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terça-feira, 26 de agosto de 2025
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Nasce a Ocupação Sala Lilás Janaína Bezerra Vive na USP

Localizada no Campus Butantã, a Ocupação “Sala Lilás Janaína Bezerra Vive” denuncia a falta de políticas efetivas da reitoria para enfrentar o crescente problema da violência de gênero na USP

Redação SP


Nesta segunda (25/11), nasceu na Universidade de São Paulo (USP) a Ocupação Sala Lilás Janaína Bezerra Vive. O novo espaço se estabelece como como um centro de referência para mulheres, que denuncia a necessidade de acolhimento e atendimento de vítimas de violência de gênero na universidade e as organiza para lutar por seus direitos.

Localizado na Travessa do Labirinto, nº 396, no campus Butantã da USP, a ocupação foi promovida em um local abandonado pela reitoria e que se encontra sem finalidade há anos na universidade.

“A Sala é um espaço para organizar mulheres em nossa universidade, buscando escancarar a falta de medidas efetivas para as vítimas de violência no campus por parte da instituição. Realizaremos atividades de formação, como reuniões, oficinas, e saraus para fortalecer estudantes, mães e trabalhadoras na luta por justiça e também pelo poder popular e o socialismo no Brasil”, explica Naomi, militante do Movimento de Mulheres Olga Benario.

Além de organizar a ocupação da Sala, o movimento já dirige dezenas de casas de mulheres por todo o país. Outras duas ocupações foram promovidas neste mesmo fim de semana que se conclui com o Dia Internacional Pela Eliminação da Violência, em São Caetano do Sul e Suzano.

Como denunciam os núcleos do movimento Olga Benario, o ambiente universitário ainda carece de medidas efetivas para a prevenção e o combate à violência de gênero e contra as mulheres nos campi da USP. Casos recentes na moradia universitária e na Praça do Relógio, que chegaram à mídia, levaram a uma onda de insatisfação de estudantes e trabalhadoras com a reitoria, já que os órgãos responsáveis não acolheram as vítimas e não as ajudaram a encaminhar sua denúncia.

Além de se somar aos questionamentos, o Movimento de Mulheres Olga Benario apresentou um projeto de espaço para enfrentar o problema: a Sala Lilás Janaína Bezerra Vive, que teria o objetivo oferecer orientação e acolhimento às vítimas de violência na universidade. Apesar disso, como já noticiou o jornal A Verdade, a reitoria da USP não aprovou a proposta, e a universidade seguiu sem uma ferramenta efetiva para enfrentar a violência de gênero.

Homenageada com o nome da ocupação da Sala Lilás, Janaína Bezerra foi uma estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI) que foi vítima de feminicídio aos 22 anos no campus da faculdade onde estudava. A mobilização por justiça para Janaína, que resultou na condenação do assassino, se tornou um símbolo da luta em defesa da vida das mulheres na universidade. A nova Ocupação pretende levar adiante sua memória garantindo que estudantes, trabalhadoras e todas que fazem parte da comunidade uspiana sejam acolhidas quando mais precisam.

As organizadoras da ocupação reivindicam que a Universidade de São Paulo aceite a vigência de medidas protetivas, estabeleça o protocolo de acolhimento e encaminhamento de vítimas construído pelos movimentos feministas da universidade e que tenha um Centro de Referência capaz de dar seguimento às inúmeras denúncias recebidas diariamente.

Despejo da Casa Laudelina promove a violência contra as mulheres

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Coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benario denuncia que a ação conjunta do prefeito Ricardo Nunes e do governador Tarcísio de Freitas, que querem despejar a Casa Laudelina de Campos Melo, deixará uma região de São Paulo sem um centro de referência para mulheres e aprofundará o problema da violência de gênero

Julia Soares e Sara Melissa* | São Paulo (SP)


Em pleno mês de novembro, marcado pela luta internacional pelo fim da violência contra as mulheres, a Casa de Referência para Mulheres Laudelina de Campos Melo enfrenta um despejo brutal. O imóvel – abandonado por mais de 30 anos e carregado de dívidas – foi arrematado em um leilão que privilegia a especulação imobiliária. Essa é mais uma expressão da violência estrutural contra as mulheres trabalhadoras e pobres e da política fascista de Nunes e Tarcísio.

A Casa Laudelina, organizada pelo Movimento de Mulheres Olga Benario, não é apenas um teto: é um espaço de organização e luta coletiva das mulheres – um exemplo vivo do feminismo marxista em ação que se inspira na trajetória de Laudelina de Campos Melo, mulher negra e comunista pioneira na organização das trabalhadoras domésticas.

Desde sua fundação, em janeiro de 2021, a Casa já recebeu mais de 10 mil mulheres em suas diversas atividades. Para aquelas que foram vítimas de violência, ofereceu atendimento jurídico, psicológico, social e político. Por meio de oficinas de capacitação e debates formativos, promoveu a autonomia e a consciência de classe de mulheres que enfrentam o machismo, o racismo e a exploração capitalista em suas formas mais cruéis.

Ao contrário das políticas liberais que tratam a violência de gênero como um problema isolado e individual, o movimento entende que a violência contra a mulher é uma expressão do sistema capitalista, que explora a força de trabalho feminina enquanto aprofunda as desigualdades e mantém milhões de mulheres na pobreza e no isolamento.

O despejo da Casa Laudelina expõe a aliança entre o Estado e os interesses privados dos grandes ricos. A Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes, cortou verbas de serviços essenciais para as mulheres e desmontou políticas públicas de abrigamento, assistência social e atendimento a mulheres vítimas de violência. É a mesma lógica que terceiriza creches, sucateia escolas, desmantela a saúde pública e privatiza todos os serviços: o lucro vale mais que a vida das trabalhadoras.

Esta violência institucional se soma à escalada do feminicídio e ao aumento das desigualdades no Brasil e no estado de São Paulo que registrou entre janeiro e abril deste ano 88 casos de feminicídio. Na capital paulista houve um aumento de 40% – com 18 mulheres assassinadas, segundo a SSP/SP.

No país onde uma mulher é assassinada a cada seis horas, reintegrar uma casa de referência para vítimas de violência não é apenas negligência – é cumplicidade com o sistema que mata mulheres diariamente. É o Estado capitalista reafirmando sua função: proteger os interesses das elites enquanto abandona a classe trabalhadora à própria sorte.

O movimento de mulheres já realizou três atos na subprefeitura da região, na Mooca, apresentando o trabalho desempenhado na casa e levando alguns dos relatos das mulheres que tiveram suas vidas salvas através da luta coletiva.

Foi esse o caso de Maria (nome fictício): uma mulher imigrante que estava em situação de trabalho escravo em uma oficina de costura clandestina e era constantemente abusada sexualmente pelo patrão. Através dos atendimentos na Casa, ela pôde se libertar e se organizar no MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), conquistando sua moradia e emprego e passando a viver com dignidade.

Frente a esses relatos, os representantes da prefeitura de Nunes lavam suas mãos e dizem que nada podem fazer para garantir um espaço na região central da cidade em que haja a continuidade desse trabalho. Assim, a região continuará sem nenhuma Casa de Referência para Mulheres.

Neste 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, a luta pela Casa Laudelina ganha ainda mais força e urgência. Reivindicamos que o Estado cumpra sua função social e destine um imóvel para garantir a continuidade desse trabalho vital.

Mas sabemos que a solução não virá de cima: é na organização das mulheres trabalhadoras, na resistência e na luta coletiva pela sociedade socialista que construiremos um futuro em que a vida seja prioridade e as mulheres possam romper de vez com a violência.

Casa Laudelina fica! A luta é pela vida das mulheres e contra a exploração!

*Julia Soares e Sara Melissa são coordenadoras do Movimento de Mulheres Olga Benario

Ocupação de Mulheres Anatália de Souza completa um ano e conquista imóvel

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A Ocupação de Mulheres Anatália de Souza, organizada pelo Movimento Olga Benario, completa um ano neste mês em Natal (RN).

Movimento Olga Benario (RN)


MULHERES – “Ocupar, resistir, organizar”. Essa é a palavra de ordem do Movimento de Mulheres Olga Benario, que realiza ocupações em todo o Brasil para denunciar a violência de gênero e a especulação imobiliária de prédios abandonados pelo país. 

Diante de um cenário de precarização sobre a vida das mulheres, falta de políticas públicas e com o aumento constante da violência, o Movimento realizou, em Natal (RN), no dia 25 de novembro de 2023 (Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher), a Ocupação de Mulheres Anatália de Souza Melo Alves.

A Ocupação aconteceu no prédio da antiga Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, abandonado há dez anos. Desde o início, foram muitos os embates travados, pois a Reitoria, além de não querer dialogar, ainda solicitou a reintegração imediata do prédio, mesmo dizendo que não tinha interesse em manter o imóvel que “só onerava a instituição”.

Assim, em paralelo aos atendimentos realizados, o movimento organizou uma frente de apoio à Ocupação Anatália, dentro e fora da UFRN, onde as militantes do Movimento foram às salas de aula denunciar a arbitrariedade da Reitoria com a iminência do despejo, além do abandono de anos do prédio, movimento este que contou com apoio de centenas de estudantes e servidores.

Diante da repercussão na cidade, o Movimento foi convidado para denunciar a reintegração na Câmara Municipal de Natal e na Assembleia Legislativa do Estado, aumentando, assim, a rede de apoio.

Uma audiência de mediação foi chamada, a fim de resolver a questão de maneira que atendesse a demanda das mulheres. Nesta ocasião, Kivia Moreira, coordenadora estadual do Olga e da Ocupação, fez um discurso emocionado e persuasivo, defendendo as mulheres e a importância da Ocupação, expondo os dados da violência contra mulheres em Natal e no Estado.

Foi conquistado um espaço provisório para o funcionamento, assim como um terreno cedido pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU) para construção do local definitivo, além do compromisso de emenda parlamentar para construção do prédio. Neste dia, as mulheres que corriam o risco de serem despejadas, violentadas mais uma vez, arrancaram uma grande vitória para a luta e resistência das mulheres. 

Porém, o espaço temporário cedido pelo Governo para que a ocupação seguisse desenvolvendo suas atividades era insalubre – faltava energia, água, segurança. Tamanho descaso colocou o Movimento na condição de continuar a luta e ocupar, dessa vez o Governo do Estado, para reivindicar duas demandas fundamentais: a realocação do prédio e a cessão do imóvel para o espaço definitivo ser construído. A luta foi vitoriosa.

Lutamos para existir

Hoje, após um ano de resistência e vários reveses desde a decisão judicial que assegurou a permanência da Ocupação, realizamos dezenas de acolhimentos e diversas atividades e lutas contra a violência, bem como diversas atividades lúdicas, políticas e culturais para as mulheres na cidade.

Por isso, a Ocupação Anatália de Souza se tornou símbolo de luta e resistência das mulheres na cidade. Em visita ao espaço para produção de documentário sobre prédios antigos, Brenda (nome fictício), estudante de Artes Visuais, afirmou que nunca tinha parado para pensar que ocupar também é revitalizar a cidade. “O espaço é referência às mulheres na cidade e consegue mostrar às pessoas que é possível revitalizar os prédios abandonados”, afirma. 

A Ocupação de Mulheres Anatália de Souza comemora um ano de luta e de resistência das mulheres no Estado, honrando o nome de Anatália, militante comunista torturada pela Ditadura Militar fascista de 1964, e todas as mulheres que sofreram de feminicídio, que viveram ou vivem a violência todos os dias no estado do Rio Grande do Norte e no país. Ocupar, resistir e organizar!

25 de Novembro: dia de luta das mulheres

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O Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, celebrado em 25 de novembro, reforça a luta por justiça, memória e reparação, homenageando mulheres como as irmãs Mirabal, símbolos da resistência contra opressões e ditaduras.

Indira Xavier | Redação


MULHERES – A violência é uma das formas de as classes dominantes se manterem no poder, oprimindo e amedrontando o povo trabalhador. Dessa maneira, a violência é algo muito presente na vida da humanidade, com guerras e genocídios normalizados e televisionados. Todos os dias, são várias as notícias de mais um assassinato de trabalhador ou jovem negro. Crianças vivem com o medo da violência policial ao passo que também se habituam a ela.

Nesse cenário, a violência de gênero é a realidade de mais de 736 milhões de mulheres em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso significa dizer que uma em cada três mulheres sofrerá violência ao longo da sua vida em todo o mundo. Somente em 2023, mais de 85 mil mulheres foram assassinadas, segundo relatório da ONU publicado recentemente. Ou seja, uma mulher é assassinada a cada 10 minutos em algum lugar do planeta.

25 de Novembro

Para denunciar com mais força essa matança, foi criado o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher (25 de Novembro). E por que nesta data?

O ano era 1960 e elas se chamavam Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, jovens irmãs que lutavam contra a ditadura militar fascista de Rafael Leonidas Trujillo, na República Dominicana. Foram barbaramente assassinadas por lutarem por justiça, liberdade e por uma vida digna para o seu povo. 

As “Mariposas”, como eram chamadas carinhosamente pelo povo, lutavam de forma ousada e destemida, rompendo o medo, mas também levando esperança para mulheres e trabalhadores da cidade e do campo. Estiveram à frente do seu tempo, rompendo os preconceitos sociais de que mulheres não devem estudar, instruir-se e tão pouco fazer política.

A data é uma justa homenagem instituída por mulheres presentes no primeiro Encontro Feminista Latino-americano e Caribenho, em 1981, em Bogotá, na Colômbia e, posteriormente, em 1999, assumida pela ONU, em sua Assembleia Geral.

Esse dia que marca a luta contra a violência é, também, uma reafirmação da luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação de todos aquelas mulheres que, durante os anos de 1960, 1970 e 1980, lutaram contra as diversas ditaduras militares que se instalaram nos países da América Latina e Caribe. Foram mulheres que fizeram temer a ordem ditatorial, pois ousaram sonhar e lutar por um mundo novo, onde a violência e opressão não fossem a regra.

Mulher, não se cale!

Décadas depois, e o Brasil contabilizou, só em 2023, 1,2 milhão de mulheres vítimas de violência. O único caminho que nos é possível é o da organização e da luta das mulheres para pôr fim a essa escalada de violência e medo que vivemos. Por isso criamos o Movimento de Mulheres Olga Benario e por isso lutamos.

Somente no último dia 25 de novembro, o Movimento realizou, no Estado de São Paulo, três novas ocupações para a construção de casas de referência a mulheres em situação de violência. A Ocupação Casa da Mulher Trabalhadora Alexina Crespo, em Suzano; a Ocupação Sala Lilás Janaína Bezerra, dentro da USP; e a Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes, em São Caetano do Sul. O Movimento também ocupou, no mesmo dia, em Salvador (BA), a Casa de Referência e Atenção Loreta Valadares, fechada pela Prefeitura Municipal.

Tudo isso prova que sim, que é possível ser mais forte, mesmo na dor e no medo. Não porque as mulheres são super-heroínas e estão fadadas ao sofrimento. Mas porque a força e a certeza da vitória vêm de dentro do processo de organização e de luta.

Como nos ensina o hino mundial da classe trabalhadora, A Internacional: “Façamos nós, por nossas mãos tudo que a nós nos diz respeito”.

Por isso, eu convido você, leitora, a ouvir esse chamado, a ingressar nas fileiras do Movimento de Mulheres Olga Benario e a lutar conosco! Lutar pela sua vida, pelo seu futuro, pelo futuro dos que você ama. Lutar pela humanidade. Lutar como nos ensinou Olga Benario: “Pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo!”.

Nasce a Ocupação da Mulher Trabalhadora Alexina Crespo em Suzano

No dia 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, Movimento de Mulheres Olga Benario constrói a Ocupação Alexina Crespo, sua primeira casa de referência na região do Alto Tietê, em São Paulo

Nathalia Vergara | Suzano (SP)


No Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, 25 de novembro, nasce a Casa da Mulher Trabalhadora Alexina Crespo, em Suzano (SP). A primeira ocupação de mulheres do Movimento de Mulheres Olga Benario na região do Alto Tietê surgiu em um ato de denúncia à violência contra as mulheres na região e a falta de políticas públicas e amparo da prefeitura de Suzano. A cidade também é marcada pela ausência de uma Delegacia da Mulher que funcione 24 horas, deixando as mulheres sem qualquer suporte.

O imóvel estava vazio e sem cumprir qualquer função social há anos e, a partir de hoje, será utilizado como uma casa de referência para atender, acolher e organizar mulheres em situação de vulnerabilidade e vítimas de violência.

Mesmo com a subnotificação de casos, o Alto Tietê é uma das regiões com um dos maiores índices de feminicídio do Estado. Segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo (SSP), a região registra, em média, cinco casos ao ano. Além disso, somente em 2024 houve um crescimento de 14% de casos de estupros, acometendo, principalmente, mulheres negras e periféricas.

De acordo com Camylla Valadares, umas das coordenadoras da casa, em meio aumento de casos de violência contra a mulher, a fundação da nova casa de referência é essencial na luta pela vida das mulheres em toda a região.

Alexina Crespo, presente!

Homenageada no nome da casa, Alexina Crespo representa a luta de todas as mulheres que ousaram se destacar na política, em defesa dos direitos da classe trabalhadora e do campesinato.

Alexina Lins Crêspo de Paula foi uma importante guerrilheira das Ligas Camponesas. Desde 1955, exerceu cargos de liderança na Liga Camponesa do Engenho Galileia e, posteriormente, nas Ligas de Pernambuco, contribuindo na formação político-ideológica contra os latifundiários da região e, posteriormente, contra os militares da Ditadura Militar.

A guerrilheira conheceu figuras históricas como Fidel e Che, em especial durante seu exílio em 1963. Quando retornou ao Brasil, em 1980, deu continuidade à luta pela Reforma Agrária e justiça social, além de atuar ativamente na organização das mulheres, com a fundação da Associação de Mulheres do Brasil.

Pela vida das mulheres

As casas de referência surgem como um espaço de construção coletiva e de resistência das mulheres. Esses espaços oferecem assistência jurídica, psicológica e formação, contribuindo para superar situações de vulnerabilidade, e são de extrema importância para preencher os vácuos que o estado permite existir.

O objetivo das casas de referência não é substituir as ações ou tomar para si a responsabilidade do Estado, mas sim acolher e encaminhar mulheres que, ao sofrerem agressões, necessitam sair o quanto antes dessa situação, para que não se agrave a ponto de serem vítimas de feminicídio.

A Casa da Mulher Trabalhadora Alexina Crespo surge para manter viva a memória de Alexina e de tantas outras lutadoras que atuaram pela vida das mulheres. “Nossa ocupação mantém viva todas aquelas que foram mortas pelo ódio fomentado pela sociedade patriarcal e cobra uma resolução dos casos que ainda não têm resposta por parte do poder público, deixando os assassinos sem a devida punição”, diz Camylla.

“Que a nossa casa possa ser uma referência às mulheres do Alto Tietê no que se refere a viver dignamente e a importância de se organizar e lutar pela nossa emancipação”,  reforça a representante do Movimento Olga Benario.

Nasce a Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes em São Caetano do Sul

Fundada em um imóvel em São Caetano do Sul (SP) que não cumpria função social há mais de 20 anos, a Ocupação Alceri Gomes será uma casa de referência do Movimento de Mulheres Olga Benario na luta pelo fim da violência contra a mulher

Redação SP


Na manhã de sábado (23/11), o ABC Paulista acordou com a notícia do surgimento da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes. Localizada em São Caetano do Sul (SP), ela nasce como “um ato de denúncia à violência contra as mulheres na região e à insuficiência de políticas públicas e amparo da Prefeitura da cidade”, de acordo com o Movimento de Mulheres Olga Benario, que organiza a ocupação.

Fundada em um imóvel abandonado há mais de 20 anos, que acumulava entulho e não cumpria função social, a Ocupação transformará o prédio em uma casa de referência para mulheres vítimas de violência e em situação de vulnerabilidade. O espaço vai contar com cozinha comunitária e creche, como parte do esforço socialista de coletivização do trabalho que as ocupações do Movimento de Mulheres Olga Benario já promovem em todo o país.

Precariedade dos serviços na cidade

No estado de São Paulo, o movimento já organizou outros espaços de referência para mulheres, como as casas Helenira Preta I e II (Mauá), Laudelina de Campos Melo (São Paulo), Carolina Maria de Jesus (Santo André), Maria Lúcia Petit (Campinas), Cleone Santos (São Bernardo do Campo) e Damaris Lucena (São Paulo). No entanto, como apontam as coordenadoras do movimento, a escolha de São Caetano do Sul para a organização de uma nova ocupação não foi por acaso, devido às dificuldades vividas pelas mulheres trabalhadoras na cidade.

“São Caetano é uma cidade muito elitizada, feita para não ser acessada pelas trabalhadoras. Temos muitas que trabalham aqui e moram outras cidades. Para acessar serviços públicos como o SUS aqui, é preciso ter uma carteirinha provando que é moradora. Nossa cidade é uma cidade de operárias. Nossa ocupação é para organizar a luta dessas mulheres contra o assédio no trabalho, por creche nas fábricas e por moradia popular próxima aos locais de trabalho”, explica Manoela Santolin, coordenadora da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes.

Outras razões para o surgimento da nova casa de referência estão no manifesto de criação da Ocupação Alceri Gomes, intitulado “Por uma cidade das mulheres e do povo trabalhador”. O documento está disponível ao fim desta matéria.

Um dos principais motivos apontados no manifesto é o crescimento de 12% nos casos de violência contra a mulher em São Caetano do Sul no último ano. Apesar desse fato, o prefeito fascista José Auricchio Júnior, que recentemente chamou a única vereadora mulher na Câmara Municipal de “tchutchuca”, retirou a cidade do Consórcio Intermunicipal do ABCDMRR, e as mulheres sul-caetanenses não podem mais acessar as Casas Abrigo financiadas por esse órgão regional.

Além disso, continua o manifesto, essa não é a única crise nas políticas públicas em São Caetano: nenhum serviço para mulheres em situação de violência, como a Delegacia de Defesa da Mulher, funciona 24 horas na cidade; as escolas municipais estão sendo privatizadas; a maior parte dos servidores público é terceirizada, porque não se abrem novos concursos; e o fascista eleito para ser o próximo prefeito, Tite Campanella, promete privatizar a empresa local de água e esgoto, a SAESA. Apesar de todos esses retrocessos, a Câmara Municipal não conta nem mesmo com uma Tribuna Popular onde os movimentos sociais possam denunciar essas políticas a serviço dos ricos e patrões.

A Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes surge como uma casa para organizar a luta pelo fim da violência contra as mulheres, mas também para impulsionar todas as mobilizações populares contra o fascismo e pela melhoria dos serviços públicos em São Caetano do Sul.

Alceri Gomes, metalúrgica negra que combateu a ditadura

Com o nome de sua nova casa de referência, o Movimento de Mulheres Olga Benario explica que busca homenagear “uma mulher negra, operária, que participou ativamente da luta pelo fim da ditadura militar e pela construção da sociedade socialista”.

Nascida na cidade de Cachoeira do Sul (RS) em 1943, Alceri Gomes foi uma operária negra que fez parte da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização que lutou contra a ditadura militar fascista no Brasil. De acordo com sua biografia no Memorial da Resistência, Alceri se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos e iniciou sua militância operária quando começou a trabalhar na fábrica Michelletto, em Canoas (RS).

Em 1969, a jovem gaúcha se mudou para São Paulo com o objetivo de dar continuidade a sua luta contra a opressão dos militares. No ano seguinte, quando tinha apenas 26 anos, Alceri foi assassinada e teve seu cadáver escondido por tropas da repressão. Sua família nunca teve o direito de enterrá-la, já que o Exército jamais devolveu seu corpo e Alceri segue sendo uma desaparecida política.

Solidariedade popular

Honrando a memória da militante negra contra a ditadura e contando com a solidariedade dos moradores da região, as militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario e movimentos aliados já trabalham 24 horas por dia para preparar o imóvel da Ocupação Alceri Gomes para um calendário de atividades políticas e culturais.

“Eu vim aqui trazer meus filhos para eles conhecerem a história, porque vocês estão fazendo história com o que vocês estão organizando aqui”, disse Maria, uma apoiadora que levou a família para conhecer a nova Casa.

Para os interessados em fazer doações em apoio à ocupação, o Movimento de Mulheres Olga Benario indica o Pix: movimentoolgabenario.sp@gmail.com. Também é possível doar mensalmente por meio do Apoia.se, disponível no link: apoia.se/pelavidadasmulheres.

Leia a seguir o manifesto da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes.

POR UMA CIDADE DAS MULHERES E DO POVO TRABALHADOR!

“A cidade de São Caetano do Sul conta com 158.024 habitantes. A região em que hoje fica o município é ocupada desde o século XVI, quando era conhecida como Tijucuçu (território indígena). Depois, foi área de fazendas de moradores do antigo povoado de Santo André da Borda do Campo. 

Com a fixação das primeiras indústrias em 1916, São Caetano foi elevado a Distrito. O município foi emancipado de Santo André em 1948, após manifestações e plebiscitos. A história de São Caetano do Sul, assim, não se separa das outras cidades do ABC que são vilas industriais operárias, marcadas por manifestações, greves, lutas populares contra a carestia e pelo fim da ditadura militar.

Atualmente, a cidade é conhecida por seus índices positivos, sendo o IDH mais alto do Brasil e a expectativa de vida de 78,2 anos. O que esses índices escondem, porém, é que quem está no poder em São Caetano, trabalha para expulsar os pobres que têm dificuldade de pagar aluguel para os municípios vizinhos, esconde os dados e impede os trabalhadores de terem pleno acesso aos seus direitos. Retiraram o território de Heliópolis e Vila Palmares dos limites da cidade por serem bairros pobres, com o objetivo de construir “um pedacinho da Europa no Brasil”.

Por isso, grande parte dos operários e operárias que trabalham nas indústrias de São Caetano e contribuem para a riqueza da cidade, moram em cidades como Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. 

Mas não é só isso. Em São Caetano só pode ser atendido no SUS e em outros serviços públicos quem apresentar a carteirinha de morador da cidade, o que fere o princípio de universalidade do SUS. Assim, os trabalhadores que moram em outras cidades, mas trabalham em São Caetano, não têm acesso a saúde pública quando precisam.

Além disso, a violência contra as mulheres cresceu 12% no último ano em São Caetano do Sul. Mas sabemos que muitas vezes as mulheres que não tem a carteirinha de moradora, procuram a delegacia e não conseguem fazer o B.O. nem serem atendidas.  Assim, muitas denúncias de assédio de violência que acontecem em SCS, são registradas em Santo André ou em outras cidades. Esse cenário é ainda pior porque o prefeito José Auricchio Junior, saiu do Consórcio Intermunicipal do ABC junto com o fascista Orlando Morando (prefeito de São Bernardo do Campo), que é o órgão responsável por gerir as Casas Abrigos para as mulheres vítimas de violência doméstica. Assim, ele deixou de financiar essas políticas e as mulheres de São Caetano não podem mais acessar as políticas regionais.

O resultado disso são os feminicídios que têm acontecido na cidade:  Para piorar, nenhum serviço para as mulheres na cidade é 24h. Mesmo com a sanção do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) à lei federal 14.541, que determina o funcionamento das DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher), por 24 horas diárias, ou seja, sem interrupção, não há prazo para as cinco delegacias do ABC se adequarem às diretrizes. 

Como se não bastasse, também não existe democracia na Câmara Municipal de São Caetano do Sul. Diferente das outras cidades do ABC, não existe nenhum espaço para Tribuna Popular na Câmara e os moradores que sofrem diariamente com o descaso do governo não tem nenhum espaço para pedir ajuda. 

Mais um escândalo da cidade foi quando o mesmo prefeito que boicotou as políticas para mulheres, (o Auricchio), chamou a única vereadora mulher da cidade de “tchutchuca” em evento de campanha. Isso mostra a ideologia fascista e misógina que carrega para governar a cidade. As mulheres têm o direito de falar e ocupar os espaços de poder!

Tudo isso é feito para aumentar as políticas de privatizações, retiradas de direitos e massacre ao povo trabalhador e as mulheres. Em São Caetano já existem escolas municipais privatizadas, servindo de modelo para o governador fascista Tarcisio privatizar todo o estado de São Paulo. A maior parte dos servidores hoje são terceirizados, pois não abre concurso há muito tempo. O reajuste real dos salários também não acontece e as condições de vida só pioram. Se depender do prefeito eleito para 2025, Tite Campanella, a empresa de água SAESA estará em vias de se privatizar, assim como o terminal de ônibus. Tite Campanella é continuidade da política fascista de Auricchio, Tarcísio e Bolsonaro. Querem expulsar as trabalhadores e trabalhadores de São Caetano e construir uma cidade privatizada, com mentiras, sangue e violência.

A luta das mulheres operárias

Por isso, o Movimento de Mulheres Olga Benario decidiu lutar!

No Estado de São Paulo são 3 milhões de operários, entre eles, 1 a cada 4 é mulher, representando 736 mil operárias. A força dessas mulheres foi provada ao longo da história, sendo determinantes em inúmeras greves e protestos que conquistaram direitos para toda a classe trabalhadora.

Nas fábricas, a maior parte do que é produzido vai para o bolso dos ricos, enquanto a classe operária sofre com os baixos salários e o aumento da exploração e miséria. Em média, o salário de operárias é 14,7% menor que o salário dos homens na indústria, de acordo com a FIESP. Essa situação só se sustenta a partir das ameaça de demissão e assédios constantes impostos pelos patrões contra as mulheres.

Além da exploração que vivem nas fábricas, com longas jornadas de trabalho mal remuneradas, 11,3 milhões de mães em todo o país têm de cuidar de seus filhos sozinhas e passam seus poucos dias de folga também trabalhando. Apesar dos desafios, não faltam exemplos de lutas das mulheres operárias na nossa história. A primeira greve geral do Brasil, em 1917, foi desencadeada pelas mulheres de uma fábrica têxtil em São Paulo. Historicamente, as operárias do ABC Paulista também foram vanguarda na construção de mobilizações por creches para suas crianças.

No mundo, a luta das operárias já conquistou uma sociedade onde havia lavanderias coletivas, creches nas fábricas e escritórios, intervalos no trabalho para as mães irem à creche amamentar e uma jornada de trabalho reduzida para 6 horas: a sociedade socialista. Era, principalmente, uma sociedade onde as mulheres operárias, junto aos demais operários, tomavam as decisões sobre a produção e onde ela servia para o bem-estar dos trabalhadores, e não para o lucro de uma minoria. Os exemplos demonstram que só lutando por uma sociedade socialista as mulheres, especialmente as operárias, poderão conquistar seus direitos e sua libertação.

Por tudo isso, nasce a Ocupação da Mulher Operária Alceri Maria Gomes da Silva!

Uma mulher negra, operária, que participou ativamente da luta pelo fim da ditadura militar e pela construção da sociedade socialista!

Pelo mês da Consciência Negra e pelo Fim da Violência contra as mulheres!

Nasce, pelas mãos das mulheres, um espaço livre de fome e de violência! Um espaço seguro para as mulheres! Em que as denúncias serão ouvidas! Em que o trabalho vale a pena! Em que as crianças e mulheres não são exploradas nem violentadas! Onde os princípios são o socialismo e a alegria de viver!

Por isso, é nosso papel:

  1. Apoiar mulheres em situação de violência e ajudá-las a acessar os serviços públicos!
  2. Divulgar os serviços que existem e lutar por sua melhoria!
  3. Prevenir a violência contra a mulher através de formação e campanhas!
  4. Organizar as mulheres para lutar pelo fim da violência e contra o fascismo!

Nossas reivindicações são:

  1. Volta imediata de São Caetano para o Consórcio Intermunicipal do ABCDMRR
  2. Abertura de uma Tribuna Popular na Câmara de São Caetano
  3. Fim das terceirizações e abertura de concurso público!
  4. Garantia das Delegacias 24 horas no ABC
  5. Garantia de vagas em creches para todas as mulheres trabalhadoras!
  6. Pelo fim do assédio no trabalho!
  7. Pelo fim da expulsão dos pobres do centro!

Eles defendem a ditadura militar e a tortura e nós defendemos as mulheres operárias que lutam pelo prato de comida para suas crianças, pela moradia e por uma vida digna e livre de violencia!

Por nós e por todas as que tombaram.

Alceri Gomes Vive!

Estudantes da USP lutam pela Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive”

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Com o crescimento dos casos de violência sexual na USP, Movimento de Mulheres Olga Benario propôs a criação de uma importante ferramenta para o acolhimento das vítimas. Apesar da negativa da reitoria da universidade, luta pela Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” segue viva

Núcleos da USP do Movimento de Mulheres Olga Benario


Recentemente, a Universidade de São Paulo (USP) foi palco de diversos casos de violência sexual em seu principal campus, a Cidade Universitária. Por isso, o último semestre foi marcado por uma onda de mobilização em defesa da vida das mulheres na USP.

Em agosto deste ano, como noticiou o jornal A Verdade, um homem rendeu uma estudante com simulacro de arma de fogo, em uma tentativa de estupro na Praça do Relógio, localizada na universidade. O caso ocorreu em uma área conhecida pela falta de iluminação, apesar de próxima da base da Polícia Militar e da Guarda Universitária. Apesar disso, em reunião com representantes do DCE Livre da USP, a Prefeitura do Campus informou que a única ação mais imediata para impedir novos casos seria a “poda de árvores”, já que a realização de uma licitação para melhorar a iluminação do espaço demoraria um longo tempo.

Poucas semanas depois, uma estudante e moradora do Conjunto Residencial dos Estudantes (CRUSP) denunciou o estupro que sofreu por um aluno, que também era seu vizinho na moradia estudantil. Um órgão da universidade alegou que o caso não se enquadraria na Lei Maria da Penha como “violência doméstica”, por ter ocorrido no CRUSP e sem vínculo matrimonial. A vítima passou por uma série de órgãos – a Comissão de Direitos Humanos da FFLCH, Delegacia da Mulher, Defensoria Pública, Fórum Criminal da Barra Funda e Ministério Público – buscando ajuda, mas só obteve uma medida protetiva na Casa da Mulher Brasileira após expor seu próprio rosto na grande mídia e receber apoio político das estudantes da USP e suas entidades.

A omissão da instituição frente a esses casos tão graves tem gerado revolta e cada vez mais vontade de denunciar esses casos entre as estudantes. Após esses ocorridos, a Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP), junto com o Movimento de Mulheres Olga Benario e o Movimento Correnteza, realizaram uma manifestação simultânea a uma reunião com a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP, onde foi apresentado o projeto da Sala Lilás “Janaina Bezerra Vive”, desenvolvido pelo movimento de mulheres, que funcionaria como um local de acolhimento para vítimas de violência de gênero. A reação da universidade, no entanto, foi de incômodo com os protestos.

Violência na “melhor universidade da América Latina”

Os casos do último semestre não são exceções: a USP tem um histórico de episódios de violência de gênero, que foram sistematicamente apagados. Em 2015, a CPI do Trotes identificou mais de 100 casos de violência sexual na Faculdade de Medicina. Em uma pesquisa de 2018 do grupo USP Mulheres, 88 estudantes mulheres e não-bináries responderam afirmativamente a uma pergunta sobre se “alguém forçou você a ter uma relação sexual” desde que ingressou na universidade.

Além disso, os dados oficiais de violência de gênero na USP são subnotificados e não revelam a real dimensão do problema. Em uma patrulha do Movimento de Mulheres Olga Benario, se descobriu que, no quadro da Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária (SPPU), entre 2014 e 2024, apenas um caso de violência sexual – datado de 2016 – e nove casos de violência contra a mulher foram notificadas pela Guarda Universitária do Campus Butantã em seus registros de ocorrências.

Na EACH, faculdade localizada no campus USP Leste, as estudantes moradoras da região organizam grupos de mensagens para informar umas às outras sobre locais perigosos. Ao mesmo tempo, o coletivo feminista da EACH tem se sobrecarregado com o recebimento de denúncias de casos de violência sexual. Por isso, cresce o questionamento: por que a responsabilidade de acolhimento das vítimas está recaindo individualmente sobre estudantes, funcionárias e funcionários, docentes e coletivos feministas, mas não sobre a própria universidade enquanto instituição?

O projeto da Sala Lilás

O aumento de casos de violência sexual não é exclusivo da USP. É notório o caso recente da estudante de jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Janaína da Silva Bezerra, que tinha 22 anos quando foi vítima de feminicídio por um pós-graduando da mesma universidade durante uma calourada em janeiro de 2023. Meses após o assassinato, após três tentativas de julgamento onde familiares, amigos e movimentos sociais se mobilizaram para defender justiça por Janaína, o acusado foi condenado a 18 anos de prisão por estupro, assassinato e vilipêndio de cadáver.

Retomando a memória de Janaína, os núcleos do Movimento de Mulheres Olga Benario na USP iniciaram a organização da Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” para o campus Butantã encaminhando um projeto para um edital de fomento da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, junto de projetos  para uma sala de amamentação e uma brinquedoteca na EACH. As propostas foram inspiradas nas casas de referência do Movimento de Mulheres Olga Benario, como as Casas Laudelina de Campos Melo e Anatália de Souza Melo Alves, assim como a Cozinha Solidária Rafael Kauan, realizada no CRUSP.

Com  a força de sua articulação, as mulheres e mães da EACH conquistaram um orçamento de 8 mil reais para a Sala de Amamentação. A Sala Lilás, no entanto, não foi contemplada pelo edital. O Movimento de Mulheres Olga Benario denuncia que a escolha de não contemplar o projeto foi política, já que a proposta previa a implantação do lugar em uma das cozinhas desativadas do CRUSP, lugares abandonados onde ocorrem casos de violência sexual.

Além disso, mesmo aprovadas, a sala de amamentação e a brinquedoteca seguem enfrentando entraves “burocráticos”, com a justificativa de que a USP Leste não possui espaço para a implementação de qualquer ambiente estudantil. Na prática, esse argumento demonstra o descaso com as mulheres mães da universidade: a ausência de espaços para as crianças afirma de forma silenciosa que elas não possuem o direito de ocupar o ambiente acadêmico.

Pela vida das mulheres

Em meio à onda de casos de violência sexual, as estudantes da USP questionam: Por que até hoje há uma Academia da Polícia e uma base da Polícia Militar no campus, mas não um Centro de Referência para Mulheres? Por que os casos de estupro não chocam a Reitoria da universidade? Por que, mesmo com R$8,6 bilhões em caixa, a USP não destina orçamento para a contratação de uma equipe técnica especializada?

A série de absurdos tem se transformado em combustível para organizar mulheres e estudantes da USP que querem lutar contra esse cenário. Com atividades como passagens em sala e panfletagem nos bandejões, livro-ouro, campanha nas redes sociais e articulação com Centros Acadêmicos, coletivos feministas, sindicatos e entidades representativas, o Movimento de Mulheres Olga Benario já coletou mais de 2 mil assinaturas para um abaixo-assinado em defesa da criação da Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” e o contato de dezenas de interessados em construir as atividades da sala.

A força da mobilização demonstra que, querendo a Reitoria da USP ou não, a Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive” será conquistada e transformada em uma trincheira de lutas. Por Nelly Cristina Venite de Souza Maria, estudante de Obstetrícia! Por Jessica Ponte Pedersoli, trabalhadora de segurança na EACH! Por Regina Célia Leal Bezerra, técnica da USP de Ribeirão Preto! Por Geiza Aparecida Medeiros Martinez, funcionária da FFLCH! Por todas as vítimas de feminicídio, assédio e violência sexual nas universidades, as estudantes vão lutar pela construção da Sala Lilás “Janaina Bezerra Vive”!

Lei sobre construção de prédios em Cabo Frio (RJ) favorece especulação imobiliária

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A Câmara Municipal de Cabo Frio quer autorizar a construção de prédios mais altos na cidade para aumentar especulação imobiliária.

Rafael Carvalho, Rúbia Brazil, Sérgio Davidovich | Cabo Frio – RJ


BRASIL – Cabo Frio é uma cidade turística na Região dos Lagos, no interior do Rio, conhecida por suas belas praias e também pela sua grande desigualdade social. Estima-se que durante o verão, a população em Cabo Frio triplica de tamanho, saindo dos cerca de 200 mil habitantes para 600 mil. 

Para atender o lobby da indústria do turismo e das grandes construtoras, a Câmara Municipal quer mudar as regras de construção na cidade, autorizando prédios de até 8 andares próximo a orla.

Defensores do projeto afirmaram que a construção de prédios mais altos aumentaria o número de moradias e permitiria que mais pessoas morassem próximas ao centro da cidade. No entanto, essas justificativas foram duramente criticadas por especialistas e membros da sociedade civil, que as classificaram como manobras para beneficiar grandes construtoras.

Hoje, a cidade sofre, ano após anos, com enchentes, falta de abastecimento de água e despejo irregular de esgoto na Lagoa de Araruama. A empresa que controla o abastecimento de água e saneamento básico da cidade, PROLAGOS, é alvo de diversas denúncias por conta da precariedade dos serviços. O povo pobre sofre cotidianamente com a falta de obras estruturais para garantir o mínimo de dignidade e projetos de Lei como esse apenas pensam na população mais rica e nos turistas, deixando a cidade cada vez mais cheia no verão, dificultando ainda mais a vida da população mais pobre. 

Ou seja, o objetivo é claro, é ampliar a especulação imobiliária tornando os apartamentos ainda mais caros nas áreas próximas a orla e assim continuar o processo de afastar a população pobre desses locais.

A especulação imobiliária promovendo a desigualdade social

Vinícius Seguraço, morador da Favela do Manoel Corrêa e Coordenador do MLB na região, denunciou a distorção dos argumentos, afirmando que os reais problemas, como a falta de moradias dignas e saneamento básico, estão sendo ignorados, tendo como base as problemáticas já relatadas nos bairros da periferia da cidade. Segundo ele, “a construção de prédios altos em Cabo Frio não resolverá os alagamentos, mas aumentará a segregação social”, levando os mais pobres a serem empurrados para as periferias, como já ocorre em São Paulo e em diversas regiões do país. Ele também sinalizou que o projeto tende a favorecer a especulação imobiliária,e enriquecer ainda mais os empreiteiros e os ricos empresários da cidade. 

Chantal Campello, coordenadora da Ocupação de Mulheres Inês Etienne Romeu, criticou a falta de participação popular no processo e destacou os problemas enfrentados pelas comunidades periféricas, como a falta de saneamento básico. “A prefeitura precisa visitar os bairros, entender a realidade material das pessoas. O problema prioritário não é verticalizar, mas resolver questões básicas, como o esgoto a céu aberto, que é uma questão de Saúde Pública”, disse ela. Chantal ainda questionou: “Essa cidade que está sendo projetada é para quem? Para o turista? Para a especulação imobiliária? Ou para as construtoras?”.

Chantal ainda levanta a pauta de que antes de pensar em regulamentar a Praia do Forte, praia mais famosa da cidade e onde estão as moradias mais caras, é preciso pensar nas condições precárias dos trabalhadores que atuam de forma autônoma no setor de turismo ” a gente precisa também falar sobre a regulamentação trabalho autônomo, porque são essas pessoas que sustentam o verão, são essas pessoas que sustentam economia da nossa cidade, não são os turistas que sustentam, são nosso povo que trabalha e trabalha muito”.

Ela também alerta para os riscos ambientais do projeto. Segundo Chantal, durante audiência pública, o secretário de planejamento, Matheus Monica, admitiu ter esquecido de incluir garantias ambientais no plano.

Uma cidade para os trabalhadores 

A desconfiança da população em relação ao projeto só aumentou e a mobilização continuará para denunciar os interesses de poucos que poderá piorar a vida de milhares de habitantes da cidade. Hoje, os movimentos sociais de Cabo Frio chamam a população a se manifestar contra o projeto que vai encarecer ainda mais o aluguel e a moradia na cidade com a construção de prédios mais altos e mais caros.

Os movimentos e organizações políticas, como a Unidade Popular, chamam a todos aqueles que quiserem se somar na luta por uma cidade que priorize os trabalhadores e trabalhadoras, as pessoas que realmente entendem as contradições da nossa cidade. A defesa é de uma reforma urbana que garanta saneamento básico, acesso a moradia de qualidade, regulamentação digna do trabalho e que não favoreça meia dúzia de empreiteiras que só pensam em seu próprio lucro desrespeitando a vontade popular e os princípios de sustentabilidade ambiental. 

Trabalhadores da Braskem do ABC Paulista fazem paralisações por piso salarial

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Com greve no ABC Paulista, operários denunciam prática abusiva da Braskem. A petroquímica terceiriza funções essenciais para empresas que pagam salários diferentes pelo mesmo serviço, gerando desigualdades entre os trabalhadores

Larissa Mayumi e Júlia Campos | Santo André (SP)


Na quinta-feira (14/11), trabalhadores das empresas terceirizadas que prestam serviço à unidade do ABC Paulista da Braskem, em São Paulo, realizaram uma forte paralisação em defesa de um piso salarial, denunciando as duras condições de trabalho na petroquímica. Entrevistado pelo jornal A Verdade, um trabalhador da manutenção que preferiu não se identificar explica as razões da nova greve, que vem na sequência de outras paralisações na empresa: “Somos contratados por uma empresa para prestar serviço para a Braskem. Aí, quando entra outra empresa para prestar o mesmo serviço por um custo menor, essa empresa quer contratar a gente com salário mais baixo”.

De acordo com uma recente reportagem da Folha de São Paulo, a Braskem lidera o ranking de empresas que mais receberam incentivos fiscais do governo. De janeiro a agosto deste ano, a empresa declarou que recebeu R$2,27 bilhões em dinheiro público. Apesar disso, trabalhadores terceirizados por empresas como Tecnosonda, CascaDura, Primer, Chiarelli, Tenente e Manserv são contratados pela Braskem com salários baixos e vínculos trabalhistas precários para realizar serviços fundamentais para o funcionamento da produção, como sonda, manutenção de máquinas, montagem de caldeiras, andaimes e vários outros trabalhos. Seus contratos podem ser quebrados a qualquer momento e, exatamente por conta desse regime de trabalho, os salários estão sempre diminuindo e a exploração aumentando.

Em sua paralisação, os trabalhadores defenderam que sejam instituídos salários iguais para quem faz a mesma função não só entre os funcionários diretos da Braskem, mas também para os terceirizados que prestam serviço para a empresa. “Aqui, cada um ganha diferente do outro, mesmo tendo o mesmo trabalho”, denunciou um trabalhador que exerce a função de torneiro mecânico e que também preferiu não se identificar. Ele acrescenta: “Além disso, ainda somos obrigados a fazer hora extra. Se não fizer, corre o risco de ser mandado embora”.

Outra denúncia realizada pelos trabalhadores é o excesso de trabalho que as empresas têm cobrado, conforme relata um trabalhador da CascaDura: “Eles mudam nosso horário, querem cortar as horas extras e custos, fazer a gente trabalhar no sábado e domingo. É o único dia que temos para ficar com a família, é o dia que tenho para ficar com meu filho”.

Apesar da exploração, os trabalhadores da Braskem têm sido firmes em apontar a greve como o caminho para enfrentar seus problemas no local de trabalho. Nos últimos meses, a categoria realizou diversas paralisações no ABC Paulista. Na semana passada, a paralisação contou com mais de 600 pessoas, denunciando o aumento de acidentes no trabalho e lembrando a morte de um trabalhador na explosão de um tanque no ano passado. O operário morto havia acabado de se tornar pai. As mobilizações também denunciam o crime ambiental promovido pela empresa em Alagoas, que deixou mais de 60 mil pessoas desalojadas.

Condições insalubres

O piso salarial não é a única bandeira levantada pelos trabalhadores da Braskem nas recentes paralisações: eles também denunciam a falta de reajustes, os riscos do trabalho insalubre, as restrições às greves e a dificuldade de aposentar.

Enquanto os políticos da burguesia recebem rios de dinheiro dos grandes bilionários para seguir aprovando medidas neoliberais e contrárias aos interesses dos trabalhadores, como denunciou a edição nº 302 do jornal A Verdade, amplos setores do povo vivem sem nenhum reajuste em seus salários desde a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência. “Essa nossa luta pelo reajuste salarial já tem 5 anos, e as coisas aumentaram muito nesse último período. O quilo do contrafilé tá 60 reais, ninguém mais consegue comprar carne vermelha com o salário que a gente ganha de 2 mil reais”, diz um trabalhador da manutenção. E complementa: “Queria ver o patrão viver com o salário que ele paga para gente, só assim ele vai entender o que é passar nosso sufoco”.

A insalubridade do trabalho também torna ainda mais duras as condições na Braskem. “A gente aceita trabalhar aqui porque tem um Vale Alimentação bom e um salário que fica mais aceitável porque pagam a insalubridade. Mesmo assim, estamos vendendo a nossa saúde e quase nada retorna para nós”, aponta um trabalhador das caldeiras. “Até para a gente se aposentar aqui é difícil, você já sai com sequelas do trabalho e ainda tem que contratar um advogado para conseguir dar entrada na aposentadoria, porque se não, não sai”, ele adiciona.

Frente a esse cenário de precarização, os trabalhadores denunciam que a reivindicação de seus direitos se torna mais difícil devido às limitações da legislação sindical, de que as empresas se aproveitam. “Se a gente fizer a greve agora, vamos ter que pagar as horas nas nossas férias de fim de ano”, aponta um funcionário da Manserv. “Para não acumular no banco de horas, a greve precisa passar por um juiz para que ela decida se é legal ou não”, complementa um operário da manutenção.

A despeito das dificuldades, a combatividade dos operários da petroquímica Braskem é um exemplo para os trabalhadores do ABC Paulista e de todo o país. Como vem agitando o Movimento Luta de Classes em suas ações de solidariedade à luta na empresa, as greves continuam sendo a melhor arma dos trabalhadores para conquistar melhores salários, derrubar as terceirizações, revogar a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência, acabar com a escala 6×1 e conquistar uma sociedade socialista.

A dura vida das mulheres operárias em São Paulo

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No estado de São Paulo, mais de 736 mil mulheres são operárias. Apesar da presença expressiva na indústria, elas ainda recebem salários 14,7% menores que os homens e sofrem com maior insegurança em seus empregos

Larissa Mayumi


Em São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, as mulheres são 51% da população de 44 milhões de habitantes, chegando a 23 milhões de pessoas, de acordo com dados da Fundação Seade de 2023. Além disso, São Paulo conta com 3 milhões de operários, a maior concentração do país. Entre eles, 1 a cada 4 é mulher, representando 736 mil operárias, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). A força dessas mulheres foi provada ao longo da história, sendo determinantes em inúmeras greves e protestos que conquistaram direitos para toda a classe trabalhadora.

Nas fábricas, a maior parte do que é produzido vai para o bolso dos ricos, enquanto a classe operária sofre com os baixos salários e o aumento da exploração e miséria. Em média, o salário de operárias é 14,7% menor que o salário dos homens na indústria, também de acordo com a FIESP. Essa situação só se sustenta a partir das ameaça de demissão e assédios constantes impostos pelos patrões contra as mulheres.

A operária da costura Paula atua em um ramo da indústria onde estão a maioria das operárias mulheres e denuncia: “Meu salário não é compatível com o desempenho do meu trabalho. Não só eu, mas todas as costureiras não são bem remuneradas, é quase um trabalho escravo! É um trabalho árduo”. A situação piora ao se considerar que a capital paulista apresenta a cesta básica mais cara do Brasil, com um custo médio de R$ 786, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).

Além da exploração que vivem nas fábricas, com longas jornadas de trabalho mal remuneradas, 11,3 milhões de mães em todo o país têm de cuidar de seus filhos sozinhas e passam seus poucos dias de folga também trabalhando. “Quando não estou no emprego, ainda cuido de casa e fico com meu filho”, afirma Luzia*, também do ramo da indústria têxtil. Ainda acrescenta Paula: “Nas minhas folgas fico dentro de casa, é o que dá.”

Os sindicatos deveriam ser espaços fundamentais para organizar a luta das operárias em defesa de seus direitos. Apesar disso, não é assim que muitos sindicatos tem atuado. “Se a gente quiser lutar por um salário maior e pelos nossos benefícios adquiridos, nós sofremos pressão, porque a maioria fica com medo de reivindicar os direitos e ser mandada embora”, afirma Paula.

Além disso, ainda há muitos desafios para as mulheres em várias categorias. Conforme indica Clara*, metalúrgica e diretora de seu sindicato: “A luta organizada das mulheres trabalhadoras está avançando, mas ainda temos muitos desafios. Mesmo com os avanços, as mulheres ainda ganham menos que os homens, tem menos chances de ocupar cargos de liderança e enfrentam dificuldades para conciliar o trabalho fora de casa com as tarefas domésticas e os cuidados com a saúde”.

Apesar dos desafios, não faltam exemplos de lutas das mulheres operárias na nossa história. A primeira greve geral do Brasil, em 1917, foi desencadeada pelas mulheres de uma fábrica têxtil em São Paulo. Historicamente, as operárias do ABC Paulista também foram vanguarda na construção de mobilizações por creches para suas crianças.

No mundo, a luta das operárias já conquistou uma sociedade onde havia lavanderias coletivas, creches nas fábricas e escritórios, intervalos no trabalho para as mães irem à creche amamentar e uma jornadade trabalho reduzida para 6 horas: a sociedade socialista. Era, principalmente, uma sociedade onde as mulheres operárias, junto aos demais operários, tomavam as decisões sobre a produção e onde ela servia para o bem-estar dos trabalhadores, e não para o lucro de uma minoria. Os exemplos demonstram que só lutando por uma sociedade socialista as mulheres, especialmente as operárias, poderão conquistar seus direitos e sua libertação.

*Nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas

“Ainda Estou Aqui”: filme resgata a história da resistência contra a ditadura militar

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Inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, deputado assassinado pela ditadura militar nos anos 70, “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles retrata a luta da família para garantir de justiça em pleno regime militar.

Helô Francisca e Clóvis Maia | Recife – PE


CULTURA – “Ainda Estou Aqui”, filme do diretor Walter Salles se passa no Rio de Janeiro da década de 1970, no auge da ditadura militar, e através das lentes nos conta a história da família Paiva, sete pessoas que moravam na orla carioca, mas que tiveram suas vidas drasticamente mudadas quando militares, invadem a casa, armados e sem um mandato se quer, e sequestram o pai da família com a justificativa de que ele precisaria prestar um depoimento de rotina.

O pai em questão se tratava de Rubens Paiva, deputado federal por São Paulo, eleito em 1962 e que teria sido cassado pelo Ato Institucional Número 1 em abril de 1964 após o parlamentar ter feito um discurso incisivo na Rádio Nacional denunciando o caráter golpista dos militares. Rubens Paiva  nunca mais foi visto novamente depois daquela noite.

Uma denúncia atual

“Ainda Estou Aqui” foi inspirado no livro de mesmo nome do escritor Marcelo Rubens Paiva lançado em 2015, filho do ex-deputado e engenheiro brasileiro Rubens Paiva e da advogada Eunice Paiva, retratando a luta dessa mãe, que decide voltar aos estudos e se formar em Direito para descobrir o paradeiro do marido e cobrar justiça.

O longa retrata não só a dor da família Paiva, mas também reflete a dor de milhares de famílias brasileiras que tiveram seus entes queridos sequestrados e mortos pelos militares e seus corpos desovados em valas comuns.

Eunice, interpretada brilhantemente em dois momentos da vida da personagem pelas atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, é também uma mostra da força das mulheres que ousaram enfrentar o regime, além de mostrar como os militares eram cruéis, não apenas com os presos políticos, através de tortura e assassinato, mas também com seus familiares, ao perpetuarem sistematicamente a violência psicológica, perseguição, negação e falsificação da lei, da ordem e da justiça, passando desde a promoção de mentiras na imprensa até pelo acesso a um simples pedaço de papel, como um atestado de óbito, coisa que só veio acontecer com Marcelo Rubens Paiva 40 anos depois de ser torturado, assassinado no 1° Exército do RJ e enterrado posteriormente, tendo seus restos mortais desenterrados pelos milicos e jogados ao mar em 1973 numa queima de arquivo.

Infelizmente todos os envolvidos diretamente no sequestro e morte do ex-deputado não foram condenados, muitos se quer foram denunciados, como o Brigadeiro João Paulo Burnier, golpista daquele primeiro de abril de 1964, que comandava a Base Aérea do Galeão no RJ e que também foi acusado pelos assassinatos de Stuart Angel e Anísio Teixeira, ambos em 1971, mas que morreu na reserva, em 2000 aos 80 anos, homenageado pelo exército pelos serviços prestados.

O importante papel da Comissão Nacional da Verdade

O autor do livro Marcelo Rubens Paiva fez questão de agradecer nas redes sociais a ex-presidente Dilma Rousseff pela criação  e a importância da Comissão da Verdade. Segundo ele,  nem o livro nem o filme existiriam sem a atuação da comissão e da presidente:

“Tenha dito! Por conta da Comissão da Verdade, tive elementos para escrever o livro “Ainda Estou Aqui”, e agora temos esse filme deslumbrante. E Dilma pagou um preço alto pelo necessário resgate da memória.”

Criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, a Comissão Nacional da Verdade foi um marco histórico em nosso país, tendo finalizado seus trabalhos com um relatório final contendo 29 recomendações para as autoridades nacionais e apesar de ter sido muito tímida se comparada ao que ocorreu na Argentina, retratada também num filme (“Argentina, 1985” de 2022), o trabalho e a criação da CNV foi fundamental para o país revisitar seu passado recente, inclusive sendo esses um dos motivos principais para o golpe de 2016 sofrido por Dilma Rousseff, tendo no caso Rubens Paiva um dos mais emblemáticos.

Um filme necessário

Dirigido por Walter Salles, que tem em seu currículo obras como Central do Brasil (1998), Abril Despedaçado (2001) e “Diários de Motocicleta” (2004) o filme Ainda Estou Aqui foi anunciado como concorrente ao Óscar em 2025, além de ter sido premiado no Festival de Veneza desse ano pelo melhor roteiro. A extrema-direita, claro, tratou de fazer uma campanha de boicote nas redes sociais, que se reverteu em mais de R$8,6 milhões de bilheteria no Brasil nos 4 primeiros dias e exibição, o que é por si só uma marca histórica no cinema nacional, tão inviabilizado dentro do circuito comercial de cinema no país.

Quando esse artigo foi fechado, mais de meio milhão de brasileiros já tinham ido ver o filme nos cinemas, que contou com momentos marcantes como a reabertura do histórico Cine São Luiz, no Recife, que reabriu suas portas depois de dois anos fechado e contou uma exibição gratuita do filme com a presença do diretor no início de novembro.

Mais do que reforçar a trilha sonora impecável, a boa montagem do Rio de Janeiro dos anos 70, a direção minimalista e delicada do diretor e uma fotografia e edição que garante uma imersão nesse drama realístico de nosso passado recente, o filme Ainda Estou Aqui coloca o dedo na ferida de quem insiste em não querer acertar as contas com o passado, exige a reparação histórica aos indivíduos atingidos pelas duas décadas de uma ditadura sanguinária e violenta e acende também o alerta para o perigo que ronda nossa sociedade por parte daqueles que, pela impunidade, ainda alimentam projetos golpistas como vimos recentemente no 8 de janeiro de 2023 e suas consequências. Por exemplo, o episódio recente do terrorista que se explodiu em Brasília no último 13 de novembro.

Como um lembrete para todos nós, o título do filme ressoa quando saímos do cinema e nos impele para luta: ainda estamos aqui.