UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

quinta-feira, 20 de novembro de 2025
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OXI! Grécia diz não ao imperialismo alemão

OXIApós quase seis meses de negociações com a Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e com o Banco Central Europeu – trio de instituições que ficou conhecido como ‘a troika’ – o povo grego deu sua palavra final em um plebiscito que rejeitou as terríveis condições impostas pelo imperialismo alemão à cabeça da União Europeia.

A Alemanha impunha à Grécia um definhamento econômico ainda maior do que o vivido nos últimos anos, quando o PIB do país foi reduzido em 25%, o salário mínimo ficou 26% menor, a renda média das famílias decaiu em 30%, e o salário dos aposentados foi reduzido em 45%. No ano de 2013, a Grécia atingiu o patamar de 35% de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza e a metade da sua juventude se encontra desempregada.

Mesmo diante desse quadro, a Alemanha queria mais. Para renovar os contratos de empréstimos que o país mantinha com ‘a troika’ era necessário cortar ainda mais os gastos sociais, aumentar impostos e reduzir o pagamento dos aposentados.

O governo do primeiro-ministro Alexis Tisipras – da Coalizão de Esquerda, Syriza – teve como primeira atitude a de ceder, com resistência e de maneira negociada, às exigências da Alemanha. O imperialismo alemão, no entanto, não aceitava nenhuma condição, queria a rendição completa.

O Syriza, então, resolveu girar para a esquerda. Apostou na mobilização popular e convocou um plebiscito em que o povo foi chamado a decidir se aceitava ou se decidia lutar contra as condições impostas pelo imperialismo.

Em uma semana de campanha, a mídia dos ricos tentou por todos os meios implantar um clima de terror no país, afirmando que a negação das exigências dos chantagistas alemães geraria o caos e o isolamento total da Grécia. Nada disso foi suficiente. Com cerca de 90% das urnas apuradas, 3,1 milhões de gregos (61,4%) votaram ‘NÃO’- OXI, em grego – enquanto 1,9 milhões (38,5%) votaram ‘SIM’ – NAI, em grego.

A vitória do OXI abre um novo momento de luta para a classe trabalhadora da Grécia. Alexis Tsipras já afirmou que pretende voltar à mesa de negociação, tentando usar o plebiscito como um meio de conseguir melhores condições dos imperialistas alemães. É importante lembrar que, no processo da negociação, Tsipras já havia aceitado realizar um novo programa de privatizações.

A classe capitalista grega usará de todas as chantagens e sabotagens econômicas para criar o caos social e forçar a aceitação de um acordo com ‘a troika’. É preciso organizar o povo para uma luta decidida, que a afirme a soberania nacional e organize a economia sobre a base do planejamento e da função social.

O governo grego se vê diante de um dilema muito semelhante ao que ocorre na Venezuela neste momento. Frente à pressão imperialista, não bastam meias medidas. É preciso ir até o fim, estatizando as empresas que atuem em setores estratégicos, expropriando os capitalistas que sabotam a produção nacional e implantando medidas que reorganizem a produção sobre uma base socialista.

Sandino Patriota, São Paulo

Pernambuco realiza plenária estadual da UP

plenaria upNa noite da última sexta-feira, 03 de julho, aconteceu na Casa do Estudante de Pernambuco (CEP), em Recife, a Plenária Estadual da Unidade Popular pelo Socialismo. Com o tema “Conjuntura econômica e política do Brasil”, o evento teve a participação do economista e ex-professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), José Fernandes.

“Precisamos explicar a economia de uma forma que o povo entenda. Por isso, estamos propondo fazer essas plenárias e cursos de economia para passar, de uma forma mais simples e compreensível, a conjuntura econômica do país. Entender de economia é fundamental para desenvolver o partido”, destacou José Fernandes durante sua exposição. Na mesa, além de José Fernandes, estavam o coordenador estadual da UP, Thiago Santos, o coordenador da União da Juventude Rebelião (UJR), Alexandre Ferreira, a coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário, Guita Marly, o coordenador nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Serginaldo Quirino, e o coordenador do Movimento Luta de Classes (MLC), José Henrique.

Thiago Santos reforçou a importância de se intensificarem as coletas de assinaturas de apoio para a UP neste mês de julho. “Nossa meta é colhermos 5 mil assinaturas até o final do mês. Estamos caminhando bem nesse desafio de chegar às 500 mil assinaturas nacionalmente, mas não podemos nos acomodar. Agora é o momento de darmos um gás para atingirmos nosso objetivo. As pessoas estão descontentes com a atual conjuntura dos partidos políticos que já existem e nós temos que nos apresentarmos como uma alternativa para os trabalhadores e trabalhadoras, para as donas de casas, para os desempregados, para os estudantes… mas para isso, precisamos cumprir a exigência do Tribunal Eleitoral”, disse o coordenador da UP em Pernambuco.

Os companheiros e companheiros que participaram da plenária saíram convencidos da necessidade de ampliar o apoio à UP e crescer a luta pelo socialismo. O calendário de coletas coletivas na região metropolitana do Recife foi tirado e agora é pôr em prática as deliberações da plenária.

Redação Pernambuco

MLC participa de audiência pública contra a terceirização

audiência terceirização 02No último dia 03 de julho, o senador Paulo Paim esteve presente em Recife para a realização de uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco contra a PLC 30/2015 (Lei da Terceirização). O evento teve a participação de vários movimentos sindicais e estudantis que reivindicam que o Senado Federal não aprove a lei que, se sancionada, prejudicará milhões de trabalhadores em todo o Brasil.

O Movimento Luta de Classes (MLC), como não poderia deixar de ser, levantou a bandeira do fim da exploração dos trabalhadores. “Várias centrais sindicais se reuniram para organizar esse ato. Isso mostra a força que o trabalhador tem e que temos que continuar na luta até que consigamos barrar essa PLC. A batalha é pelo fim da exploração”, declarou Thiago Santos, representante da Coordenação Nacional do MLC. “Semana passada estivemos em Brasília denunciando as irregularidades dos trabalhadores do telemarketing, que já sofrem terceirização. Não esqueceremos de Bárbara Monique, operadora de telemarketing que morreu no posto de trabalho após sofrer assédio moral de seu supervisor e ter um mal súbito”, completou Thiago.

“Me emociona falar da terceirização, pois também sou terceirizada. E devido ao meu trabalho tive uma perda de 60% da audição do meu ouvido direito. Me emociona falar das mães operadoras de telemarketing que tem que escolher entre levar seu filho no médico ou ir trabalhar para não levar suspensão. Me emociona falar dos operadores que trabalham arduamente para empresas que terceirizam suas funções e que recebem menos de um salário mínimo no final do mês. É isso que a terceirização faz com o trabalhador”, falou Camila Áurea, diretora do Sintelmarketing-PE.

Também estiveram presentes representantes do Sindlimp-PE, Sindlimp-Caruaru, Sindtêxtil-Ipojuca, Associação Pernambucana de Cuidadores de Residência Terapêutica (Apecrar), Sindicalçados-Carpina, Sintracon-Caruaru e Sintracon-Petrolina.

Ludmila Outtes, Recife

A luta pela licença-maternidade de seis meses

licenca maternidadeA Organização Mundial da Saúde orienta que até os seis meses de idade seja ofertado à criança apenas o leite materno, sem necessidade de água, chás, água e outros tipos de leite. Para as crianças, com o aleitamento materno é comprovada a redução de internações e de morte por diarreia; evitam-se infecções respiratórias; reduzem-se o risco de alergias e o risco de desenvolver hipertensão, colesterol alto e diabetes na vida adulta; melhora a nutrição, melhora o desenvolvimento da cavidade bucal e se verifica efeito positivo no desenvolvimento intelectual. Para as mulheres é um fator de proteção contra o câncer de mama, pode evitar nova gravidez, não tem custo financeiro além de promover maior vinculo afetivo entre mãe e filho.

E, apesar de todos esses benefícios cientificamente comprovados, são vários os fatores que dificultam a realização do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida da criança. A falta de políticas públicas para as mulheres, a tripla jornada de trabalho a que são submetidas as mulheres, com o acúmulo de tarefas domésticas, o trabalho fora de casa e o cuidado da família, além da falta de legislações trabalhistas que de fato estimulem a prática do aleitamento materno são alguns fatores.

Em relação às leis trabalhistas, o fato de ser obrigatória a licença-maternidade apenas até o 4º mês é um fator determinante no desmame precoce. A licença-maternidade foi introduzida no Brasil em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Tinha, porém, duração de apenas oito semanas após o parto. Com a Constituição de 1988, o benefício foi ratificado como direito social e ampliado para 120 dias. A Constituição Federal de 1988 introduziu importante inovação, que consiste em, além de assegurar à gestante, sem prejuízo de emprego e salário, 120 dias de licença, e também proíbe a demissão arbitrária ou sem justa causa a partir do momento da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

A luta pela licença de seis meses

Em 2008 entrou em vigor a Lei nº 11.770, que ampliou a licença-maternidade para 6 meses. Já é aplicada desde 2008 em âmbito federal para as servidoras federais, sendo ampliada para alguns estados e municípios. No caso de estados e municípios, cada um deve fazer sua própria lei. Para as empresas privadas a medida só começou a valer efetivamente a partir de janeiro de 2010 e de forma facultativa. As empresas podem escolher aderir ou não ao Programa “Empresa Cidadã”. Aquelas que optam por aderir são responsáveis por realizar o pagamento do salário para os dois meses prorrogados de licença-maternidade e recebem, em contrapartida, isenção fiscal sobre o Imposto de Renda. Apenas as empresas que declaram pelo sistema de lucro real podem solicitar o incentivo fiscal, ficando de fora aquelas que declaram pelo Simples ou pelo sistema de lucro presumido – micro e pequenas empresas. Assim, a licença ampliada ainda não chegou a todas as gestantes que trabalham no setor privado, já que a adesão ao programa depende da boa vontade do patrão e do quanto terá de impacto sobre a sua produção, e este colocará, é claro, seu lucro acima de tudo. Desde 2007 tramitam também emendas constitucionais para modificar a Constituição Federal e ampliar para todas as mulheres trabalhadoras contribuintes o benefício da licença-maternidade para 6 meses.

Ora, se a amamentação é tão saudável para as mulheres como para as crianças, é orientada por organizações da saúde, pelos trabalhadores da saúde, pediatras, enfermeiros e enfermeiras, nutricionista, porque não é aplicado?

A sociedade capitalista em que vivemos não tem por objetivo o bem-estar da nossa sociedade e sim a manutenção do lucro das empresas. A ampliação da licença-maternidade é tida como onerosa ao patrão. Toda ampliação de direitos trabalhistas é tida como onerosa e ameaça os lucros da burguesia.

As mulheres, apesar de terem garantido o direito de não serem demitidas desde o período que descobrem a gestação até o 5º mês pós-parto, em muitos casos acabam sendo demitidas logo após esse período. Além disso, muitas mulheres, para poderem continuar amamentando seus filhos, por não conseguirem vagas em creches públicas e não terem com quem deixar as crianças acabam largando seus empregos.

Diante dessa sociedade machista e patriarcal em que o cuidado dos filhos ainda é negado às mulheres, quando as crianças adoecem são elas que precisam faltar ao trabalho para levá-los ao médico e prestar os cuidados de que necessitam. Algumas empresas não aceitam atestado dos filhos e, em outros casos, delimitam quantas vezes seu filho pode ficar doente ao limitar o número de atestados que podem ser apresentados.

Amamentação: uma responsabilidade da sociedade

O pai da criança tem direito a uma licença-paternidade remunerada de cinco dias corridos e há projetos tramitando no Congresso para aumentá-la para 15 dias corridos. É preciso maior participação dos homens no cuidado dos filhos, maior participação da família e de toda a sociedade. Nessa sua tripla jornada de trabalho entre cuidar dos filhos, da família, da casa e do trabalho, e ainda receber menores salários, todo o estresse a que a mulher está submetida acaba por prejudicar também a amamentação. Quando olhamos para os dados de redução do aleitamento materno exclusivo, os profissionais da saúde e toda a sociedade devem estar atentos a que amamentar não é só uma questão privada, particular da vida e da decisão individual de uma mulher, mas uma responsabilidade de toda a sociedade. Colocar o peso sobre a mulher que quis ou não quis amamentar é incorrer em um erro. Muitas mulheres saem do hospital com receita de fórmula infantil, de leite em pó, prescrita pelos próprios médicos. Médicos associados à indústria de alimentos. Nenhuma mulher precisaria consumir esses produtos.

Mas para conseguir amamentar, a mulher tem que estar bem, emocionalmente, tem que conseguir se alimentar bem para se manter de pé e com energia, tem que ter apoio do companheiro e da família no cuidado com a criança, no cuidado com a casa, tem que ter direito a leis trabalhistas que garantam o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês, tem que ter creches onde deixar seus filhos ao retornar ao trabalho.

É preciso, portanto, que as mulheres se unam e lutem por garantias de direitos. E que lutemos pela superação dessa sociedade dividida em classes que tanto nos explora e que tanto nos oprime.

Priscila Voigt, Porto Alegre

Quarenta anos da libertação do Vietnã

guerra_vietn-1_thumb9Nos últimos dias de abril de 1975, cenas impensadas aconteciam nos céus de Saigon, hoje cidade de Ho Chi Minh. Aviões e helicópteros dos Estados Unidos da América do Norte resgatando seus soldados, acossados pelas tropas do Exército Libertador do Povo Vietnamita, composto pelos temidos guerrilheiros vietcongues e por tropas regulares do Vietnã do Norte.

Povo vietnamita ainda sofre consequências da agressão

O custo da vitória foi alto, sem dúvida. Foram 20 anos de guerra, na qual os imperialistas não respeitaram regra alguma do direito internacional. Deixaram de dois a quatro milhões de mortos, sendo metade ou mais civis de todas as idades; 11 milhões de desabrigados, florestas transformadas em deserto por 80 milhões de litros de herbicidas (os agentes laranja e azul), cujo objetivo era destruir as plantações e as selvas que protegiam os combatentes. Plantaram, ainda, em cerca de 20% do território milhares de bombas e minas. Limpar inteiramente é quase impossível, pois, segundo os especialistas, levaria 300 anos, a um custo de 10 bilhões de dólares.

Para proporcionar tanta dor a um povo, os EUA gastaram 200 bilhões de dólares e enviaram 550 mil soldados; em seu apoio, mandaram também soldados para combater o povo do Vietnã os seguintes países: Coreia do Sul, Tailândia, Austrália, Filipinas e Nova Zelândia. Os invasores registram perda de 58 mil soldados.

Os invasores já recuperaram suas perdas, pois continuam sugando outros povos, explorando suas riquezas e matando outras milhares de pessoas.  Mas o povo vietnamita prossegue sendo vítima dos venenos e bombas imperialistas. Crianças confundem bombas com brinquedos, camponeses são atingidos por explosões ao trabalharem nas roças. As consequências para a saúde dos venenos lançados sobre matas e rios continuam sérias: altas taxas de câncer, doenças de pele, alergias, distúrbios digestivos, crianças que nascem com síndrome de Down em índices acima do normal, com paralisia cerebral, face desfigurada, membros defeituosos, sem falar no índice incomum de abortos espontâneos.  Calcula-se em torno de três milhões o número de pessoas atingidas atualmente.

Cometeram crimes bárbaros

Na comemoração dos 40 anos da libertação, o primeiro-ministro Nguien Van Dung, apesar das boas relações diplomáticas e comerciais que mantém hoje com os EUA, não colocou panos quentes: “Cometeram crimes bárbaros, provocaram perdas incomensuráveis e muita dor à população do nosso país”. Relembrando a longa luta de libertação, disse que a vitória foi possível graças “ao fervoroso patriotismo, à brilhante e criativa direção do Partido Comunista”.

Sem medo de errar, podemos acrescentar, graças também ao apoio dado pelo bloco socialista (União Soviética e China), pela mobilização dos povos de todo o planeta, inclusive dentro dos próprios EUA em favor da Paz.

Ho Chi Minh, o Pai da Independência

Quanto à inegável e brilhante direção do Partido Comunista do Vietnã, embora sem culto à personalidade, é importante destacar o gênio da diplomacia e de estrategista militar do líder camponês Ho Chi Minh (leia A Verdade, nº 57), que, sem frequentar nenhuma Escola Militar, encontra-se no mesmo nível dos maiores estrategistas militares da História. Sua genialidade foi saber recolher, sintetizar, organizar e devolver ao povo combatente suas estratégias e táticas, que foram responsáveis pela expulsão dos imperialistas franceses, que, antes dos estadunidenses, haviam ocupado a Indochina (Vietnã, Laos e Camboja), em 1883. Sua expulsão se deu apenas durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1945). Foi ao final desta que o Vietnã foi dividido, como consequência da Guerra Fria que se instalou entre o império capitalista e os países socialistas. O Norte ficou com o regime socialista, e o Sul com o capitalista, com promessa de reunificação dois anos depois. Descumprido o acordo, iniciou-se a Guerra Popular de Libertação, que teria sido vitoriosa rapidamente, não fosse a intervenção imperialista.

Imprescindível

Embora não tenha avançado na construção do socialismo, por razões que não tratarei neste artigo, o Vietnã é uma das maiores provas de que um povo consciente, unido e com uma direção revolucionária, é invencível. Por menor que seja, não fica isolado (Cuba é outro exemplo), e isola os agressores. Por conta da inferioridade militar, sofre danos pesados, mas, no final, é vencedor e segue reconstruindo  rapidamente seu país.

Os imperialistas não aprenderam a lição, pois retomaram o ciclo de agressão e destruição de qualquer país que ouse romper com a subordinação e dependência e assegurar sua autonomia, mesmo sem mudar o sistema capitalista.

Para os povos livres ou que queiram conquistar sua independência, é imprescindível aprender com o exemplo do Vietnã.

José Levino, Pernambuco

Lourival Batista: um certo Louro do Pajeú

download“O Pajeú é o rio que não passa”.  Foi assim que Dedé Monteiro, um dos grandes poetas da região, definiu o Rio Pajeú, fonte de água e de poesia que dá nome a um sertão no norte de Pernambuco. Para Dedé, o Pajeú é um rio que não passa por dois motivos: primeiro porque fica seco durante o verão de estiagem, afetando a vida dos sertanejos, mas também porque segue vivo na riqueza cultural de quem se criou na região.

São José do Egito, Itapetim, Tabira e Afogados da Ingazeira são algumas das cidades que bebem das águas do Pajeú. Certamente há alguma mágica nas águas desse rio, ou alguma ciença – como diria o matuto – que fez nascer nessa região poetas, cantadores e repentistas da grandeza de Biu de Crisanto, Zé de Cazuza, Rogaciano Leite, Manoel Filó, João Batista de Siqueira (Cancão), Antônio Marinho, Jó Patriota, Zé Marcolino, Dedé Monteiro, os irmãos Dimas Batista e Otacílio Batista – e o terceiro irmão, Lourival Batista, que em 2015 tem seu centenário.

São poetas e cantadores tão enormes quanto desconhecidos da grande mídia no cenário nacional. Talvez por terem composto e cantado as coisas do Nordeste, região marginal em relação ao Sul rico e industrial. Mas um poeta sabe reconhecer a arte, e foi Manuel Bandeira quem disse estes versos, destacando a grandeza dos cantadores:

“…Saí dali convencido / Que não sou poeta não; / Que poeta é quem inventa / Em boa improvisação / Como faz Dimas Batista / E Otacílio seu irmão; / Como faz qualquer violeiro,/
Bom cantador do Sertão, / A todos os quais humilde / Mando minha saudação.”
(BANDEIRA, Manuel, Estrela da Tarde, Editora Global).

Muitas atividades celebram este ano o centenário de um dos maiores poetas da região. Nascido em 6 de janeiro de 1915 na cidade de Itapetim, Lourival Batista Patriota ganhou fama muito cedo como Rei do Trocadilho e Louro do Pajeú. Lourival, certamente, levou a arte de versar improvisado a um patamar superior.

De uma família de trabalhadores rurais, foi com sua mãe, Severina Batista Patriota, que Lourival aprendeu o gosto pela poesia. Por ser o filho mais velho, teve o privilégio de estudar no Recife e, em 1933, aos 18 anos, terminou o curso ginasial. De volta para o Pajeú, logo fez fama como bom cantador pela capacidade de fazer trocadilhos e improvisar em alto estilo.

Lourival casou-se com Helena Marinho, filha do repentista lendário Antônio Marinho e tabeliã do cartório de São José do Egito. Helena criou os oito filhos de Lourival, dando à família a estabilidade que a vida de boemia e de cantorias em outras cidades retirava. Por Helena, Lourival disse:

“De fato devo ter pena / Meu amável companheiro / De minha querida Helena / Que é meu amor verdadeiro / Mas quando vou com a pena / Ela já vem com o tinteiro”.

E sobre a família:

“Eu me casei com Helena / Filha de um colega teu; / E uma oitava de filhos /  Lá em casa apareceu / São dez, noves fora, um / Quem anda fora sou eu.”

Seu maior parceiro de cantoria foi um grande poeta paraibano, Pinto do Monteiro. As pelejas desses dois cantadores se tornaram verdadeiras antologias e patrimônios da cultura nordestina. Por mais de 30 anos, Pinto do Monteiro e Lourival percorriam os sítios no interior, cantando sempre de improviso e com rima metrificada, na sacada das casas a convite de um fazendeiro ou no coreto da praça local. A cantoria se pagava com as doações dos que assistiam depositando dinheiro e moedas em uma bandeja.

Certa feita, cantando com Pinto em “oito pés de quadrão’, Lourival lançou:

“Cantar comigo é um risco / quebra pedra, espalha cisco; / vem trovão, e vem corisco; / vem corisco e vem trovão; / desce água em borbotão; / as águas formando tromba / teu açude, agora, arromba / nos oito pés de quadrão!”

A resposta de Pinto foi na mesma moeda:

“Meu açude não arromba / nem a sua parede tomba /  porque dois pés de pitomba / sustentam seu paredão / Haja pitomba no chão, / n’água rasa e n’água funda; / leve pitomba na bunda / nos oito pés de quadrão!

Simplicidade e compromisso com os pobres

Lourival carregava consigo o gosto pela simplicidade da vida, o desapego ao dinheiro e às coisas materiais. Era conhecido em São José do Egito por doar comida e dinheiro aos pobres,  e os mendigos e loucos da cidade frequentemente almoçavam em sua casa.

Cantando sobre a pobreza e o valor do cantador, Louro mostrou por que ganhou o título de Rei do Trocadilho:

“É muito triste ser pobre; / para mim é um mal perene…/ trocando o ‘p’ pelo ‘n’, / é muito alegre ser nobre;/ sendo ‘c’, é cobre / cobre, figurado, é ouro / botando o ‘t’, fica touro / como a carne e vendo a pele / o ‘t’, sem o traço, é ‘l’ / termino só sendo Louro!”

Em 1960, Lourival canta no comício para eleição de Pedro Gondim para governador da Paraíba. Era o momento em que o golpe militar já se preparava e o slogan da campanha combatia o medo. Lourival disse:

Brancas rosas, verdes ramos / levei-os bem na lembrança; / rosas brancas de virtude; / ramos verdes de esperança…/ sem esperança e virtude / político nenhum avança”.

Era no humor, no entanto, que a criatividade de Lourival se destacava. Tinha um senso de humor aguçado, capaz de captar qualquer deslize e deixar seus oponentes sem reação. Enfrentando João Andorinha, este fez alusão ao romance de João Martins de Ataíde, O Dragão do Rio Negro, e disse: “…Sou igualmente ao Dragão / do Rio Negro, falado…”

Lourival respondeu sem pena:

Para Dragão, estás errado, / pois Lourival já te explica: / tira letra, apaga letra, / bota letra e metrifica: / tira o ‘d’, apaga o ‘r’ / bota o ‘c’, vê como fica…”

A partir do início da década de 1970, tiveram início os congressos de cantadores que representaram uma nova fase na atividade. Nos teatros das capitais e maiores cidades do Nordeste, os repentistas se reuniam para desafios. Notórios juízes de rima eram designados e, por fim, um ganhador escolhido.

Nesse período, vários cantadores gravaram discos e levaram seu trabalho ao Rio de Janeiro e São Paulo. Lourival Batista, no entanto, continuou no Pajeú, preferindo as cantorias aos congressos, a rede mansa aos estúdios de gravação.

Todos os dias seis de janeiro, quando se comemoravam as festas de Reis no sertão, o aniversário de Lourival também era comemorado com a presença de muitos cantadores que vinham das cidades mais distantes para prestigiá-lo. O dia seis se tornou, assim, um dia de lembrar a poesia de Louro e de saudar os poetas da região, relembrando a grandeza do Pajeú, berço imortal da poesia. Mesmo não gravando vários discos, Lourival permanecia como referência para os poetas.

Palhaço que ri e chora

Com profundidade, Lourival descreveu nestas décimas os prazeres e desgostos da atividade, não apenas do palhaço, mas de todo artista:

 

Pinta o rosto, arruma palma
dentre os néscios e sábios
o riso aflora-lhe os lábios
a dor tortura-lhe a alma.
Suporta com toda calma
Desgosto a qualquer hora;
ama sim, mas vai embora
vive num eterno drama:
Pensa, sonha, sofre e ama
Palhaço que ri e chora.

Tem horas de desespero
quando a vida desagrada
sentindo a alma picada
tem que ir ao picadeiro.
Se ama esquece ligeiro
porque ali não demora
chagas dentro, rosas fora
guarda espinho, mostra flor
misto de alegria e dor
palhaço que ri e chora.

Se quer alguém com desvelo
deixar é martírio enorme
se vai deitar-se não dorme
se dorme tem pesadelo.
Sentindo um bloco de gelo
lhe esfriando dentro e fora
desperta, medita e chora.
Sente a fortuna distante
julga-se um judeu errante
palhaço que ri e chora.

Palhaço, tem paciência!
Da planície ao pináculo
o mundo é um espetáculo
todos nós uma assistência.
Por falta de consciência
gargalhamos sem demora
choramos a qualquer hora
sem força, coragem e fé
porque todo homem é
palhaço que ri e chora.

O centenário do Louro

Na casa onde morou Lourival Batista é mantida por seus filhos e netos a Casa do Repente – Instituto Lourival Batista, que recupera a história de Lourival e dos poetas da região. Lá ocorreu a comemoração do seu centenário, com cinco dias de festa, poesias e cantorias.

Em 5 de dezembro de 1992, aos 77 anos, Lourival faleceu. Viveu sempre da cantoria e do repente, exceto por um pequeno período como anotador do jogo do bicho.

Conhecer a história dos repentistas é entender a formação cultural do Brasil, o pensamento do trabalhador do campo no final do século XIX e durante quase todo o século XX, a relação com a natureza, com a religião, com o Estado, com o trabalho e a família. O centenário de Louro do Pajeú é uma parte grande dessa história.

Fonte: Antologia Ilustrada dos Cantadores (Francisco Linhares e Otacílio Batista, Editora Universitária da UFPB, 3ª ed.).

Sandino Patriota, São Paulo

Tragédia grega esconde segredos dos bancos privados

A Grécia está enfrentando um tremendo problema de dívida pública e uma crise humanitária. A situação atual é muitas vezes pior do que a de 2010, quando a Troika –FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu – impôs seu “plano de resgate” ao país, justificado pela necessidade de apoiar a Grécia. Na realidade, tal plano tem sido um completo desastre para a Grécia, pois o país não tem obtido absolutamente nenhum benefício com os peculiares acordos de dívida implementados desde então.

O que quase ninguém comenta é que um outro exitoso plano de resgate foi efetivamente implementado naquela mesma época em 2010, não para a Grécia, mas para os bancos privados. Por trás da crise grega há um enorme e ilegal plano de resgate de bancos privados. E a forma pela qual tal plano está se dando representa um imenso risco para toda a Europa.

Depois de cinco anos, os bancos conseguiram tudo o que queriam. Por outro lado, a Grécia mergulhou numa verdadeira tragédia: o país aprofundou gravemente seu problema de dívida pública; perdeu patrimônio estatal à medida em que acelerou o processo de privatizações, assim como encolheu drasticamente sua economia. Pior que tudo, tem amargado imensurável custo social representado pelas vidas de milhares pessoas desesperadas que tiveram seu sustento e seus sonhos cortados pelas severas medidas de austeridade impostas desde 2010. Saúde, educação, trabalho, assistência, pensões, salários e todos os demais serviços sociais têm sido afetados de forma destrutiva.

A distribuição do Orçamento Nacional da Grécia mostra a predominância dos gastos com a dívida sobre todos os demais gastos estatais. De fato, os gastos com o pagamento de empréstimos, outras obrigações de dívida, juros e outros custos absorvem 56% do orçamento estatal:

Em Maio de 2010, ao mesmo tempo em que todas as atenções estavam focadas nas abundantes notícias sobre a interferência da Troika na Grécia, com seu peculiar “plano de resgate” grego, um outro plano de efetivo resgate bancário viabilizado por um conjunto de medidas ilegais também estava sendo aprovado, mas atenção alguma foi dispensada a esse último.

Em uma tacada, sob a justificativa de necessidade de “preservar a estabilidade financeira na Europa”, medidas ilegais foram tomadas em Maio de 2010, a fim de garantir o aparato que permitiria aos bancos privados livrar-se da perigosa “bolha”, isto é, da grande quantidade de ativos tóxicos – em sua maioria títulos desmaterializados e não comercializáveis – que abarrotava contas “fora de balanço” [2] em sua escrituração contábil. O objetivo principal era ajudar os bancos privados a transferir tais ativos tóxicos para os países europeus.

Uma das medidas adotadas para acelerar a troca de ativos de bancos privados e acomodar a crise bancária foi o programa SMP [3], mediante o qual o Banco Central Europeu (BCE) passou a efetuar compras diretas de títulos públicos e privados, tanto no mercado primário como secundário. A operação relativa a títulos públicos é ilegal, pois fere frontalmente o Artigo 123 do Tratado da União Europeia [4]. Tal programa constitui apenas uma entre várias outras “medidas não-padronizadas” adotadas na época pelo BCE.

A criação de um “Veículo de Propósito Especial”, uma companhia baseada em Luxemburgo, constituiu outra medida implementada para transferir ativos tóxicos desmaterializados dos bancos privados para o setor público. Acreditem ou não, países europeus [5] se tornaram sócios de tal companhia privada, uma sociedade anônima chamada Facilidade para Estabilidade Financeira Europeia (EFSF) [6]. Os países se comprometeram com bilionárias garantias, inicialmente no montante de EUR 440 bilhões [7], que logo em 2011 subiram para EUR 779.78 bilhões [8]. O verdadeiro propósito de tal companhia tem sido disfarçado pelos anúncios de que ela iria providenciar “empréstimos” para países, fundamentados em “instrumentos financeiros”, não em dinheiro efetivo. Cabe mencionar que a criação da EFSF foi uma imposição do FMI [9], que lhe forneceu uma contribuição de EUR 250 bilhões [10].

Juntos, o programa SMP e a companhia EFSF representaram os complementos cruciais para o esquema [11] de alívio de ativos, necessário para concluir o suporte aos bancos privados iniciado desde o início de 2008, por ocasião da crise financeira nos Estados Unidos e Europa. Desde o início de 2009 os bancos privados vinham demandando por mais suporte público para descarregar a excessiva quantidade de ativos tóxicos que abarrotava suas contas “fora de balanço”. O atendimento a essa demanda poderia se dar tanto mediante compras diretas governamentais, como por meio de transferências para companhias independentes de gerenciamento de ativos. Essas duas soluções restaram atendidas pelo SMP e pela EFSF, e as perdas relacionadas aos ativos tóxicos estão sendo repartidas entre os cidadãos europeus.

A troca de ativos tóxicos de bancos privados para uma companhia por meio de simples transferência, sem o devido pagamento e a operação de compra/venda seria ilegal frente às normas contábeis. EUROSTAT modificou tais regras [12] e permitiu a “liquidação de operações conduzidas mediante troca de títulos”, justificando tal ato por “circunstâncias específicas da turbulência financeira”.

A localização da companhia EFSF em Luxemburgo visou, principalmente, escapar da aplicação das leis do Direito Internacional. Ademais, a EFSF é financiada em grande parte pelo FMI, cuja colaboração seria ilegal, de acordo com seu próprio Estatuto. No entanto, o FMI também modificou suas regras para proporcionar a ajuda de EUR 250 bilhões à EFSF [13].

De acordo com a Lei [14] que autorizou a sua criação, a empresa EFSF de Luxemburgo poderia delegar a gestão de todas as suas atividades relacionadas aos instrumentos financeiros; seu conselho de diretores poderia delegar as suas funções, e seus associados, os Estados-Membros, poderiam delegar a tomada de decisões relacionada aos fiadores para o Grupo de Trabalho do Eurogrupo (EWG). Naquela época, tal grupo de trabalho sequer possuía um presidente em tempo integral [15]. A Agência de Gestão da Dívida alemã [16] é quem realmente opera a EFSF, e, em conjunto com o Banco Europeu de Investimento, presta apoio ao funcionamento operacional da EFSF. É evidente a falta de legitimidade da EFSF, já que é realmente operada por um órgão diverso. EFSF é agora o principal credor Grécia.

Os instrumentos financeiros utilizados pela EFSF são os mais arriscados e restritos, desmaterializados, não comercializáveis, tais como Floating Rate Notes tipo Pass-trough, arranjos cambiais e de hedge, e outras atividades de co-financiamento que envolvem o administrador britânico Wilmington Trust (London) Limited [17] como o instrutor para a emissão de títulos restritos, não-certificados, que não podem ser comercializados em nenhuma bolsa de valores legítima, pois não obedecem às regras exigidas para títulos de dívida soberana. Este conjunto de instrumentos financeiros tóxicos representa um risco para os Estados-Membros, cujas garantias podem ser exigidas para pagar por todos os produtos financeiros da empresa luxemburguesa.

Um escândalo de grande proporção teria ocorrido em 2010, se esses esquemas ilegais tivessem sido revelados: a violação do Tratado da UE, as alterações arbitrárias nas regras processuais por parte do BCE, Eurostat e do FMI, bem como a associação dos Estados-Membros à companhia privada de propósito especial em Luxemburgo. Tudo isso apenas para resgatar bancos privados, às custas de um risco sistêmico para toda a Europa, devido ao comprometimento dos Estados-Membros com garantias bilionárias que cobririam ativos tóxicos problemáticos não comercializáveis e desmaterializados.

Este escândalo nunca aconteceu, porque em Maio de 2010, a mesma reunião extraordinária do Conselho de Assuntos Econômicos e Sociais da Comissão Europeia [18] que discutiu a criação da companhia luxemburguesa EFSF “Veículo de Propósito Especial”, deu uma importância especial para o “pacote de apoio à Grécia”, fazendo parecer que a criação daquele esquema era para a Grécia e que, ao fazê-lo, estariam garantindo a estabilidade fiscal para a região. Desde então, a Grécia tem sido o centro de todas as atenções, persistentemente ocupando as manchetes dos principais veículos de comunicação de todo o mundo, enquanto o esquema ilegal que efetivamente tem suportado e beneficiado os bancos privados permanece nas sombras, e quase ninguém fala sobre isso.

O relatório anual do Banco da Grécia mostra um acentuado crescimento nas contas “fora de balanço” relacionadas a ativos financeiros em 2009 e 2010, em quantidades muito maiores que o total de ativos do Banco, e esse padrão continua nos anos seguintes. Por exemplo, no Balanço Contábil do Banco da Grécia de 2010 [19], o total de ativos em 31/12/2010 [20] era EUR 138,64 bilhões. As contas “fora de balanço” naquele ano chegou a EUR 204,88 bilhões. Em 31/12/2011, enquanto o total dos ativos do Balanço somou EUR 168,44 bilhões, as contas “fora de balanço” atingiram EUR 279,58 bilhões.

Assim, a transferência de ativos tóxicos dos bancos privados para o setor público tem sido um grande sucesso: para os bancos privados. E o Sistema da Dívida [21] tem sido a ferramenta para acobertar isso.

A Grécia foi trazida a este cenário depois de vários meses de pressão persistente por parte da Comissão Europeia, devido a alegações acerca de existência de um excessivo déficit orçamentário, além de inconsistências em dados estatísticos [22]. Passo a passo, um grande problema foi criado em torno dessas questões, até que em maio de 2010 o Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros declarou: “na sequência da crise na Grécia, a situação nos mercados financeiros é frágil e havia um risco de contágio” [23]. E assim a Grécia foi submetida ao pacote que incluiu a interferência da Troika com as suas severas medidas inseridas em planos de ajuste anual, e um peculiar acordo bilateral, seguido por “empréstimos” da EFSF lastreados em instrumentos financeiros de risco.

Economistas gregos, líderes políticos, e até mesmo algumas autoridades do FMI haviam proposto que uma reestruturação da dívida grega iria propiciar resultados muito melhores do que aquele pacote. Isso foi ignorado.

Graves denúncias acerca da superestimação do déficit orçamentário – que tinha sido a justificativa para a criação do grande problema em torno da Grécia e a imposição do pacote em 2010 – foram igualmente ignoradas.

Sérias denúncias feitas por especialistas [24] gregos sobre a falsificação de estatísticas também foram desconsideradas. Seus estudos mostravam que o montante de EUR 27,99 bilhões sobrecarregou as estatísticas de dívida pública em 2009 [25], por causa da elevação falsa em determinadas categorias (tais como DEKO, obrigações hospitalares e SWAP Goldman Sachs). Estatísticas de anos anteriores também haviam sido afetadas por EUR 21 bilhões de swaps Goldman Sacks distribuídos ad hoc em 2006, 2007, 2008 e 2009.

Apesar de tudo isso, sob uma atmosfera de urgência e ameaça de “contágio”, acordos peculiares foram implementados desde 2010 na Grécia; não como uma iniciativa grega, mas tal como conformado pelas autoridades da UE e do FMI, vinculados ao cumprimento de um conjunto completo de medidas econômicas, sociais e políticas prejudiciais, impostas pelos Memorandos [26].

A análise dos mecanismos [27] inseridos nesses acordos mostra que eles não significaram benefício algum à Grécia, mas serviram aos interesses dos bancos privados, em perfeita consonância com as medidas de resgate ilegais aprovadas em Maio de 2010.

Em primeiro lugar, o empréstimo bilateral usou uma conta especial no BCE, por meio da qual os empréstimos desembolsados ​​pelos países e KfW, os credores, iriam direto para os bancos privados que detinham títulos de dívida desvalorizados, cotados muito abaixo de seu valor nominal. Dessa forma, aquele acordo bilateral peculiar foi arranjado para permitir o pagamento integral para aqueles detentores de títulos, enquanto a Grécia não obter qualquer benefício. Em vez disso, os gregos terão de pagar de volta o capital, altas taxas de juros e todos os custos.

Em segundo lugar, os “empréstimos” da EFSF resultaram na recapitalização de bancos privados gregos, além de trocas e reciclagem de instrumentos de dívida. A Grécia não recebeu qualquer empréstimo verdadeiro ou apoio da EFSF. Através dos mecanismos inseridos nos acordos com a EFSF, dinheiro efetivo nunca chegou à Grécia, mas apenas os ativos tóxicos desmaterializados que lotam a seção “fora de balanço” do Banco da Grécia. Por outro lado, o país tem sido forçado a cortar despesas sociais essenciais para pagar, em dinheiro, as altas taxas de juros e todos os custos abusivos, e também terá que reembolsar o capital que nunca recebeu. O contrato prevê que tal pagamento pode ser feito também por meio de entrega de patrimônio estatal privatizado.

É preciso buscar as razões pelas quais a Grécia foi escolhida para estar no olho do furacão, submetida a acordos e memorandos ilegais e ilegítimos, servindo de cenário para encobrir o escandaloso resgate ilegal de bancos privados desde 2010.

Talvez essa humilhação se deva ao fato de que a Grécia tem sido historicamente uma referência mundial para a humanidade, pois ela é o berço da democracia, o símbolo da ética e dos direitos humanos. O Sistema de Dívida não pode admitir tais valores, pois não possui o menor escrúpulo em provocar danos a países e povos para obter seus lucros.

O Parlamento grego já instalou a Comissão da Verdade sobre a dívida pública e nos deu a chance de revelar esses fatos; tão necessários para repudiar o Sistema de Dívida que tem subjugado não só a Grécia, mas muitos outros países, sob a espoliação do setor financeiro privado. Somente por meio da transparência e do acesso à verdade os países irão derrotar aqueles que querem colocá-los de joelhos.

Já é chegado o tempo para que a verdade prevaleça, o tempo para colocar os direitos humanos, a democracia e a ética acima de quaisquer interesses inferiores. Esta é uma tarefa para a Grécia, a ser cumprida já.

Mária Lúcia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida

[1] Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil (www.auditoriacidada.org.br), convidada pela presidente do Parlamento Grego Deputada Zoe Konstantopoulou para colaborar com o Comité da Verdade sobre a Dívida Pública criado em 4 de abril de 2015.

[2] “Fora de balanço” significa uma seção à margem da contas normais que fazem parte do balanço contábil, onde ativos problemáticos, tais como títulos desmaterializados, não comercializáveis, são informados.

[3] Securities Markets Programme (SMP) – EUROPEAN CENTRAL BANK. Monetary policy glossary. Disponível em:https://www.ecb.europa.eu/home/glossary/html/act4s.en.html#696 [Acessado em 4 de Junho de 2015]

[4] THE LISBON TREATY. Article 123. Disponível em: http://www.lisbon-treaty.org/wcm/the-lisbon-treaty/treaty-on-the-functioning-of-the-european-union-and-comments/part-3-union-policies-and-internal-actions/title-viii-economic-and-monetary-policy/chapter-1-economic-policy/391-article-123.html [Acessado em 4 Junho de 2015]

[5] Países Membros da zona do Euro ou Sócios da EFSF: Reino da Bélgica, República Federal da Alemanha, Irlanda, Reino da Espanha, República da França, República da Itália, República de Chipre, República de Luxemburgo, República de Malta, Reino da Holanda, República da Áustria, República de Portugal, República da Eslovênia, República da Eslováquia, República da Finlândia e República Helênica.

[6] A companhia privada EFSF foi criada como um instrumento do MECANISMO DE ESTABILIZAÇÃO FINANCEIRA EUROPEIA (EFSM):http://ec.europa.eu/economy_finance/eu_borrower/efsm/index_en.htm

[7] EUROPEAN COMMISSION (2010) Communication From the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Central Bank, the Economic And Social Committee and the Committee of the Regions – Reinforcing economic policy coordination.http://ec.europa.eu/economy_finance/articles/euro/documents/2010-05-12-com(2010)250_final.pdf – Página 10.

[8] IRISH STATUTE BOOK (2011) European Financial Stability Facility and Euro Area Loan Facility (Amendment) Act 2011. Disponível em:http://www.irishstatutebook.ie/2011/en/act/pub/0025/print.html#sec2 [Acessado em 4 Junho de 2015].

[9] Depoimento de Dr. Panagiotis Roumeliotis, representante da Grécia junto ao FMI, para o “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública”, no Parlamento Grego, em 15 de junho de 2015.

[10] EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2010) About EFSF [online] Disponível em: http://www.efsf.europa.eu/about/index.htm ehttp://www.efsf.europa.eu/attachments/faq_en.pdf – Question A9 [Acessado em 4 Junho de 2015].

[11] HAAN, Jacob de; OSSTERLOO, Sander; SCHOENMAKER, Dirk. Financial Markets and Institutions – A European Perspective (2012) 2nd edition. Cambridge, UK. Asset relief schemes, Van Riet (2010) Página 62.

[12] EUROSTAT (2009) New decision of Eurostat on deficit and debt – The statistical recording of public interventions to support financial institutions and financial markets during the financial crisis. Disponível em:http://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/5071614/2-15072009-BP-EN.PDF/37382919-ebff-4dca-9175-64d78e780257?version=1.0 [Acessado em 4 Junho de 2015]

[13] “Most Directors (…) called for the Fund to collaborate with other institutions, such as the Bank for International Settlements, the Financial Stability Board, and national authorities, in meeting this goal.” In IMF (2013) Selected Decisions. Disponível em:http://www.imf.org/external/pubs/ft/sd/2013/123113.pdf – Página 72 [Acessado em 4 Junho de 2015]

[14] EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY ACT 2010. EFSF Framework Agreement, Artigos 12 (1) a, b, c, d, e (3); Artigo 10 (1), (2) e (3); Artigo 12 (4); Artigo 10 (8).

[15] Somente a partir de Outubro/ 2011 em diante, de acordo com a Decisão do Conselho de 26/Abril/2012, o Grupo de Trabalho do Eurogrupo (EWG) passou a ter um presidente em tempo integral: OFFICIAL JOURNAL OF THE EUROPEAN UNION (2012) Official Decision. Disponível em:
http://europa.eu/efc/pdf/council_decision_2012_245_ec_of_26_april_2012_on_a_revision_of_the_statutes_of_the_efc.pdf.
A mesma pessoa, Thomas Wieser, ocupou também a presidência do Comitê Econômico e Financeiro (EFC) desde Março/2009 a Março/2011: COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. Eurogroup Working Group. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu/en/council-eu/eurogroup/eurogroup-working-group/

[16] EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2013) EFSF general questions. Disponível em: http://www.efsf.europa.eu/attachments/faq_en.pdf – Question A6. [Acessado em 4 Junho de 2015].
Veja também: Germany Debt Management Agency has issued EFSF securities on behalf of EFSF.
EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2010) EU and EFSF funding plans to provide financial assistance for Ireland. Disponível em:
http://www.efsf.europa.eu/mediacentre/news/2010/2010-006-eu-and-efsf-funding-plans-to-provide-financial-assistance-for-ireland.htm [Acessado em 4 Junho de 2015]

[17] Co-Financing Agreement, PREAMBLE (A) and Article 1 – Definitions and Interpretation “Bonds”. Disponível em: http://crisisobs.gr/wp-content/uploads/2012/02/7-co-financing-agreement.pdf [Acessado em 4 Junho de 2015] Tais títulos são emitidos em forma desmaterializada e não-certificada. Possuem muitas restrições porque são emitidos diretamente para um determinado propósito e não oferecidos em mercado, como exigido pela Lei de Ativos e pelas regras da SEC. Eles são emitidos com base numa exceção dessas regras que é aplicável somente para emissões privadas, não para Países.

[18] ECONOMIC and FINANCIAL AFFAIRS Council Extraordinary meeting Brussels, 9/10 May 2010. COUNCIL CONCLUSIONShttps://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/Conclusions_Extraordinary_meeting_May2010-EN.pdf

[19] BANK OF GREECE ANNUAL REPORT 2010. BALANCE SHEET p. A4http://www.bankofgreece.gr/BogEkdoseis/Annrep2010.pdf

[20] BANK OF GREECE ANNUAL REPORT 2011. BALANCE SHEET p. A4.http://www.bankofgreece.gr/BogEkdoseis/Annrep2011.pdf

[21] Expressão criada pela autora, a partir da constatação, por meio de diversas auditorias cidadãs em diferentes instâncias, do uso do instrumento do endividamento público às avessas, funcionando como uma ferramenta de subtração de recursos públicos em vez de aportar recursos ao Estado, operando por meio de uma série de engrenagens que relacionam o sistema político, o sistema legal, o modelo econômico baseado em planos de ajuste fiscal, a grande mídia e a corrupção.

[22] 24 MARÇO 2009 – Commission Opinion –http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-05/2009-03-24_el_104-5_en.pdf 27 ABRIL 2009 – Council Decision –http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-06_council/2009-04-27_el_104-6_council_en.pdf
10 NOVEMBRO 2009 – Council conclusions –http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ecofin/111025.pdf
8 JANEIRO 2010- Commission Report –http://ec.europa.eu/eurostat/documents/4187653/6404656/COM_2010_report_greek/c8523cfa-d3c1-4954-8ea1-64bb11e59b3a
2 DEZEMBRO 2009 – Council Decision –https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ecofin/111706.pdf
11 FEVEREIRO 2010 – Statement by Heads of States or Government of the European Union. –http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/112856.pdf
16 FEVEREIRO 2010 – Council Decision giving –http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-09_council/2010-02-16_el_126-9_council_en.pdf

[23] 9/10 MAIO 2010 – Council Conclusions – Extraordinary meeting – Sob a justificativa de uma “crise na Grécia” o esquema de medidas para salvar bancos privados é implementado.https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/Conclusions_Extraordinary_meeting_May2010-EN.pdf
10 MAIO 2010 – Council Decision –http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-09_council/2010-05-10_el_126-9_council_en.pdf

[24] Prof. Zoe Georganta, Professora de Econometria Aplicada e Produtividade, Ex membro da diretoria da ELSTAT, apresentou sua contribuição ao “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública” em 21 Maio 2015.

[25] HF International (2011) Georgantas says 2009 deficit was purposely inflated to put us in code red. Disponível em: http://hellasfrappe.blogspot.gr/2011/09/shocking-report-official-admist-2009.html

[26] Um conjunto de 3 Memorandos acompanham a Carta de Intenções que o governo grego teve que assinar para receber um empréstimo Stand-By do FMI, nos quais se compromete a realizar as contrarreformas, cortes de serviços sociais, ao mesmo tempo em que cria fundos privados, com recursos públicos, para realizar o resgate de bancos privados (HFSF) e acelerar as privatizações (HRADT).

[27] Os mecanismos estão resumidos no Capítulo 4 do Relatório Preliminar apresentado pelo “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública” em 17 Junho 2015. Disponível em:http://www.hellenicparliament.gr/UserFiles/8158407a-fc31-4ff2-a8d3-433701dbe6d4/Report_web.pdf

Izidora resiste e luta popular obriga governo Pimentel a recuar

ocupaçoes-izidora-bh-750x410Uma ordem de despejo anunciada pelo governo de Minas Gerais elevou a tensão das mais de 8 mil famílias que residem nas Ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperança, na Mata da Izidora, região norte de Belo Horizonte. O local apresenta um dos maiores conflitos urbanos do país, com uma disputa que envolve um bilionário projeto de especulação imobiliária, tendo como principal interessada a Construtora Direcional, maior beneficiada pelo megaprojeto, o governo do estado de Minas Gerais contra milhares de famílias, que há dois anos ocuparam espontaneamente a área. Com a forte atuação dos movimentos de luta pela moradia em BH (MLB, Brigadas Populares e Comissão Pastoral da Terra), integrada a uma rede de apoiadores que inclui estudantes, sindicatos, religiosos (entre eles, o Arcebispo Metropolitano Dom Walmor), artistas populares e setores acadêmicos, que desenvolvem diversos projetos acadêmicos de apoio a essas comunidades, garantindo a permanência de mais de 8.000 famílias na Mata da Izidora.

Porém, uma batalha acontece na região, com diversas incursões policiais, provocações e ameaças de despejos de um lado e a luta constante pelo direito á moradia do outro.

Foi o que ocorreu no dia 19 de junho, quando mais de duas mil trabalhadores sem teto marcharam em protesto para impedir mais uma ação de despejo. O protesto foi reprimido violentamente pela PM de Minas Gerais, que agiu indiscriminadamente agredindo crianças, idosos e milhares de trabalhadores sem tetos sob o pretexto de liberar a MG 010. A via é uma importante porque faz a ligação de Belo Horizonte à Cidade Administrativa, ao Aeroporto de Confins, à Serra do Cipó e dezenas de cidades da região metropolitana. Mas, diferente do que falou o comando da PM, os manifestantes seguiam pacificamente pela marginal da via.

Para dispersá-los a PM utilizou um forte aparato repressivo, com bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta, bombas de efeito moral e balas de borracha, que atingiram inclusive crianças. A repressão policial teve como salto um total de 34 prisões e mais de 80 feridos. Durante o protesto um grupo se dirigiu ao gabinete do deputado Cristiano Silveira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, cobrando uma atitude que impedisse a violência policial contra milhares de famílias presentes na manifestação da MG 010. Houve tumulto no gabinete e 5 pessoas foram presas, entre elas Leonardo Pericles, da coordenação nacional do MLB e presidente da Unidade Popular pelo Socialismo, e Juliano Vitral, coordenador o DCE da UNA.

Em nota, o governador Fernando Pimentel (PT) disse que a PM agiu com legitimidade para impedir a obstrução da via pública. Revoltados com a repressão, os moradores incendiaram alguns ônibus do MOVE (sistema BRT) e recuaram para se defender. Em seu discurso, o comando da PM vem tentando desqualificar a manifestação política pelo direito á moradia tentando passar a ideia de que se trava de um arrastão, como afirmou o major Gilmar Luciano Santos, porta-vos da polícia Militar, que mentiu descaradamente com o intuito de criminalizar o movimento: “recebemos denúncias que um arrastão estava ocorrendo pelas ruas e na rodovia com depredações e agressões. Nosso papel é impedir esses bandidos.”

Na verdade, desde a sua posse há quase seis meses, o governador Fernando Pimentel (PT) vem buscando criar um clima propício para despejar as famílias da Mata da Izidora, fazendo várias ameaças e promovendo ações para enfraquecer os movimentos populares que atuam na região. Como não tem obtido êxito, vem utilizando a repressão para intimidar as famílias.

Portanto, o conflito entre os manifestantes moradores das ocupações e a PM é um conflito político e não um caso de polícia.

Lutar não é crime! Abaixo as prisões, torturas e repressão

leo e julianoA violência policial causou grande impacto em todos os movimentos sociais e populares de Minas Gerais. Inclusive, vários setores do Partido dos Trabalhadores ficaram descontentes com a atitude do governador Fernando Pimentel de colocar seu plano de despejo das comunidades da Izidora. Com isso, no início da semana, a mobilização tomou grandes proporções atingindo setores que vão alem da enorme rede de apoiadores já existentes, integrando um conjunto mais amplo de movimentos e entidades. Logo após a prisão de 34 manifestantes no protesto da MG 010 e 5 na Assembleia Legislativa, dezenas de pessoas foram à porta da delegacia seccional do Barro Preto e do Centro Integrado de Apoio ao Adolescente Autor de Ato Infracional (Cia-BH) para prestar solidariedade e exigir a liberdade dos manifestantes. Campanhas e denúncias nas redes sociais se propagaram rapidamente, obrigando o governo a libertar todos os 37 detidos.

A truculência da PM repercutiu negativamente no governo. Uma reunião de emergência foi marcada por deputados da base governista com os movimentos e as coordenações da Izidora já na segunda-feira de manhã, que contou ainda com a presença de representantes das Escolas de Arquitetura da UFMG e da PUC, de organizações de defesa dos direitos humanos e entidades e movimentos sociais, sendo discutida a necessidade de reabertura urgente das negociações por parte do governo estadual e buscar alternativas para situação das famílias. Paralelamente a essa reunião, os bispos Dom Mol, Reitor da PUC-Minas, e Dom Walmor, Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, encontraram-se com o Governador Fernando Pimentel e sua equipe cobrando para que se restabelecesse a negociação. Outras reuniões também tiveram como foco de discussão a situação das ocupações urbanas de BH. Esse foi um caso da reunião da CUT-MG, que pautou a necessidade de solidariedade com os movimentos, criticou a truculência da Policia Militar, o governo Pimentel e colocou seus sindicatos á disposição dos movimentos. O mesmo caso ocorreu também na reunião do Movimento Mundo do Trabalho Contra a Precarização, assim como na plenária da rede de apoiadores das ocupações reunida na Faculdade de Direito da UFMG, que contou com a presença de 80 pessoas. Leonardo Pericles, do MLB, compareceu a todos esses eventos, sendo calorosamente recebido em todos esses espaços e recebendo solidariedade por ter sido preso na sexta-feira. Novos apoios continuam ocorrendo para ajudar no processo fortalecimento da mobilização das ocupações.

Com isso, o governador Pimentel está na berlinda, sendo questionado, inclusive, por vários setores que o apoiaram em sua eleição, já que durante a campanha eleitoral afirmou que não despejaria as ocupações e negociaria para resolver o problema da moradia, que seu mandato seria pautado pelo diálogo. Reuniões de negociações foram retomadas, mas o governo ainda está intransigente quanto aos encaminhamentos a serem dados na ocupação dos terrenos. O despejo ainda é um fantasma que ronda a realidade das ocupações da Izidora e a medida que cresce a tensão, cresce também a disposição de resistência das famílias, a solidariedade e a força da luta pela moradia popular.

O resultado até agora foi a suspensão momentânea da ação despejo, vitória obtida na reunião de segunda-feira passada em que o governo foi obrigado a anunciar uma trégua de quinze dias. Por outro lado, uma representação contra a PM foi impetrada de sessenta moradores e representantes dos movimentos de moradia, entre elas, as sofridas por Poliana Souza, da coordenação nacional do MLB, que foi encaminhada ao Ministério Público, denunciando a truculência e a tortura por parte da Polícia Militar de Minas Gerais.

Diante desses fatos absurdos, o MLB exige a imediata destituição do comando da PMMG e do Secretário de Estado de Defesa Social, Bernardo Santa de Vasconcellos, para que os lamentáveis episódios de violência policial praticados pelo governo Richa contra greve dos professores do Paraná, não venham a se repetir no governo do PT em Minas Gerais.

O enfrentamento ocorrido há uma semana em Belo Horizonte mostra mais uma vez que somente com a organização, a luta e a mobilização é possível avançar a pauta pelos direitos do povo e dos trabalhadores, vencer a repressão e obter conquistas.

Redação Minas Gerais

Empresas roubam, e trabalhadores são demitidos

downloadA Operação Lava Jato, realizada pela Polícia Federal (PF), desmontou um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou cerca de R$ 10 bilhões de recursos da Petrobras. Segundo a PF e o Ministério Público Federal (MPF), estão envolvidos no esquema partidos políticos como PP, PMDB, PSDB, PSB, PT, PTB e SD, e grandes empreiteiras, como OAS, Camargo Correa, Mendes Jr., Galvão Engenharia e Engevix, todas envolvidas no processo de pagamento de propina e desvio de dinheiro. O reflexo desse desvio recai sobre as costas dos trabalhadores, que pagam com seu emprego a insaciável sede por dinheiro dos empresários e seus partidos burgueses.

No final do mês de maio, a Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco (Citepe), subsidiária da Petrobras no Estado, apresentou um balanço financeiro do empreendimento, revelando prejuízos bilionários em 2014. De acordo com os dados apresentados à imprensa, a Citepe teve um prejuízo de R$ 2,6 bilhões, 1.132% maior do que o apresentado em 2013. Segundo a companhia, a Operação Lava Jato é uma das responsáveis pelos números negativos.

Produção aumenta, mas trabalhadores são demitidos

Para se livrar da crise, a Citepe apresentou, no mês passado, um Plano de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), como única solução para sair do vermelho e dar continuidade ao projeto da companhia. O programa pretende demitir 2/3 dos trabalhadores da operação e manutenção como forma de diminuir os custos operacionais. A companhia deixou claro que, “caso não atinja a meta de demitir os 2/3 dos funcionários pelo PIDV, vai demitir os trabalhadores até chegar à metade do quadro operacional”. Atualmente, todos os trabalhadores da companhia são oriundos de concurso público e regidos pela CLT. Apesar dos números negativos apresentados, a realidade é bem diferente. Os próprios dados apresentados pela companhia, apesar de incompletos, mostram um crescimento significativo do processo produtivo realizado pelos trabalhadores. Vejamos: a receita bruta da companhia teve um crescimento de 210% em relação a 2013, enquanto a receita operacional líquida subiu 212%. A partida da unidade PET, em 2014, gerou sozinha uma receita líquida de R$ 98 milhões. O setor têxtil gerou receita líquida de R$ 145 milhões, ou seja, 107% em relação ao ano anterior, e o setor têxtil teve um aumento de 141% em toneladas de fios produzidos.

Portanto, os trabalhadores da operação/manutenção só fizeram os números operacionais da companhia crescer. E tem mais: a Citepe tem um contrato com a Odebrech para a construção da obra, que fala sobre penalidades financeiras no atraso das obras e sobre o teto financeiro da obra. Nenhum desses itens está sendo colocado em prática: a obra mais que dobrou de custo (os R$ 4 bilhões orçados inicialmente agora passam dos R$ 9 bilhões).

A Petrobras deve exigir o ressarcimento de todos os valores roubados pelas empreiteiras e garantir os empregos desses trabalhadores, para que quase 200 famílias não fiquem desamparadas.

 Rodrigo Rafael, presidente do Sindtêxtil-Ipojuca

Mais de dois milhões de trabalhadores são vítimas do descaso com a Educação

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imagesAo se reeleger, a presidenta Dilma Rousseff adotou como slogan de governo “Pátria Educadora”. Esperava-se que, finalmente, a Educação brasileira se tornasse prioridade, após sucessivos governos que a trataram com descaso. Porém, a esperança durou pouco e, já nos primeiros meses do novo governo, o Ministério da Educação sofreu um corte de quase R$ 10 bilhões. Com isso, faltará dinheiro tanto para despesas obrigatórias como para investimentos.

Em resposta, trabalhadores em Educação de vários estados estão em greve ou já paralisaram em algum momento. Iniciando pelo Paraná, em fevereiro, passando por São Paulo, Santa Catarina, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Roraima, Goiás, Alagoas, Amazonas e Distrito Federal. Várias redes municipais, como João Pessoa (PB), Juiz de Fora (MG), Maceió (AL), Duque de Caxias e Campos (RJ), também já pararam.

Escolas abandonadas

Com o ajuste fiscal do governo, as escolas ficaram sem recursos, sem material e sem manutenção. Em alguns estados, como no Rio de Janeiro, até a merenda está comprometida. As condições de trabalho, que já eram ruins, pioraram.

Em muitas escolas faltam funcionários, carteiras, não há segurança, e a infraestrutura é péssima. “Estamos paralisados não só pelos nossos salários, mas pelas condições de trabalho. O governo abandonou nossas escolas há anos. Onde trabalho, entra água nas salas quando chove. As carteiras estão todas quebradas. As salas estão superlotadas com 70 ou 80 alunos. Tem até ratos! Eles caem do teto”, denuncia Altair Lourenço, professor da Rede Estadual de São Paulo há 25 anos.

Mobilização nos estados

Em São Paulo, segundo o sindicato da categoria (Apeoesp), o ano letivo começou com a demissão de cinco mil professores e o fechamento de mais de três mil turmas, gerando salas de aula com até 85 alunos matriculados.

A greve, iniciada em março, tem como principal reivindicação o aumento de 75,33% nos salários, além da reabertura das turmas fechadas, regularização dos professores temporários e realização de novos concursos. Até agora, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) se nega a reconhecer a existência do movimento e não negocia com a categoria.

 Na Paraíba, a greve chegou ao fim no dia 30 de abril, depois que a Justiça considerou a paralisação ilegal. A categoria reivindicava um reajuste salarial de 13,01%. Hoje, um professor da rede estadual recebe um salário base de apenas R$ 1.525,00 para uma carga horária de 30 horas semanais.

No Pará, a greve dos professores da rede estadual de ensino continua após mais de 60 dias sem aulas. Os professores pedem o pagamento de piso salarial, a ampliação das horas-atividade, que são o período de preparação para as aulas, definição de prazos para o envio do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) à Assembleia Legislativa, reformas nas escolas e que o ponto dos grevistas não seja cortado. No dia 19 de maio, a Justiça determinou que os dias parados sejam descontados do salário dos grevistas. Durante a greve, os professores chegaram a ocupar o prédio do Centro Integrado de Governo (CIG), em Belém.

No Paraná, os profissionais da Educação retornaram a greve em 25 de abril. Eles reivindicam reajuste de 8,17%. A motivação para o retorno da greve foi o projeto de lei que alterou a gestão dos recursos da previdência estadual. No dia da votação, milhares de professores foram para a porta da Assembleia Legislativa na tentativa de não deixar que a votação acontecesse, mas o governador Beto Richa (PSDB) colocou a polícia para atacar os educadores. Foi um verdadeiro massacre. Mais de 200 profissionais feridos. O fato ganhou as páginas dos jornais de todo o mundo. Após o confronto, deixaram o governo os secretários de Educação e de Segurança Pública, além do comandante da PM. Ignorando toda a barbárie ocorrida, os deputados aprovaram o texto, já sancionado pelo governador.

Em Santa Catarina, a greve dos professores estaduais tem como principal reivindicação o plano de carreira da categoria. Também em Pernambuco, estado que o atual governador Paulo Câmara (PSB) prometeu durante a campanha eleitoral um aumento de 100% para os trabalhadores da educação e, após assumir o governo, negou um reajuste de apenas 13%, os professores retomaram a greve no dia 29 de maio. No Rio Grande do Sul, o sindicato da categoria (CPERS) desenvolve uma grande luta pela pelo reajuste imediato de 13,1% e pelo pagamento dos 34,67% que o governo anterior não pagou.

Reivindicações

Em todos os estados, a principal reivindicação dos trabalhadores em Educação é a valorização da carreira. A maior parte dos sindicatos pede reajuste de 13%, com base na lei do piso nacional do magistério. Alguns governos chegaram a contratar professores para substituir os grevistas. Uma reivindicação que também apareceu na pauta de alguns estados foi o cumprimento da lei do 1/3, que determina que um terço da carga horária seja reservado para planejamento fora de sala de aula. Apesar de já ser lei, muitos governos ainda não cumprem.

Mesmo nos estados que ainda não entraram em greve, a luta nacional repercutiu, fazendo com que os governos começassem a negociar, como acontece no Rio de Janeiro.

No dia 30 de abril, professores da rede estadual de treze estados aderiram à paralisação nacional convocada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação (CNTE). Cruzaram os braços por um dia professores de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Goiás, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Mato Grosso, Minas Gerais, Sergipe e Tocantins. Em nota, a CNTE denuncia que “quase 50 milhões de estudantes da educação básica pública e mais de 2,5 milhões de trabalhadores em educação são vítimas da falta de estrutura das escolas e sofrem sem investimento ou valorização por parte dos governos federal, estaduais e municipais”. O documento conclui afirmando que “os educadores brasileiros lutam por questões fundamentais, como o cumprimento da Lei do Piso e, acima de tudo, condições para oferecer uma educação de qualidade, laica, democrática e com acesso e permanência garantidos a todos os estudantes”.

 (Gabriela Gonçalves é diretora do SEPE/Caxias e militante do MLC/RJ)

Amazônia: os novos instrumentos do saque

FOTOABCD7No início da invasão europeia, os índios eram tolerados porque os portugueses e espanhóis necessitavam deles para localizar as riquezas de seu interesse, além de serem usados como mão de obra para explorá-las. Mas, na medida em que o invasor foi criando seus próprios instrumentos para localização e exploração dessas riquezas, foi dispensando os donos da casa e ficou agressivo, criando leis e instrumentos de dominação. Entre as leis, a injusta lei da propriedade privada da terra é simplesmente arrasadora para os povos indígenas.

No princípio, a brutalidade dos colonizadores se dava pela violência e eliminação físicas, pela escravização. No período moderno, uma classe desses descendentes europeus procura simplesmente despojar os povos indígenas de seus territórios, tirando-lhes todas as condições de sobrevivência, cultural e física.

Quem são os espoliadores

Em meados do século 20, todos os rios já haviam sido explorados e foi preciso ir território adentro para descobrir e espoliar os últimos depósitos das riquezas amazônicas. Agora os espoliadores já dispõem de todos os instrumentos, leis favoráveis, mapeamento das riquezas e maquinário para explorar o território, dispensando qualquer colaboração autóctone para transpor os obstáculos que se apresentam.

Assim, todos os governos, ditatoriais e democráticos, começam a romper as florestas e o alto dos rios e igarapés como se fossem “vazios demográficos”. A entrega dos empreendimentos novos na Amazônia a empresas – ficções criadas pelo homem e, por isso, sem consciência e sem responsabilidade – alivia, aparentemente, a ciência congênita ou a consciência dos mandantes dos crimes atuais. E o almoxarifado da Amazônia começa a ser conhecido e saqueado em todas as suas dimensões: terra, rios, peixes, seixos, minerais, madeira, plantas medicinais, fontes energéticas… A gente que está aí “não existe mais” e, se existe, não deveria existir, porque é apenas “estorvo do desenvolvimento”!

A Zona Franca de Manaus, “vaca sagrada” dos governantes de hoje, foi um dos instrumentos modernos mais eficazes criados para desapropriar o povo Amazônico. Em 1976, acompanhei o drama das populações indígena e seringueira do Acre quando a ditadura militar entregou os seringais a empresários sulistas, dispensando a mão de obra das famílias e comunidades ali existentes e pressionando-as a saírem sem rumo.

Em longa caminhada entre o alto Rio Purus e o Envira e na margem deles encontrei famílias perplexas e sem destino. Tentei convencê-las sobre os seus direitos. No dia seguinte, o barquinho do “marreteiro” em que viajava foi cercado por jagunços dos novos donos do Seringal Califórnia, já transformado em fazenda. Armados, ameaçavam com xingamentos e apelavam para as novas leis criadas junto com Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Dias depois, quando, numa favela de Feijó formada por famílias seringueiras já expulsas, contava das frutas que havia comido na minha passagem por seringais abandonados por elas, todos caíram em pranto. Um ano depois, subindo outro rio, o Juruá, me defrontei com dezenas de canoas com tolda improvisada, descendo o rio rumo a Manaus. O refúgio final de toda essa gente foi a Zona Franca.  Ali, já despejados de seus direitos, ficaram meros “invasores”. Noventa por cento dos bairros de Manaus foram criados por famílias despejadas do território da Amazônia. Vi as barracas desses “invasores” formando bairros como Compensa, Alvorada, Flores… até os mais recentes.

Muitos manauaras descendentes dessas vítimas, que vivem hoje sobre o asfalto e o cimento e da “nova” educação imposta pelas autoridades, ainda não se deram conta de para que serviu a Zona Franca, projeto espoliador dos direitos de seus pais e cremadora do seu futuro, achando que a sua expulsão do interior foi um benefício que as ditaduras lhes prestaram. Simultaneamente com a Zona Franca, instalou-se por todo o território amazônico o agronegócio devastador da biodiversidade pela monocultura eurocêntrica e contaminadora do território mediante o uso de agrotóxicos.

As hidrelétricas começaram a barrar os rios. A população remanescente, já exígua, tornou-se impotente para resistir a esses “monumentos da insanidade humana”: Balbina, Belo Monte, Jirau, Santo Antônio… e hoje já são poucas as comunidades que dão respaldo aos Munduruku em sua resistência contra os projetos hidrelétricos ameaçadores do mais belo sistema fluvial do mundo: o Tapajós.

A aceleração do saque

Mineradoras e garimpos ferem por toda parte o ecossistema e agridem as leis do País, invadindo territórios indígenas, saqueando sem controle as riquezas minerais e ameaçando a gente que resiste em seus domínios. Nos apontem pelo menos um posto ou centro sério de controle mineral em toda a região amazônica! A propósito do tema, deve-se ler Mineração e Violações de Direitos: O Projeto Ferro Carajás S11D, da Vale S.A. – Relatório da Missão de Investigação e Incidência, de Cristiane Faustino e Fabrina Furtado.

Hoje, a grande preocupação dos mandantes da Amazônia é a construção de mais e mais portos para acelerar o saque. Estive há poucas semanas em Santarém, um dos alvos principais, e constatei, in loco, a virulência dos saqueadores para acelerar a construção de portos para a exportação de commodities: madeira, soja, minérios. E eles vêm do mundo inteiro. A Cargill já controla o principal porto da cidade. Mas o mais ousado projeto é o dos chineses, que pretendem construir em Santarém, além de um porto, uma estrada de ferro Santarém-São Paulo. Desde o Império praticamente não se construiu mais nenhuma estrada de ferro de interesse do povo brasileiro, para sua locomoção e para transporte de seus produtos. Mas quando se trata de saquear a Amazônia há dinheiro para tudo. Está aí a estrada de ferro Carajás-São Luís, de propriedade da Vale do Rio Doce, ex-estatal, praticamente doada pelo Governo FHC a donos privados.

Para incentivar este modelo de exportação de commodities, modernizam-se portos, constroem-se hidrelétricas e linhões que conduzem a energia rumo aos centros onde se articula a entrega da região ao poder multinacional. E toda essa modernização, apoiada pelas autoridades locais e distantes, só tem uma finalidade: agilizar o saque do almoxarifado Amazônia. Os interesses das grandes empresas vão prevalecendo com muito custo econômico para o País e sem os consequentes benefícios sociais. Todos estes empreendimentos são construídos sem consulta séria à população afetada – no caso, comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas – e sem atender à proteção ambiental. Aos pobres atingidos por estes projetos, como ao povo do Antigo Testamento, em sua impotência, resta apenas pedir a maldição de Deus para as pessoas que comandam empresas iníquas e constroem obras da maldade.

Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), responsável pela autorização da atividade portuária, “70% da movimentação de embarcações na Amazônia hoje é para o transporte de minério de ferro, seguido dos produtos metalúrgicos e da soja”.

Em todo esse processo, de 1540 até hoje, uma coisa permanece constante: o perfil espoliador de todos os mandantes, dos colonos portugueses aos dirigentes atuais. Nada construíram realmente visando ao povo local e regional. Suas cabeças continuam poluídas com o mesmo sentimento da Família Real Portuguesa: saquear, saquear, exportar e exportar.

Veja a mais recente descoberta. O governador do Amazonas, José Melo, descobriu que a água da Amazônia também pode servir como mercadoria de exportação. Enquanto isto, o seixo dos rios, necessário para a sobrevivência da vida subaquática, foi espoliado para a construção dos arranha-céus da Zona Franca de Manaus. E a alimentação, fácil e sadia, das comunidades amazônicas vai desaparecendo. Nos últimos 40 anos, o peixe diminuiu em tamanho e quantidade. Da mesma forma, as florestas. As deliciosas frutas restantes na floresta devastada, que antes alegravam grandes e pequenos e eram acessíveis sem dinheiro, agora viraram mercadoria, sumindo paulatinamente da mesa do povo empobrecido da Amazônia.

Egydio Schwade, Casa da Cultura do Urubuí