UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

quarta-feira, 7 de maio de 2025
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Minhas recordações do Che

Em homenagem a Ernesto Che Guevara, um dos maiores revolucionários de todos os tempos, A Verdade publica um trecho do livro Che em Sierra Maestra, de Merceditas Sánchez Dotres, que lutou ao lado do Comandante na guerrilha que derrubou o ditador Fulgencio Batista, em 1959, e abriu caminho para a construção do socialismo em Cuba. Che foi assassinado em outubro de 1967, na Bolívia, a mando do governo norte-americano. A 2ª edição brasileira deste livro será lançada neste mês pelas Edições Manoel Lisboa, em parceria com a União da Juventude Rebelião (UJR).

Merceditas Sánchez Dotres*


A tropa atribuía ao Che uma série de qualidades que a História se encarregou de confirmar. Para a coletividade guerrilheira, era ponto pacífico que ele era um homem extremamente justo, incapaz de se deixar levar por um determinado estado de ânimo quando tinha de julgar um companheiro. Além disso, todos sabiam que ele podia gostar mais de certos combatentes que de outros, ou mesmo admirar ou apreciar alguns mais que outros. Porém, isso jamais influiria nas decisões que tivesse de tomar em relação aos seus prediletos. Jamais ele lhes concederia nem mais nem menos do que merecessem.

Na Sierra, ninguém falava mal do Che. Todos o amavam. Todos o adoravam. Ninguém se sentia tratado injustamente. Nenhum homem o responsabilizava pelo que lhe acontecia ou pudesse acontecer. Ninguém se atrevia a lhe contar uma mentira. Confiavam nele, no seu valor e na sua sabedoria. Era um guerrilheiro muito sensato.

Na guerrilha, Che sempre foi contra o desperdício. Cuidava de cada objeto pelo valor que tinha, pelo esforço que havia custado trazê-lo até às montanhas da Sierra Maestra, quer se tratassem de armas, medicamentos ou instrumentos de qualquer espécie.

Lembro-me de que, muitas vezes, vi Che estudando, recostado ou sentado num tronco ou deitado na sua rede já muito velha. Gostava de fumar charuto. Às vezes, tomava seu mate e, amiúde, movimentava-se de um lado para outro no seu burro. Comumente o víamos usando o inalador contra asma.

Talvez seja por tudo isso que nós, que tivemos o privilégio de conhecer o Che nas montanhas da Sierra Maestra, sentimo-nos eternamente endividados para com ele, por seu exemplo e seus ensinamentos.

Naquela época, todos já sabíamos que ele estava destinado a batalhar em outras terras, pelo bem da humanidade, que seu destino final não era Cuba, mas sim a América inteira, e que Cuba era apenas a primeira etapa do caminho que ele escolhera.

Por vezes, alguns se põem a pensar, com uma dose de egoísmo maior ou menor, que Che nasceu para nós, cubanos, como se o Guerrilheiro Heroico já não houvesse transcendido todas as fronteiras.

O certo é que quando alguém começa a refletir sobre esse ir e vir do Che de um extremo ao outro da nossa América Latina, tende a imaginar que é como se ele tivesse estado a nos procurar sempre, durante anos. Na realidade, o doutor Ernesto Guevara de la Serna teve de percorrer todos os caminhos, precisou atravessar montanhas, grandes planícies e rios imensos, passando por bosques, aldeias e cidades, até chegar ao México e encontrar-se com Fidel.

Lembro-me de que uma noite, quando já estávamos no acampamento de La Mesa, ouvi o Che falar sobre como era possível construir um mundo melhor para toda a humanidade. Do céu puríssimo da montanha, uma lua cheia magnífica banhava com sua luz prateada os montes e vales da Sierra Maestra, e ali, na casinha onde se editava o jornal El Cubano Libre, Che revelou que o momento mais feliz da sua vida foi quando teve a sorte de conversar uma noite inteira com Fidel.

O Comandante

Sobre o comandante Ernesto Guevara, pode-se dizer que ele era um desses seres excepcionais que abrigam em seu coração todo o respeito do mundo pela dignidade humana. Che sentia um respeito absoluto pela dignidade do homem. Suas palavras sempre pareciam a todos muito claras, cristalinas. Che não costumava deixar questões pendentes com ninguém. Na amizade, sobretudo quando se tratava de novas amizades, ele avançava muito devagar, passo a passo. Talvez tenha sido essa sua peculiaridade que definiu a relação tão especial que ele sempre manteve com todos os combatentes da sua tropa: relação de chefe para com subordinado, relação que nunca foi rompida, nem por ele, nem por nenhum de seus homens. Em consequência disso, na tropa rebelde todos o estimavam, o adoravam e o respeitavam. Como todo grande homem que está envolvido numa guerra, a qualidade que o comandante Che Guevara mais apreciava nos combatentes era a lealdade.

Essa mesma fidelidade revolucionária, Che devotava ao comandante Fidel Castro. E esse seu sentimento crescia cada vez mais ao verificar que, graças às suas qualidades excepcionais, Fidel havia sido capaz de sublevar em luta armada todo o seu povo contra a tirania de Batista e de guiá-lo à vitória, não obstante os poderosos inimigos que então acorrentavam os destinos da nação cubana.

Em virtude da própria guerra, Che, às vezes, dava a impressão de ser um homem de temperamento rude. Entretanto, quando era obrigado a agir com dureza em circunstâncias espinhosas, ninguém sofria mais que ele próprio.

Che, paladino da ética e da moral, paladino da austeridade e do tratamento justo e de uma equidade a toda prova, sempre viveu tal como pensava. Tais quais eram seus desejos e suas ideias. E, como nada do que acontecia à sua volta lhe era alheio, interessava-se por tudo. Não só pela guerra revolucionária, como meio para o povo atingir o poder, mas também pela economia e pela política. Era capaz de dedicar sua atenção e seu talento à literatura, ao cinema, à poesia, ao xadrez, ao jornalismo, à matemática, aos idiomas, à pintura e até à música.

Suas preferências poéticas eram muito variadas, porém apreciava sobremaneira a obra de Nicolás Guillén. Costumava repetir de cor muitos dos poemas de Guillén. Ele, que nunca pedia nada a ninguém, não resistia à tentação de ter nas suas mãos, folhear e ler um livro de poesias. Ele tinha a bela qualidade de cumprir tudo o que prometia. Gostava de repartir tudo por igual entre todos, um costume que estava tão arraigado em nós, cubanos, no sentido histórico mais profundo, no âmago da cultura cubana.

Em outra ocasião memorável, em La Pata de la Mesa, onde se achava o seu Comando, ouvi-o dizer que nós, cubanos, havíamos sido a sua escola, seus chefes e seus subordinados. E, como era lógico, como sempre ocorreu no seio do nosso povo, Cuba acolheu-o como um de seus filhos mais amados e mais queridos.

A despedida

Depois do triunfo da Revolução, tornei a encontrar-me com o Che em várias ocasiões.

Logo tive notícia de que os soviéticos haviam fundado uma Universidade Internacional e de que um grupo de cubanos ia estudar lá. Apresentei-me à Seção Juvenil do Partido e, atendendo o meu pedido, o jovem Oscar Padilla inscreveu-me no grupo de bolsistas.

Cumpri todos os trâmites burocráticos para a viagem e, antes da partida, fui despedir-me do Che, com a intenção de pedir-lhe alguns dólares para as despesas de viagem.

Cheguei ao saguão do Banco Nacional acompanhada de nove bolsistas, dirigi-me a um dos seguranças e perguntei-lhe:

— O Che está?

Respondeu-me que sim. Sem mais formalidades, e para espanto do segurança, caminhei desembaraçadamente até a porta do seu escritório, abrindo-a. Vi o Che ali, sentado atrás de sua escrivaninha. Exclamei:

— Che!

E ele respondeu:

— O que você quer?

— Venho lhe dizer que ganhei uma bolsa de estudos. Vou para a União Soviética e quero um pouco de dinheiro.

Ele ficou ali, contemplando-me com aquele seu olhar tão inteligente. Depois de uma pausa, eu disse:

— Che, na realidade eu quero apenas trocar meus pesos por dólares.

Ele continuou me olhando, e eu acrescentei:

— Porém, somos dez. Eles vieram comigo. Estão aí fora.

Então, Che mandou que trocassem trinta pesos para cada um de nós. Enquanto se processava a operação de câmbio, ele saiu do seu escritório.

Havia muitas pessoas perto da porta, e todos se acotovelavam para vê-lo, porém ele, imperturbável, entrou no seu elevador. Momentos depois, para surpresa minha, o elevador voltou, a porta abriu-se e o Che reapareceu. Então, ele me disse bem baixinho, bem devagar, meu codinome na guerrilha:

— Carmen!

E acenou com a mão, despedindo-se de mim. Essa é a última recordação que guardo do Comandante.

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

*Leia mais sobre a vida da historiadora e guerrilheira cubana Merceditas Sánchez Dotres

“A luta antifascista e anti-imperialista deve ser o eixo da ação política unitária em toda a América Latina”

O jornal A Verdade entrevistou Pedro Rosas, dirigente da Unidade Popular Revolucionária Anti-imperialista (Upra), da Venezuela. Conversamos acerca do atual cenário político venezuelano e os desafios para o avanço da classe trabalhadora daquele país e da América Latina.

Renato Campos | Redação


A Verdade – Qual a Opinião da UPRA sobre o processo eleitoral na Venezuela?

Pedro Rosas – Para nós, da Upra, a Venezuela está vivendo um momento eleitoral decisivo. Nossa análise é que se abre um novo período revolucionário, por várias razões.  Primeiro, porque a agudização das contradições chegou a níveis tão altos, que a burguesia tradicional, agente do imperialismo, colocou muitos recursos para acabar com o processo e recebeu uma derrota estratégica. Foi uma derrota indiscutível, que ainda tentam reverter. Ainda que, pela atuação dos fascistas nas redes digitais, passou-se uma ideia de vitória, influenciando internacionalmente e internamente. A oposição de extrema-direita, devido ao processo de fascistização que vive o mundo, ganhou novos apoiadores midiáticos, porém estes não votam nas eleições aqui. É aí que o plano deles falha.

Segundo, é que se desnudou a ingerência do imperialismo nos assuntos internos da Venezuela. Deixou claro o bloqueio dos Estados Unidos e da União Europeia. Evidenciou também a expansão das concepções fascistas em um setor da população. Isto ocorreu graças às respostas das organizações revolucionárias em nível nacional e internacional, que não se deixaram manipular. Estamos fazendo esse enfrentamento através da Upra há muito tempo. A partir da ofensiva fascista, vários setores, movimentos populares e partidos políticos estão também nessa luta. O próprio governo nacional convocou um congresso internacional a fim de debater a questão.

Depois das eleições, alguns governos progressistas ficaram a nu e mostraram sua essência socialdemocrata, lacaia, servil e de braço do imperialismo, o que certamente isola ainda mais o governo venezuelano. Por outro lado, cria um novo limite para definir as táticas políticas das organizações e governos revolucionários em nível regional.

Isso tem levado as organizações revolucionárias e a militância de esquerda a definir uma posição: apoio à interferência histórica da Doutrina Monroe ou às opções para romper com essa política, independentemente das críticas e exigências que possamos fazer aos governos, aos seus programas e às suas ações.

Por último, pensamos que o outro significado do novo período é a ampliação da luta antifascista e anti-imperialista como eixo da ação política unitária em toda a região e a possibilidade de iniciar uma nova onda de combate pelo socialismo, como contrapartida necessária ao fascismo.

Houve uma época em que a luta revolucionária tinha como eixo enfrentar as ditaduras repressivas e lutar por “democracia”. Hoje, a luta, mais do que para participar em eleições ou na democracia formal, centra-se em derrotar o processo de fascistização que avança em todo o mundo e na nossa região. É preciso travar a interferência do bloco imperialista dos Estados Unidos e União Europeia.

Se isto não for compreendido, pode acontecer que algumas organizações “revolucionárias” acabem como defensoras da “democracia em geral” nas fileiras dos agentes do imperialismo ianque, como acaba de acontecer na Venezuela com alguns supostos “comunistas”, que não conseguem compreender as mudanças na situação internacional e que a formalidade da democracia burguesa foi substituída por outras formas mais próximas das bases populares.

Qual a avaliação da Upra sobre o governo de Nicolás Maduro e a luta popular na Venezuela?

O governo de Nicolás Maduro tem uma conformação heterogênea, com grande influência da pequena burguesia, especialmente expressa na abordagem de uma tendência que reivindica uma suposta “burguesia revolucionária”, tendência esta que ficou de fora do gabinete de governo nas últimas mudanças, uma decisão que aplaudimos. A incorporação de civis e militares provenientes de posições populares e avançadas confere a este gabinete um certo olhar para a esquerda, possivelmente devido a necessidades pós-eleitorais e mudanças na correlação de forças.

Devido a essa composição heterogênea, há idas e vindas na gestão política. Nós mantemos a política de apoio crítico e com exigências. Nossa visão é de empurrar para posições à esquerda mais avançadas com políticas de origem popular e revolucionária.

Como se comportaram as elites econômicas do país em relação ao processo eleitoral e ao imperialismo?

A democracia burguesa e suas instituições foram postas em dúvida por parte da própria burguesia tradicional ao acusar de fraude o Conselho Nacional Eleitoral. Fato que quebrou o paradigma estabelecido a partir de 1958, quando a direita tomou uma posição democrática e respeitou as instituições. Agora, inaugura uma posição de desconhecer as instituições, propagandeando aos seus seguidores que elas são inúteis, não servem para nada, abrindo a porta para uma tendencia autoritária. Antes, todos acreditavam que o sistema eleitoral era legítimo. Agora querem fazer crer que ele não funciona e que é possivel fraudá-lo, dando um passo mais longe que Juan Guaidó, que se baseou nos resultados eleitorais de 2015 para iniciar sua ruptura.

A direita fascista rompe todos os limites dos processo eleitorais internos e vai atrás de apoiadores externos para justificar sua posição. Isto faz com que, dentro de nosso país, fique clara a posição pró-imperialismo ianqui da direita. Todas as instituições do Estado respaldam a decisão do CNE, inclusive, a maioria dos partidos políticos. A extrema-direita ficou sozinha com o apoio ianqui.

Os seguidores de Maria Corina Machado agora são identificados mais claramente como traidores do interessa nacional, contrários à soberania e agentes diretos dos gringos. Agora, na Venezuela, se debate se a essência da democracia é acatar o que diz o Departamento de Estado dos EUA ou as decisões que favorecem as maiorias populares.

Ficando também o questionamento do modelo de democracia burguesa que impõe o modo de vida estadunidense e abrindo às massas populares a possibilidade real de consolidar um esquema democrático diferente, mais avançado e de base popular-comunal.

As elites econômicas estão totalmente contra o governo. Porém, sabemos que a dinâmica do capital consiste em fazer negócios e obter a maior taxa de lucro. Assim, curvam-se perante quem fizer a oferta mais elevada. Para o governo, a aliança com esta burguesia é uma opção para tentar ativar o aparato industrial, já que alguns têm dúvidas sobre as capacidades do movimento popular. No entanto, é claro que a burguesia conspira e trabalha nas sombras para derrubar o processo.

Como estão funcionando as Comunas na Venezuela e quais são seus principais desafios?

As comunas estão num interessante processo de reanimação, com o desenvolvimento e execução de projetos locais. Há agora um ministro das Comunas de origem popular, comunitário, camponês, que vem do povo e está dando um novo impulso à visão das comunas como instrumento de resistência e avanço.

A gestão das Comunas com um ministro de origem popular abriu expectativas importantes para o movimento popular revolucionário. Esperamos que não se deixe levar pela burocracia ou pelas máfias e continue na sua aliança com as massas populares. Da mesma forma, é interessante a nomeação de pessoas com estudos sobre a guerra popular e a agricultura de guerra, bem como outras pessoas da tradição de esquerda que agora estão no governo.

Para enfrentar o novo período de ofensiva imperialista, o povo deve ter instrumentos que organizem e mobilizem as massas populares para a resistência e a luta contra a agressão imperialista. Aí se expandem as possibilidades do movimento popular revolucionário.

A classe trabalhadora, bem como os camponeses e companheiros das Comunas, são atingidos economicamente, mas com um espírito de luta bastante elevado e com uma experiência acumulada na luta contra a extrema direita. Isto ocorre pela tomada de empresas, pelo controle e gestão dos trabalhadores. Alguns casos foram bem-sucedidos; outros, falharam, ameaçados por máfias, corruptos e oportunistas. Mas ficou um grande o acúmulo em saber que não se trata apenas do salário e da luta econômica. Podemos assumir o controle das empresas e da agricultura para colocá-las a serviço do povo.

É uma experiência de resistência e de luta que ainda não valorizamos na sua devida medida e não vimos o que significa na elevação da consciência de classe, porque o modelo tradicional burguês de administração de empresas, com os seus indicadores monetários, continua a encobrir o social. Estes indicadores sociais da gestão operária são escondidos. Assim, são ocultadas as conquistas que a classe trabalhadora, os camponeses e os membros da comunidade alcançam na luta material e moral contra o imperialismo.  Enxergamos isso para além da ação do governo, o que tem possibilitado experiências populares de grande riqueza teórica e prática na construção de um modelo de gestão popular, baseado nas experiências concretas do povo.

Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade

Apagões de energia são consequência da privatização

Péssimo serviço da Enel deixa milhões sem luz em São Paulo. Em entrevista ao jornal A Verdade, economista Paulo Kliass indica que reestatização, fim do Arcabouço Fiscal e investimento massivo em infraestrutura podem ser caminho para enfrentar descaso da empresa privatizada

Guilherme Arruda | São Paulo (SP)


Nos últimos meses, a população de São Paulo sofreu com uma série de apagões causados pelo descaso da Enel, empresa privatizada que fornece serviços de energia elétrica. Em novembro de 2023, cerca de 4 milhões de pessoas da capital paulista ficaram sem luz. Desde o início de março, regiões do Centro voltaram a sofrer com apagões, chegando a ficar cinco dias sem luz. No extremo sul da cidade, a luz ainda não foi totalmente reestabelecida em alguns bairros, que continuam no escuro.

“Aqui no Jardim Varginha e no Jardim São Bernardo, estamos enfrentando diariamente queda de energia entre as 18h e 20h. No bairro aqui do lado, no Itajaí, chegou a ficar das 17h às 06h do dia seguinte. Já perdemos eletrodomésticos e a Enel não se responsabilizada por nada. O canal de atendimento é péssimo e só dão previsões que não são cumpridas. Isso aconteceu o mês de dezembro inteiro e parte de fevereiro. Nas mídias, só estão noticiando a situação do Centro. O Estado nunca olha para o que os extremos passam”, relata Victor Brito, morador do extremo sul paulistano.

Para entender mais sobre a causa dos apagões e a relação da falta de luz com a privatização da distribuição de eletricidade na maior cidade do país, conversamos com Paulo Kliass, doutor em Economia e membro da Carreira de Especialista em Políticas Públicas do serviço público federal. Ele defende a reestatização da Enel para enfrentar o desrespeito da empresa com a população.

Luz deve ser bem público

No Brasil, o fornecimento de energia elétrica começou com a chegada de empresas de países imperialistas com interesses econômicos em nosso país, como a canadense Light, presente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Kliass lembra que o povo brasileiro sempre lutou pelo caráter público dos serviços de energia.

“Às vésperas do golpe de 1964, as forças conservadoras articulavam-se contra os progressistas também devido à estatização da Companhia de Energia Elétrica (CEE), filial da multinacional norte-americana Bond & Share, pelo governador gaúcho Leonel Brizola, que gerou um debate nacional”, ele explica. Por conta da ação, o jornal norte-americano Washington Post afirmou que Brizola era um “candidato a Fidel Castro” que transformaria o Brasil em uma nova Cuba.

Nessa mesma época, o presidente João Goulart criou a Eletrobrás, uma empresa estatal que coordenaria as empresas locais de distribuição de energia. A partir daí, o fornecimento de energia funcionou num sistema público e estatal, com o Governo Federal controlando as empresas estaduais, contando, às vezes, com a participação dos governos locais na gestão dessas empresas. Nessa época, houve uma grande expansão do número de pessoas que recebiam luz em suas casas.

Porém, na década de 1990, aconteceu a transferência do patrimônio e das ações de empresas públicas de vários setores, como o da energia, para mãos privadas. Isso começou com o presidente Fernando Collor e continuou com o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em São Paulo, a Eletropaulo, empresa pública que prestou esse serviço por décadas, foi privatizada em 2001. Depois, em 2018, foi vendida para a Enel, empresa de origem italiana que é um congolomerado de acionistas do mercado financeiro. Desde então, as denúncias de queda de energia que duram vários dias e da dificuldade de receber assistência técnica se multiplicam. Além disso, ano após ano, a Enel impõe aumentos na conta de luz que pesam cada vez mais no bolso das famílias trabalhadoras.

Durante o governo fascista de Bolsonaro, a situação piorou. “Quando Paulo Guedes assumiu como superministro da Economia, no início do governo, e mesmo na época de campanha, ele tinha uma promessa: privatizar 100% das empresas estatais no Brasil”, relembra Kliass. Uma das empresas privatizadas durante seu governo foi a Eletrobrás.

“Na hora que se privatiza, muda o espírito do empreendimento. O capital privado não está preocupado com o atendimento à população. Ele só está pensando na rentabilidade, e isso significa reduzir despesas e aumentar receitas”, afirma o economista. Em outras palavras, encarecer a conta e piorar a qualidade do serviço, como tem acontecido em São Paulo.

“Os únicos beneficiados pela privatização foram as empresas, os grupos econômico-financeiros que participaram desse processo e adquiriram patrimônio público estratégico e rentável a preços baixos. Os grandes prejudicados foram as famílias, que viram uma queda na qualidade do serviço e um aumento desproporcional das tarifas”, denuncia.

Agências não regulam

Quando as privatizações foram feitas nos anos 1990, o governo criou a Aneel, uma agência que deveria fiscalizar e regular as empresas que assumiram os serviços de energia. Porém, o que se viu desde então foi a “captura” da agência reguladora pelos interesses privados. “As empresas reguladas estabeleceram uma estratégia de influenciar a cabeça dos dirigentes dessa agência”, explica Kliass.

Em casos de apagão, a Aneel poderia impor multas pesadas e outras penalidades sobre a empresa privatizada, inclusive cassar o direito da empresa de continuar operando, mas há uma complacência das direções, que não fazem valer o poder que a lei lhes oferece.

Hoje, quando os contratos estão acabando, em vez de os governos ameaçarem a retirada da concessão caso as empresas não melhorem os serviços, “sempre ocorre um arranjo político, comercial e econômico para dar continuidade ao processo de concessão”, denuncia.

Solução é reestatizar a Enel

Ao jornal A Verdade, Kliass explica que dois caminhos são possíveis para retirar o serviço público de energia das mãos privadas, no caso da Enel, em São Paulo: a intervenção e a reestatização.

Na intervenção, o governo nomeia novos diretores para a empresa. “O governo pode dizer ‘vocês não são mais responsáveis porque vocês não foram competentes o suficiente para tocar o serviço de energia de acordo com o esperado’ e, por um período, nomear outras pessoas para serem uma diretoria sob intervenção”.

“Essa nova diretoria pode tomar medidas preventivas para melhorar a qualidade do serviço e anunciar que vai ficar um tempo sem remunerar o acionista capitalista, porque a prioridade é a oferta de serviço público para a população”. E continua: “Se o governo tivesse feito isso nas primeiras situações em que essa crise energética se concretizou, provavelmente a gente já teria outro realidade”.

Já na estatização, a empresa que presta o serviço de energia sairia de vez da mão dos empresários estrangeiros e voltaria a ser pública. “Se a empresa fosse estatizada, muito provavelmente teríamos as condições de recuperar o processo histórico de expansão da rede de geração e transmissão de eletricidade que existia quando o serviço era bem feito, nas mãos do Estado”, opina Paulo Kliass. Isso aconteceria porque os recursos gerados, que hoje são apropriados na forma de lucro pelos acionistas, seriam reinvestidos.

Nesse sentido, intervir ou estatizar seriam um primeiro passo para devolver a energia para as mãos do povo, mas não o suficiente, lembra o economista. Kliass afirma que são necessários novos investimentos. “A realidade do complexo de energia elétrica no Brasil é que ele exige muito investimento, e a tradição brasileira é que esse tipo de investimento em infraestrutura seja pesadamente capitaneado pelo Estado. Mas, para recuperar esse investimento público, precisamos mudar o Arcabouço Fiscal, mudar essa mentalidade de Déficit Zero”, aponta.

São vários os países que estão realizando reestatizações para resolver o problema da precarização dos serviços públicos, como apontamos na matéria É possível reestatizar as empresas brasileiras privatizadas” (A Verdade, nº 267). “É o caso da água na França, na Espanha e na Itália, porque o serviço do setor privado não estava correspondendo àquilo que se esperava”, diz Kliass.

Sabesp e transportes em risco

Apesar do escancaramento da crise da Enel em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) desenvolve uma investida para privatizar também a Sabesp, empresa pública que fornece serviços de água e esgoto, e o Metrô e a CPTM, na área dos transportes.

Mas o povo paulista já demonstrou que está insatisfeito com o serviço privatizado de energia e que não quer mais privatizações em nenhum serviço público. Nos últimos meses, os movimentos sociais e a Unidade Popular (UP) se engajaram na luta contra as intenções privatistas de Tarcísio. Agora, com a volta dos apagões, a UP lança a palavra de ordem “Enel reestatizada já!” e convoca os trabalhadores a participarem desta campanha.

Matéria originalmente publicada na edição impressa nº 289 do jornal A Verdade, na 1ª quinzena de abril de 2024

“Crônicas da Fome”: HQ pernambucana homenageia o legado de Josué de Castro

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Lançada em outubro de 2023, Crônicas da Fome resgata o legado histórico, político e cultural de Josué de Castro, cientista e político Pernambucano, responsável por trazer o problema da fome em nosso país como uma questão político social e aprofundar o seu combate.

Clóvis Maia | Redação PE


CULTURA – Muita gente foi apresentada ao trabalho de Josué de Castro pelos versos de “Da lama ao Caos”, de Chico Science e Nação Zumbi, música lançada em 1994:

“Ô, Josué, nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mas urubu ameaça”…

É com esse mote que a história em quadrinhos “Ô, Josué! Crônicas da Fome”, foi lançada em outubro do ano passado, ano em que o cientista completou 50 anos de sua morte e o Manguebeat, movimento artístico inspirado diretamente na obra do cientista e político Pernambucano completou 30 anos.

O legado de Josué de Castro revisitado

Composto por 4 histórias, duas biografias e duas ficcionais, a obra conta com a articulação de vários artistas pernambucano, entre ilustradores e roteiristas, além da arte de Thaïs Kisuki, artista paraibana. “Entrelinhas”, de Bruno Alves e Luciano Félix, vemos um pesquisador tendo que enfrentar os dilemas da volta da fome em uma comunidade do interior pernambucano, numa crítica certeira a como a fome ainda é elemento de barganha e manipulação.

Em “Amor e Pão”, de Thaïs Kisuki e Lua, ilustradora recifense, vemos a história de um encontro entre Josué de Castro e Jorge Amado inspirar outros encontros com diversos artistas de nossa cultura, inclusive um diálogo com Chico Science, homenageando o trabalho desses dois grandes recifenses. Em “Corpo de Lama”, título inspirado em outra canção da Nação Zumbi, Eron Villar e Marcos Santana vão da inspiração na Metamorfose de Kafka ao protesto contra a especulação imobiliária enquanto “Deputado Josué”, de Fábio Paiva e Adriano dos Anjos foca na atuação política de Josué, que foi deputado federal por dois mandatos, onde denunciou a fome, defendeu uma educação igualitária e uma reforma agrária para combater as mazelas num país marcado pela desigualdade.

A importância da obra

Luciano Félix, ilustrador, contou para o nosso jornal da importância para ele de produzir essa obra. Para ele “foi importante para mim ter trabalhado nessa HQ, justamente por não ter tido conhecimento sobre quem era o Josué de Castro. Entrei no projeto para desenhar uma das histórias e esse pecado foi redimido, portanto, a importância da obra é justamente alcançar outras pessoas que também não conheciam essa figura tão importante na conscientização do entendimento de que a fome não é uma coisa imbatível.

Sobre o legado deixado por Josué de Castro o artista reforça que “É importante também para manter a esperança de que, mesmo no meio político, pode existir pessoas que focam em temas de importância real, não em temas meramente morais e de respostas aparentemente fáceis”.

Eron Villar, que é ator, diretor de teatro, escritor, pesquisador e roteirista de quadrinhos com várias obras lançadas foi também editor da HQ além de escrever um dos roteiros. Ele falou para A Verdade sobre a proposta da obra. Para ele “a HQ trabalha não só a difusão dos quadrinhos como entretenimento, mas também como arte para pedagogia, para ensino, para consciência política”. Para Eron é importante “não só falar em Josué, que é pouco conhecido pela dimensão da sua obra, pela importância da sua obra, mas também por resgatar, homenagear o movimento Manguebeat e seus 30 anos. A gente acha que essa temática pode ganhar mundo, pode ganhar escolas, pode ganhar uma série de lugares onde precisa ser debatida, difundida a nossa cultura cada vez mais”.

Falando sobre os quadrinhos em Pernambuco, o escritor lembra: “O quadrinho em Pernambuco tem sua importância histórica já. Várias e várias gerações  já mostraram isso. E a gente faz parte dessa última aí que retomou esse fortalecimento de 2017 pra cá. Muitos já vieram de outras batalhas, mas estão de novo aqui conosco. Alguns começaram agora, mas eu acho que a coisa  fundamental nisso  é essa coisa da coletividade, é unir forças para montar um trabalho como esse.

A HQ “Ô, Josué! Crônicas da Fome” foi escolhida por diversos veículos jornalísticos especializados em histórias em quadrinhos entre os melhores leituras de 2023 e foi lançada pela Editora Villalux, e pode ser adquirida pela internet. Importante também registrar que parte da tiragem da primeira edição foi destinada às bibliotecas públicas do Recife como iniciativa dos artistas.

60 anos do histórico encontro entre Malcolm X, Fidel e o povo negro

“E, se você conversa com uma pessoa que expressa uma filosofia que te faz ter certeza de que ela não tem esse racismo em sua visão, normalmente se trata de um socialista ou de alguém que tem o socialismo como filosofia política”, Malcolm X.

Gabriel GB | Florianópolis (SC)


HISTÓRIA – No dia 18 de setembro de 1960, Fidel Castro e cerca de 60 cubanos desembarcaram em Nova York para participar da 15ª Assembleia Geral da ONU. A princípio toda delegação se hospedaria no Hotel Shelburn, mas devido uma tentativa de sabotagem promovida pelo dono do hotel em conjunto com o Departamento de Estado e a mídia burguesa, a delegação decidiu se retirar logo na manhã do dia 19.

Fidel então orientou que um membro da comitiva providenciasse barracas e declarou com sarcasmo à imprensa: “somos gente das montanhas, estamos acostumados a dormir ao ar livre”, indicando que como forma de denúncia, dormiriam “a qualquer lugar, até no Central Park”, ou mesmo no jardim do prédio da ONU, visto que tratava-se de um território internacional. 

A ida de Fidel ao Harlem Negro

Acontece que enquanto o “Tio Sam” tentava sabotar os cubanos a despeito da derrota sofrida pelo seu capacho Fulgêncio Batista pouco mais de um ano antes, existia uma imensa massa de trabalhadores que se inspiravam na revolução liderada por Fidel e Che e viam nela um apoio fundamental para a luta promovida no coração do imperialismo. Entre estas pessoas estava o líder e revolucionário negro Malcolm X.

Ao tomar conhecimento do acontecido, Malcolm articulou a ida de toda delegação para o Hotel Teresa (ponto muito utilizado por Malcolm para fazer agitações públicas e discursos) e um encontro entre os dois. Assim foi feito. Naquela mesma noite milhares de pessoas se aglomeraram em vigília para saudar o líder máximo da revolução cubana. Segundo o membro da Missão Permanente de Cuba na ONU, Raúl Roa Kouri “Quando a caravana chegou, eles (o povo) começaram a gritar ‘Fidel! Fidel!’. Era como estar em Cuba.”

O encontro entre o revolucionário cubano e o afroamericano aconteceu no quarto do Hotel e durou cerca de 15 minutos. Segundo Ralph D. Matthews, jornalista membro da imprensa negra que estava presente, os dois conversaram sobre racismo nos Estados Unidos, os ataques contra Cuba (em especial a tentativa de invasão à Baía dos Porcos) e a participação do país na assembleia da ONU. Malcolm X afirmou a Fidel que os negros do Harlem não eram influenciados pela propaganda anti-cuba espalhada nos centros das cidades. 

O primeiro chefe de estado a visitar o gueto 

Apesar do curto encontro Fidel se manteve hospedado no Harlem até o dia 26. Sua estadia atraiu outros chefes de estado, como Kwame N’krumah, importante lutador pela descolonização da África e presidente da República de Gana, primeiro país africano a varrer os colonizadores e realizar uma revolução. 

No dia 22 de setembro, enquanto os EUA excluía Cuba de um banquete feito para presidentes de países da América Latina, Fidel convocou, no mesmo horário, uma cerimônia no salão do Hotel Theresa. Os convidados? O proletariado do Harlem! Enquanto os representantes da burguesia se reuniam para debater como explorar ainda mais o povo latino americano, o líder revolucionário sentava com os funcionários do estabelecimento e deles recebia homenagens. 

O legado deste encontro 

Em um discurso pronunciado em 1990, Fidel lembrou com carinho do acontecido e reforçou que a revolução cubana, que naquela altura ainda não havia declarado seu caráter socialista, era dos pobres para os pobres, e que por isso o Hotel Theresa, no bairro negro, era o lugar. 

O encontro também teve grande influência sobre o raciocínio de Malcolm X. Após se reunir com Fidel, o militante se dedicou a denunciar os ataques dos EUA contra Cuba em diversos discursos, situação que se intensificou ainda mais após seu rompimento com a Nação do Islã. Ao passo que ia abandonando a visão essencialista pregada por sua antiga organização de que o homem branco era o demônio, ele se aproximava cada vez mais do entendimento da necessidade de uma revolução mundial e da visão internacionalista.

Isso somado a sua viagem à África, onde teve contato com diversas organizações que lutavam pela independência, Malcolm X disse em 29 de maio de 1964: “todos os países que estão emergindo hoje, quebrando as correntes do colonialismo, estão se voltando para o socialismo. Eu não acho que seja por acaso.  A maioria dos países que eram potências coloniais eram países capitalistas e o último baluarte do capitalismo hoje é a América (EUA). É impossível para uma pessoa branca acreditar no capitalismo e não acreditar no racismo. E, se você conversa com uma pessoa que expressa uma filosofia que te faz ter certeza de que ela não tem esse racismo em sua visão, normalmente se trata de um socialista ou de alguém que tem o socialismo como filosofia política”. 

Infelizmente sua aproximação com as ideias socialistas viria a ser interrompida no dia 21 de fevereiro de 1965, no mesmo Hotel Theresa, cinco anos mais tarde, quando foi assassinado aos 39 anos. Independente disso, o encontro entre os dois e a relação que se estabeleceu desde então inspiraram todas as organizações negras e anti-imperialistas que viriam a ser formadas até os dias de hoje.

“IBGE Paralelo” é desmonte e corte no serviço público

De forma sigilosa, o atual diretor do IBGE, Márcio Pochmann, criou uma fundação para captar recursos privados e contratar trabalhadores sem realizar concurso público, que está sendo chamada de “IBGE Paralelo”. Servidores prometem mobilização contra medida privatista e precarizadora

Raul Bittencourt* | Rio de Janeiro (RJ)


No último dia 26 de setembro, foi realizado um ato público de servidores efetivos e temporários do IBGE na porta de sua sede, no Centro do Rio de Janeiro, convocado pelo sindicato Associação dos Servidores do IBGE. Centenas de trabalhadores protestavam contra medidas impostas pelo atual presidente do órgão, Marcio Pochmann, que determinou o retorno ao trabalho presencial e planeja mudar diversas áreas técnicas para um prédio no Horto, Zona Sul da cidade, a fim de reduzir custos de locação. Mas o mais grave, feito sob total sigilo, foi a criação da Fundação IBGE+.

O “IBGE Paralelo” de Pochmann, como está sendo chamado, permite a captação de financiamentos para pesquisas com recursos público e privado, a venda de serviços para grupos privados, a contratação de trabalhadores via CLT e a criação de novas despesas, inclusive pagamentos a conselheiros, sem passar pelo orçamento federal. A criação da fundação se enquadra na Lei Federal n.º 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que regulamenta as relações entre as instituições de ciência e tecnológica e as fundações de apoio.

A iniciativa é tida como mais um passo em uma escalada autoritária do atual presidente, que, nos últimos meses, vinha se recusado a debater com os servidores e seu sindicato, só recuando e aceitando reunir-se com a entidade após a repercussão externa da criação da fundação. Portais de extrema-direita têm, inclusive, se aproveitado para disseminar críticas com viés reacionário, sendo repelidos pelos trabalhadores, que seguem coesos, combatendo ataques da gestão e derrotando as tentativas de manipulação dos movimentos fascistas.

Por trás da criação da fundação apelidada de IBGE Paralelo, estariam as constantes dificuldades orçamentárias, fruto da política econômica que prioriza os interesses de agentes do mercado, em vez dos serviços públicos. Assim, o Governo Lula busca garantir o superávit fiscal para remunerar o esquema da dívida pública, conforme determina o Arcabouço Fiscal, proposto pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, que deu continuidade ao Teto de Gastos do ex-presidente golpista Michel Temer.

Os seguidos contingenciamentos têm prejudicado o funcionamento do IBGE. Em 2020, a redução foi de 32% no orçamento do Censo Demográfico, o que forçou seu adiamento. Em 2021, o orçamento foi reduzido novamente, para R$ 53 milhões, inviabilizando a realização da pesquisa, tendo estes cortes constantes impactado duramente as atividades do instituto durante o Governo Bolsonaro. Já no Governo Lula, em abril de 2024, o corte foi de R$ 9 milhões, o que representa cerca de 25% do valor bloqueado do Ministério do Planejamento, ao qual o IBGE está subordinado.

Política econômica

A preocupação com os constantes cortes orçamentários tem levado direções de outras instituições federais a buscar mudanças em seus regimes jurídicos para reduzir os impactos dos constantes contingenciamentos orçamentários e do Arcabouço Fiscal, além de perdas salariais decorrentes do congelamento após o golpe de 2016 e a posse de Temer. O Inmetro propõe a converter-se em Agência Reguladora; a Fiocruz busca uma mudança de status; o Inpi debate formas de utilizar a sua arrecadação, entre outros.

Tais propostas são paliativos que não atacam o problema central, o liberalismo econômico, que, por décadas, guia o orçamento federal e impõe o arrocho nas contas públicas, levado ao extremo pelo governo do fascista Bolsonaro. A política de Bolsonaro e Paulo Guedes impôs penúria aos serviços e servidores públicos, a qual, apesar das promessas eleitorais, não foi revertida por Lula, que segue submisso aos desmandos do mercado. Sem romper com o arcabouço fiscal, restam poucas alternativas para o serviço público.

Por isso, a única saída para os servidores públicos federais são as manifestações, paralisações e greves, como já demonstraram os servidores da educação federal, que, além das conquistas salariais, pautaram a recomposição do orçamento das universidades e impuseram uma derrota à política fiscal do atual governo.

Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade

Congresso Nacional do Sinasefe tem vitória da oposição classista

Reunindo trabalhadores da educação federal de todo o país, congresso do Sinasefe marcou uma virada de rumo na orientação do sindicato. Eleição da nova direção da entidade foi marcada pela vitória da chapa de oposição classista, com a participação do Movimento Luta de Classes (MLC)

Ésio Melo | Maceió (AL)


Com o tema “Fortalecer o Sinasefe para Enfrentar a Precarização da Educação Pública e a Política Neoliberal”, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) realizou seu 36º Congresso entre os dias 05 e 08 de setembro, em Brasília (DF).

O evento, que contou com a presença de mais de 700 participantes, elegeu a nova direção colegiada para o biênio 2024-2026, além do Conselho de Ética e do Conselho Fiscal. O Movimento Luta de Classes (MLC) compôs a chapa vitoriosa, intitulada “Sinasefe Classista, Independente, Democrático e de Luta”, que recebeu 151 votos.

“O Movimento Luta de Classes conquistou uma grande vitória. Compusemos a chapa mais votada do congresso e recebemos diversas manifestações de apoio e respeito ao nosso trabalho e à nossa luta, demonstrando a importância da nossa articulação em defesa educação pública. Saímos desse congresso com duas pastas muito importantes: de Formação Sindical e Secretaria Geral. Com toda certeza, vamos pautar a construção de um sindicato classista, independente e que consiga cobrar do governo federal o cumprimento dos acordos da greve, que, até agora, passados dois meses, ainda não foram entregues. Vamos continuar nas ruas e nas lutas para derrubar o arcabouço fiscal, para derrubar a reforma do Ensino Médio”, afirmou a docente do IFRJ, Roberta Cassiano, coordenadora-geral do Sintifrj.

Esse congresso do Sinasefe foi o primeiro realizado desde a aprovação da paridade de gênero dentro da entidade e se destacou pelo protagonismo das mulheres, que foram a maioria no evento, como também serão na gestão. Das 27 diretorias, 19 são ocupadas por mulheres.

“Conseguimos grande destaque no 36º ConSinasefe, elegendo duas mulheres indígenas para ocupar a Diretoria Nacional, além de um companheiro indígena e uma mulher negra para o Conselho de Ética. É muito importante destacar que isso só foi possível devido à forte aliança que o MLC tem construído com o movimento de mulheres e com os povos indígenas, apoiando todas as pautas, em todas as instâncias do sindicato. Estamos presentes no sindicato, lutando contra a opressão e contra o capitalismo”, afirmou a docente do IFMA, Katiúscia Tupinambá, eleita secretária-geral do Sinasefe pelo MLC.

Yuri Buarque, presidente do Sintietfal e membro da Coordenação Nacional do MLC, destacou o rápido crescimento e avanço da corrente sindical dentro do Sinasefe. “Em 2018, éramos apenas três companheiros do MLC, que nos conhecemos ali e, sequer, participamos de nenhuma das chapas inscritas. Esse trabalho combativo, essa linha política acertada, comprometida com as pautas da categoria e com as lutas da classe trabalhadora, fizeram com que o MLC fosse reconhecido pela categoria. Agora, junto com as companheiras e os companheiros do coletivo “Sinasefe para Lutar”, fomos a chapa mais votada do congresso.

O crescimento do Movimento Luta de Classes se deu, principalmente, a partir da grandiosa greve deste ano, que durou três meses, mas também pela atuação combativa do Movimento no próprio congresso. Bárbara de Almeida, servidora do IFMS, conheceu a Unidade Popular e o MLC durante o evento.

“Estive no 36º Congresso do Sinasefe e me senti muito representada no discurso de um rapaz que, até então, não conhecia. Minha colega que me disse: “Esse é o Léo Péricles, da UP”. Após o término da mesa, fiz questão de parabenizá-lo pela fala e, então, fui convidada para conhecer o MLC na reunião que teria à noite. Tudo muito inesperado, mas, quando cheguei lá, fiquei impressionada pela unidade e a coesão de todas as pessoas presentes. Muito alinhados com os princípios socialistas, que também acredito, para transformar a sociedade”, afirmou a servidora.

Ao final, o MLC sai fortalecido do congresso, passando a ter atuação em 11 diferentes seções sindicais e com muitos desafios pela frente. “A gente agradece o apoio e a construção coletiva e reforça nossa disposição em continuar nosso trabalho enquanto coletivo reconhecido pela combatividade e que não aceita posição de subserviência a patrão nenhum, seja ele qual for”, conclui Roberta Cassiano.

Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade

Famílias da Ocupação Anita Garibaldi conquistam terreno em Santa Catarina

Após três anos de resistência, famílias da Ocupação Anita Garibaldi e dos núcleos de base do MLB tiveram uma importante vitória em sua luta por moradia, arrancando do governo de Santa Catarina a doação de um terreno para a construção de um projeto do Minha Casa Minha Vida – Entidades

Wilson Majé | Florianópolis (SC)


Há três anos, famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) resistem aos ataques e ao descaso do Governo de Santa Catarina na Ocupação Anita Garibaldi, na capital Florianópolis. As comunidades de Monte Cristo e Alto Pantanal, compostas por trabalhadores que impulsionam a economia da capital em empregos informais – já que a falta de oportunidades formais também afeta essas famílias –, enfrentam uma realidade difícil.

Elas estão à mercê de aluguéis abusivos, lidam com a ausência de escolas, com esgoto a céu aberto, violência policial e escassez de alimentos. Florianópolis está no ranking em 3º lugar entre as capitais com o aluguel mais caro do Brasil e ocupa também o 2º lugar entre as cestas básicas mais caras.

Após uma longa trajetória de luta e formação dos militantes, com reuniões nos bairros e avançando nas reivindicações contra os descasos em nossas comunidades, as famílias foram se unindo e acreditando que apenas com a luta poderíamos conquistar nossos direitos.

Ao longo desses três anos, denunciamos o Plano Diretor da cidade por desrespeitar os direitos urbanos e colaboramos com outras frentes, como a organização da Marcha da Consciência Negra, dos atos pelo Fora Bolsonaro e mobilizações em defesa da saúde pública e gratuita.

Denunciamos as violências policiais em diversas comunidades e expandimos nossas atividades para cidades como Palhoça, São José e Itajaí. Organizamos o Natal Sem Fome em nossa cidade com mais de 50 famílias, e nossa ocupação Anita Garibaldi tem se tornado uma referência na luta pelos direitos dos moradores de ocupações e comunidades.

Sem recuar, mantivemos nossa força e dedicação na organização e ampliamos nossos cadastros para mais de 300 famílias em todo o estado. Após um mês realizando ocupações semanais na Secretaria de Assistência Social, Mulher e Família (SAS), conquistamos uma importante vitória: a doação de um terreno do Estado de Santa Catarina, que será utilizado para acolher as famílias organizadas no MLB, permitindo nossa inscrição na próxima portaria do Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades.

Hoje, no Brasil, existem mais de 8 milhões de famílias sem teto, mesmo com a Constituição assegurando a moradia como um direito de todo cidadão brasileiro. Enquanto isso, há 11 milhões de imóveis vazios no país. Essa realidade é resultado de mais de 500 anos de exploração por parte das elites, sustentada pelo sistema capitalista.

Em nossa segunda reunião com a Secretária de Assistência Social, Seu Dinarte, morador da comunidade Monte Cristo há mais de 40 anos, tirou do bolso sua carteirinha de cadastramento na Companhia de Habitação (Cohab). Ele aguarda há mais de 30 anos para ser chamado e receber sua moradia. Revoltado com as promessas não cumpridas da Cohab, ele se uniu ao MLB e à luta popular para conquistar sua casa própria.

Dona Vera, por sua vez, chegou às reuniões do núcleo de bairro buscando uma saída para o aluguel. Com problemas de saúde, ela já não consegue arcar com o aluguel, as demais despesas e a compra de alimentos de qualidade. O alto custo dos medicamentos tornou essa realidade ainda mais difícil. Nas reuniões do MLB, encontrou força e esperança na luta pela moradia digna e contra a fome.

Luta e organização

MLB não descansará enquanto houver um só terreno abandonado e uma só mesa sem pão, enquanto nossa sociedade for movida pelos interesses dos grandes poderosos, gerando fome e miséria do povo pobre e trabalhador.

Em sua obra, Lenin já alertava: “Sem teoria revolucionária, não pode haver movimento revolucionário”. Por isso, continuamos nos reunindo e fortalecendo nossos núcleos de base, realizando estudos, promovendo brigadas do jornal A Verdade e apresentando nossa luta bairro a bairro, através da agitação, dos panfletos e das demais atividades, pois sabemos que só com a organização das massas será possível avançar.

Nossa luta é pelo direito à moradia digna, por uma alimentação saudável e, acima de tudo, pelo fim do sistema capitalista e pela construção da sociedade mais justa para o nosso povo, a sociedade socialista.

Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade

A luta diária contra a competição no capitalismo

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Livros de autoajuda, jornais e, mais recentemente, com as redes sociais, somos condicionados a viver em competição, a enxergar o outro como concorrente e a medir nosso valor pessoal com base em resultados. Isso gera uma sensação contínua de fracasso ou insuficiência, já que o sucesso, nos moldes capitalistas, é para poucos.

João Pedro Souza | Redação PE


SAÚDE – A relação entre saúde mental e capitalismo é algo que nos dias atuais não pode mais ser ignorado. Desde cedo, com livros de autoajuda, jornais e, mais recentemente, com as redes sociais, somos condicionados a competir, a enxergar o outro como concorrente e a medir nosso valor pessoal com base em resultados. Isso gera uma sensação contínua de fracasso ou insuficiência, já que o sucesso, nos moldes capitalistas, é para poucos. Trabalhar cada vez mais, com menos garantias de estabilidade e sem uma rede de apoio adequada, tem levado cada vez mais pessoas ao esgotamento emocional.

O ambiente de trabalho reflete essa lógica, com metas inalcançáveis ​​e exigências excessivas, impactando profundamente o psiquismo dos trabalhadores. A ansiedade passa a estar na ordem do dia, e episódios de depressão, esgotamento e outros transtornos mentais afetam pessoas que muitas vezes nem têm tempo ou recursos para procurar tratamento, dado que o acesso à Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, no SUS, ainda é limitada em várias cidades do país. 

O ambiente corrosivo do capitalismo afeta diretamente a classe trabalhadora, que sofre com a precarização das condições de trabalho. Com a flexibilização das leis trabalhistas, aceleradas pela Reforma Trabalhista de 2017, no qual os trabalhadores estão sofrendo com jornadas exaustivas, salários baixos e a constante ameaça de demissão. Ademais, o clima de insegurança financeira todos os meses, não afeta apenas a sobrevivência material, mas também abala profundamente o psicológico, criando um clima na classe trabalhadora de incerteza e medo constante. A falsa promessa de “sucesso financeiro” e “ascensão social” é um elemento-chave na manutenção desse ciclo, pois as pessoas são levadas a acreditar que o esforço individual é suficiente para alcançar uma vida melhor, ignorando as barreiras estruturais impostas pelo próprio sistema.

Na verdade, o culto ao sucesso pessoal é uma forma de manter as pessoas insatisfeitas com suas vidas. As metas são sempre inatingíveis, e a comparação constante com outras pessoas — agora amplificada pelas redes sociais — reforça a ideia de que nunca seremos suficientes. Essa frustração contínua afeta a autoestima e os sentimentos de valor pessoal e sentimento coletivo, exacerbando o surgimento de fobias sociais no desenrolar das telas dos celulares. 

É fato que as redes sociais, por sua vez, poderiam ser espaços de ligação e apoio entre as pessoas. Contudo, são moldadas por algoritmos que promovem a alienação e a comparação constante. Cada curtida e comentário oferecem um breve momento de validação, que rapidamente se esgota, criando um ciclo vicioso de solidão e baixa autoestima. A solução oferecida? Mais consumo, medicamentos, livros e programas de autoajuda, vendidos como a saída mágica para males que, na verdade, têm raízes muito mais profundas e complexas. O fato é que sem uma mudança estrutural, essas opções se limitam muitas vezes a paliativos, incapazes de resolver a verdadeira causa do problema.

É importante destacar que o individualismo que rege o capitalismo impede a construção de laços fortes e saudáveis. O outro é visto como um meio para atingir objetivos pessoais, seja no trabalho, nos relacionamentos amorosos ou até nas amizades. Isso desumaniza as interações e nos impede de sentir e fornecer apoio emocional verdadeiro uns aos outros. Com isso, a saúde mental piora à medida que o isolamento emocional e a desconexão social se tornam mais frequentes.

Ainda no mundo do trabalho, a ideia de que o trabalhador precisa estar disponível a qualquer momento, seja através de e-mails, mensagens ou até redes sociais, cria um ambiente de vigilância constante por parte dos patrões, onde nunca se está realmente desconectado do trabalho. Esse estresse prolongado também deteriora a saúde mental e leva muitos à exaustão completa. E, mais uma vez, a responsabilidade recai sobre o indivíduo, que é encorajado a “cuidar de sua saúde mental” mas sem os incentivos e as condições necessários para que isso ocorra de fato, dado que suas próprias limitações socioeconômicas e problemas estruturais das cidades caóticas não permitem que os trabalhadores tenham direito ao lazer e ao seu autocuidado.

O capitalismo nos coloca enquanto produtos do próprio sistema. Números e metas a bater para enriquecer os grandes ricos. A saída desse ciclo passa por uma compreensão mais ampla de que o problema não está nas pessoas, mas no sistema. Somente através da coletividade e da solidariedade é possível enfrentar essas questões e criar um ambiente onde a saúde mental seja uma prioridade de saúde pública, e não uma preocupação secundária ou um luxo acessível a poucos. Somente no governo revolucionário dos trabalhadores, no governo socialista, numa produção socializada, esse ambiente é possível.

O imperialismo, fase particular do capitalismo

Extratos do capítulo VII da obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo” (1916)

V. I. Lenine


[…] O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo só se transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determinado grau, muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas das características fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese, quando ganharam corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. O que há de fundamental neste processo- do ponto de vista econômico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção mercantil em geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre concorrência, mas esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trustes e, fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos. O monopólio é a transição do capitalismo para um regime superior.

Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido.

Mas as definições excessivamente breves, se bem que cômodas, pois contêm o principal, são insuficientes, já que é necessário extrair delas especialmente traços muito importantes do que é preciso definir. Por isso, sem esquecer o caráter condicional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem abranger, em todos os seus aspectos, as múltiplas relações de um fenômeno no seu completo desenvolvimento, convém dar uma definição do imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si; 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trustes internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.

[…]

Mas sobre a definição do imperialismo vemo-nos obrigados a discutir sobretudo com K. Kautsky, o principal teórico marxista da época da chamada II Internacional, isto é, dos vinte e cinco anos compreendidos entre 1889 e 1914. Kautsky pronunciou-se decididamente em 1915, e mesmo em Novembro de 1914, contra as ideias fundamentais expressas na nossa definição do imperialismo, declarando que por imperialismo se deve entender não uma “fase” ou um grau da economia, mas uma política, e uma política determinada, a política “preferida” pelo capital financeiro; que não se pode identificar o imperialismo com o capitalismo contemporâneo , que, se a noção de imperialismo abarca “todos os fenômenos do capitalismo contemporâneo” – cartéis, protecionismo, dominação dos financeiros, política colonial –, então o problema da necessidade do imperialismo, para o capitalismo, transforma-se na “tautologia mais trivial”, pois nesse caso, “naturalmente, o imperialismo é uma necessidade vital para o capitalismo”, etc. Expressaremos com a máxima exatidão o pensamento de Kautsky se reproduzirmos a sua definição do imperialismo, diametralmente oposta à essência das ideias que nós expomos (pois as objeções procedentes do campo dos marxistas alemães que defenderam ideias semelhantes durante longos anos, são já conhecidas desde há muito por Kautsky como objeções de uma corrente determinada do marxismo).

A definição de Kautsky é a seguinte:

“O imperialismo é um, produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido. Consiste na tendência de toda a nação capitalista industrial para submeter ou anexar cada vez mais regiões agrárias (o sublinhado é de Kautsky), quaisquer que sejam as nações que as povoam.”

Esta definição não serve absolutamente para nada, visto que destaca de um modo unilateral, isto é, arbitrário, apenas o problema nacional (se bem que seja da maior importância, tanto em si como na sua relação com o imperialismo), relacionando-o arbitrária e erradamente só com o capital industrial dos países que anexam outras nações, e colocando em primeiro plano, da mesma forma arbitrária e errada, a anexação das regiões agrárias.

O imperialismo é uma tendência para as anexações; eis a que se reduz a parte política da definição de Kautsky. É justa, mas extremamente incompleta, pois, no aspecto político, o imperialismo é, em geral, uma tendência para a violência e para a reação. Mas o que neste caso nos interessa é o aspecto econômico que o próprio Kautsky introduziu na sua definição. As inexatidões da definição de Kautsky saltam à vista. O que é característico do imperialismo não é precisamente o capital industrial, mas o capital financeiro. Não é um fenômeno casual o fato de, na França, precisamente o desenvolvimento particularmente rápido, do capital financeiro, que coincidiu com um enfraquecimento do capital industrial, ter provocado, a partir da década de 80 do século passado, uma intensificação extrema da política anexionista (colonial). O que é característico do imperialismo é precisamente a tendência para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais industriais (apetites alemães a respeito da Bélgica, dos franceses quanto à Lorena), pois, em primeiro lugar, estando já concluída a divisão do globo, isso obriga, para fazer uma nova partilha, a estender a mão sobre todo o tipo de territórios; em segundo lugar, faz parte da própria essência do imperialismo a rivalidade de várias grandes potências nas suas aspirações à hegemonia, isto é, a apoderarem-se de territórios não tanto diretamente para si, como para enfraquecer o adversário e minar a sua hegemonia […].

Kautsky remete-se particularmente – e repetidas vezes – aos ingleses, que, diz ele, formularam a significação puramente política da palavra “imperialismo”, no sentido em que ele a entende. Tomamos o inglês Hobson e lemos no seu livro O Imperialismo, publicado em 1902:

“O novo imperialismo distingue-se do velho, primeiro porque, em vez da aspiração de um só império crescente, segue a teoria e a prática de impérios rivais, cada um deles guiando-se por idênticos apetites de expansão política e de lucro comercial; segundo, porque os interesses financeiros, ou relativos ao investimento de capital, predominam sobre os interesses comerciais.”

[…]

A definição de Kautsky, além de ser errada e de não ser marxista, serve de base a todo um sistema de concepções que rompem em toda a linha com a teoria marxista e com a atuação prática marxista de que falaremos mais adiante. Carece absolutamente de seriedade a discussão de palavras promovida por Kautsky: como se deve qualificar a- fase atual do capitalismo: de imperialismo ou de fase do capital financeiro? Chame-se-lhe como se queira, isso é indiferente. 0 essencial é que Kautsky separa a política do imperialismo da sua economia, falando das anexações como da política preferida pelo capital financeiro, e opondo a ela outra política burguesa possível, segundo ele, sobre a mesma base do capital financeiro. Conclui-se que os monopólios, na economia, são compatíveis com o modo de atuar não monopolista, não violento, não anexionista, em política. Conclui-se que a partilha territorial do mundo, terminada precisamente na época do capital financeiro, e que é a base da peculiaridade das formas atuais de rivalidade entre os maiores Estados capitalistas, é compatível com uma política não imperialista. Daqui resulta que, deste modo, se dissimulam, se ocultam as contradições mais fundamentais da fase atual do capitalismo, em vez de as pôr a descoberto em toda a sua profundidade; daqui resulta reformismo burguês em vez de marxismo.

Povo de Mossoró (RN) sofre com sistema de transporte coletivo

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Mossoró enfrenta uma grave crise no transporte coletivo, com apenas 12 linhas de ônibus para atender 278 mil habitantes, resultando em superlotação e exclusão de diversos bairros, especialmente os periféricos e rurais.

Clarice Oliveira | Redação RN


BRASIL – Sendo a segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, com 278 mil habitantes, Mossoró sofre com um dos piores sistemas de ônibus de todo o estado. Com ônibus superlotados, baixa frota de veículos em circulação e diversos bairros que são privados do acesso à cidade, a população sofre uma verdadeira calamidade no transporte coletivo.

Atualmente, existem apenas 12 linhas de ônibus para abarcar toda a cidade, deixando muitos bairros periféricos de fora. A população da zona rural é ainda mais excluída, precisando pagar mais de R$ 30,00 para se locomover até o centro da cidade, pois não existe ônibus.

Não bastasse isso, os bairros que hoje são englobados pelas linhas de ônibus possuem uma baixa frota de veículos, fazendo com que, em determinados horários, os ônibus fiquem extremamente superlotados.

Todo esse sucateamento ocorre pelo fato de o transporte coletivo da cidade de Mossoró está nas mãos do setor privado, sendo gerido apenas pela empresa Cidade do Sol, que deixa o povo trabalhador no sufoco enquanto lucra, ano após ano, recebendo financiamento público da Prefeitura e arrecadando as tarifas pagas pelos usuários.

Segundo Bruna Morais, assistente social e presidente do Diretório Municipal da Unidade Popular, o sucateamento é extremamente sentido: “Quando a gente vê os horários, percebe que a maioria é em horário de pico. Não são ônibus para a população usar, apenas para ir e voltar do trabalho. Às vezes, nem isso”. Bruna também comenta como vários bairros não possuem rotas: “Se você mora no Odete Rosado, no Planalto ou no Santo Antônio, você praticamente não vai ver ônibus”.

Os capitalistas e sua grande mídia privada defendem que a solução para esse grave problema é colocar mais empresas para gerir o sistema de transporte, pois, segundo essa lógica, mais empresas significa mais concorrência e, portanto, mais linhas. Só que, no sistema capitalista, existe sempre a tendência ao monopólio na mão de uma empresa ou de uma associação de empresas.

Por exemplo, na capital do estado, Natal, a lógica de “mais empresas” foi aplicada e isso apenas fortaleceu as empresas de transporte através do Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos do Rio Grande do Norte (Seturn), que sucateou o serviço ainda mais: hoje, a tarifa de ônibus é de R$ 4,50 e diversas linhas foram cortadas desde a pandemia.

A única solução para o problema do transporte coletivo é a criação de uma empresa pública de ônibus, sob total controle do povo. Dessa forma, o próprio povo poderá dizer quantos ônibus devem passar em quais bairros e quais rotas devem ser realizadas para abarcar toda a cidade, de fato. Se o povo vive a cidade, é o povo que deveria dizer os rumos dela, e não um punhado de engravatados que nunca pegaram um ônibus.

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade