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quinta-feira, 28 de agosto de 2025
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O impacto da privatização de estatais no Brasil

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Em editoriais de grandes jornais em circulação, é frequente a discussão sobre a suposta “ineficiência das empresas públicas” e privatização de estatais. Contudo, a eficiência dessas empresas não deve ser avaliada com base em sua habilidade de gerar lucros, mas sim em sua capacidade de promover externalidades positivas, como o desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade social e a defesa da soberania nacional.

João Pedro Souza | Redação PE


BRASIL – A privatização de empresas estatais no Brasil ganhou força com o advento das políticas neoliberais, que começaram a ser implementadas no país na década de 1990, sob a justificativa de modernizar a economia, atrair investimentos estrangeiros e reduzir o papel do Estado. Essa virada ideológica ocorreu no contexto da globalização e da pressão internacional por reformas econômicas, capitaneada por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Governos de diferentes países latino-americanos, inclusive o Brasil, passaram a adotar o receituário neoliberal, que defendia a liberalização do mercado, a desregulamentação e a privatização de setores estratégicos da economia.

No Brasil, esse movimento tomou impulso principalmente durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o Programa Nacional de Desestatização (PND). Empresas estatais de grande relevância, como a Companhia Vale do Rio Doce e a Telebrás, foram vendidas sob a justificativa de que o Estado era ineficiente em sua gestão e que a iniciativa privada seria capaz de dinamizar a economia e modernizar os serviços. O discurso amplamente difundido na época exaltava a eficiência do setor privado e minimizava o papel das empresas públicas no desenvolvimento econômico e social. Além disso, as privatizações foram vistas como uma maneira de aliviar a dívida pública e equilibrar as contas governamentais, promessas que, com o tempo, se revelaram ilusórias.

Entretanto, a lógica neoliberal ignorou as profundas implicações sociais, econômicas e políticas desse processo. O foco estava na maximização do lucro e na abertura da economia ao capital estrangeiro, sem considerar o impacto a longo prazo da alienação de ativos estratégicos do país e a falta de retorno das riquezas para o povo brasileiro.

Eficiência: um mito conveniente

Um dos principais argumentos a favor da privatização é que as empresas privadas são inerentemente mais eficientes do que as empresas estatais. Este conceito baseia-se na ideia de que a competição de mercado obriga as empresas a inovar, reduzir custos e melhorar a qualidade dos serviços, e se, por exemplo, a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil forem privatizados, os serviços serão entregues com maior eficácia à população. Contudo, esta lógica simplista ignora as particularidades do setor público e as características específicas das empresas estatais no país.

Em editoriais de grandes jornais em circulação, é frequente a discussão sobre a suposta “ineficiência das empresas públicas”. Contudo, a eficiência dessas empresas não deve ser avaliada com base em sua habilidade de gerar lucros, mas sim em sua capacidade de promover externalidades positivas, como o desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade social e a defesa da soberania nacional. Quando essas empresas são privatizadas, o foco muda do interesse público para o interesse privado, onde a maximização do lucro torna-se o principal objetivo, frequentemente em prejuízo da população, que acabará arcando com custos elevados nos serviços privatizados, e do país, que entrega suas riquezas nacionais.

A Petrobras, por exemplo, não é apenas uma produtora de petróleo, mas um instrumento de política energética e econômica do Brasil. A Petrobras também exerce uma função vital no controle dos preços dos combustíveis, que têm impacto direto na inflação e na economia doméstica. Atualmente, a empresa tem 47,51% de investidores estrangeiros, portadores de ações negociadas na Bolsa de Nova York. No Brasil, 14,96% são investidores brasileiros, enquanto que apenas 36,61% correspondem ao governo federal. Sob controle e lobby dos acionistas, o foco da empresa está na maximização dos lucros, resultando em aumentos substanciais nos preços de combustíveis, gás de cozinha e outros derivados de petróleo, afetando diretamente as camadas mais vulneráveis da população e a soberania nacional.

Desigualdade social e privatização

A privatização tem sido um vetor de ampliação das desigualdades sociais no Brasil. Com o avanço das políticas de privatização das empresas estatais nos últimos anos, o acesso a serviços essenciais tem se tornado cada vez mais restrito e mais caro. Assim, regiões mais pobres e menos “lucrativas” são frequentemente negligenciadas ou abandonadas, aprofundando o debate sobre as desigualdades regionais e sociais, pois os recursos não estão sendo direcionados para o melhoramento das condições de vida do povo.

Um exemplo claro disso é o setor bancário. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil têm historicamente desempenhado um papel crucial na promoção do acesso ao crédito e na inclusão financeira de grupos mais vulneráveis socialmente. À medida que avança a privatização destas instituições públicas, o que vemos cada vez mais é uma política de aumento das taxas de juros e de redução drástica do acesso ao crédito para programas sociais a mando das políticas do Banco Central completamente subservientes à lógica do capital financeiro, prejudicando e endividando várias famílias pobres no país.

Privatização e corrupção: a falácia do combate

Muitos defensores da privatização na mídia tradicional e recentemente nas redes sociais, acreditam que a venda de empresas estatais é uma forma eficaz de combater a corrupção. No entanto, trata-se de uma falácia perigosa que ignora a verdade. A corrupção não é um problema exclusivo das empresas estatais, mas sim um problema estrutural do sistema capitalista, fundamentado no princípio da geração de lucro em detrimento do bem-estar social. Além disso, é o regime de escassez e sucateamento de bens e serviços que promove trocas de favores nos gabinetes das grandes corporações e dos governos a serviço dos ricos.

O fato é que a privatização não elimina a corrupção; ela apenas a transfere para outro âmbito, muitas vezes menos transparente e menos sujeito à fiscalização dos órgãos de controle. Além disso, a própria privatização, muitas vezes, é um processo profundamente corrupto devido aos processos de licitação e contratos duvidosos assinados pelos governos e as grandes empresas multinacionais frequentemente marcada por favorecimentos de empresas estrangeiras, lobby do mercado financeiro, subavaliação de ativos e outras práticas corruptas que resultam em enormes perdas para o Estado e para a sociedade.

A ilusão das receitas imediatas

Outro argumento frequentemente utilizado em favor da privatização é a necessidade premente de obter receitas rápidas para o governo, especialmente em períodos de dificuldades financeiras. Contudo, essa perspectiva é centrada exclusivamente no curto prazo e negligencia os impactos a longo prazo. Embora a alienação de ativos públicos possa gerar receitas imediatas, esses ganhos são temporários e não se repetem. Pior: os bens públicos vendidos deixam de contribuir para as receitas futuras do Estado, criando um déficit fiscal que, ao longo do tempo, pode agravar ainda mais os problemas financeiros do país.

É importante destacar que o impacto do déficit fiscal resultante da privatização, por meio da venda de ativos públicos, é significativo, uma vez que as receitas obtidas são frequentemente destinadas ao pagamento de despesas correntes ou à redução imediata da dívida pública, sem promover uma reestruturação sustentável das finanças públicas. Isso pode desencadear um ciclo vicioso no qual o governo se torna cada vez mais dependente da alienação de bens para manter o equilíbrio orçamentário, esgotando gradualmente seu patrimônio e reduzindo sua capacidade de investimento em áreas estratégicas como educação, saúde, assistência social e infraestrutura.

O caminho real

Considerando os desafios estruturais decorrentes da privatização, a medida mais eficaz para promover o desenvolvimento econômico e reduzir as disparidades no Brasil é a reestatização de todas as empresas que foram privatizadas sob orientação dos trabalhadores e trabalhadoras. Ao recuperar o controle estatal sobre essas empresas, o governo poderia planejar suas atividades de acordo com o interesse coletivo, tornando os conselhos das empresas públicas como órgãos deliberativos, construindo coletivamente políticas que priorizem o desenvolvimento social, a inclusão econômica e a soberania nacional.

A estatização não representa um passo atrás, mas sim uma ação necessária para reparar os equívocos cometidos no passado e edificar um futuro mais equitativo e sustentável. Sob gestão estatal, empresas como a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil poderiam atuar de maneira eficiente no impulso do desenvolvimento social e econômico, na mitigação das desigualdades sociais e regionais e na garantia de que os recursos estratégicos do país sejam alocados em prol do bem-estar da população.

Em um cenário global cada vez mais influenciado pela ideologia neoliberal e pelos interesses corporativos transnacionais, manter o controle estatal sobre setores chave é crucial para assegurar que o Brasil possa traçar seu próprio caminho em direção a um futuro socialista, sem se subordinar às imposições do capital internacional.

XI ENEI demonstrou a disposição de luta da juventude indígena

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Realizado em Brasília, o Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI) reuniu jovens de todo o país. Luta por permanência nas universidades, cobranças ao governo e troca de experiências entre gerações do movimento estudantil indígena marcaram o evento.

Matheus Median* | São Paulo (SP)


Entre os dias 16 e 19 de setembro, estudantes de todo o país se reuniram no XI Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas, o ENEI. Realizado em Brasília (DF), sob a fumaça dos incêndios que atingiam o Parque Nacional da capital, o tema da edição deste ano do ENEI foi “Luta e resistência, efetivando a permanência”.

Cobrança às autoridades

No primeiro dia do evento, a chegada das caravanas ao auditório Athos Bulcão já escancarou a importância do vestibular indígena para a inclusão dos povos originários no ensino superior. As delegações de instituições como UNICAMP e UFSCAR, que já implementaram essa modalidade de ingresso, eram maiores que a delegação do Amazonas, estado mais indígena do Brasil mas com universidades muito atrasadas na criação de políticas de acesso diferenciadas para esses povos. Muitos dos próprios estudantes dessas faculdades paulistas eram oriundos do Amazonas.

As mesas e oficinas temáticas do ENEI, que tiveram temas como “Saúde mental e racismo nas universidades” e “Perspectivas de gênero e LGBTQIA+ nos Direitos Humanos”, foram organizadas de forma a se aproximar o máximo possível das cosmovisões indígenas, dispensando o uso do palco do auditório e dispondo o público em rodas.

Estiveram presentes no Encontro representantes notórias do movimento indígena na política institucional, como a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a deputada federal Célia Xakriabá. Apesar de esse ser o momento de maior presença de indígenas no Governo Federal na história, o Estado foi cobrado pelos estudantes, que ressaltaram que não basta criar um ministério e várias secretarias, é preciso que esses órgãos tenham força e orçamento para lidar com as grandes demandas de nossa época. O próprio contexto do evento, com uma altíssima sensação térmica na cidade de Brasília em meio aos incêndios causados pelos latifundiários, deixou claros os desafios do atual cenário.

Em sua participação, a deputada Célia Xakriabá também frisou que “não basta ser indígena” nos espaços de poder, já que no próprio Congresso Nacional onde se travam árduas batalhas com os reacionários e representantes do agronegócio há uma deputada indígena do PL favorável à política genocida do Marco Temporal, que visa legalizar o roubo de terras dos povos originários.

Debates e atividades culturais

Nos dias seguintes, o ENEI contou com mesas sobre educação superior e escolar indígena, saúde indígena e meio ambiente. Em todas, os participantes insistiram que os povos indígenas não buscam “viver de forma arcaica”, mas sim a promoção da interculturalidade entre os saberes dos povos e os da sociedade não-indígena.

Nas políticas de meio ambiente, isso se expressa na demanda por saneamento básico nos territórios. Já na educação, são necessários equipamentos e processos que viabilizem uma educação de qualidade que valoriza os saberes tradicionais e cumpre um papel anticolonial na formação dos jovens. No âmbito da saúde, os profissionais da Saúde Indígena relataram a importância do uso da medicina tradicional e do respeito à espiritualidade dos povos para a eficácia dos tratamentos.

Além das mesas, o Encontro contou com manifestações culturais em todas as noites, apresentando a diversidade artística entre os povos indígenas. Os estudantes presentes no ENEI também participaram de duas audiências no Congresso Nacional, que debateram a criação de uma universidade indígena e o espaço da ciência indígena na academia.

Encontro de gerações de lutadores

Essencial para o ENEI foi a participação de lutadoras populares mais experientes, que dividiram seus saberes com as novas gerações do movimento estudantil indígena, como Rutian Pataxó, mestranda da UFBA que coordenou a fundação do Núcleo de Estudantes Indígenas da universidade ainda durante sua graduação. Em entrevista ao jornal A Verdade, ela conta que foi a primeira indígena a entrar no curso de Economia.

“Nós éramos poucos, então nós éramos muito unidos pelo objetivo de buscar políticas públicas efetivas. Assim, idealizamos a criação do núcleo, que começou com 10 pessoas e peitava muito a universidade para que houvesse ações afirmativas para povos índigenas, nunca se contentando com as negativas que recebia. Nessa época, o racismo era muito mais presente e forte, você se sentia inútil, incapaz, o mais burro da turma”, lembra Rutian, que hoje também é primeira ouvidora-adjunta indígena da Defensora Pública do Estado da Bahia.

Com a luta do Núcleo e de entidades do movimento estudantil, como o DCE e os CAs, foi conquistada a isenção do vestibular para indígenas e quilombolas na UFBA. “Tudo foi feito na base da militância estudantil. Nada veio de graça, como se a universidade já quisesse fazer, tudo ela foi pressionada a fazer”, ela reforça.

Doutoranda em história na UFMA e coordenadora do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEIAM), Izabel Munduruku também deu seu depoimento ao jornal A Verdade: “Nossa presença ainda é muito tímida na universidade. Ela é uma estrutura que ainda não compreende a complexidade cultural, linguística e histórica dos povos indígenas”.

Izabel denuncia a falta de diálogo das universidades do Amazonas com o movimento estudantil indígena, já que essas instituições não apenas não implementaram vestibulares próprios para os povos originários como também ainda não incluíram nos currículos dos cursos de formação de professores a educação indígena. “Nós somos quase 500 mil indígenas só no estado do Amazonas. Isso demonstra que as nossas universidades precisam de currículos e políticas de inserção e permanência diferenciadas”, ela aponta.

A vencedora da mostra científica do ENEI foi Susan Eloy Terena, pós-graduanda em Antropologia na UFMS: “Eu nasci em Campo Grande, mas minha família vem de Miranda, no interior do Mato Grosso do Sul, da Aldeia Cachoeirinha. Minha avó é uma liderança espiritual do povo Terena, uma Koíxomoneti. Eu pesquiso auto-etnografia justamente para discutir na academia essa identidade que me foi negada durante 30 anos”. Susan é diretora da Rede de Saberes, entidade que busca reunir os estudantes indígenas da UFMS e que luta por permanência na universidade.

Luta dos estudantes indígenas é uma luta anticolonial

Desde que o colonialismo pôs suas garras sobre Abya Yala [1], ele sonha com a exterminação dos povos originários, não apenas por meio das políticas genocidas da pólvora e das armas biológicas, mas também pelo extermínio cultural. No ENEI, os estudantes indígenas demonstraram sua disposição de lutar, sem se contentar com migalhas ou políticas assimilacionistas.

Nas universidades e escolas de todos os biomas, vem se acentuando a luta por uma educação que, para ser libertadora, precisa ser anticolonial e dotada de políticas específicas e diferenciadas para os povos originários. A construção de um futuro com floresta em vez de fumaça, com igualdade em vez de racismo e com o povo brasileiro no poder em vez do capitalismo, passa por essa luta.

[1] Abya Yala (“Terra plena”, na língua kuna), é a forma como alguns povos indígenas se referem às Américas.

*Matheus Median é da União da Juventude Rebelião (UJR)

Pelo fim das escolas militares no Amazonas

Nos colégios estaduais amazonenses, faltam professores, merenda e até banheiro. Enquanto isso, para forçar as famílias a enviarem seus filhos para a doutrinação fascista, escolas militares da PM são indevidamente favorecidas com mais recursos e estrutura pelo governo do Amazonas

Redação Amazonas


Vivemos hoje uma tentativa fascista de militarizar as escolas em diversos estados do país. Porém, este movimento já é algo cuja juventude amazonense convive há décadas. As escolas cívico-militares administradas pela Polícia Militar têm como propósito “disciplinar” os jovens a partir da prática de abusos e violências contra alunos e professores, envolvendo ainda esquemas com o dinheiro público.

Esse projeto começou, no Estado do Amazonas, em 1994, com a inauguração do primeiro colégio militar da PM, durante o governo de Gilberto Mestrinho. Conhecidos como CMPM, estes colégios seguem a cartilha da “disciplina”, fazendo os alunos passarem horas no sol escaldante de Manaus antes de entrarem em sala; tratando os jovens como soldados; promovem uma cultura ultracompetitiva entre alunos por melhores notas. Também ameaçam os alunos com revistas, inclusive com o uso cães farejadores, e impedem a organização dos grêmios estudantis, direito garantido por lei e conquistado na luta pelos estudantes após a ditadura militar.

O grande discurso dos defensores desse projeto fascista, junto com a falsa ideia de “disciplina”, é o alto desempenho dessas escolas nos rankings educacionais. Porém, este resultado é justamente porque essas escolas têm o que outras não têm: investimentos maiores do que o das escolas públicas estaduais.

Um exemplo desta realidade é ter professores para todas as matérias, algo básico, mas que não acontece nas outras escolas, onde os alunos são liberados muito mais cedo, pois faltam professores ou mesmo a merenda. Além do mais, os CMPMs possuem quadras reformadas, laboratórios de ciências, projetos de artes, enquanto nas escolas do estado faltam até banheiros decentes.

No cenário nacional, a burguesia vem utilizando o Estado do Amazonas como um laboratório de suas políticas fascistas para aprofundar a exploração da classe trabalhadora de todas as formas possíveis, e este projeto fascista de militarização é mais um exemplo, usando seu aparato ideológico e violento para cooptar os trabalhadores a matricularem seus filhos nessas escolas. Na prática, querem submeter os jovens a uma educação que não questiona a realidade de desemprego, fome e falta de lazer para a juventude, ao mesmo tempo que desmonta a escola pública.

A militância da UJR está presente no Amazonas e vem organizando os estudantes contra a militarização da educação.

Educação é caso de investimento e estrutura, não de polícia!

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

Estudantes da UnB conquistam aumento histórico para auxílios socioeconômicos

Com a pressão da luta estudantil e do DCE, coordenado pelo Movimento Correnteza, políticas de permanência estudantil da UnB passarão de R$500 para R$700 mensais, contemplando 11 mil estudantes pobres

Leo Ribeiro | Brasília (DF)


A luta dos estudantes da Universidade de Brasília (UnB) conquistou um grande aumento dos auxílios socioeconômicos a partir deste mês de outubro. Os auxílios aumentarão de R$ 500 para R$ 700, contemplando 11 mil estudantes. Foi uma vitória histórica para o movimento estudantil da universidade, que organizou a luta pelos aumentos ao longo de todo o ano de 2024.

Hoje, local de estudo e pesquisa para mais de 40 mil estudantes, sendo a maioria oriunda de regiões periféricas do Distrito Federal e seu Entorno, a UnB foi fundada, em 1961, a partir de um projeto de educação integradora e democratizante idealizado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Porém, desde sempre, a precariedade dos serviços públicos e o alto custo de vida de Brasília, mostraram-se obstáculos críticos para o acesso dos filhos da classe trabalhadora a esse ambiente de educação de qualidade.

Apesar da ampliação do acesso à UnB, manter-se nela ainda se expressa um forte desafio. Não bastando ter um dos restaurantes universitários mais caros do país, uma Casa do Estudante negligenciada e de depender de uma frágil estrutura de segurança para quem precisa estudar à noite, o estudante da Universidade de Brasília ainda está sujeito a opressões sistêmicas vindas de toda a comunidade acadêmica.

É sob esse contexto hostil que o movimento estudantil da UnB se organizou, no começo do ano, para demandar melhoras nas políticas de permanência estudantil à Reitoria. Em uma assembleia que reuniu o Diretório Central dos Estudantes (DCE), mais de 40 Centros Acadêmicos (CAs) e dezenas de estudantes independentes e organizados em forças políticas, foram tiradas as primeiras diretivas na construção de uma luta robusta para estruturar a UnB.

Foi com o estouro da greve estudantil de 15 cursos, simultâneas às greves dos professores e dos técnicos-administrativos, e plenárias puxadas pelo DCE, com recorde de participação, nos meses de abril e maio, que a Reitoria passou a dar atenção para as demandas dos estudantes. Tão logo, foram organizadas mesas de negociação onde as entidades estudantis tiveram suas demandas ouvidas, mesmo que encontrando resistência, por parte da Reitoria, que argumentou, a todo momento, a impossibilidade de resolução das principais questões apresentadas por falta de orçamento, mesmo com uma recomposição de R$ 6,6 milhões no mês de maio.

Contudo, a luta não se esvaiu, mantendo-se uma constante comunicação com a administração da universidade, que se somava a um trabalho de base contínuo efetuado pelos DCE, CAs e movimentos. “Passamos o ano organizando a luta pela assistência. O aumento dos auxílios socioeconômicos sempre esteve na ordem do dia em nossas agitações nas assembleias, nas reuniões do CEB (Conselho de Entidades de Base), ao longo das greves e nas mesas de negociação com a reitoria”, revela Bárbara Calista, coordenadora-geral do DCE Honestino Guimarães e do Movimento Correnteza, sobre a construção incessante da pauta da permanência.

Após crescente pressão, a Reitoria, nos últimos meses da atual gestão, reconheceu a necessidade de reajustar os valores dos auxílios. Apesar do avanço histórico e do exemplo da força que a organização coletiva na defesa de direitos e da garantia de condições dignas para o povo, as lideranças estudantis reconhecem que esse é só o primeiro passo.

Calista reitera: “Essa é uma vitória importante para os estudantes da nossa universidade, mas é apenas parcial. Para conquistarmos uma política uma política de assistência estudantil à altura de nossas necessidades, é necessário derrubar a política econômica do arcabouço fiscal, que hoje sufoca o orçamento das universidades públicas”.

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

Movimento Correnteza retoma atuação em importantes DCEs do Nordeste

Em setembro, chapas com a participação do Movimento Correnteza venceram as eleições do DCE da UFPB e do DCE da UFAL. Luta pela redução do preço do Restaurante Universitário (que chega a R$15 na UFPB) e por mais recursos para a assistência estudantil será prioridade das gestões

Thaís Rachel Zacharias*


O mês de setembro foi marcado por vitórias expressivas do Movimento Correnteza e da UJR em importantes eleições dos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A retomada da atuação nessas entidades resgata o histórico de combatividade e compromisso com a luta pelos direitos dos estudantes.

Com uma militância dedicada e aguerrida, o Correnteza trouxe renovado ânimo à organização estudantil nas universidades, defendendo nessas eleições pautas que vão desde a melhoria das condições de ensino e luta por políticas de inclusão e permanência estudantil, passando pela democracia e direito à organização, até o combate ao fascismo, que tem se expressado no movimento estudantil através da perseguição aos estudantes organizados em partido.

No DCE UFAL, a chapa composta pelo Correnteza, Juntos, Força e estudantes independentes foi eleita com 3.877 votos. Algumas das principais pautas da nova gestão estão relacionadas à assistência estudantil e à estrutura, entre elas, a luta por melhores condições do restaurante universitário e acessibilidade nos prédios.

Já a eleição do DCE UFPB se encerrou com a vitória da Chapa 2 – Renova DCE. Com 2.655 votos, representando 60% do total. A Chapa 2 construiu uma importante unidade contra setores que tentaram criminalizar os movimentos organizados e partidos políticos, numa verdadeira campanha anticomunista, que esvaziou os espaços democráticos e desmobilizou as lutas ao longo da última gestão.

Para Ismael Mesquita, recém-eleito coordenador-geral adjunto do campus João Pessoa, “o DCE UFPB voltou para a luta. Nosso principal desafio vai ser a organização da entidade. A gente está saindo de uma gestão da Reitoria interventora, marcada pela perseguição aos movimentos estudantis, e essa nova gestão do DCE marca uma revitalização do movimento estudantil como um todo, que estava muito fragilizado pela perseguição e difamação aos estudantes organizados”. A nova gestão pretende mobilizar os Centros Acadêmicos para a luta pela redução do preço do restaurante universitário, que hoje é um dos mais caros do Brasil (R$ 15).

Em ambos os processos eleitorais, destacam-se a dedicação incansável da militância do Correnteza e da UJR, que atuou de maneira decisiva nos processos. Essas duas vitórias expressam a confiança que os estudantes depositam na combatividade e coerência das pautas defendidas, mostrando que a luta organizada é capaz de transformar a realidade dos estudantes dentro e fora das universidades.

*Thaís Rachel Zacharias é diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE) e militante da União da Juventude Rebelião (UJR)

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

“O MLB salva vidas. Salvou a minha e a dos meus filhos”

Enquanto 8 milhões de famílias não têm casa no país, a luta pela reforma urbana e pelo socialismo segue na ordem do dia. Thais da Rosa, mãe e moradora da Ocupação Sepé Tiaraju em Porto Alegre (RS), avalia que as ocupações do MLB transformam a vida de quem participa dessa luta

Alexandre Ferreira | Redação


Em uma realidade em que 18 milhões de imóveis estão desocupados no Brasil e de 8 milhões de famílias estão sem casa, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) organiza ocupações para garantir o direito à moradia digna para o povo. Para entender melhor o papel transformador que as ocupações fazem na vida de seus moradores, o jornal A Verdade entrevistou Thais da Rosa, moradora da Ocupação Sepé Tiaraju, em Porto Alegre (RS). Ela relata sua vida como mãe, preta e pobre, tendo que enfrentar diversas dificuldades para viver e criar seus filhos, além do papel que teve o MLB na sua formação.

A Verdade – Como era sua vida antes de morar na ocupação?

Thais da Rosa – Eu morava no bairro Humaitá, periferia de Porto Alegre. Pagava muito caro de aluguel, R$ 750. Somando com água, luz e internet, passava de R$ 1.000. O local era muito ruim, bem perto de uma boca de tráfico. Outro problema é quando chovia. Como era chão batido, quando ia circular no dia de chuva, não dava para sair para levar as minhas crianças para a escola. A Polícia estava lá toda hora e sempre tinha tiroteio.

Como é que você conheceu o MLB? 

Eu nunca tinha ouvido falar. Estava na Praça do Sesi, com meus filhos e com duas amigas minhas. E aí a Júlia foi conversar com a gente sobre uma reunião que eles estavam fazendo para o ato do Natal Sem Fome do MLB, em dezembro do ano passado.

Explicou como era o movimento, o que era o MLB. E aí eu me interessei, porque, naquele momento, além da moradia, eu estava precisando também muito daquela cesta básica. Eu trabalho por conta própria, faço doces e salgados para vender, e não tem como sair com duas crianças para vender.

Eu só recebia o Bolsa Família, então pagava o aluguel e, para comer, sobrava cerca de R$ 100. Então, muitas vezes, eu pagava o aluguel e não tinha comida. Se eu trabalhasse, eu comia. Se eu não trabalhasse, não comia.

Eles foram me buscar na praça, aí teve o ato do Natal Sem Fome, mas eu não fui porque eu estava com vergonha de falar que eu não tinha o dinheiro para o ônibus. Porque eu pensei: “Quem é que não vai ter R$ 10?!”. Mas eu não tinha. Não tinha nem R$ 5. Mas, graças a Deus, eu consegui manter o contato com o pessoal do Movimento e participei das reuniões dos núcleos de base do MLB e das atividades que aconteciam aqui na Ocupação Sepé Tiaraju.

Que importância morar na Ocupação teve para você?

A Ocupação do MLB transformou minha vida. Quando fui aprovada como moradora, consegui que sobrasse o dinheiro para a comida. E não tem coisa melhor para uma mãe, sabe?!  Tu ir no mercado e saber que os teus filhos podem comer um iogurte e comer uma fruta. Está muito melhor aqui do que quando eu estava morando de aluguel. Porque aqui eu posso dar uma qualidade de vida para eles. Aqui eu posso chamar de meu.

Eu estava comentando esses dias: é muito louco quando tu olha assim, tu te acorda e fica pensando. Aos 29 anos, tu poder olhar para um lugar e dizer, “é meu”. Ninguém vai ali bater na tua porta e te exigir um aluguel e te dar data para sair.

Inclusive, ter que escutar de proprietários de casas machista, fazendo propostas absurdas. Tipo: “Ah! Tem outras formas de tu pagar o aluguel”, entendeu?!

Aqui na Ocupação eu posso dar uma boa educação. Pois é normal aqui você respeitar o próximo por ele ser negro, homossexual, lésbica, trans ou travesti. Criar seu filho sem aqueles preconceitos que têm lá fora. Eu quero, que eles cresçam num mundo que eles vão achar normal respeitar o próximo.

E como está a educação dos seus filhos?

Logo quando comecei a morar na Ocupação, fui solicitar a vaga na Escola Marechal Floriano Peixoto. Quando descobriram que eu morava numa ocupação, disseram que não tinha vaga. Só consegui quando fui na Secretaria de Educação e disse que não ia sair sem a vaga.

No início, estava tudo bem. Só que tudo mudou quando fui com as minhas guias no pescoço levar o meu filho. As guias são da religião que me identifico, que é Umbanda. Desde o dia que eu fui com as guias, mudaram o comportamento comigo e com meu filho, nem falavam mais comigo.

Outro dia, recebi um bilhete, afirmando que meu filho não estava prestando atenção nas aulas. Falaram que ele estava atrasando a turma, que era muito lento e não acompanhava as atividades.

Meu filho começou a sofrer vários tipos de maus-tratos. Começou a chegar triste e até chorando em casa, dizendo que a professora não gostava dele e, por isso, não queria voltar para a escola. Ele disse que ela falou que ia botar pimenta na boca dele e, quando ela segurava a mão dele para escrever, apertava.

Eu comuniquei isso para a direção da escola. Depois, a diretora mandou mensagem dizendo para levar o Heitor para a escola, porque, se eu não levasse, teria problemas com o Conselho Tutelar. Aí eu levei com o coração na mão.

Ao chegar, a diretora e a Brigada Militar proibiram a minha entrada na escola e afirmaram que o local onde eu morava estava trazendo traumas para o meu filho. Que a dificuldade de aprendizado do Heitor era referente a morar numa ocupação. Eu questionei imediatamente: “Vocês já foram onde eu moro?”.

Como é morar numa ocupação do MLB?

Se eu não estivesse morando na Ocupação, eu teria morrido afogada, perdido tudo ou estaria num abrigo, pois, logo em seguida, veio a enchente.

Se agora o Heitor está indo para o colégio com a barriguinha cheia e se eu não preciso dormir pensando no almoço do outro dia, é graças a estar morando na ocupação. Aqui todo mundo se ajuda. Eu sempre tive apoio. Bem diferente da escola, que, até agora, não me apoiou em nada. E ainda julgaram o lugar onde eu e meu filho moramos. A questão é porque ele é filho de pobre e de preta. Ele veio da vila, mora em ocupação. Mas vamos continuar aqui, porque é o melhor lugar para estar.

Qual importância de se organizar no MLB?

O MLB salva vidas. Salvou a minha e dos meus filhos. Se eu não tivesse vindo para a Ocupação, eu não saberia onde estaria neste momento. Eu já passei por muita coisa, antes de conhecer o Movimento. Eu saí de um relacionamento abusivo de seis anos. Passei muitas coisas junto com essas crianças.

O pai deles é dependente químico e alcoólatra. Muitas vezes, eu me submetia a apanhar, só para aquilo acabar e meus filhos não verem. Mesmo assim, muitas vezes, eles presenciavam.

Um dia, ele chegou bêbado com uma faca de açougue na mão, dizendo que era eu ou ele, batendo a faca na parede e me deu um chute na costela. Eu tenho uma costela fraturada até hoje. Falei que ia levar meu filho para a pracinha e nunca mais voltei. Fui com uma mochila e duas crianças. Eu pensei: “Se eu fico aqui, eu morro”. Porque eu vi a morte na minha frente. Eu tinha muita vergonha de falar sobre isso, só que eu acho importante falar sobre essas coisas.

E eu não admito que chegue uma pessoa, que não sabe da minha luta, que não sabe de tudo que eu já passei para estar com meus filhos juntos, dizer que eu não sou uma boa mãe. Vim falar pra mim que vai tirar o meu filho de mim. Eu não aceito.

Enquanto eu for mãe, enquanto eu for mulher, enquanto eu estiver aqui no MLB, enquanto estiver militando, estiver morando na Ocupação, vou lutar para que outras mães não passem o que eu já passei.

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

Fome: mulheres e crianças são as mais afetadas

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Os dados do IBGE apontam que 64 milhões de brasileiros ainda convivem com a insegurança alimentar em 2024. Só a organização popular será capaz de encontrar uma saída para o problema da fome, que afeta principalmente as mulheres e crianças do país

Catarina Matos e Ingrid Sousa


Dados divulgados pelo IBGE, em abril deste ano, afirmam que 64 milhões de brasileiros passam fome, apontando que as políticas de enfrentamento à insegurança alimentar em nosso país têm sido insuficientes para resolver o problema do povo. Contrário a isso, a Organização das Nações Unidas declarou que há produção de alimentos suficiente para toda a população do mundo. Ou seja, se fosse de interesse do capitalismo, o problema da fome já estaria resolvido.

Em estudo realizado pela consultoria MindMiners, foi constatado que mais de 90% do desperdício alimentar não ocorre nos lares, mas sim na rede de produção dos alimentos. Mais uma confirmação de que as principais responsáveis pela fome são as grandes empresas capitalistas.

Para a dona de casa Célia (71 anos), moradora da periferia de Fortaleza (CE), não há condições de sua família ter uma alimentação saudável: “Não, não dá. É só o básico. Arroz, feijão, uma misturinha. Às vezes, dificilmente, uma verdura… Comprar é muito difícil… Uma verdura, beterraba, cenoura, dificilmente”.

O que dona Célia talvez não saiba é que R$ 1,3 bilhão de frutas e verduras dos supermercados brasileiros vão para o lixo anualmente. Tal absurdo sequer é impedido pelos governos capitalistas, que andam de braços dados com essas empresas, conciliando com os altos preços dos alimentos nas prateleiras dos mercados.

A trabalhadora Roseline (38 anos), moradora da Ocupação Novo Dendê, também em Fortaleza, assim como outras mulheres chefes de família, considera a carne um alimento essencial, mas não consegue comprá-la pelo alto custo, o que torna a alimentação de sua família pouco nutritiva.

“Haverá espetáculo mais lindo do que ter o que comer”

No Brasil, quase 50% das famílias são chefiadas por mulheres. Destas, as mais pobres são pretas e pardas. Tais mulheres estão representadas na obra Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que também viveu a fome junto de seus filhos. Em um trecho, a autora escreve: “Resolvi tomar uma medida e comprar um pão. Que efeito surpreendente faz a comida no nosso organismo! Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos”.

Carolina era catadora de lixo, vivia em busca de seu “pão de cada dia”, assim como milhões de mulheres brasileiras que não têm renda fixa e sustentam suas famílias através de trabalhos informais. Há um grande percentual de mulheres trabalhando informalmente, seja pela necessidade de cuidar de seus filhos, seja pela falta de empregos formais, situação confirmada pela Pnad Contínua, que aponta o desemprego em maior incidência na população feminina e negra.

Aparecida (40 anos), militante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), é diarista e relata que faz o serviço de faxina para complementar sua renda, pois “o auxílio do governo não dá para nada”. Além das faxinas, ela tem uma banquinha na qual vende sopa para garantir o sustento de seus dois filhos. A mulher não tem ajuda do pai das crianças, acumulando várias horas de trabalho dentro e fora de casa diariamente.

Diante dos depoimentos, podemos perceber que são as mulheres as mais atingidas pela fome e pela pobreza em nosso país. Cada uma delas se mobiliza como pode, pois se veem em desespero quando não conseguem prover o alimento aos seus filhos. É desumano um sistema em que uma mulher se sente culpada por não conseguir alimentar os seus, muitas vezes tendo que escolher entre pagar uma conta ou comer. Dona Célia, por exemplo, paga um aluguel de R$ 600 e recebe apenas R$ 500 da aposentadoria. A conta não fecha. Por essa situação, algumas vezes, se alimenta apenas com pão e água cedidos por seus vizinhos.

Não é possível viver num país onde mulheres e crianças precisam catar comida no lixo para se alimentar. Não é possível viver num país no qual essa população não consegue trabalhar e estudar, pois seus corpos não sustentam a desnutrição que passam. Não é possível aceitar que enquanto toneladas de alimentos são jogadas fora, milhões de seres humanos morram sem ter o que comer.

É preciso denunciar quem são os verdadeiros culpados pela miséria do nosso povo, os grandes empresários do ramo alimentício, que lucram bilhões todos os anos em cima da necessidade que é se alimentar. Por isso, é fundamental organizar cada uma dessas mulheres, pois elas sabem o que vivem e têm coragem para desafiar aqueles que lhes impõem uma vida de fome e sofrimento. São as trabalhadoras, as mães, as mulheres da periferia, aquelas que podem encontrar as soluções definitivas para os problemas das suas vidas, através do poder popular e da construção do socialismo.

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

*Catarina Matos e Ingrid Sousa são do Movimento de Mulheres Olga Benário

Mulheres resistem à reintegração de posse de Casa de Referência em Campinas

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Na contramão da importância do trabalho desenvolvido pelo Movimento de Mulheres Olga Benário em Campinas, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a reintegração de posse do imóvel da Ocupação Maria Lúcia Petit Vive. Mulheres prometem resistir à decisão

Mayara Fagundes e Talita Bezerra | Campinas (SP)


Em abril de 2023, nasce, em Campinas (SP), a Ocupação Maria Lúcia Petit Vive!, organizada pelo Movimento de Mulheres Olga Benario para denunciar a realidade do município, onde são quase nulas as políticas de enfretamento à violência contra as mulheres. O imóvel que foi ocupado serve hoje de espaço para acolher mulheres em situação de violência e para organizar mais mulheres para lutar por seus direitos e por uma sociedade justa.

Para a psicóloga Daiana Cansian Vieira, a ocupação “faz atualmente aquilo que o sistema público de saúde, da assistência social e da área jurídica não dá conta de fazer”, e enfatiza que nesse espaço as atendidas têm “acesso à um cuidado humanizado, que respeita o tempo interno de cada mulher”.

Desde 2022, o Movimento Olga Benario realiza visitas aos serviços públicos para entender como acontece o acolhimento às mulheres. Na cidade de Campinas, foi constatada a precarização desses serviços e o descaso com a vida das mulheres pela atual gestão da Prefeitura, de Dário Saadi (Republicanos).

Enquanto isso, a violência contra as mulheres segue aumentando no país. Somente neste ano, o interior do Estado de São Paulo registrou 14 casos de feminicídios, além do número de medidas protetivas concedidas a mulheres ter aumentado 31% no primeiro semestre. A Polícia Civil registrou aumento de 17,2% nas ocorrências de estupro, com a maior parcela das ocorrências envolvendo crianças e adolescentes.

Na contramão dessas lutas, no último dia 16 de setembro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a reintegração de posse do imóvel, que, antes de o Movimento ocupar, estava abandonado e sem cumprir função social.

Com o propósito de expor a força das mulheres organizadas e com consciência de que não há liminar de posse que resista ao poder popular, foi realizada assembleia em defesa da vida das mulheres, que reuniu dezenas de pessoas, entre militantes do Movimento e apoiadores, deliberando a realização de uma jornada de lutas, com calendário de panfletagens, tribunas, banquinhas e cinedebates, além da convocação de um ato na frente da Prefeitura para exigir que o poder público municipal se manifeste no processo e assuma sua devida responsabilidade.

O Movimento de Mulheres Olga Benario defende suas ocupações que sofrem ataques daqueles que deixam diversos imóveis mofando, para servir à especulação imobiliária. Assim, já algumas vitórias já foram conquistadas pelo país, como a sessão do imóvel onde hoje funciona a Casa da Mulher Trabalhadora Carolina Maria de Jesus, em Santo André (SP), e o imóvel da Casa Ieda Santos Delgado, no Distrito Federal.

Em Campinas, as mulheres seguem em luta para que a Prefeitura cumpra com a promessa feita, no início deste ano, de que faria sessão de um imóvel público para a Ocupação continuar sua atuação com mais estrutura e qualidade.

Minhas recordações do Che

Em homenagem a Ernesto Che Guevara, um dos maiores revolucionários de todos os tempos, A Verdade publica um trecho do livro Che em Sierra Maestra, de Merceditas Sánchez Dotres, que lutou ao lado do Comandante na guerrilha que derrubou o ditador Fulgencio Batista, em 1959, e abriu caminho para a construção do socialismo em Cuba. Che foi assassinado em outubro de 1967, na Bolívia, a mando do governo norte-americano. A 2ª edição brasileira deste livro será lançada neste mês pelas Edições Manoel Lisboa, em parceria com a União da Juventude Rebelião (UJR).

Merceditas Sánchez Dotres*


A tropa atribuía ao Che uma série de qualidades que a História se encarregou de confirmar. Para a coletividade guerrilheira, era ponto pacífico que ele era um homem extremamente justo, incapaz de se deixar levar por um determinado estado de ânimo quando tinha de julgar um companheiro. Além disso, todos sabiam que ele podia gostar mais de certos combatentes que de outros, ou mesmo admirar ou apreciar alguns mais que outros. Porém, isso jamais influiria nas decisões que tivesse de tomar em relação aos seus prediletos. Jamais ele lhes concederia nem mais nem menos do que merecessem.

Na Sierra, ninguém falava mal do Che. Todos o amavam. Todos o adoravam. Ninguém se sentia tratado injustamente. Nenhum homem o responsabilizava pelo que lhe acontecia ou pudesse acontecer. Ninguém se atrevia a lhe contar uma mentira. Confiavam nele, no seu valor e na sua sabedoria. Era um guerrilheiro muito sensato.

Na guerrilha, Che sempre foi contra o desperdício. Cuidava de cada objeto pelo valor que tinha, pelo esforço que havia custado trazê-lo até às montanhas da Sierra Maestra, quer se tratassem de armas, medicamentos ou instrumentos de qualquer espécie.

Lembro-me de que, muitas vezes, vi Che estudando, recostado ou sentado num tronco ou deitado na sua rede já muito velha. Gostava de fumar charuto. Às vezes, tomava seu mate e, amiúde, movimentava-se de um lado para outro no seu burro. Comumente o víamos usando o inalador contra asma.

Talvez seja por tudo isso que nós, que tivemos o privilégio de conhecer o Che nas montanhas da Sierra Maestra, sentimo-nos eternamente endividados para com ele, por seu exemplo e seus ensinamentos.

Naquela época, todos já sabíamos que ele estava destinado a batalhar em outras terras, pelo bem da humanidade, que seu destino final não era Cuba, mas sim a América inteira, e que Cuba era apenas a primeira etapa do caminho que ele escolhera.

Por vezes, alguns se põem a pensar, com uma dose de egoísmo maior ou menor, que Che nasceu para nós, cubanos, como se o Guerrilheiro Heroico já não houvesse transcendido todas as fronteiras.

O certo é que quando alguém começa a refletir sobre esse ir e vir do Che de um extremo ao outro da nossa América Latina, tende a imaginar que é como se ele tivesse estado a nos procurar sempre, durante anos. Na realidade, o doutor Ernesto Guevara de la Serna teve de percorrer todos os caminhos, precisou atravessar montanhas, grandes planícies e rios imensos, passando por bosques, aldeias e cidades, até chegar ao México e encontrar-se com Fidel.

Lembro-me de que uma noite, quando já estávamos no acampamento de La Mesa, ouvi o Che falar sobre como era possível construir um mundo melhor para toda a humanidade. Do céu puríssimo da montanha, uma lua cheia magnífica banhava com sua luz prateada os montes e vales da Sierra Maestra, e ali, na casinha onde se editava o jornal El Cubano Libre, Che revelou que o momento mais feliz da sua vida foi quando teve a sorte de conversar uma noite inteira com Fidel.

O Comandante

Sobre o comandante Ernesto Guevara, pode-se dizer que ele era um desses seres excepcionais que abrigam em seu coração todo o respeito do mundo pela dignidade humana. Che sentia um respeito absoluto pela dignidade do homem. Suas palavras sempre pareciam a todos muito claras, cristalinas. Che não costumava deixar questões pendentes com ninguém. Na amizade, sobretudo quando se tratava de novas amizades, ele avançava muito devagar, passo a passo. Talvez tenha sido essa sua peculiaridade que definiu a relação tão especial que ele sempre manteve com todos os combatentes da sua tropa: relação de chefe para com subordinado, relação que nunca foi rompida, nem por ele, nem por nenhum de seus homens. Em consequência disso, na tropa rebelde todos o estimavam, o adoravam e o respeitavam. Como todo grande homem que está envolvido numa guerra, a qualidade que o comandante Che Guevara mais apreciava nos combatentes era a lealdade.

Essa mesma fidelidade revolucionária, Che devotava ao comandante Fidel Castro. E esse seu sentimento crescia cada vez mais ao verificar que, graças às suas qualidades excepcionais, Fidel havia sido capaz de sublevar em luta armada todo o seu povo contra a tirania de Batista e de guiá-lo à vitória, não obstante os poderosos inimigos que então acorrentavam os destinos da nação cubana.

Em virtude da própria guerra, Che, às vezes, dava a impressão de ser um homem de temperamento rude. Entretanto, quando era obrigado a agir com dureza em circunstâncias espinhosas, ninguém sofria mais que ele próprio.

Che, paladino da ética e da moral, paladino da austeridade e do tratamento justo e de uma equidade a toda prova, sempre viveu tal como pensava. Tais quais eram seus desejos e suas ideias. E, como nada do que acontecia à sua volta lhe era alheio, interessava-se por tudo. Não só pela guerra revolucionária, como meio para o povo atingir o poder, mas também pela economia e pela política. Era capaz de dedicar sua atenção e seu talento à literatura, ao cinema, à poesia, ao xadrez, ao jornalismo, à matemática, aos idiomas, à pintura e até à música.

Suas preferências poéticas eram muito variadas, porém apreciava sobremaneira a obra de Nicolás Guillén. Costumava repetir de cor muitos dos poemas de Guillén. Ele, que nunca pedia nada a ninguém, não resistia à tentação de ter nas suas mãos, folhear e ler um livro de poesias. Ele tinha a bela qualidade de cumprir tudo o que prometia. Gostava de repartir tudo por igual entre todos, um costume que estava tão arraigado em nós, cubanos, no sentido histórico mais profundo, no âmago da cultura cubana.

Em outra ocasião memorável, em La Pata de la Mesa, onde se achava o seu Comando, ouvi-o dizer que nós, cubanos, havíamos sido a sua escola, seus chefes e seus subordinados. E, como era lógico, como sempre ocorreu no seio do nosso povo, Cuba acolheu-o como um de seus filhos mais amados e mais queridos.

A despedida

Depois do triunfo da Revolução, tornei a encontrar-me com o Che em várias ocasiões.

Logo tive notícia de que os soviéticos haviam fundado uma Universidade Internacional e de que um grupo de cubanos ia estudar lá. Apresentei-me à Seção Juvenil do Partido e, atendendo o meu pedido, o jovem Oscar Padilla inscreveu-me no grupo de bolsistas.

Cumpri todos os trâmites burocráticos para a viagem e, antes da partida, fui despedir-me do Che, com a intenção de pedir-lhe alguns dólares para as despesas de viagem.

Cheguei ao saguão do Banco Nacional acompanhada de nove bolsistas, dirigi-me a um dos seguranças e perguntei-lhe:

— O Che está?

Respondeu-me que sim. Sem mais formalidades, e para espanto do segurança, caminhei desembaraçadamente até a porta do seu escritório, abrindo-a. Vi o Che ali, sentado atrás de sua escrivaninha. Exclamei:

— Che!

E ele respondeu:

— O que você quer?

— Venho lhe dizer que ganhei uma bolsa de estudos. Vou para a União Soviética e quero um pouco de dinheiro.

Ele ficou ali, contemplando-me com aquele seu olhar tão inteligente. Depois de uma pausa, eu disse:

— Che, na realidade eu quero apenas trocar meus pesos por dólares.

Ele continuou me olhando, e eu acrescentei:

— Porém, somos dez. Eles vieram comigo. Estão aí fora.

Então, Che mandou que trocassem trinta pesos para cada um de nós. Enquanto se processava a operação de câmbio, ele saiu do seu escritório.

Havia muitas pessoas perto da porta, e todos se acotovelavam para vê-lo, porém ele, imperturbável, entrou no seu elevador. Momentos depois, para surpresa minha, o elevador voltou, a porta abriu-se e o Che reapareceu. Então, ele me disse bem baixinho, bem devagar, meu codinome na guerrilha:

— Carmen!

E acenou com a mão, despedindo-se de mim. Essa é a última recordação que guardo do Comandante.

Matéria publicada na edição impressa nº 300 do jornal A Verdade

*Leia mais sobre a vida da historiadora e guerrilheira cubana Merceditas Sánchez Dotres

“A luta antifascista e anti-imperialista deve ser o eixo da ação política unitária em toda a América Latina”

O jornal A Verdade entrevistou Pedro Rosas, dirigente da Unidade Popular Revolucionária Anti-imperialista (Upra), da Venezuela. Conversamos acerca do atual cenário político venezuelano e os desafios para o avanço da classe trabalhadora daquele país e da América Latina.

Renato Campos | Redação


A Verdade – Qual a Opinião da UPRA sobre o processo eleitoral na Venezuela?

Pedro Rosas – Para nós, da Upra, a Venezuela está vivendo um momento eleitoral decisivo. Nossa análise é que se abre um novo período revolucionário, por várias razões.  Primeiro, porque a agudização das contradições chegou a níveis tão altos, que a burguesia tradicional, agente do imperialismo, colocou muitos recursos para acabar com o processo e recebeu uma derrota estratégica. Foi uma derrota indiscutível, que ainda tentam reverter. Ainda que, pela atuação dos fascistas nas redes digitais, passou-se uma ideia de vitória, influenciando internacionalmente e internamente. A oposição de extrema-direita, devido ao processo de fascistização que vive o mundo, ganhou novos apoiadores midiáticos, porém estes não votam nas eleições aqui. É aí que o plano deles falha.

Segundo, é que se desnudou a ingerência do imperialismo nos assuntos internos da Venezuela. Deixou claro o bloqueio dos Estados Unidos e da União Europeia. Evidenciou também a expansão das concepções fascistas em um setor da população. Isto ocorreu graças às respostas das organizações revolucionárias em nível nacional e internacional, que não se deixaram manipular. Estamos fazendo esse enfrentamento através da Upra há muito tempo. A partir da ofensiva fascista, vários setores, movimentos populares e partidos políticos estão também nessa luta. O próprio governo nacional convocou um congresso internacional a fim de debater a questão.

Depois das eleições, alguns governos progressistas ficaram a nu e mostraram sua essência socialdemocrata, lacaia, servil e de braço do imperialismo, o que certamente isola ainda mais o governo venezuelano. Por outro lado, cria um novo limite para definir as táticas políticas das organizações e governos revolucionários em nível regional.

Isso tem levado as organizações revolucionárias e a militância de esquerda a definir uma posição: apoio à interferência histórica da Doutrina Monroe ou às opções para romper com essa política, independentemente das críticas e exigências que possamos fazer aos governos, aos seus programas e às suas ações.

Por último, pensamos que o outro significado do novo período é a ampliação da luta antifascista e anti-imperialista como eixo da ação política unitária em toda a região e a possibilidade de iniciar uma nova onda de combate pelo socialismo, como contrapartida necessária ao fascismo.

Houve uma época em que a luta revolucionária tinha como eixo enfrentar as ditaduras repressivas e lutar por “democracia”. Hoje, a luta, mais do que para participar em eleições ou na democracia formal, centra-se em derrotar o processo de fascistização que avança em todo o mundo e na nossa região. É preciso travar a interferência do bloco imperialista dos Estados Unidos e União Europeia.

Se isto não for compreendido, pode acontecer que algumas organizações “revolucionárias” acabem como defensoras da “democracia em geral” nas fileiras dos agentes do imperialismo ianque, como acaba de acontecer na Venezuela com alguns supostos “comunistas”, que não conseguem compreender as mudanças na situação internacional e que a formalidade da democracia burguesa foi substituída por outras formas mais próximas das bases populares.

Qual a avaliação da Upra sobre o governo de Nicolás Maduro e a luta popular na Venezuela?

O governo de Nicolás Maduro tem uma conformação heterogênea, com grande influência da pequena burguesia, especialmente expressa na abordagem de uma tendência que reivindica uma suposta “burguesia revolucionária”, tendência esta que ficou de fora do gabinete de governo nas últimas mudanças, uma decisão que aplaudimos. A incorporação de civis e militares provenientes de posições populares e avançadas confere a este gabinete um certo olhar para a esquerda, possivelmente devido a necessidades pós-eleitorais e mudanças na correlação de forças.

Devido a essa composição heterogênea, há idas e vindas na gestão política. Nós mantemos a política de apoio crítico e com exigências. Nossa visão é de empurrar para posições à esquerda mais avançadas com políticas de origem popular e revolucionária.

Como se comportaram as elites econômicas do país em relação ao processo eleitoral e ao imperialismo?

A democracia burguesa e suas instituições foram postas em dúvida por parte da própria burguesia tradicional ao acusar de fraude o Conselho Nacional Eleitoral. Fato que quebrou o paradigma estabelecido a partir de 1958, quando a direita tomou uma posição democrática e respeitou as instituições. Agora, inaugura uma posição de desconhecer as instituições, propagandeando aos seus seguidores que elas são inúteis, não servem para nada, abrindo a porta para uma tendencia autoritária. Antes, todos acreditavam que o sistema eleitoral era legítimo. Agora querem fazer crer que ele não funciona e que é possivel fraudá-lo, dando um passo mais longe que Juan Guaidó, que se baseou nos resultados eleitorais de 2015 para iniciar sua ruptura.

A direita fascista rompe todos os limites dos processo eleitorais internos e vai atrás de apoiadores externos para justificar sua posição. Isto faz com que, dentro de nosso país, fique clara a posição pró-imperialismo ianqui da direita. Todas as instituições do Estado respaldam a decisão do CNE, inclusive, a maioria dos partidos políticos. A extrema-direita ficou sozinha com o apoio ianqui.

Os seguidores de Maria Corina Machado agora são identificados mais claramente como traidores do interessa nacional, contrários à soberania e agentes diretos dos gringos. Agora, na Venezuela, se debate se a essência da democracia é acatar o que diz o Departamento de Estado dos EUA ou as decisões que favorecem as maiorias populares.

Ficando também o questionamento do modelo de democracia burguesa que impõe o modo de vida estadunidense e abrindo às massas populares a possibilidade real de consolidar um esquema democrático diferente, mais avançado e de base popular-comunal.

As elites econômicas estão totalmente contra o governo. Porém, sabemos que a dinâmica do capital consiste em fazer negócios e obter a maior taxa de lucro. Assim, curvam-se perante quem fizer a oferta mais elevada. Para o governo, a aliança com esta burguesia é uma opção para tentar ativar o aparato industrial, já que alguns têm dúvidas sobre as capacidades do movimento popular. No entanto, é claro que a burguesia conspira e trabalha nas sombras para derrubar o processo.

Como estão funcionando as Comunas na Venezuela e quais são seus principais desafios?

As comunas estão num interessante processo de reanimação, com o desenvolvimento e execução de projetos locais. Há agora um ministro das Comunas de origem popular, comunitário, camponês, que vem do povo e está dando um novo impulso à visão das comunas como instrumento de resistência e avanço.

A gestão das Comunas com um ministro de origem popular abriu expectativas importantes para o movimento popular revolucionário. Esperamos que não se deixe levar pela burocracia ou pelas máfias e continue na sua aliança com as massas populares. Da mesma forma, é interessante a nomeação de pessoas com estudos sobre a guerra popular e a agricultura de guerra, bem como outras pessoas da tradição de esquerda que agora estão no governo.

Para enfrentar o novo período de ofensiva imperialista, o povo deve ter instrumentos que organizem e mobilizem as massas populares para a resistência e a luta contra a agressão imperialista. Aí se expandem as possibilidades do movimento popular revolucionário.

A classe trabalhadora, bem como os camponeses e companheiros das Comunas, são atingidos economicamente, mas com um espírito de luta bastante elevado e com uma experiência acumulada na luta contra a extrema direita. Isto ocorre pela tomada de empresas, pelo controle e gestão dos trabalhadores. Alguns casos foram bem-sucedidos; outros, falharam, ameaçados por máfias, corruptos e oportunistas. Mas ficou um grande o acúmulo em saber que não se trata apenas do salário e da luta econômica. Podemos assumir o controle das empresas e da agricultura para colocá-las a serviço do povo.

É uma experiência de resistência e de luta que ainda não valorizamos na sua devida medida e não vimos o que significa na elevação da consciência de classe, porque o modelo tradicional burguês de administração de empresas, com os seus indicadores monetários, continua a encobrir o social. Estes indicadores sociais da gestão operária são escondidos. Assim, são ocultadas as conquistas que a classe trabalhadora, os camponeses e os membros da comunidade alcançam na luta material e moral contra o imperialismo.  Enxergamos isso para além da ação do governo, o que tem possibilitado experiências populares de grande riqueza teórica e prática na construção de um modelo de gestão popular, baseado nas experiências concretas do povo.

Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade

Apagões de energia são consequência da privatização

Péssimo serviço da Enel deixa milhões sem luz em São Paulo. Em entrevista ao jornal A Verdade, economista Paulo Kliass indica que reestatização, fim do Arcabouço Fiscal e investimento massivo em infraestrutura podem ser caminho para enfrentar descaso da empresa privatizada

Guilherme Arruda | São Paulo (SP)


Nos últimos meses, a população de São Paulo sofreu com uma série de apagões causados pelo descaso da Enel, empresa privatizada que fornece serviços de energia elétrica. Em novembro de 2023, cerca de 4 milhões de pessoas da capital paulista ficaram sem luz. Desde o início de março, regiões do Centro voltaram a sofrer com apagões, chegando a ficar cinco dias sem luz. No extremo sul da cidade, a luz ainda não foi totalmente reestabelecida em alguns bairros, que continuam no escuro.

“Aqui no Jardim Varginha e no Jardim São Bernardo, estamos enfrentando diariamente queda de energia entre as 18h e 20h. No bairro aqui do lado, no Itajaí, chegou a ficar das 17h às 06h do dia seguinte. Já perdemos eletrodomésticos e a Enel não se responsabilizada por nada. O canal de atendimento é péssimo e só dão previsões que não são cumpridas. Isso aconteceu o mês de dezembro inteiro e parte de fevereiro. Nas mídias, só estão noticiando a situação do Centro. O Estado nunca olha para o que os extremos passam”, relata Victor Brito, morador do extremo sul paulistano.

Para entender mais sobre a causa dos apagões e a relação da falta de luz com a privatização da distribuição de eletricidade na maior cidade do país, conversamos com Paulo Kliass, doutor em Economia e membro da Carreira de Especialista em Políticas Públicas do serviço público federal. Ele defende a reestatização da Enel para enfrentar o desrespeito da empresa com a população.

Luz deve ser bem público

No Brasil, o fornecimento de energia elétrica começou com a chegada de empresas de países imperialistas com interesses econômicos em nosso país, como a canadense Light, presente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Kliass lembra que o povo brasileiro sempre lutou pelo caráter público dos serviços de energia.

“Às vésperas do golpe de 1964, as forças conservadoras articulavam-se contra os progressistas também devido à estatização da Companhia de Energia Elétrica (CEE), filial da multinacional norte-americana Bond & Share, pelo governador gaúcho Leonel Brizola, que gerou um debate nacional”, ele explica. Por conta da ação, o jornal norte-americano Washington Post afirmou que Brizola era um “candidato a Fidel Castro” que transformaria o Brasil em uma nova Cuba.

Nessa mesma época, o presidente João Goulart criou a Eletrobrás, uma empresa estatal que coordenaria as empresas locais de distribuição de energia. A partir daí, o fornecimento de energia funcionou num sistema público e estatal, com o Governo Federal controlando as empresas estaduais, contando, às vezes, com a participação dos governos locais na gestão dessas empresas. Nessa época, houve uma grande expansão do número de pessoas que recebiam luz em suas casas.

Porém, na década de 1990, aconteceu a transferência do patrimônio e das ações de empresas públicas de vários setores, como o da energia, para mãos privadas. Isso começou com o presidente Fernando Collor e continuou com o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em São Paulo, a Eletropaulo, empresa pública que prestou esse serviço por décadas, foi privatizada em 2001. Depois, em 2018, foi vendida para a Enel, empresa de origem italiana que é um congolomerado de acionistas do mercado financeiro. Desde então, as denúncias de queda de energia que duram vários dias e da dificuldade de receber assistência técnica se multiplicam. Além disso, ano após ano, a Enel impõe aumentos na conta de luz que pesam cada vez mais no bolso das famílias trabalhadoras.

Durante o governo fascista de Bolsonaro, a situação piorou. “Quando Paulo Guedes assumiu como superministro da Economia, no início do governo, e mesmo na época de campanha, ele tinha uma promessa: privatizar 100% das empresas estatais no Brasil”, relembra Kliass. Uma das empresas privatizadas durante seu governo foi a Eletrobrás.

“Na hora que se privatiza, muda o espírito do empreendimento. O capital privado não está preocupado com o atendimento à população. Ele só está pensando na rentabilidade, e isso significa reduzir despesas e aumentar receitas”, afirma o economista. Em outras palavras, encarecer a conta e piorar a qualidade do serviço, como tem acontecido em São Paulo.

“Os únicos beneficiados pela privatização foram as empresas, os grupos econômico-financeiros que participaram desse processo e adquiriram patrimônio público estratégico e rentável a preços baixos. Os grandes prejudicados foram as famílias, que viram uma queda na qualidade do serviço e um aumento desproporcional das tarifas”, denuncia.

Agências não regulam

Quando as privatizações foram feitas nos anos 1990, o governo criou a Aneel, uma agência que deveria fiscalizar e regular as empresas que assumiram os serviços de energia. Porém, o que se viu desde então foi a “captura” da agência reguladora pelos interesses privados. “As empresas reguladas estabeleceram uma estratégia de influenciar a cabeça dos dirigentes dessa agência”, explica Kliass.

Em casos de apagão, a Aneel poderia impor multas pesadas e outras penalidades sobre a empresa privatizada, inclusive cassar o direito da empresa de continuar operando, mas há uma complacência das direções, que não fazem valer o poder que a lei lhes oferece.

Hoje, quando os contratos estão acabando, em vez de os governos ameaçarem a retirada da concessão caso as empresas não melhorem os serviços, “sempre ocorre um arranjo político, comercial e econômico para dar continuidade ao processo de concessão”, denuncia.

Solução é reestatizar a Enel

Ao jornal A Verdade, Kliass explica que dois caminhos são possíveis para retirar o serviço público de energia das mãos privadas, no caso da Enel, em São Paulo: a intervenção e a reestatização.

Na intervenção, o governo nomeia novos diretores para a empresa. “O governo pode dizer ‘vocês não são mais responsáveis porque vocês não foram competentes o suficiente para tocar o serviço de energia de acordo com o esperado’ e, por um período, nomear outras pessoas para serem uma diretoria sob intervenção”.

“Essa nova diretoria pode tomar medidas preventivas para melhorar a qualidade do serviço e anunciar que vai ficar um tempo sem remunerar o acionista capitalista, porque a prioridade é a oferta de serviço público para a população”. E continua: “Se o governo tivesse feito isso nas primeiras situações em que essa crise energética se concretizou, provavelmente a gente já teria outro realidade”.

Já na estatização, a empresa que presta o serviço de energia sairia de vez da mão dos empresários estrangeiros e voltaria a ser pública. “Se a empresa fosse estatizada, muito provavelmente teríamos as condições de recuperar o processo histórico de expansão da rede de geração e transmissão de eletricidade que existia quando o serviço era bem feito, nas mãos do Estado”, opina Paulo Kliass. Isso aconteceria porque os recursos gerados, que hoje são apropriados na forma de lucro pelos acionistas, seriam reinvestidos.

Nesse sentido, intervir ou estatizar seriam um primeiro passo para devolver a energia para as mãos do povo, mas não o suficiente, lembra o economista. Kliass afirma que são necessários novos investimentos. “A realidade do complexo de energia elétrica no Brasil é que ele exige muito investimento, e a tradição brasileira é que esse tipo de investimento em infraestrutura seja pesadamente capitaneado pelo Estado. Mas, para recuperar esse investimento público, precisamos mudar o Arcabouço Fiscal, mudar essa mentalidade de Déficit Zero”, aponta.

São vários os países que estão realizando reestatizações para resolver o problema da precarização dos serviços públicos, como apontamos na matéria É possível reestatizar as empresas brasileiras privatizadas” (A Verdade, nº 267). “É o caso da água na França, na Espanha e na Itália, porque o serviço do setor privado não estava correspondendo àquilo que se esperava”, diz Kliass.

Sabesp e transportes em risco

Apesar do escancaramento da crise da Enel em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) desenvolve uma investida para privatizar também a Sabesp, empresa pública que fornece serviços de água e esgoto, e o Metrô e a CPTM, na área dos transportes.

Mas o povo paulista já demonstrou que está insatisfeito com o serviço privatizado de energia e que não quer mais privatizações em nenhum serviço público. Nos últimos meses, os movimentos sociais e a Unidade Popular (UP) se engajaram na luta contra as intenções privatistas de Tarcísio. Agora, com a volta dos apagões, a UP lança a palavra de ordem “Enel reestatizada já!” e convoca os trabalhadores a participarem desta campanha.

Matéria originalmente publicada na edição impressa nº 289 do jornal A Verdade, na 1ª quinzena de abril de 2024