. Baseia suas atividades não na experiência, não nos ensinamentos do trabalho prático, mas em citações de Marx. Deduz suas instruções e diretivas não da análise da realidade viva, mas de analogias e paralelos históricos. A divergência entre as palavras e os atos é a principal enfermidade desse grupo. Daí as decepções e o eterno descontentamento com o destino, que a todo o momento lhe prega boas peças a o deixa “de cara à banda”. Esse grupo se chama menchevismo (na Rússia) e oportunismo (na Europa). No congresso de Londres, o camarada Tyczko (Jogiches) definiu com muita acuidade esse grupo, quando disse que ele não sustentava o ponto-de-vista marxista, antes “jazia” sobre o mesmo.

O segundo grupo, pelo contrário concede primordial importância não à aceitação formal do marxismo e, sim, à sua aplicação, à sua transformação em realidade. Concentra sobretudo sua atenção determinação, em conformidade com a situação, dos caminhos e meios de realização do marxismo e na modificação desses caminhos e meios quando a situação se transforma. Deduz suas instruções e diretivas não de analogias e paralelos históricos, mas do estudo das condições. Baseia suas atividades não em citações e máximas, mas na experiência prática, verificando experimentalmente cada um dos seus passos, aprendendo com seus erros e ensinando os outros a construir a vida nova. Daí, precisamente, que não haja divergência entre palavras e fatos nas atividades desse grupo e que os ensinamentos de Marx conservem plenamente, entre eles, sua força revolucionária viva. A esse grupo podem ser perfeitamente aplicadas as palavras de Marx, segundo as quais os marxistas não se podem contentar com interpretar o mundo; devem ir mais adiante e transformá-lo. Esse grupo se chama bolchevismo, comunismo. O organizador e chefe desse grupo é V.I.Lênin.

A formação do Partido proletário na Rússia processou-se em condições particulares, diferentes das existentes no Ocidente na ocasião em que se organizara ali o Partido operário. Enquanto no Ocidente – na França, na Alemanha – o Partido operário nasceu dos sindicatos, nas condições de uma revolução burguesa já feita, com os sindicatos e os partidos tendo existência legal, com o parlamento burguês funcionando, com a burguesia – que ascendera ao poder – defrontando-se frente a frente  com o proletariado, na Rússia, pelo contrário, formou-se o Partido do proletariado nas condições do mais feroz absolutismo, na expectativa da revolução democrático-burguesa, num momento em que, de um lado, fervilhavam nas organizações do partido os elementos burgueses “marxistas-legais”, ansiosos por utilizar a classe operária para a revolução burguesa, e de outro lado, estavam os policiais  do tzar arrebatando ao partido seus melhores militantes, num momento em que o ascenso do movimento revolucionário espontâneo impunha a existência de um firme, combativo e unido núcleo de revolucionários, suficientemente conspirativo, capaz de dirigir o movimento para a derrubada do absolutismo.

Tratava-se de separar o joio do trigo, de desfazer-se dos elementos estranhos, de organizar por todo o país quadros de revolucionários experimentados, de traçar-lhes um programa claro, uma tática e construir uma combativa organização de revolucionários profissionais, suficientemente conspirativa para poder resistis às investidas dos policiais e, ao mesmo tempo, suficientemente ligada às massas para levá-la à luta no momento preciso.

Os mencheviques, aqueles indivíduos que “jazem” sobre o ponto-de-vista marxista, resolviam o problema de modo simples: Uma vez que o Partido operário nascera, no Ocidente, dos sindicatos apartidários, que lutavam pela melhoria da situação econômica da classe operária, também na Rússia se deveria proceder tanto quanto possível, assim; quer dizer, era suficiente para o momento “a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo” no âmbito local, não deveria ser criada nenhuma organização combativa para toda a Rússia, e mais tarde…bem, mais tarde se nesse ínterim não surgissem os sindicatos, convocar-se-ia um congresso operário não-partidário em que seria proclamado o Partido.
Mal se davam conta, naquela época, os mencheviques – e talvez até um bom número de bolcheviques – de que esse “plano marxista”, embora utópico nas condições da Rússia, acarretava um vasto trabalho de agitação, destinado a rebaixar a própria idéia do partido, a destruir os seus quadros, a deixar o proletariado privado de seu Partido e a entregar a classe operária à vontade dos liberais.

Lênin prestou um imenso serviço ao proletariado russo e a seu partido, ao revelar todo o perigo do “plano” de organização dos mencheviques, quando esse “plano” ainda estava em germe, quando seus próprios autores ainda não percebiam claramente seus contornos e, após ter revelado o perigo, ao desencadear violento ataque contra o relaxamento dos mencheviques em matéria de organização, concentrando sobre este problema a atenção de todos os militantes dedicados à atividade prática. Foi um grande serviço porque era a própria existência do Partido que estava em jogo; tratava-se de questão de vida ou morte para o Partido.

O plano que Lênin desenvolveu em seus célebres livros: Que fazer? e Um passo adiante, dois passos atrás, foi o de criar um jornal político destinado a toda a Rússia como centro de reunião das forças do Partido, organizar nas localidades os quadros firmes como “formação regulares” do partido, reunir esses quadros por meio do jornal e agrupá-los através de toda Rússia num Partido combativo, com limites nitidamente marcados, possuidor de um programa claro, de uma tática firme e de uma vontade única. Esse plano tinha o mérito de corresponder por completo à realidade russa e de generalizar magistralmente a experiência de organização dos melhores militantes dedicados ao trabalho prático. Na luta por esse plano a maioria dos militantes russos seguiu decididamente Lênin, sem recuar ante a perspectiva de uma cisão. A vitória desse plano lançou as bases deste fortemente unido e temperado Partido Comunista, sem igual no mundo.

Nossos camaradas (e não apenas os mencheviques!) acusavam frequentemente Lênin de ter excessiva inclinação pela polêmica e a cisão, de manter uma luta intransigente contra os conciliadores, etc. Por vezes foi realmente assim. Não é difícil, porém compreender que nosso Partido não teria podido acabar com a debilidade e a desarticulação internas, nem adquirir a força e o vigor que lhe são próprios, se não tivesse alijado de seu seio os elementos não proletários e oportunistas. Na época do domínio da burguesia, o Partido do proletariado só pode crescer e fortalecer-se na medida em que leve a cabo, no seu seio e entre a classe operária a luta contra os elementos oportunistas, hostis à revolução e ao Partido. Lassale tinha razão quando dizia: “o Partido fortalece-se depurando-se”. Os acusadores citavam habitualmente o Partido alemão, no qual florescia então a “unidade”. Mas, em primeiro lugar, nem toda unidade é sinal de força e, em segundo lugar, basta voltar os olhos para o antigo Partido alemão, dilacerado hoje em três partidos, para compreender quanto havia de falso e fictício na “unidade” entre Scheidemann e Noske, de um lado, e Liebknecht e Luxemburgo, do outro. Quem sabe se não teria sido melhor para o proletariado alemão que os elementos revolucionários do Partido alemão se tivessem separado a tempo dos elementos anti-revolucionários… Não, Lênin tinha mil vezes razão ao conduzir o Partido pelo caminho da luta intransigente contra os elementos hostis ao Partido e à revolução. Pois foi somente em virtude dessa política de organização que nosso Partido pode criar essa unidade interna e essa surpreendente coesão que lhe permitiram incólume da crise de julho sob o governo Kerenski, agüentar o impacto da insurreição de outubro, atravessar sem qualquer abalo a crise do período de Brest-Litovsk, organizar a vitória sobre a “Entente” e , por fim, conseguir essa flexibilidade sem paralelo que lhe permite, a qualquer momento, reagrupar suas fileiras e concentrar centenas de milhares de seus membros numa grande tarefa determinada sem causar confusão em seu seio.

Pravda (A Verdade), nº 86.
23 de abril de 1920. 

Marxista ou robô burguês?

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Em discurso para dezenas de empresários, na abertura da 29ª Reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), no dia 5 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou: “Será que os países ricos vão continuar apenas colocando dinheiro com o intuito de salvar os bancos ou será que alguns países terão coragem, sem medo da palavra, de estatizar os bancos, recuperá-los, fazer voltar o crédito e, depois, então, se quiserem, entregar os bancos a quem eles entenderem que devam entregar?”(Jornal do Brasil, 6/3/2009).

No mesmo discurso, Lula disse ainda: “Eu me lembro de que quando caiu o Muro de Berlim, eu fui muito criticado aqui no Brasil, porque eu dizia que a queda do Muro de Berlim era a oportunidade de a gente repensar as coisas no mundo, porque até então estava tudo escrito, o Manifesto Comunista dizia tudo o que a gente tinha que fazer, o Marx já tinha dito tudo o que nós tínhamos que fazer. Era como se nós tivéssemos que ser um pequeno robô, sem ter o direito de pensar. O meu Partido nasceu exatamente do desaforo de pensar diferente. Os sindicatos, no Brasil, cresceram exatamente pensando diferente. (Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante abertura da 29ª Reunião do Pleno do CDES)

Ou o presidente Lula esqueceu o que leu no Manifesto do Partido Comunista ou, então, quando o leu, o fez apressadamente, pois, como se sabe, o Manifesto, um dos livros mais traduzidos e mais vendidos no mundo nos últimos 150 anos, nunca se propôs dizer tudo o que cada um ou que cada partido deveria fazer, mas, sim, expor o programa teórico e prático dos comunistas. Essa foi a decisão do Congresso da Liga dos Comunistas (mais tarde chamada de Associação Internacional dos Trabalhadores, a Internacional), realizado em novembro de 1847, e cumprida magistralmente por Karl Marx e  Friedrich Engels.

No entanto, embora nele não esteja escrito tudo o que cada um deva fazer, com certeza – se o que nele está escrito fosse cumprido pelos atuais governantes – não existiriam no mundo miséria, fome, guerras, desemprego e, tampouco, crises econômicas.

De fato, o Manifesto, queira ou não o presidente, permanece uma obra atual e profundamente necessária para quem quiser compreender por que ocorrem as crises econômicas e a verdadeira causa da existência de pobres e ricos na sociedade capitalista. Vejamos apenas algumas frases dessa importante obra de Marx e Engels:

“De há decênios para cá, a história da indústria e do comércio é apenas a história da revolta das modernas forças produtivas contra as velhas relações de  produção, contra as relações de propriedade que são as condições de vida da burguesia e de seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, na sua recorrência periódica, põem em causa, cada vez mais ameaçadoras, a existência de toda a sociedade burguesa. (….) Nas crises declara-se uma epidemia social que teria parecido um contrassenso a todas as épocas anteriores – a epidemia da sobreprodução. A sociedade vê-se de repente retransportada a um estado de momentânea barbárie; parece-lhe que uma fome, uma guerra de destruição generalizada lhe cortaram todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem-lhe aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui civilização em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que dispõe deixam de servir para promoção das relações de propriedade burguesas; pelo contrário, tornaram-se demasiado poderosas para estas relações, e são por elas tolhidas; e assim que superam este obstáculo lançam na desordem toda a sociedade burguesa, põem  em perigo a existência da propriedade burguesa.” (Manifesto do Partido Comunista. Edições Progresso)

Que há  de ultrapassado ou de superado nessas afirmações? Nada, absolutamente nada! Pelo contrário, aí está sintetizada a explicação para as crises econômicas que acometem o sistema capitalista desde seu nascimento.

Lutas de classes

O presidente Lula disse ainda que, com o Manifesto, Marx e Engels queriam dizer “tudo que a gente tinha que fazer”.  Os autores do Manifesto, entretanto, têm outra opinião sobre que o que pretenderam com o texto que escreveram: “O Comunismo é já reconhecido por todos os poderes europeus como um poder. Já é tempo de os comunistas exporem abertamente ao mundo inteiro o seu modo de ver, os seus fins, as suas tendências, e de contraporem à lenda do espectro do comunismo um Manifesto próprio do partido.” (Manifesto do Partido Comunista. Edições Progresso.)

Mais:

“A história de toda a sociedade até hoje é a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burguês da corporação e oficial, em suma opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, abertas outras, uma luta que acabou sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com o declínio comum das classes em luta.

(….)

A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Limitou-se a colocar novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta, no lugar das anteriores. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade está a cindir-se, cada vez mais, em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado.” (Manifesto do Partido Comunista)

Pois bem, quando se observa a atual realidade de nosso país e do mundo, com os Estados burgueses usando o dinheiro público para salvar uma minoria de bilionários, enquanto a cada três segundos uma criança morre de fome; quando vemos um estudo da própria Organização das Nações Unidas (ONU) revelar que os 10% mais ricos do mundo detêm 85,2% da riqueza mundial e que, do outro lado, os 50% mais pobres do mundo possuem apenas 1% dessa riqueza; quando dezenas de grandes empresas que auferiram enormes lucros nos últimos anos reduzem salários e demitem, 50 milhões de trabalhadores em todo o mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT); e quando vemos continuar as guerras imperialistas para dominar o petróleo e as riquezas de dezenas países, etc. – é possível, por acaso, concluir que esse “antagonismo entre burguesia e proletariado” não está mais presente na sociedade?

Desaforos

Disse também Lula que o PT nasceu desse “desaforo de pensar diferente do Manifesto Comunista”. Como passaram, então,  a pensar o presidente e seu partido?

Vejamos: “Será que alguns países terão coragem, sem medo da palavra, de estatizar os bancos, recuperá-los, fazer voltar o crédito e, depois, então, se quiserem, entregar os bancos a quem eles entenderem que devam entregar?”

Em resumo, usar o dinheiro público para estatizar bancos e depois entregá-los sem dívidas aos banqueiros: esse o pensamento desaforado do presidente Lula e de seu partido em relação ao marxismo.

Ora, tal pensamento é um desaforo não só ao marxismo, mas a qualquer cidadão que paga impostos e  vê seu dinheiro, em vez de ir para a educação ou para a saúde, ser utilizado para salvar banqueiros falidos.

No Manifesto, Marx e Engels defendem exatamente o contrário. Entendem que, após a revolução, a classe operária arranque o capital das mãos da burguesia e coloque todos os instrumentos de produção nas mãos do novo Estado:  “Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco central com capital do Estado e monopólio exclusivo.”

Nada, portanto, de bancos privados, menos ainda de estatizar para, depois, privatizar.

Outros desaforos do presidente: entregar R$ 4 bilhões às montadoras de automóveis, outros bilhões ao banco Votorantim (da família de Antônio Ermírio de Moraes) e financiar a Embraer com dinheiro público do BNDES – para essa empresa demitir 4.300 trabalhadores.

E:

“Hoje, mais do que fazer uma pauta de reivindicação pedindo aumento, temos que contribuir para que as empresas vendam mais. (…) Se tivermos medo de comprar, o comércio não vai vender. Se o comércio não vende, a indústria não produz”, disse Lula no último dia 28 de março na Feira da Construção Civil, em São Paulo.

Porém, presidente, se os trabalhadores não tiverem aumento salarial quem vai comprar? Além de que, no capitalismo, os trabalhadores já ajudam demais os empresários. Basta observar de onde vem os seus lucros.

Entretanto, não é à toa esse apego do presidente aos pensamentos diferentes ou opostos ao marxismo. Os bancos foram os principais financiadores da campanha de reeleição do presidente Lula, com doações que somam R$ 10,5 milhões, segundo a prestação de contas oficial do PT, seu partido, à Justiça Eleitoral. Entre os bancos, o maior doador foi o Itaú, com R$ 3,5 milhões.

Aliás, o chamado sistema financeiro dobrou de tamanho no governo Lula e seus lucros triplicaram: em 2007, o lucro líquido do setor financeiro alcançou R$ 57,4 bilhões, um crescimento de 200% sobre os R$ 19,1 milhões de 2003.

Na verdade, com esse “desaforo” ao Manifesto, mais uma vez Lula procura se apresentar perante as classes dominantes e seus meios de comunicação como um operário que traiu sua classe e sua ideologia e aderiu à ideologia burguesa. Aliás, a mesma burguesia que é responsável pelo dedo que ele perdeu, por ter sido preso e pela existência de milhões de brasileiros vivendo com fome e desempregados.

Não há de ser nada, pois, como bem escreveram Marx e Engels no Manifesto Comunista, “a burguesia produz o seu próprio coveiro. A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.”

Isso mostraram a Grande Revolução Socialista Russa de 1917, a revolução chinesa de 1949, a do Vietnã, em 1950, a de Cuba, em 1959, entre muitas outras – e o comprovarão ainda mais as revoluções que se realizarão nesse século XXI, inspiradas e animadas por esse pequeno mas profundo e verdadeiro  livro: Manifesto do Partido Comunista.

Lula Falcão é membro do comitê central do Partido Comunista Revolucionário-PCR

Gamal Abdel Nasser e a rebelião do povo egípcio

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O Egito se localiza no Nordeste da África. Sua história remonta a quatro mil anos antes de Cristo, quando, destruídas as Comunidades Primitivas, instaurou-se um Estado despótico, dominado por uma monarquia absolutista, na qual o rei, o Faraó, era um deus.

A economia se baseava na servidão coletiva dos camponeses e no trabalho escravo. Foi o esforço gigantesco desses trabalhadores que possibilitou a construção das famosas pirâmides, que nada mais eram do que túmulos dos faraós. Milhares de vidas foram sacrificadas em sua construção.

No período denominado Novo Império (1580-1080 a.C.), o regime adotou uma política expansionista, conquistando a Síria, a Fenícia, a Palestina e a Núbia (atual Sudão). Formou-se o Império Asiático do Egito, que chegava até o rio Eufrates.

As lutas de libertação das nações ocupadas e as revoltas internas dos camponeses e escravos ante a superexploração provocaram o declínio do Império. O Egito perdeu sua independência em 525 a.C. Já no ano 30 a.C, após a derrota de Cleópatra, tornou-se simples província de Roma.

A conquista do Egito pelos árabes acontece em 395 d.C., com a crise do Império Romano. Ao longo dos séculos seguintes, dá-se a completa “arabização” do país, que é disputado por Inglaterra e França. O general Napoleão Bonaparte invadiu o país em 1798. A Inglaterra expulsa o exército francês em 1801. Depois, ocorre uma parceria entre as duas potências europeias. O Canal de Suez foi construído com apoio da França entre 1860 e 1870. A parte egípcia foi comprada pela Inglaterra em 1875.

Concedida pela Inglaterra em 1822, a independência foi mera formalidade, pois o Reino Unido se reservou o direito de interferir nos assuntos internos sempre que seus interesses fossem contrariados.

Um sentimento anticolonialista foi tomando corpo e contrariando a potência dominante. Em 1945, o Egito integra a Liga Árabe e, em 1948, engaja-se num movimento contra a criação do Estado de Israel. A ONU aprovou a criação de Israel, e o Egito declarou guerra ao novo Estado, mas foi derrotado em 1949. O povo egípcio creditou a derrota à Monarquia, obtendo o apoio do Exército, no seio do qual nasce o Movimento dos Oficiais Livres, liderado pelo general Muhammad Naguib e pelo coronel Gamal Abdel Nasser.

“Os povos não desafiam a repressão e a morte nem permanecem noites inteiras protestando com energia por questões simplesmente formais. Eles fazem isso quando seus direitos legais e materiais são sacrificados sem piedade de acordo com as exigências insaciáveis de políticos corruptos e dos círculos nacionais e internacionais que saqueiam o país.”

(Fidel Castro, sobre a revolta popular no Egito, 2011)

Soberania e Socialismo

Gamal Abdel Nasser nasceu em Alexandria, em 1918, filho de um funcionário dos Correios. Concluiu os estudos na capital, Cairo, onde foi preso aos 17 anos por participar de manifestações contra a Grã-Bretanha e a Monarquia.

Tinha 34 anos quando comandou a derrubada do rei Faruk, na noite do dia 22 de julho de 1952, num golpe bem sucedido, sem derramamento de sangue. Nasser assumiu a liderança do Conselho Revolucionário, e Naguib, a Presidência da República. Eles lideram correntes divergentes do Movimento Nacionalista. Naguib é pró-ocidental e se alia com setores liberais da Monarquia. Nasser defende um Movimento Pan-árabe e quer a independência real do país ante as superpotências, bem como a eliminação das desigualdades econômicas e sociais.

Nessa disputa, Nasser sai vitorioso e assume a Presidência da República em fevereiro de 1954. Um referendo popular em junho de 1956 aprova o projeto de Constituição que torna o Egito uma república socialista, com a quase totalidade dos votos.

Em 1955, juntamente com Josip Broz Tito e Jawaharlal Neru, respectivamente presidente da Iugoslávia e Primeiro-Ministro da Índia, lança um movimento pela neutralidade diante das superpotências, precursor do Movimento dos Países Não-Alinhados. Os três Chefes-de-Estado foram reconhecidos internacionalmente como líderes do Terceiro Mundo.

O governo Nasser promoveu a reforma agrária e planejou um modelo desenvolvimentista, cujo símbolo foi o projeto de construção da barragem de Assuã, na primeira catarata do rio Nilo, para produzir eletricidade e possibilitar a irrigação do deserto. Buscou financiamento do Banco Mundial, negado porque ele rejeitou a condição de não colocar técnicos soviéticos na empresa. Com o apoio da URSS, a barragem de Assuã entrou em operação no ano de 1968.

Rompem-se as relações com Inglaterra e França, que articulam junto a Israel a invasão do Egito. A ofensiva israelense começou no dia 29 de outubro de 1956, penetrando pelo Monte Sinai até chegar perto do Canal. O Egito reagiu e, no dia seguinte, começam os bombardeios britânicos e franceses.

Mas o Egito ganhou no terreno da política. A ONU determinou a retirada dos invasores e reconheceu a soberania egípcia sobre o Canal. As tropas britânicas saíram de imediato, e Israel devolveu o Sinai no ano seguinte.

Vitorioso, Nasser radicaliza o processo revolucionário. Aprofunda a cooperação com a União Soviética e promove a estatização de empresas estrangeiras. Cria a República Árabe Unida em 1º de fevereiro 1958, reunindo Egito, Síria e Iêmen, com duração efêmera, em vista de um golpe de Estado na Síria em 02 de março do mesmo ano. Em 1964, Nasser recebe em Moscou a mais alta honraria do país, nunca antes concedida a um estrangeiro: o título de HERÓI DA UNIÃO SOVIÉTICA. Apoiou incondicionalmente a luta palestina, inaugurando o primeiro escritório da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Nova ofensiva de Israel, com apoio das potências imperialistas, ocorre em junho de 1967, desta vez destruindo os exércitos do Egito, Jordânia, Líbano e Síria e ocupando a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golan, no episídio que ficou conhecido como Guerra dos Seis Dias.

A última ação destacada de Nasser foi a mediação do conflito entre o exército da Jordânia e a OLP. As partes firmaram acordo de paz no dia 27 de setembro de 1970. No dia seguinte, Gamal Abdel Nasser morre de um ataque cardíaco fulminante. Dia 1º de outubro, cinco milhões de egípcios dão o último adeus ao seu líder maior.

Abertura para o imperialismo

O sucessor, Anwar El Sadat, inicialmente parecia disposto a continuar aprofundando a Revolução.  Organizou uma expedição para libertar as áreas ocupadas por Israel, em 1973, mas não teve êxito. Então começou um recuo, que chamou de “retificação”.  Rompeu com a União Soviética e reaproximou-se das potências capitalistas. Reprivatizou as terras desapropriadas pela Reforma Agrária, bem como as estatais, e abriu as portas ao capital estrangeiro. Contraiu crescente endividamento externo, submetendo-se ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Como consequência, os trabalhadores sofreram aumento do custo de vida e do desemprego, e os camponeses retornaram à servidão diante da retomada de suas terras.

Sadat ainda se reaproximou de Israel. Em troca da retirada do apoio à OLP, recebeu de volta o Sinai, consoante os Acordos de Camp David (1979). Em 1981, foi assassinado por militares contrários à sua aliança com Israel e à repressão desencadeada sobre os muçulmanos fundamentalistas.

As lutas de hoje

Assumindo a Presidência, Hosni Mubarak completa a abertura ao capital estrangeiro, a dependência do país e a intervenção do FMI. O agravamento dos problemas abre espaço para o fundamentalismo islâmico, por um lado, e, por outro, à insatisfação com as condições de vida e a repressão, independentemente de credo religioso. Esse caldeirão entornou em janeiro de 2011, quando multidões de egípcios foram às ruas exigir a mudança do regime. Mubarak renunciou, e o governo foi assumido, provisoriamente, promete-se, por uma Junta Militar.

Sem uma direção revolucionária, unitária, a revolta das massas tem futuro incerto. Está claro que não conseguiu impor o ritmo das mudanças que reivindicava e nem se configura o ponto até onde tais mudanças irão. Mas, pelo menos, algo positivo já aconteceu: a abertura da fronteira com a faixa de Gaza, fechada há quatro anos, desde que o Hamas foi eleito pelo povo para governar a Província. Foi uma exigência de Israel aceita por Mubarak. Com isso, os palestinos poderão respirar um pouco mais aliviados.

Embora o nasserismo não tenha se transformado em movimento organizado, com certeza a inspiração das idéias de Nasser, de soberania, união árabe e socialismo iluminam, ao menos, parte dessa multidão que clama por mudanças no país do rio Nilo.

José Levi, historiador

Rose Nogueira e a luta da mulher contra a ditadura

Na página dedicada aos heróis e heroínas e às lutas do povo brasileiro, A Verdade tem homenageado aqueles(as) que, imolados(as) no altar satânico da tortura praticada pela Ditadura Militar (1964-1985), deram sua vida pela causa da libertação do nosso povo.  Mais do que justo. Mas refletimos que muitos(as) militantes sobreviveram ao ritual do terror, superaram as sequelas (alguns não conseguiram, infelizmente, a exemplo de frei Tito Alencar, que se suicidou durante o exílio na França) e continuam acreditando e contribuindo com a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, fundamentada na igualdade, na justiça, na solidariedade, na cooperação. Eles(Elas) também são nossos heróis e heroínas.

Entre estes(as) heróis e heroínas vivos(as), está Rosemeire Nogueira Clauset. ROSE NOGUEIRA é filha de espanhóis (lado paterno) com italianos (lado materno), mistura típica de São Paulo do século 20. Nasceu em 1946, em Jacareí (SP), cidade do Vale do Paraíba, “o doce rio que, ao contrário do Tietê, fornece a maior parte da água que bebemos por aqui”.

Ação Libertadora

Como centenas de jovens que não aceitaram a ditadura imposta ao povo brasileiro no ano de 1964, Rose ingressou na militância política. Casou com Luiz Roberto Clauset, ambos militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN). A ALN resultou de uma cisão do Partido Comunista Brasileiro (PCB), inicialmente chamada Agrupamento Comunista de São Paulo (AC/SP), liderada pelo baiano Carlos Marighella (leia Heróis do Povo Brasileiro, in A Verdade, nº 12), um dos líderes mais carismáticos do PCB, “um dos maiores brasileiros de todos os tempos”, diz Rose.  Considerando que o PCB se mantinha inerte ante a ditadura, a ALN preconizava a formação de um Exército de Libertação Nacional, com base rural, para derrotar o Regime Militar e implementar um programa de transformação da sociedade brasileira, nacional, popular e anti-imperialista. As ações guerrilheiras começaram na cidade, como forma de arrecadar fundos e treinar os militantes para a implantação do movimento no campo.

As ações tiveram início ainda em 1968, ano de intensa mobilização estudantil, e se intensificaram após a edição do AI-5, que marcou o endurecimento do regime, fechou todos os canais de manifestação popular e adotou um sistema repressivo feroz, com um aparelho oficial e outro clandestino, ambos interligados. Em setembro de 1969, a ALN e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), em ação conjunta, sequestram o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. A ação é vitoriosa, conseguindo a libertação de 15 prisioneiros políticos e a divulgação de um manifesto revolucionário nas redes de televisão, rádios e jornais.

Sucede-se uma escalada repressiva sem precedentes. Rose lembra detalhes do que ela denomina “essência do fascismo”. O incentivo à delação era tão forte que, “além dos cartazes com as fotos dos militantes perseguidos e a frase PROCURA-SE, circulavam panfletos incitando as pessoas: “se você perceber alguma movimentação à noite na casa do seu vizinhodenuncie à delegacia mais próxima“; “se alguém se mudar no domingo, isso é estranho; chame a polícia”; “se o seu vizinho varrer a casa fora de hora, chame a polícia“. Até as festas de aniversário em família tinham de ser comunicadas aos órgãos policiais.

A repressão atinge mortalmente a ALN, com sucessivas prisões, assassinatos e torturas, que levam ao grande líder Marighella, que resistiu à prisão e foi fuzilado na Alameda Casa Branca, Centro de São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969.

Nas garras do monstro

Nessa mesma data, Rose e Luiz Roberto Clauset tiveram sua casa invadida por agentes policiais comandados pelo próprio Fleury. Ela havia dado à luz há um mês, apenas, seu rebento Cacá (Carlos Guilherme Clauset, hoje publicitário, jornalista e campeão de ralies). Fleury queria levar a criança para o Juizado de Menores, mas ela, bravamente resistiu: “só irei presa se deixar o menino com a família”.  O monstro torturador ameaçou, mostrou o revólver, mas cedeu.

No Dops, não poderia ser diferente, a recepção foi rigorosa.  Rose relata: “Na sala de Fleury, uma caveira desenhada com as letras embaixo E.M (Esquadrão da Morte). Empurrões, beliscões nas nádegas, palavrões”. Rose sangrava (parto recente), o leite escorria dos seios, pois não podia amamentar seu bebê. Tudo isso era motivo de zombaria e humilhações. “Olha aí a Miss Brasil, Pariu outro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca. Só pode ser uma vaca terrorista”. Muita dor, tortura física e psicológica, ameaçando trazer o filho para torturar em sua frente.

O sofrimento aumentou ainda mais quando viu e ouviu os soldados rindo e comemorando, na noite de 4 de novembro:  “Matamos Marighella“. Rose o admirava muito, como revolucionário e pessoa humana especial. “Em minha casa, havia reuniões de Marighella com o Comando da ALN, com os frades dominicanos (grupo de religiosos que apoiava a ALN, entre os quais os freis Betto, Ivo, Fernando e Tito). Por algumas vezes, Marighella dormia lá em casa. Como eu não tinha nome de guerra (Rose tinha vida legal; ela e o marido trabalhavam na Folha da Tarde, onde frei Betto era chefe de reportagem), ele me chamava “filhinha”. Um dia, trouxe o livro Parto sem Dore fez exercícios respiratórios comigo. Que companheiro, que pessoa mais linda. Gostava de comer feijão com arroz e banana crua. Como esse misturado gostoso até hoje quando me lembro dele”.

A luta continua

Foram três anos de sofrimento na prisão.  “Depois de tudo isso, fomos absolvidos no final de 1972. Foram três anos desesperados. No nosso processo, que eles chamavam de ALN-1, ou “Ala Marighella”, só os padres foram condenados. Acho que éramos uns 20 denunciados no processo. Penso que a ditadura queria, com isso, condenar o trabalho da Igreja Católica e, principalmente, a Teologia da Libertação”.

Rose Nogueira não desistiu.  Preside o Grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo, está engajada na luta pela abertura dos arquivos da repressão, pela punição dos torturadores, e continua acreditando na libertação do povo brasileiro. É heroína, sim, é exemplo para as novas gerações.

Box

Foi doloroso para Rose Nogueira relembrar o sofrimento, a saudade, aflorar a emoção daqueles dias, especialmente num momento em que sua genitora está gravemente doente. Já na véspera do fechamento desta edição, respondendo ao pedido de urgência no envio das respostas que faltavam, ela escreveu: “Fiquei muito mal e deprimida ao escrever sobre a prisão e, principalmente, ao falar do meu filho – que, por coincidência, chegou logo depois e fomos direto para a casa de minha mãe, na Vila Monumento (ao lado do histórico córrego Ipiranga, que ainda corre, mas hoje as margens plácidas são uma larga avenida de duas pistas) porque ela está passando muito doente. Tem câncer de abdome, com tumores no útero, na bexiga e no intestino. Dormi lá e cheguei agora em casa. É muito difícil escrever sobre as torturas. Chorei por tudo ontem. Pelo passado, pelo presente, por ser a mãe e por ser a filha. Espero que você entenda e me perdoe mais uma vez. Tenho de ir, neste momento, à reunião da Comissão de Justiça e Paz. Sou a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e não posso faltar. Não é demorada. Mas todo meu dia, fora isso, será dedicado a você. É que a luta continua…”.

Obrigado, Rose! Nós é que pedimos perdão pela insistência.

José Levino, historiador

Haiti – Primeira República Independente da América Latina

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Janeiro é um mês de duas comemorações para o povo haitiano. Uma de alegria, outra de tristeza. No dia primeiro de janeiro de 1804, foi proclamada a Independência do Haiti.  No dia 12 de janeiro de 2010, um fatídico terremoto deixou sob escombros essa nação.

Haiti, o país mais pobre das Américas, do tamanho do Estado de Alagoas, tem 10 milhões de habitantes. 80% da população vivem abaixo da linha da pobreza, mais de metade é indigente.  “Não admito que o Haiti seja o país mais pobre do Continente. Ele é o mais empobrecido, mas ainda guarda muitas riquezas naturais, as praias, os lugares históricos, a coragem e determinação de um povo, sua alegria”, afirma o estudante hatiano Dudley Mocombe.

É verdade. O Haiti já foi chamado de “Pérola do Caribe”, por suas riquezas naturais, por sua beleza, pela produção de café e cana-de-açúcar, que tanto contribuiu para o enriquecimento da França, país que sucedeu a Espanha no domínio da ilha.

Tudo que acontece hoje não é conseqüência apenas de um terremoto, por mais intenso que tenha sido. É resultado de intervenções, massacres e ocupações que sempre tentaram calar a primeira República Negra do mundo. Os haitianos pagam até hoje por sua ousadia.

A ilha Hispaniola foi onde o invasor pôs os pés primeiro na campanha genocida que desenvolveu por toda a América Latina. Cristóvão Colombo chegou em 1492. Depois, o território foi dividido em República Dominicana (parte leste) e Haiti (parte Oeste). Haiti significa montanha. Em menos de meio século, 300 mil indígenas haviam sido dizimados na guerra de resistência ou no trabalho escravo das minas de ouro. Como no resto do Continente, os dominadores escravizaram trabalhadores em solo africano. Esgotada a mineração, os espanhóis se deslocam para outros países da nossa América, e os franceses vão ocupando seu lugar. Em 1697, a Espanha aceita a soberania francesa sobre o território do Haiti.

A França prioriza a produção de cana-de-açúcar, produto mais importante da época. O Haiti tornou-se a colônia mais rica e mais importante da França.  Quando a Revolução burguesa triunfou na França (1789), havia em solo haitiano 500 mil escravos negros trabalhando de sol a sol, 32 mil brancos e 24 mil mestiços, além de um número insignificante de negros livres por terem conseguido comprar a carta de alforria.

O espártaco negro

A palavra de ordem de Liberdade, Igualdade e Fraternidade ecoou no território do Haiti. O mulato Vicente Ogé  liderou a primeira revolta, mas logo foi preso e supliciado. A massa continuou em rebelião, abandonando os engenhos, e a liderança do movimento libertador foi assumida por Toussaint Louverture, um gênio militar capaz de derrotar o poderoso exército francês.

Em 1794, o governo da França proclama a abolição da escravidão em suas colônias. O povo haitiano continuou a lutar pela independência e Louverture tornou-se praticamente unanimidade nacional. Ele prepara um projeto de declaração da independência e aprovação de uma Constituição que definia o Haiti como Estado soberano, com regime republicano e associado à França revolucionária.

A Revolução francesa sofre, entretanto, uma guinada. Em 10 anos (1789/1799), os jacobinos haviam cumprido sua missão revolucionária. Mediante a violência, eles eliminaram qualquer resquício de dominação feudal, com o povo proclamando ao seu lado “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.  Agora, chega! Quem vai desfrutar desses três princípios é apenas a burguesia. A missão cabe ao general Napoleão Bonaparte, que já comprovara na luta sua capacidade de levá-la a cabo.  É Marx quem ensina em Dezoito Brumário“…Napoleão estabeleceu por toda a França as condições que tornaram possível o desenvolvimento da livre concorrência, a exploração das terras depois da divisão das grandes propriedades, e a plena utilização da capacidade de produção industrial do país…”  

Napoleão não queria saber de independência das colônias.  Mandou um dos seus mais importantes generais, Leclerc, comandar uma expedição para retomar o domínio do Haiti. Sem êxito no terreno da guerra, o grande mito baixa o nível. Sequestra dois filhos de Toussaint que se encontram na França.  Desesperado, o espártaco negro cedeu à chantagem e foi a Paris se entregar em troca da libertação dos jovens. Em vão. Foi preso e enviado para uma masmorra  nas montanhas frias, sem roupa adequada, falecendo em pouco tempo. Seus filhos também foram mortos.

Em vão também para Napoleão, pois a guerra de libertação seguiu firme sob o comando do negro Jean-Jacques Dessaline, ex-escravo e analfabeto. A vitória não tardou. Nenhum historiador burguês registra que um exército de negros, pobres, mal-armados, derrotou o todo-poderoso exército de Napoleão Bonaparte. No mesmo ano em que o general francês era proclamado imperador,o general negro  Dessaline proclama a independência do Haiti.

Derrotada no campo militar, a burguesia prepara a reação no campo econômico. Nenhum país reconhece a independência do Haiti. A França articula um bloqueio mundial à ilha caribenha, ao qual adere até o seu arqui-inimigo, a Inglaterra.

Governo brasileiro ajuda França a subjugar o Haiti

Como isolar o Haiti e substituir o próspero comércio de açúcar haitiano?  Abrindo os portos brasileiros, eis a resposta. Daí, Napoleão invade Portugal com apoio da Espanha e da Inglaterra. Esta manda a família real se deslocar para o Brasil com o objetivo de controlar a massa escrava, para que não siga o exemplo haitiano, e determina que abra os portos para o comércio internacional, pondo termo ao monopólio português em 1808.  O açúcar brasileiro permitiu à França matar a revolução haitiana sem dar mais um tiro sequer.

Completamente isolado, o governo de Dessaline não conseguiu construir um novo modelo econômico soberano e autossuficiente.  Economia sufocada, povo insatisfeito, liderança questionada, conflitos entre os próprios negros e entre estes e os brancos e mestiços que compunham a incipiente burguesia e classe média do país.  O caos se instala, com sucessivas deposições de governos. Em 1838, o Haiti se submete à nova chantagem francesa: reconhecer a independência em troca de uma indenização de 90 milhões de francos.  Tal reconhecimento de nada adiantou; melhor dizendo, agravou a situação, pois um país empobrecido assumindo uma dívida externa desse tamanho, aprofundou sua dependência e subordinação.

A instabilidade se sucede. Os Estados Unidos invadiram e controlaram diretamente o país de 1915 a 1934.  Quando saíram, deixaram uma elite política e militar preparada para servir aos seus interesses. A exemplo da ditadura de François Duvalier, o Papa Doc (1964-1971) e seu filho Jean Claude Duvalier (1971-1986).  Repressão a qualquer manifestação oposicionista e desvio de dinheiro público foram características do governo dos Duvalier, que se utilizavam para aterrorizar o povo, de uma milícia secreta, os touton-macoutes (bichos-papões). Uma rebelião popular derruba o último Duvalier, que se exila na França.

Até 1990, sucedem-se governos depostos por golpes de Estado.  Até que em 1987, uma nova Constituição preconiza eleições livres e é escolhido para a Presidência o padre Jean-Bertrand Aristide, adepto da Teologia da Libertação.

Um raio de esperança brilha sobre o Haiti, mas é apagado poucos meses depois, pois novo golpe de Estado restaura a ditadura. Aristide retorna ao governo em 1994, por pressão internacional, mas assume compromissos com os Estados Unidos de não mexer com a estrutura econômica do país.

Sem condições de realizar mudanças em favor do povo, o desencanto popular gera manifestações lideradas pela oposição e apatia da maioria dos seus partidários, abrindo caminho para nova intervenção militar dos Estados Unidos, em 2003, desta vez sob o manto da ONU e com o apoio do governo brasileiro, que assume o comando formal das tropas de ocupação. Aristide foi forçado a exilar-se na África do Sul. René Preval, que havia sido seu vice-presidente, assume um governo fantoche, que não tem autonomia sequer para organizar a distribuição das doações internacionais feitas para as vítimas do terremoto de janeiro 2010. Seu mandato termina dia 7 de fevereiro. Já houve eleições, mas estão com andamento suspenso e o segundo turno não é convocado por suspeita de fraudes e outras irregularidades.

Os EUA dominam a economia haitiana de forma quase absoluta. 80% das importações e 65% das exportações se realizam com os Estados Unidos.  As exportações são de açúcar, café, rum e tabaco. Nos últimos anos, estão se firmando também maquiladoras, isto é, empresas montadoras de produtos fabricados nos “States”, que atuam com mão de obra semiescrava, como vem acontecendo também no México. Sua ajuda às vítimas do terremoto se daria mediante o aumento dessas maquiladoras para oferecer subemprego. Só que esta atitude nada tem de humanitária porque elas estarão de fato aumentando seu lucro.

E as tropas de ocupação, inclusive a brasileira, as chamadas “Forças da Paz”, o que têm feito em benefício do povo haitiano?

Bem, ajudaram a remover 5% (cinco por cento) dos escombros, pois como mostraram as redes de televisão, na passagem de um ano do acontecimento fatídico, a paisagem de desolação e destruição permanece praticamente a mesma. Apenas 42% da ajuda humanitária internacional chegaram às mãos das famílias pobres. Somente 30 mil pessoas foram realocadas para uma nova casa. Mais de um milhão permanecem perambulando nas ruas, inclusive crianças, com fome, doentes, sem segurança. Para completar o quadro, uma epidemia de cólera matou nos últimos meses 3.600 pessoas e infectou 170 mil. Os haitianos afirmam que a doença foi trazida por soldados do Nepal que compõefm as Forças de intervenção.

Exemplo de intervenção do bem é a promovida por Cuba. 1.200 médicos cubanos (isto a imprensa capitalista também não divulga) atuam no Haiti. Já realizaram 14 mil visitas, 200.000 cirurgias, 30.000 atendimentos de casos de cólera, entre outras.  Embora modestamente, a Via Campesina Brasileira está compensando a intervenção militar. Enviou uma brigada que está trabalhando com comunidades rurais haitianas e já ajudou a implantar 1.200 cisternas, amenizando a falta de água potável. Colaboram também na produção de sementes para plantio de alimentos e na organização comunitária. É uma luta de Davi contra Golias, a Monsanto, que já enviou 475 toneladas de sementes transgênicas de milho.  Seu interesse certamente não é humanitário e sim de gerar dependência dos agricultores em relação às suas sementes, cuja reprodução é proibida.

Desse modo, 1º de janeiro não foi um dia de festa. Foi um dia de protesto pelo fato de o Haiti não viver sua verdadeira independência, conquistada ao custo de 200 mil mortos em 1804.  No dia 12, os protestos continuaram com o povo gritando nas ruas por seu direito de decidir e comandar seu próprio destino, construir sua própria história. Com ajuda dos povos, sim, nunca com intervenção armada.

Mas o povo do Haiti não desanimará. Inspirado na sua própria história, capaz de expulsar os exércitos coloniais, de sobreviver a tantos terremotos e maremotos e se levantar, o povo haitiano ouvirá sua irmã poetisa Emmelie Prophète:

Mas cuida-te, Haiti, e recusa ofertas por tua alma combalida/ Retira o pó da gente descolorida pela desgraça/e recria a Nova Fênix Caribe /que deverá surgir das cinzas”.

José Levino, historiador

O massacre dos operários da Usiminas

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A Usiminas instalou-se na então vila de Ipatinga, Município de Coronel Fabriciano (MG), região do Vale do Aço, com 55% de capital estatal, 5% de empresários nacionais e 40% de japoneses. Seus operários eram antigos camponeses e filhos destes, expulsos da terra pela Companhia Belgo-Mineira.

A empresa obtinha falsos títulos de propriedade, jogava as famílias de camponeses nas pequenas cidades da região. Os que resistiam eram mortos, presos, torturados. Nas cidades, sem meio de sobrevivência, quantas famílias viram as filhas se prostituírem, por falta de um meio de sobrevivência digno.

A Usiminas foi vista como a solução da problemática e começou a operar no dia 26 de outubro de 1962. Não conseguia, é claro, absorver a demanda de empregos proveniente dos camponeses expulsos da terra. Registrou-se um inchamento dos aglomerados urbanos e o crescimento do desemprego, da mendicância.

Em fins de 1963, a Usiminas tinha 15 mil operários, dos quais 8 mil empregados diretos e os demais, por intermédio de empreiteiras. Algumas mantinham os trabalhadores em regime de semi-escravidão, enquanto seus donos enriqueciam. Os trabalhadores de empreiteiras recebiam salário menor, moravam nas cidades próximas, gastando mais com transporte; eram chamados de bóias-frias e peões. Não tinham sequer o direito de se filiar ao Sindicato dos Metalúrgicos, cuja sede ficava em Coronel Fabriciano.

Luta contra exploração

Os operários da Usiminas se mobilizavam por salário, melhoria na alimentação, condições de moradia, transporte e fim das arbitrariedades. Havia multas, como humilhações nas revistas de entrada e saída da fábrica, batidas à noite nos barracos em que moravam, espancamento dos que permaneciam nas ruas após o toque de recolher, prisão de líderes sindicais. O operário Matorzinho Ferreira Ramos quase foi castrado porque estava fazendo campanha de sindicalização.

Além da superexploração e dos maus-tratos imprimidos pela Usiminas, os operários de Ipatinga eram revoltados com suas condições de vida, com as diferenças de classe. De um lado, favelas; do outro, belas mansões. O Binômio, jornalzinho da época, retrata: “Os operários da Usiminas estão revoltados com as injustiças sociais de Ipatinga. Enquanto moram em barracões de caixotes nas favelas ou em alojamentos precários, os engenheiros e os japoneses vivem em casas luxuosas. Respira-se um ar de intranqüilidade. Outro motivo de revolta dos operários é o de, exercendo as mesmas funções de um japonês, ganharem menos, o que é proibido pela Constituição Federal, no seu artigo 157”.

Estoura a Revolta

Outubro de 1963. Dia 6. Nesta data, ao saírem de uma estafante jornada de trabalho, os operários  se defrontaram com uma repressão ainda maior que a usual. Todo mundo foi revistado; ninguém poderia levar leite para casa; o que sobrou, tinha de ser jogado numa grande lixeira instalada na portaria. Um operário insistiu em levar o leite, era o único que tinha para dar ao seu filho. Um vigilante, então, atirou contra o recipiente, derramando o leite e, por pouco, não acertando o trabalhador. Foi o estopim. A massa de operários abriu o portão à força; os guardas nada puderam fazer. Acionada, a polícia, quando chegou, encontrou poucos trabalhadores, mas não “perdeu” a viagem. Os retardatários foram presos e espancados. Os soldados, porém, não se contentaram e foram para o alojamento Santa Mônica. Avisados com antecedência, os operários fizeram barricadas e se prepararam para a luta. Os policiais recuaram. Partiram, então, para o Chicago Blitz, acampamento dos trabalhadores de empreiteiras, mais frágeis.

Cena mais humilhante, Ipatinga jamais havia visto. Trezentos operários foram arrastados  dos barracos (um foi assassinado no interior de casa) e obrigados a deitarem no chão, de costas, com a cara na lama. Estava chovendo. Os soldados riscando as espadas nos seus corpos, disparando rajadas de metralhadoras para o ar. Alguns deles, sórdidos, botaram os cavalos para pisotear os trabalhadores, urinaram em cima deles. Muitos foram feridos.

A notícia da selvageria aumentou a revolta dos operários. No restante daquela fatídica noite, a palavra mais ouvida em Ipatinga foi GREVE!  E ela aconteceu.

Na manhã do dia 7 de outubro, 2 mil trabalhadores puseram-se em frente aos portões da Usiminas. Aos companheiros que iam chegando, contavam os acontecimentos da noite anterior e todos aderiam ao movimento. Prepararam uma lista de reivindicações a ser entregue à diretoria da empresa. Às reivindicações econômicas históricas, acrescentaram: retirada da polícia e substituição do corpo de vigilância.

O massacre

A Polícia, é claro, não tardou a chegar. Veio num caminhão, com uma metralhadora tripé instalada. A multidão vaiou, algumas pedras foram lançadas. Os soldados ameaçaram atirar.  O vigário, padre Avelino, percebendo a gravidade da situação, tentou convencer o administrador Gil Guatimosin a receber uma comissão de operários, mas ele disse que não negociaria com grevistas. Enquanto conversavam numa sala o administrador e o comandante do destacamento, capitão Robson, alguém viu este passar um bilhete para o tenente Jurandir Gomes de Carvalho. Pouco depois, a metralhadora abria fogo. Primeiro, para cima, depois em cima dos operários. Começou a carnificina.  Mais de 15 minutos de rajadas e dezenas de corpos lançados no ar e caindo ao chão, estremecendo.  José Isabel do Nascimento, fotógrafo amador, registrava tudo até ser despedaçado pela balas. A seguir, os policiais (eram apenas 19) fugiram com medo de serem linchados, abrindo fogo no meio da multidão e fazendo novas vítimas, entre as quais uma mulher grávida e uma criança de três meses (a mãe, ferida, escapou). Foram se esconder nos morros que cercam Ipatinga. Os vigilantes e os administradores da Usiminas também fugiram. Há controvérsias sobre o saldo trágico, mas é voz corrente que houve mais de 30 mortos e 3 mil feridos.

Seguiram-se três dias de rebelião, em que a multidão incendiou a guarita da vigilância que motivara os distúrbios, a seguir destruiu o caminhão de onde a metralhadora foi acionada, a delegacia, a cadeia pública.

A vitória

Autoridades estaduais se deslocaram para Ipatinga, para negociar com representantes dos trabalhadores, da Usiminas e das empreiteiras. Os trabalhadores apresentaram suas reivindicações econômicas e    mais: afastamento da polícia militar, que seria substituída por tropas federais; extinção do corpo de vigilância, cuja função seria desempenhada por funcionários escolhidos em processo seletivo acompanhado pelo sindicato; pensão para as viúvas dos operários mortos; nenhuma punição aos operários que tivessem participado do movimento; assistência aos feridos. Os operários foram atendidos, exceto no que se refere à polícia, que não foi substituída, mas retirou o destacamento de Ipatinga. Só viria, de coronel Fabriciano, quando acionada. Foi aprovado reajuste salarial de 38% e formada uma comissão com representantes da empresa e dos trabalhadores com a missão de elaborar um plano referente à moradia, à alimentação e ao transporte dos operários. Os policiais foram afastados da corporação e se   instalou inquérito para apurar suas    responsabilidades.

Ditadura anulou conquistas

O acordo ainda estava sendo implementado, quando Ipatinga, como todo o país, foi atingida por uma tragédia maior:  o golpe de Estado de 1º de abril de 1964. Os operários que mais se destacavam nas lutas foram caçados como ratos; muitos foram presos, torturados, mortos; líderes sindicais, cassados. Em 1965, os policiais foram absolvidos pela Justiça Militar. As vítimas foram transformadas em réus. As pensões das viúvas, cortadas. Magalhães Pinto, que era Governador do Estado de Minas Gerais, na época do massacre, foi o principal líder civil do golpe de 1964.

Os velhos operários, hoje aposentados, que viveram o terror daquele 7 de outubro, não gostam de falar do que sofreram e presenciaram. Muitos têm parentes trabalhando na Usiminas e temem represálias. “A gente é pobre e de cor. Vão falar: é preto doido. Não vou aborrecer ninguém. Então, deixa o meu aborrecimento comigo”, disse José Elias dos Santos ao Estado de Minas, edição de 1º de junho de 2003.

Do lado dos repressores, falando ao mesmo órgão de imprensa, afirmou o ex-policial Joaquim de Carvalho: “Por meu gosto, nunca tinha feito um negócio daqueles. Até hoje tenho remorso. Nunca pensei em tirar a vida de ninguém”. Ele, entretanto, diz que ninguém deu ordem para que eles dissolvessem a manifestação a bala, que a iniciativa foi de cada um dos soldados.

Já outro ex-policial que não quis se identificar, falou ao Jornal Em Tempo           (edição de agosto de 1978): “Na noite anterior nos deram cachaça com pólvora, para dar valentia e brabeza. Disseram que os operários iam quebrar a Usiminas. O tenente Jurandir deu ordem de fogo. Disseram que Gil Guatimosin (administrador da empresa) foi quem mandou, mas não posso garantir”

Reconhecimento oficial

O Secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, informou que a Secretaria está estudando a concessão de benefícios aos familiares de pessoas que morreram em conflitos de rua com a polícia, entre 1961 e 1988, o que beneficiará os herdeiros das vítimas da Usiminas. “Dinheiro nenhum no mundo vai pagar a dor pela qual a gente passou”, afirma Rossi do Nascimento Filho, filho do fotógrafo assassinado.

Notas:

1. A Usiminas foi privatizada em 1991. Todo o complexo siderúrgico estatal brasileiro foi privatizado/desnacionalizado, num prejuízo incalculável para a economia nacional, o que foi chamado por Barbosa Lima Sobrinho em um dos seus últimos artigos, como crime de lesa-pátria.

2. Fonte de pesquisa: O Massacre de Ipatinga, Carlindo Marques Pereira, edição do Departamento de Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. 2ª edição, 1985

Luiz Alves,
publicado em A Verdade nº 44

Os revoltosos da Chibata

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Em pleno gozo da liberdade, conquistada com a Lei Áurea e acreditando na pregação republicana de que o Brasil seria modernizado, muitos negros ingressaram como marujos na Marinha de Guerra do Brasil. Mas o oficialato da instituição não havia absorvido o alcance social e humano do Ato de 1888.

Ao adotar as mesmas humilhações e brutalidades dos tempos da escravatura, aplicando castigos físicos nos novos marinheiros, abolidos com a Proclamação da República, o Código Disciplinar previam-se, em casos de “faltas graves”, 25 chicotadas, no mínimo.

O marujo João Candido Felisberto, durante 15 anos de carreira militar viajou não só pelo Brasil como por vários países. Na Inglaterra, onde em 1909, acompanhava a construção final de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, vivenciou a diferença de tratamento dispensado aos marinheiros britânicos. Esse testemunho trouxe para seus companheiros de cá. No ano seguinte, junta-se ao comitê de Francisco Martins, o Mão Negra, no Rio de Janeiro.

Marcelino Rodrigues de Menezes, do encouraçado Minas Gerais, acusado de distribuir panfleto que denunciava os maus tratos, foi castigado com 250 açoites, defronte à guarnição formada. Na madrugada 23 de novembro de 1910, estoura-se um motim, provocando a morte do comandante. Martins pede, em carta, a extinção dos castigos corporais, melhoria da comida e anistia aos revoltosos. A rebelião alastra-se e só termina cinco dias depois, com a garantia do presidente Hermes da Fonseca, de que o assunto seria revisto e todos perdoados. Cerca de dois mil rebelados, nas ruas cariocas, aclamam o líder João Candido Felisberto, o “almirante negro”, como herói.

Oficiais juram vingança, pelo desaparecimento de colegas. A chibata volta a ser usada; 600 marinheiros são degredados para o Acre, no porão do navio Satélite, sendo fuzilados oito deles no tombadilho, e dezoito outros morrem por asfixia nas masmorras da Ilha das Cobras. Rui Barbosa, da tribuna do Senado, denuncia: “Essa mancha, essa infâmia, essa coisa sem nome, pela qual o Brasil pode ficar aparelhado com a nação mais baixa no escalão da moralidade…” O paraibano João Pessoa, Auditor da Marinha, é ameaçado por julgadores escolhidos a dedo, de um Tribunal sem jurisdição, por nas reuniões pretender buscar a verdade dos fatos. A João Candido foi concedida anistia post-mortem, por Lei Federal de 2008.

Inocêncio Nóbrega

Paulo Wright, cristão e subversivo

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Paulo Stuart Wright nasceu no dia 2 de junho de 1933 em Joaçaba, interior de Santa Catarina, filho de um casal de pastores presbiterianos estadunidenses: Latham Ephraim Wright e Maggie Belle Miller Wrigt. A Igreja Presbiteriana surge na França no Século XVI, tendo como referência as teses de João Calvino. Assim como Lutero, na Alemanha, Calvino se insurge contra a Igreja Católica Romana, vinculada aos interesses feudais, e propõe o retorno ao evangelho de Cristo.  Para Calvino, o trabalho justo é a medida que define se o ser humano está entre os escolhidos para a salvação divina.

Aprendendo o Valor do Trabalho

Por isso, na infância, o pai não lhe transmitiu apenas os ensinamentos bíblicos. Ensinou o valor do trabalho. As crianças ajudavam nas tarefas de casa, a cuidar de um pequeno roçado, a preparar o suco de uva; as tarefas eram distribuídas de acordo com a idade e as condições de cada uma, naturalmente.

Concluído o Primário, foi para o Instituto Metodista de Passo Fundo (RS) e terminado o científico, foi para os Estados Unidos, onde cursou sociologia e política. Já viajou noivo de Edimar Rickli, a Edi. Nas férias, arranjava emprego na construção civil e participava das greves da categoria. Escreveu para a noiva: “Minhas mãos já estão calejadas de manejar a pá. O seu noivo agora conhece o que significa trabalho”. Falava também com ternura: “Eu a amo numa forma maior do que posso medir ou explicar”. Como tinha também cidadania norte-americana, foi convocado para servir às Forças Armadas. Com certeza, teria ido para a Guerra da Coréia (1950-1953). Foge dos EUA.

São Paulo, novembro de 1956. Paulo Wright tira sua carteira profissional e registra como profissão, servente. Não se satisfazia em defender os operários; queria ser um deles. Mas em dezembro de 1956, dona Belle morre e Paulo se vê na obrigação de não deixar o pai sozinho. De volta à pequena Joaçaba, emprega-se como torneiro mecânico numa pequena indústria. Ajudou a fundar o sindicato dos metalúrgicos e apoiou a organização dos trabalhadores da construção civil e da indústria do papel e papelão. Entende que para contribuir com a libertação do povo, é preciso atuar também na política partidária. Ingressa no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e se candidata a vereador em 1958, mas não é eleito.

Em 1959, o pai decide regressar para os Estados Unidos e Paulo volta com Edi, já casados, para São Paulo. Foi contratado como torneiro mecânico na Lambretta do Brasil S.A, e logo se tornou sócio do sindicato dos metalúrgicos. Continuava atuando na Igreja. Escreve no jornal da Juventude Presbiteriana: “O nosso testemunho no campo missionário e político é estarmos ao lado dos deserdados, sofrendo com os que sofrem, chorando com os que choram, nos alegrando com os que se alegram”.

No dia 10/10/59, nasce seu primeiro filho, Charles, que não sobrevive ao parto complicado por falta de assistência médica na Maternidade da Lapa, onde nasciam os filhos dos operários.  Em 1960, assume a Secretaria Regional da União Cristã de Estudantes do Brasil. Declara: “…Nossa maneira de amar o próximo deve ir além de ajudar aos mais necessitados. Devemos levar a sério nossa responsabilidade de acabar com a miséria e o analfabetismo”.

Nesse ano (1960), o casal volta para Joaçaba (SC), onde Paulo se candidata a prefeito e perde por apenas 11 votos. A direita usou como estratégia de campanha a idéia de que o povo não devia votar em comunista.

Foi chamado para dirigir a Imprensa Oficial do Estado. Mudou-se para Florianópolis, onde, em outubro de 1961, nasceu a filha, Leila Cristina. Dedicou-se a organizar os pescadores numa rede de cooperativas, para se livrarem dos atravessadores. Em 1962, é fundada a Fecopesca, com 27 cooperativas associadas. Foi acusado pela direita, de organizar “Ligas Marítimas Comunistas”, numa referência às Ligas Camponesas do Nordeste.

Mandato a Serviço do Povo

Em 1962, sem espaço no PTB, se elege deputado estadual pelo Partido Social Progressista (PSP). Seu mandato foi dedicado à organização dos trabalhadores, ao fortalecimento da Fecopesca, das entidades estudantis e populares. Escreve para um jornal estudantil: “…O foco de nossa atenção se concentra na luta pela construção de uma nova sociedade, para a formação de um novo homem”.

Em 1963, nasce seu filho, João Paulo, que veio trazer muita alegria, especialmente para Leila, então com dois anos, uma companhia para brincar.  No mesmo ano, nasce a Ação Popular (AP), formada por militantes jovens oriundos da Juventude Universitária Católica (JUC), União Cristã de Estudantes do Brasil e Associação Cristã dos Acadêmicos. A AP definia como objetivos mobilizar, organizar e conscientizar o povo brasileiro contra o capitalismo internacional, nacional e o feudalismo, priorizando as organizações operárias e camponesas.

Paulo se envolveu completamente na construção da AP. As forças organizadas das classes dominantes travam na Assembléia um combate a ele por suas “idéias comunistas”. O próprio PSP, partido pelo qual se elegeu, pressiona para que renuncie. Seu primeiro suplente, Manoel Santos (Mané Bicheiro) contrata um pistoleiro para matá-lo. Trata-se de um sargento da Polícia, que procura a vítima para ver se ele concorda em cobrir a oferta. Paulo convence-o a desistir da empreitada e juntos prestam uma queixa na Secretaria de Segurança Pública.

Cass(ç)ado pela Ditadura

Abril de 1964. O Golpe de Estado civil-militar derruba o governo de João Goulart. Vozes raras como Leonel Brizola e Paulo Wright pregam a resistência. A ditadura pressiona por sua cassação. Esta se dá em maio do mesmo ano, sob a fundamentação de “incompatibilidade com o sistema democrático que nos incumbe, como Assembléia da Revolução, defender e preservar”.

Acuado, ameaçado, Paulo se refugia na embaixada do México e sai do país. Do México, segue para Cuba, onde não pretende demorar. O tempo foi bem aproveitado. Visitou vários lugares, conversou com o povo, com missionários, com revolucionários, e participou de treinamento militar. Pensava, entretanto, que no Brasil não havia condições de desencandear a guerra de guerrilhas.

Nas palestras em território cubano, destacava que “Ao mesmo tempo, o homem pode ser cristão e socialista e muitos cristãos o são. No mundo de hoje, se vislumbra uma coincidência entre as aspirações dos cristãos e dos socialistas quanto à vida humana”.

Luta pelo Socialismo

Em 1965, aos 32 anos de idade, já chamado pelos garotos revolucionários de “tio”, Paulo Wright volta ao Brasil com o codinome de “João”, certamente para homenagear o filhinho. Integra a direção da AP.

Na clandestinidade, dedica-se de corpo e alma à organização da AP. Em 1967, um grupo de dirigentes foi conhecer a experiência chinesa, enquanto Paulo representou a Organização em Havana, na conferência da OLAS (Organização Latino-americana de Solidariedade). Considerou que a estratégia do foco guerrilheiro não se adequava à nossa realidade. Esta discussão provocou no ano seguinte o primeiro racha na AP. Seu amigo, padre Alípio Freitas, foi um dos que saiu e ajudou a fundar o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores).

A maioria dos militantes permaneceu na AP e se aprofundou na linha chinesa, adotando o lema da proletarização. O Revolucionário tinha de ser proletário, sofrer a exploração capitalista, viver no meio do povo como peixe dentro da água. Para Paulo, isso não era novidade. Como dirigente, acompanhou as mudanças, que nem todos suportaram. Mas ele defendia que os que não tivessem condições de se proletarizar, deveriam continuar contribuindo com a organização na medida dos seus limites pessoais.

A AP desenvolveu experiências no meio operário (ABC paulista) e no campo: Vale do Pindaré (MA), Zona do Cacau (BA), Água Branca (AL) e Zona Canavieira de Pernambuco. Em março de 1971, a AP se define como Ação Popular Marxista-leninista (APML), tendo como guia os princípios de Marx, Lênin e Mao-Tsé-Tung.

No final de 1970, Edi não suporta mais a situação instável do casamento e pede  o desquite. Diz em carta ao cunhado, Jaime Wright: “Continuo a admirar o trabalho do Paulo, no entanto eu não consigo acompanhá-lo”. Em março de 1971, a sentença judicial determina o desquite “por estar provado o abandono voluntário do lar conjugal”.

A luta interna se aprofundou, quando a maioria da direção da APML defendeu sua incorporação ao Partido Comunista do Brasil (PC doB). Entre a minoria, estão Jair Ferreira de Sá e Paulo Wright. Eles consideram que essa fusão significa dar um passo atrás na luta pela libertação da classe operária da dominação político-ideológica burguesa. Para eles, o caráter da revolução brasileira é socialista. O fundamento é o esvaziamento progressivo do campo e o crescimento da industrialização, com perspectiva de em 10 anos, 70% da população estar nas cidades. Para conduzir essa revolução, preconizam um partido de novo tipo

Em outubro de 1972, são destituídos dos cargos de direção.  A maioria decide a incorporação ao PCdoB. Os remanescentes permanecem como APML, que fica conhecida como AP Socialista.

Paixão e Morte na Semana da Pátria

Setembro de 1973. A Repressão prepara na Semana da Pátria o cerco à AP, independentes ou integracionistas. 38 militantes são capturados no Recife, Rio, São Paulo e em Salvador.

Paulo Wrigt tinha um encontro com Osvaldo Rocha. Pegaram um trem no sentido São Paulo-Mauá. Os agentes também. Eles perceberam. Tentaram despistar. Osvaldo desceu antes. Foi preso ao chegar a casa. Paulo desceu depois; nunca mais foi visto. Na sala de tortura da Operação Bandeirantes (OBAN) do DOI/Codi de São Paulo, Osvaldo viu no chão a camisa com que Paulo estava vestido no seu último encontro.

O Reverendo Jaime Wrihgt, irmão e confidente de Paulo fez de tudo para descobrir seu paradeiro. Foi com um pastor, que também era tenente-coronel à OBAN, mas disseram que lá não havia nenhum preso com o nome do seu irmão. Brilhante Ulstra, torturador denunciado por vários sobreviventes, disse que havia encontrado uma pasta apenas com o título de eleitor de Paulo dentro, mas não o vira e de nada sabia. Jaime foi aos Estados Unidos, pois Paulo tinha dupla cidadania. Denunciou aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, impetrou habeas corpus, e nada. Procurou Dom Paulo Evaristo Arns, a Comissão de Justiça e Paz. Pediu licença à Igreja Presbiteriana para trabalhar com dom Paulo e foi um dos coordenadores do projeto Brasil: Tortura Nunca Mais.

Paulo recebeu muitas homenagens. A Assembléia Legislativa de Santa Catarina revogou sua cassação em 1985. Um Plenarinho da Assembléia tem o seu nome, que também denomina logradouros públicos no Rio, Curitiba e Florianópolis. A Medalha Chico Mendes de Resistência foi dedicada a ele em 1991. O Estado brasileiro assumiu a responsabilidade por sua morte (Anexo da Lei 9.140/95).

Fonte: O Coronel tem um segredo – Paulo Wright não está em Cuba. Delora Jan Wright, Petrópolis, 1993

José Levino, historiador