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quinta-feira, 17 de abril de 2025
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Haiti – Primeira República Independente da América Latina

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Janeiro é um mês de duas comemorações para o povo haitiano. Uma de alegria, outra de tristeza. No dia primeiro de janeiro de 1804, foi proclamada a Independência do Haiti.  No dia 12 de janeiro de 2010, um fatídico terremoto deixou sob escombros essa nação.

Haiti, o país mais pobre das Américas, do tamanho do Estado de Alagoas, tem 10 milhões de habitantes. 80% da população vivem abaixo da linha da pobreza, mais de metade é indigente.  “Não admito que o Haiti seja o país mais pobre do Continente. Ele é o mais empobrecido, mas ainda guarda muitas riquezas naturais, as praias, os lugares históricos, a coragem e determinação de um povo, sua alegria”, afirma o estudante hatiano Dudley Mocombe.

É verdade. O Haiti já foi chamado de “Pérola do Caribe”, por suas riquezas naturais, por sua beleza, pela produção de café e cana-de-açúcar, que tanto contribuiu para o enriquecimento da França, país que sucedeu a Espanha no domínio da ilha.

Tudo que acontece hoje não é conseqüência apenas de um terremoto, por mais intenso que tenha sido. É resultado de intervenções, massacres e ocupações que sempre tentaram calar a primeira República Negra do mundo. Os haitianos pagam até hoje por sua ousadia.

A ilha Hispaniola foi onde o invasor pôs os pés primeiro na campanha genocida que desenvolveu por toda a América Latina. Cristóvão Colombo chegou em 1492. Depois, o território foi dividido em República Dominicana (parte leste) e Haiti (parte Oeste). Haiti significa montanha. Em menos de meio século, 300 mil indígenas haviam sido dizimados na guerra de resistência ou no trabalho escravo das minas de ouro. Como no resto do Continente, os dominadores escravizaram trabalhadores em solo africano. Esgotada a mineração, os espanhóis se deslocam para outros países da nossa América, e os franceses vão ocupando seu lugar. Em 1697, a Espanha aceita a soberania francesa sobre o território do Haiti.

A França prioriza a produção de cana-de-açúcar, produto mais importante da época. O Haiti tornou-se a colônia mais rica e mais importante da França.  Quando a Revolução burguesa triunfou na França (1789), havia em solo haitiano 500 mil escravos negros trabalhando de sol a sol, 32 mil brancos e 24 mil mestiços, além de um número insignificante de negros livres por terem conseguido comprar a carta de alforria.

O espártaco negro

A palavra de ordem de Liberdade, Igualdade e Fraternidade ecoou no território do Haiti. O mulato Vicente Ogé  liderou a primeira revolta, mas logo foi preso e supliciado. A massa continuou em rebelião, abandonando os engenhos, e a liderança do movimento libertador foi assumida por Toussaint Louverture, um gênio militar capaz de derrotar o poderoso exército francês.

Em 1794, o governo da França proclama a abolição da escravidão em suas colônias. O povo haitiano continuou a lutar pela independência e Louverture tornou-se praticamente unanimidade nacional. Ele prepara um projeto de declaração da independência e aprovação de uma Constituição que definia o Haiti como Estado soberano, com regime republicano e associado à França revolucionária.

A Revolução francesa sofre, entretanto, uma guinada. Em 10 anos (1789/1799), os jacobinos haviam cumprido sua missão revolucionária. Mediante a violência, eles eliminaram qualquer resquício de dominação feudal, com o povo proclamando ao seu lado “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.  Agora, chega! Quem vai desfrutar desses três princípios é apenas a burguesia. A missão cabe ao general Napoleão Bonaparte, que já comprovara na luta sua capacidade de levá-la a cabo.  É Marx quem ensina em Dezoito Brumário“…Napoleão estabeleceu por toda a França as condições que tornaram possível o desenvolvimento da livre concorrência, a exploração das terras depois da divisão das grandes propriedades, e a plena utilização da capacidade de produção industrial do país…”  

Napoleão não queria saber de independência das colônias.  Mandou um dos seus mais importantes generais, Leclerc, comandar uma expedição para retomar o domínio do Haiti. Sem êxito no terreno da guerra, o grande mito baixa o nível. Sequestra dois filhos de Toussaint que se encontram na França.  Desesperado, o espártaco negro cedeu à chantagem e foi a Paris se entregar em troca da libertação dos jovens. Em vão. Foi preso e enviado para uma masmorra  nas montanhas frias, sem roupa adequada, falecendo em pouco tempo. Seus filhos também foram mortos.

Em vão também para Napoleão, pois a guerra de libertação seguiu firme sob o comando do negro Jean-Jacques Dessaline, ex-escravo e analfabeto. A vitória não tardou. Nenhum historiador burguês registra que um exército de negros, pobres, mal-armados, derrotou o todo-poderoso exército de Napoleão Bonaparte. No mesmo ano em que o general francês era proclamado imperador,o general negro  Dessaline proclama a independência do Haiti.

Derrotada no campo militar, a burguesia prepara a reação no campo econômico. Nenhum país reconhece a independência do Haiti. A França articula um bloqueio mundial à ilha caribenha, ao qual adere até o seu arqui-inimigo, a Inglaterra.

Governo brasileiro ajuda França a subjugar o Haiti

Como isolar o Haiti e substituir o próspero comércio de açúcar haitiano?  Abrindo os portos brasileiros, eis a resposta. Daí, Napoleão invade Portugal com apoio da Espanha e da Inglaterra. Esta manda a família real se deslocar para o Brasil com o objetivo de controlar a massa escrava, para que não siga o exemplo haitiano, e determina que abra os portos para o comércio internacional, pondo termo ao monopólio português em 1808.  O açúcar brasileiro permitiu à França matar a revolução haitiana sem dar mais um tiro sequer.

Completamente isolado, o governo de Dessaline não conseguiu construir um novo modelo econômico soberano e autossuficiente.  Economia sufocada, povo insatisfeito, liderança questionada, conflitos entre os próprios negros e entre estes e os brancos e mestiços que compunham a incipiente burguesia e classe média do país.  O caos se instala, com sucessivas deposições de governos. Em 1838, o Haiti se submete à nova chantagem francesa: reconhecer a independência em troca de uma indenização de 90 milhões de francos.  Tal reconhecimento de nada adiantou; melhor dizendo, agravou a situação, pois um país empobrecido assumindo uma dívida externa desse tamanho, aprofundou sua dependência e subordinação.

A instabilidade se sucede. Os Estados Unidos invadiram e controlaram diretamente o país de 1915 a 1934.  Quando saíram, deixaram uma elite política e militar preparada para servir aos seus interesses. A exemplo da ditadura de François Duvalier, o Papa Doc (1964-1971) e seu filho Jean Claude Duvalier (1971-1986).  Repressão a qualquer manifestação oposicionista e desvio de dinheiro público foram características do governo dos Duvalier, que se utilizavam para aterrorizar o povo, de uma milícia secreta, os touton-macoutes (bichos-papões). Uma rebelião popular derruba o último Duvalier, que se exila na França.

Até 1990, sucedem-se governos depostos por golpes de Estado.  Até que em 1987, uma nova Constituição preconiza eleições livres e é escolhido para a Presidência o padre Jean-Bertrand Aristide, adepto da Teologia da Libertação.

Um raio de esperança brilha sobre o Haiti, mas é apagado poucos meses depois, pois novo golpe de Estado restaura a ditadura. Aristide retorna ao governo em 1994, por pressão internacional, mas assume compromissos com os Estados Unidos de não mexer com a estrutura econômica do país.

Sem condições de realizar mudanças em favor do povo, o desencanto popular gera manifestações lideradas pela oposição e apatia da maioria dos seus partidários, abrindo caminho para nova intervenção militar dos Estados Unidos, em 2003, desta vez sob o manto da ONU e com o apoio do governo brasileiro, que assume o comando formal das tropas de ocupação. Aristide foi forçado a exilar-se na África do Sul. René Preval, que havia sido seu vice-presidente, assume um governo fantoche, que não tem autonomia sequer para organizar a distribuição das doações internacionais feitas para as vítimas do terremoto de janeiro 2010. Seu mandato termina dia 7 de fevereiro. Já houve eleições, mas estão com andamento suspenso e o segundo turno não é convocado por suspeita de fraudes e outras irregularidades.

Os EUA dominam a economia haitiana de forma quase absoluta. 80% das importações e 65% das exportações se realizam com os Estados Unidos.  As exportações são de açúcar, café, rum e tabaco. Nos últimos anos, estão se firmando também maquiladoras, isto é, empresas montadoras de produtos fabricados nos “States”, que atuam com mão de obra semiescrava, como vem acontecendo também no México. Sua ajuda às vítimas do terremoto se daria mediante o aumento dessas maquiladoras para oferecer subemprego. Só que esta atitude nada tem de humanitária porque elas estarão de fato aumentando seu lucro.

E as tropas de ocupação, inclusive a brasileira, as chamadas “Forças da Paz”, o que têm feito em benefício do povo haitiano?

Bem, ajudaram a remover 5% (cinco por cento) dos escombros, pois como mostraram as redes de televisão, na passagem de um ano do acontecimento fatídico, a paisagem de desolação e destruição permanece praticamente a mesma. Apenas 42% da ajuda humanitária internacional chegaram às mãos das famílias pobres. Somente 30 mil pessoas foram realocadas para uma nova casa. Mais de um milhão permanecem perambulando nas ruas, inclusive crianças, com fome, doentes, sem segurança. Para completar o quadro, uma epidemia de cólera matou nos últimos meses 3.600 pessoas e infectou 170 mil. Os haitianos afirmam que a doença foi trazida por soldados do Nepal que compõefm as Forças de intervenção.

Exemplo de intervenção do bem é a promovida por Cuba. 1.200 médicos cubanos (isto a imprensa capitalista também não divulga) atuam no Haiti. Já realizaram 14 mil visitas, 200.000 cirurgias, 30.000 atendimentos de casos de cólera, entre outras.  Embora modestamente, a Via Campesina Brasileira está compensando a intervenção militar. Enviou uma brigada que está trabalhando com comunidades rurais haitianas e já ajudou a implantar 1.200 cisternas, amenizando a falta de água potável. Colaboram também na produção de sementes para plantio de alimentos e na organização comunitária. É uma luta de Davi contra Golias, a Monsanto, que já enviou 475 toneladas de sementes transgênicas de milho.  Seu interesse certamente não é humanitário e sim de gerar dependência dos agricultores em relação às suas sementes, cuja reprodução é proibida.

Desse modo, 1º de janeiro não foi um dia de festa. Foi um dia de protesto pelo fato de o Haiti não viver sua verdadeira independência, conquistada ao custo de 200 mil mortos em 1804.  No dia 12, os protestos continuaram com o povo gritando nas ruas por seu direito de decidir e comandar seu próprio destino, construir sua própria história. Com ajuda dos povos, sim, nunca com intervenção armada.

Mas o povo do Haiti não desanimará. Inspirado na sua própria história, capaz de expulsar os exércitos coloniais, de sobreviver a tantos terremotos e maremotos e se levantar, o povo haitiano ouvirá sua irmã poetisa Emmelie Prophète:

Mas cuida-te, Haiti, e recusa ofertas por tua alma combalida/ Retira o pó da gente descolorida pela desgraça/e recria a Nova Fênix Caribe /que deverá surgir das cinzas”.

José Levino, historiador

O massacre dos operários da Usiminas

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A Usiminas instalou-se na então vila de Ipatinga, Município de Coronel Fabriciano (MG), região do Vale do Aço, com 55% de capital estatal, 5% de empresários nacionais e 40% de japoneses. Seus operários eram antigos camponeses e filhos destes, expulsos da terra pela Companhia Belgo-Mineira.

A empresa obtinha falsos títulos de propriedade, jogava as famílias de camponeses nas pequenas cidades da região. Os que resistiam eram mortos, presos, torturados. Nas cidades, sem meio de sobrevivência, quantas famílias viram as filhas se prostituírem, por falta de um meio de sobrevivência digno.

A Usiminas foi vista como a solução da problemática e começou a operar no dia 26 de outubro de 1962. Não conseguia, é claro, absorver a demanda de empregos proveniente dos camponeses expulsos da terra. Registrou-se um inchamento dos aglomerados urbanos e o crescimento do desemprego, da mendicância.

Em fins de 1963, a Usiminas tinha 15 mil operários, dos quais 8 mil empregados diretos e os demais, por intermédio de empreiteiras. Algumas mantinham os trabalhadores em regime de semi-escravidão, enquanto seus donos enriqueciam. Os trabalhadores de empreiteiras recebiam salário menor, moravam nas cidades próximas, gastando mais com transporte; eram chamados de bóias-frias e peões. Não tinham sequer o direito de se filiar ao Sindicato dos Metalúrgicos, cuja sede ficava em Coronel Fabriciano.

Luta contra exploração

Os operários da Usiminas se mobilizavam por salário, melhoria na alimentação, condições de moradia, transporte e fim das arbitrariedades. Havia multas, como humilhações nas revistas de entrada e saída da fábrica, batidas à noite nos barracos em que moravam, espancamento dos que permaneciam nas ruas após o toque de recolher, prisão de líderes sindicais. O operário Matorzinho Ferreira Ramos quase foi castrado porque estava fazendo campanha de sindicalização.

Além da superexploração e dos maus-tratos imprimidos pela Usiminas, os operários de Ipatinga eram revoltados com suas condições de vida, com as diferenças de classe. De um lado, favelas; do outro, belas mansões. O Binômio, jornalzinho da época, retrata: “Os operários da Usiminas estão revoltados com as injustiças sociais de Ipatinga. Enquanto moram em barracões de caixotes nas favelas ou em alojamentos precários, os engenheiros e os japoneses vivem em casas luxuosas. Respira-se um ar de intranqüilidade. Outro motivo de revolta dos operários é o de, exercendo as mesmas funções de um japonês, ganharem menos, o que é proibido pela Constituição Federal, no seu artigo 157”.

Estoura a Revolta

Outubro de 1963. Dia 6. Nesta data, ao saírem de uma estafante jornada de trabalho, os operários  se defrontaram com uma repressão ainda maior que a usual. Todo mundo foi revistado; ninguém poderia levar leite para casa; o que sobrou, tinha de ser jogado numa grande lixeira instalada na portaria. Um operário insistiu em levar o leite, era o único que tinha para dar ao seu filho. Um vigilante, então, atirou contra o recipiente, derramando o leite e, por pouco, não acertando o trabalhador. Foi o estopim. A massa de operários abriu o portão à força; os guardas nada puderam fazer. Acionada, a polícia, quando chegou, encontrou poucos trabalhadores, mas não “perdeu” a viagem. Os retardatários foram presos e espancados. Os soldados, porém, não se contentaram e foram para o alojamento Santa Mônica. Avisados com antecedência, os operários fizeram barricadas e se prepararam para a luta. Os policiais recuaram. Partiram, então, para o Chicago Blitz, acampamento dos trabalhadores de empreiteiras, mais frágeis.

Cena mais humilhante, Ipatinga jamais havia visto. Trezentos operários foram arrastados  dos barracos (um foi assassinado no interior de casa) e obrigados a deitarem no chão, de costas, com a cara na lama. Estava chovendo. Os soldados riscando as espadas nos seus corpos, disparando rajadas de metralhadoras para o ar. Alguns deles, sórdidos, botaram os cavalos para pisotear os trabalhadores, urinaram em cima deles. Muitos foram feridos.

A notícia da selvageria aumentou a revolta dos operários. No restante daquela fatídica noite, a palavra mais ouvida em Ipatinga foi GREVE!  E ela aconteceu.

Na manhã do dia 7 de outubro, 2 mil trabalhadores puseram-se em frente aos portões da Usiminas. Aos companheiros que iam chegando, contavam os acontecimentos da noite anterior e todos aderiam ao movimento. Prepararam uma lista de reivindicações a ser entregue à diretoria da empresa. Às reivindicações econômicas históricas, acrescentaram: retirada da polícia e substituição do corpo de vigilância.

O massacre

A Polícia, é claro, não tardou a chegar. Veio num caminhão, com uma metralhadora tripé instalada. A multidão vaiou, algumas pedras foram lançadas. Os soldados ameaçaram atirar.  O vigário, padre Avelino, percebendo a gravidade da situação, tentou convencer o administrador Gil Guatimosin a receber uma comissão de operários, mas ele disse que não negociaria com grevistas. Enquanto conversavam numa sala o administrador e o comandante do destacamento, capitão Robson, alguém viu este passar um bilhete para o tenente Jurandir Gomes de Carvalho. Pouco depois, a metralhadora abria fogo. Primeiro, para cima, depois em cima dos operários. Começou a carnificina.  Mais de 15 minutos de rajadas e dezenas de corpos lançados no ar e caindo ao chão, estremecendo.  José Isabel do Nascimento, fotógrafo amador, registrava tudo até ser despedaçado pela balas. A seguir, os policiais (eram apenas 19) fugiram com medo de serem linchados, abrindo fogo no meio da multidão e fazendo novas vítimas, entre as quais uma mulher grávida e uma criança de três meses (a mãe, ferida, escapou). Foram se esconder nos morros que cercam Ipatinga. Os vigilantes e os administradores da Usiminas também fugiram. Há controvérsias sobre o saldo trágico, mas é voz corrente que houve mais de 30 mortos e 3 mil feridos.

Seguiram-se três dias de rebelião, em que a multidão incendiou a guarita da vigilância que motivara os distúrbios, a seguir destruiu o caminhão de onde a metralhadora foi acionada, a delegacia, a cadeia pública.

A vitória

Autoridades estaduais se deslocaram para Ipatinga, para negociar com representantes dos trabalhadores, da Usiminas e das empreiteiras. Os trabalhadores apresentaram suas reivindicações econômicas e    mais: afastamento da polícia militar, que seria substituída por tropas federais; extinção do corpo de vigilância, cuja função seria desempenhada por funcionários escolhidos em processo seletivo acompanhado pelo sindicato; pensão para as viúvas dos operários mortos; nenhuma punição aos operários que tivessem participado do movimento; assistência aos feridos. Os operários foram atendidos, exceto no que se refere à polícia, que não foi substituída, mas retirou o destacamento de Ipatinga. Só viria, de coronel Fabriciano, quando acionada. Foi aprovado reajuste salarial de 38% e formada uma comissão com representantes da empresa e dos trabalhadores com a missão de elaborar um plano referente à moradia, à alimentação e ao transporte dos operários. Os policiais foram afastados da corporação e se   instalou inquérito para apurar suas    responsabilidades.

Ditadura anulou conquistas

O acordo ainda estava sendo implementado, quando Ipatinga, como todo o país, foi atingida por uma tragédia maior:  o golpe de Estado de 1º de abril de 1964. Os operários que mais se destacavam nas lutas foram caçados como ratos; muitos foram presos, torturados, mortos; líderes sindicais, cassados. Em 1965, os policiais foram absolvidos pela Justiça Militar. As vítimas foram transformadas em réus. As pensões das viúvas, cortadas. Magalhães Pinto, que era Governador do Estado de Minas Gerais, na época do massacre, foi o principal líder civil do golpe de 1964.

Os velhos operários, hoje aposentados, que viveram o terror daquele 7 de outubro, não gostam de falar do que sofreram e presenciaram. Muitos têm parentes trabalhando na Usiminas e temem represálias. “A gente é pobre e de cor. Vão falar: é preto doido. Não vou aborrecer ninguém. Então, deixa o meu aborrecimento comigo”, disse José Elias dos Santos ao Estado de Minas, edição de 1º de junho de 2003.

Do lado dos repressores, falando ao mesmo órgão de imprensa, afirmou o ex-policial Joaquim de Carvalho: “Por meu gosto, nunca tinha feito um negócio daqueles. Até hoje tenho remorso. Nunca pensei em tirar a vida de ninguém”. Ele, entretanto, diz que ninguém deu ordem para que eles dissolvessem a manifestação a bala, que a iniciativa foi de cada um dos soldados.

Já outro ex-policial que não quis se identificar, falou ao Jornal Em Tempo           (edição de agosto de 1978): “Na noite anterior nos deram cachaça com pólvora, para dar valentia e brabeza. Disseram que os operários iam quebrar a Usiminas. O tenente Jurandir deu ordem de fogo. Disseram que Gil Guatimosin (administrador da empresa) foi quem mandou, mas não posso garantir”

Reconhecimento oficial

O Secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, informou que a Secretaria está estudando a concessão de benefícios aos familiares de pessoas que morreram em conflitos de rua com a polícia, entre 1961 e 1988, o que beneficiará os herdeiros das vítimas da Usiminas. “Dinheiro nenhum no mundo vai pagar a dor pela qual a gente passou”, afirma Rossi do Nascimento Filho, filho do fotógrafo assassinado.

Notas:

1. A Usiminas foi privatizada em 1991. Todo o complexo siderúrgico estatal brasileiro foi privatizado/desnacionalizado, num prejuízo incalculável para a economia nacional, o que foi chamado por Barbosa Lima Sobrinho em um dos seus últimos artigos, como crime de lesa-pátria.

2. Fonte de pesquisa: O Massacre de Ipatinga, Carlindo Marques Pereira, edição do Departamento de Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. 2ª edição, 1985

Luiz Alves,
publicado em A Verdade nº 44

Os revoltosos da Chibata

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Em pleno gozo da liberdade, conquistada com a Lei Áurea e acreditando na pregação republicana de que o Brasil seria modernizado, muitos negros ingressaram como marujos na Marinha de Guerra do Brasil. Mas o oficialato da instituição não havia absorvido o alcance social e humano do Ato de 1888.

Ao adotar as mesmas humilhações e brutalidades dos tempos da escravatura, aplicando castigos físicos nos novos marinheiros, abolidos com a Proclamação da República, o Código Disciplinar previam-se, em casos de “faltas graves”, 25 chicotadas, no mínimo.

O marujo João Candido Felisberto, durante 15 anos de carreira militar viajou não só pelo Brasil como por vários países. Na Inglaterra, onde em 1909, acompanhava a construção final de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, vivenciou a diferença de tratamento dispensado aos marinheiros britânicos. Esse testemunho trouxe para seus companheiros de cá. No ano seguinte, junta-se ao comitê de Francisco Martins, o Mão Negra, no Rio de Janeiro.

Marcelino Rodrigues de Menezes, do encouraçado Minas Gerais, acusado de distribuir panfleto que denunciava os maus tratos, foi castigado com 250 açoites, defronte à guarnição formada. Na madrugada 23 de novembro de 1910, estoura-se um motim, provocando a morte do comandante. Martins pede, em carta, a extinção dos castigos corporais, melhoria da comida e anistia aos revoltosos. A rebelião alastra-se e só termina cinco dias depois, com a garantia do presidente Hermes da Fonseca, de que o assunto seria revisto e todos perdoados. Cerca de dois mil rebelados, nas ruas cariocas, aclamam o líder João Candido Felisberto, o “almirante negro”, como herói.

Oficiais juram vingança, pelo desaparecimento de colegas. A chibata volta a ser usada; 600 marinheiros são degredados para o Acre, no porão do navio Satélite, sendo fuzilados oito deles no tombadilho, e dezoito outros morrem por asfixia nas masmorras da Ilha das Cobras. Rui Barbosa, da tribuna do Senado, denuncia: “Essa mancha, essa infâmia, essa coisa sem nome, pela qual o Brasil pode ficar aparelhado com a nação mais baixa no escalão da moralidade…” O paraibano João Pessoa, Auditor da Marinha, é ameaçado por julgadores escolhidos a dedo, de um Tribunal sem jurisdição, por nas reuniões pretender buscar a verdade dos fatos. A João Candido foi concedida anistia post-mortem, por Lei Federal de 2008.

Inocêncio Nóbrega

Paulo Wright, cristão e subversivo

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Paulo Stuart Wright nasceu no dia 2 de junho de 1933 em Joaçaba, interior de Santa Catarina, filho de um casal de pastores presbiterianos estadunidenses: Latham Ephraim Wright e Maggie Belle Miller Wrigt. A Igreja Presbiteriana surge na França no Século XVI, tendo como referência as teses de João Calvino. Assim como Lutero, na Alemanha, Calvino se insurge contra a Igreja Católica Romana, vinculada aos interesses feudais, e propõe o retorno ao evangelho de Cristo.  Para Calvino, o trabalho justo é a medida que define se o ser humano está entre os escolhidos para a salvação divina.

Aprendendo o Valor do Trabalho

Por isso, na infância, o pai não lhe transmitiu apenas os ensinamentos bíblicos. Ensinou o valor do trabalho. As crianças ajudavam nas tarefas de casa, a cuidar de um pequeno roçado, a preparar o suco de uva; as tarefas eram distribuídas de acordo com a idade e as condições de cada uma, naturalmente.

Concluído o Primário, foi para o Instituto Metodista de Passo Fundo (RS) e terminado o científico, foi para os Estados Unidos, onde cursou sociologia e política. Já viajou noivo de Edimar Rickli, a Edi. Nas férias, arranjava emprego na construção civil e participava das greves da categoria. Escreveu para a noiva: “Minhas mãos já estão calejadas de manejar a pá. O seu noivo agora conhece o que significa trabalho”. Falava também com ternura: “Eu a amo numa forma maior do que posso medir ou explicar”. Como tinha também cidadania norte-americana, foi convocado para servir às Forças Armadas. Com certeza, teria ido para a Guerra da Coréia (1950-1953). Foge dos EUA.

São Paulo, novembro de 1956. Paulo Wright tira sua carteira profissional e registra como profissão, servente. Não se satisfazia em defender os operários; queria ser um deles. Mas em dezembro de 1956, dona Belle morre e Paulo se vê na obrigação de não deixar o pai sozinho. De volta à pequena Joaçaba, emprega-se como torneiro mecânico numa pequena indústria. Ajudou a fundar o sindicato dos metalúrgicos e apoiou a organização dos trabalhadores da construção civil e da indústria do papel e papelão. Entende que para contribuir com a libertação do povo, é preciso atuar também na política partidária. Ingressa no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e se candidata a vereador em 1958, mas não é eleito.

Em 1959, o pai decide regressar para os Estados Unidos e Paulo volta com Edi, já casados, para São Paulo. Foi contratado como torneiro mecânico na Lambretta do Brasil S.A, e logo se tornou sócio do sindicato dos metalúrgicos. Continuava atuando na Igreja. Escreve no jornal da Juventude Presbiteriana: “O nosso testemunho no campo missionário e político é estarmos ao lado dos deserdados, sofrendo com os que sofrem, chorando com os que choram, nos alegrando com os que se alegram”.

No dia 10/10/59, nasce seu primeiro filho, Charles, que não sobrevive ao parto complicado por falta de assistência médica na Maternidade da Lapa, onde nasciam os filhos dos operários.  Em 1960, assume a Secretaria Regional da União Cristã de Estudantes do Brasil. Declara: “…Nossa maneira de amar o próximo deve ir além de ajudar aos mais necessitados. Devemos levar a sério nossa responsabilidade de acabar com a miséria e o analfabetismo”.

Nesse ano (1960), o casal volta para Joaçaba (SC), onde Paulo se candidata a prefeito e perde por apenas 11 votos. A direita usou como estratégia de campanha a idéia de que o povo não devia votar em comunista.

Foi chamado para dirigir a Imprensa Oficial do Estado. Mudou-se para Florianópolis, onde, em outubro de 1961, nasceu a filha, Leila Cristina. Dedicou-se a organizar os pescadores numa rede de cooperativas, para se livrarem dos atravessadores. Em 1962, é fundada a Fecopesca, com 27 cooperativas associadas. Foi acusado pela direita, de organizar “Ligas Marítimas Comunistas”, numa referência às Ligas Camponesas do Nordeste.

Mandato a Serviço do Povo

Em 1962, sem espaço no PTB, se elege deputado estadual pelo Partido Social Progressista (PSP). Seu mandato foi dedicado à organização dos trabalhadores, ao fortalecimento da Fecopesca, das entidades estudantis e populares. Escreve para um jornal estudantil: “…O foco de nossa atenção se concentra na luta pela construção de uma nova sociedade, para a formação de um novo homem”.

Em 1963, nasce seu filho, João Paulo, que veio trazer muita alegria, especialmente para Leila, então com dois anos, uma companhia para brincar.  No mesmo ano, nasce a Ação Popular (AP), formada por militantes jovens oriundos da Juventude Universitária Católica (JUC), União Cristã de Estudantes do Brasil e Associação Cristã dos Acadêmicos. A AP definia como objetivos mobilizar, organizar e conscientizar o povo brasileiro contra o capitalismo internacional, nacional e o feudalismo, priorizando as organizações operárias e camponesas.

Paulo se envolveu completamente na construção da AP. As forças organizadas das classes dominantes travam na Assembléia um combate a ele por suas “idéias comunistas”. O próprio PSP, partido pelo qual se elegeu, pressiona para que renuncie. Seu primeiro suplente, Manoel Santos (Mané Bicheiro) contrata um pistoleiro para matá-lo. Trata-se de um sargento da Polícia, que procura a vítima para ver se ele concorda em cobrir a oferta. Paulo convence-o a desistir da empreitada e juntos prestam uma queixa na Secretaria de Segurança Pública.

Cass(ç)ado pela Ditadura

Abril de 1964. O Golpe de Estado civil-militar derruba o governo de João Goulart. Vozes raras como Leonel Brizola e Paulo Wright pregam a resistência. A ditadura pressiona por sua cassação. Esta se dá em maio do mesmo ano, sob a fundamentação de “incompatibilidade com o sistema democrático que nos incumbe, como Assembléia da Revolução, defender e preservar”.

Acuado, ameaçado, Paulo se refugia na embaixada do México e sai do país. Do México, segue para Cuba, onde não pretende demorar. O tempo foi bem aproveitado. Visitou vários lugares, conversou com o povo, com missionários, com revolucionários, e participou de treinamento militar. Pensava, entretanto, que no Brasil não havia condições de desencandear a guerra de guerrilhas.

Nas palestras em território cubano, destacava que “Ao mesmo tempo, o homem pode ser cristão e socialista e muitos cristãos o são. No mundo de hoje, se vislumbra uma coincidência entre as aspirações dos cristãos e dos socialistas quanto à vida humana”.

Luta pelo Socialismo

Em 1965, aos 32 anos de idade, já chamado pelos garotos revolucionários de “tio”, Paulo Wright volta ao Brasil com o codinome de “João”, certamente para homenagear o filhinho. Integra a direção da AP.

Na clandestinidade, dedica-se de corpo e alma à organização da AP. Em 1967, um grupo de dirigentes foi conhecer a experiência chinesa, enquanto Paulo representou a Organização em Havana, na conferência da OLAS (Organização Latino-americana de Solidariedade). Considerou que a estratégia do foco guerrilheiro não se adequava à nossa realidade. Esta discussão provocou no ano seguinte o primeiro racha na AP. Seu amigo, padre Alípio Freitas, foi um dos que saiu e ajudou a fundar o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores).

A maioria dos militantes permaneceu na AP e se aprofundou na linha chinesa, adotando o lema da proletarização. O Revolucionário tinha de ser proletário, sofrer a exploração capitalista, viver no meio do povo como peixe dentro da água. Para Paulo, isso não era novidade. Como dirigente, acompanhou as mudanças, que nem todos suportaram. Mas ele defendia que os que não tivessem condições de se proletarizar, deveriam continuar contribuindo com a organização na medida dos seus limites pessoais.

A AP desenvolveu experiências no meio operário (ABC paulista) e no campo: Vale do Pindaré (MA), Zona do Cacau (BA), Água Branca (AL) e Zona Canavieira de Pernambuco. Em março de 1971, a AP se define como Ação Popular Marxista-leninista (APML), tendo como guia os princípios de Marx, Lênin e Mao-Tsé-Tung.

No final de 1970, Edi não suporta mais a situação instável do casamento e pede  o desquite. Diz em carta ao cunhado, Jaime Wright: “Continuo a admirar o trabalho do Paulo, no entanto eu não consigo acompanhá-lo”. Em março de 1971, a sentença judicial determina o desquite “por estar provado o abandono voluntário do lar conjugal”.

A luta interna se aprofundou, quando a maioria da direção da APML defendeu sua incorporação ao Partido Comunista do Brasil (PC doB). Entre a minoria, estão Jair Ferreira de Sá e Paulo Wright. Eles consideram que essa fusão significa dar um passo atrás na luta pela libertação da classe operária da dominação político-ideológica burguesa. Para eles, o caráter da revolução brasileira é socialista. O fundamento é o esvaziamento progressivo do campo e o crescimento da industrialização, com perspectiva de em 10 anos, 70% da população estar nas cidades. Para conduzir essa revolução, preconizam um partido de novo tipo

Em outubro de 1972, são destituídos dos cargos de direção.  A maioria decide a incorporação ao PCdoB. Os remanescentes permanecem como APML, que fica conhecida como AP Socialista.

Paixão e Morte na Semana da Pátria

Setembro de 1973. A Repressão prepara na Semana da Pátria o cerco à AP, independentes ou integracionistas. 38 militantes são capturados no Recife, Rio, São Paulo e em Salvador.

Paulo Wrigt tinha um encontro com Osvaldo Rocha. Pegaram um trem no sentido São Paulo-Mauá. Os agentes também. Eles perceberam. Tentaram despistar. Osvaldo desceu antes. Foi preso ao chegar a casa. Paulo desceu depois; nunca mais foi visto. Na sala de tortura da Operação Bandeirantes (OBAN) do DOI/Codi de São Paulo, Osvaldo viu no chão a camisa com que Paulo estava vestido no seu último encontro.

O Reverendo Jaime Wrihgt, irmão e confidente de Paulo fez de tudo para descobrir seu paradeiro. Foi com um pastor, que também era tenente-coronel à OBAN, mas disseram que lá não havia nenhum preso com o nome do seu irmão. Brilhante Ulstra, torturador denunciado por vários sobreviventes, disse que havia encontrado uma pasta apenas com o título de eleitor de Paulo dentro, mas não o vira e de nada sabia. Jaime foi aos Estados Unidos, pois Paulo tinha dupla cidadania. Denunciou aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, impetrou habeas corpus, e nada. Procurou Dom Paulo Evaristo Arns, a Comissão de Justiça e Paz. Pediu licença à Igreja Presbiteriana para trabalhar com dom Paulo e foi um dos coordenadores do projeto Brasil: Tortura Nunca Mais.

Paulo recebeu muitas homenagens. A Assembléia Legislativa de Santa Catarina revogou sua cassação em 1985. Um Plenarinho da Assembléia tem o seu nome, que também denomina logradouros públicos no Rio, Curitiba e Florianópolis. A Medalha Chico Mendes de Resistência foi dedicada a ele em 1991. O Estado brasileiro assumiu a responsabilidade por sua morte (Anexo da Lei 9.140/95).

Fonte: O Coronel tem um segredo – Paulo Wright não está em Cuba. Delora Jan Wright, Petrópolis, 1993

José Levino, historiador

A guerra contra a dominação cruel dos holandeses

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Na Baixa Idade Média, Holanda e Bélgica (Países Baixos) tornaram-se o principal centro comercial da Europa. Os Países Baixos haviam sido dominados pela Espanha até o final do Século XVI.  A Independência da Holanda foi proclamada em 26 de julho de 1581. Seguiu-se a guerra de oitenta anos, e a Espanha só reconheceu formalmente a soberania holandesa no dia 30 de janeiro de 1648. Mesmo em guerra com a Espanha, a Holanda se desenvolveu, expandindo seu comércio por todo o Oriente. Um grupo de capitalistas holandeses criou a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) em 1621 com a finalidade de ampliar os investimentos no açúcar brasileiro. Mas a Espanha proibiu que a Holanda mantivesse relações comerciais com as colônias espanholas. Os investidores avaliaram que valia a pena ir à guerra. Portugal, lembremos, foi anexado à Espanha, formando a União Ibérica, que durou de 1580 a 1640.

A empresa holandesa é clara e objetiva. Seu interesse é comercial. Ela não esconde sua meta por trás de objetivos religiosos ou morais, como fizera Portugal. Não chama padres ou pastores para abençoar a empreitada. A primeira invasão holandesa aconteceu na Bahia. A ocupação da Cidade de São Salvador (capital do Brasil até 1763) se deu no dia 8 de maio de 1624. Bastou um dia de luta, para os invasores dominarem a cidade e saquearem estabelecimentos comerciais, templos, prédios públicos, cartórios, etc.  Tropas da Bahia, Pernambuco e reforços enviados por Portugal e Espanha expulsaram-nos em 1º de maio de 1625.

Os holandeses atacaram, então, Pernambuco, capitania que mais produzia açúcar nessa terra. De 15 de fevereiro a 3 de março de 1630, dominaram Olinda,  capital da Província, Recife e a Ilha de Antônio Vaz, que viria a ser a cidade Maurícia. A população não os recebeu como libertadores. Abandonou as casas com o que podia levar e se refugiou nas matas. O governador Matias de Albuquerque (irmão do donatário Duarte Coelho) organizou o QG da Resistência no Arraial de Bom Jesus (elevação situada na atual Estrada do Arraial).

A Orientação da Companhia era incentivar a população a pôr os engenhos em funcionamento o mais breve possível. Os apelos, entretanto, não tiveram eco. Os invasores eram atacados mediante ações de guerrilha e sabotagem, especialmente em Olinda, com suas Sete Colinas e densa mata ao redor. A situação era desesperadora, as tropas dependiam exclu-sivamente dos alimentos que conseguiram apreender e do abastecimento vindo da Holanda. Em 1631, com os reforços enviados, tomam Itamaracá, onde constroem o Forte Orange.  A população foge. Está cada vez mais difícil manter Olinda. Depois de muita relutância, o Conselho aprova a proposta do coronel Waerdenburch: retirar-se e destruir a cidade.  Em poucos dias, os prédios de Olinda são demolidos e o material transportado para utilização em construções no Recife. Incendiada em vários pontos, a bela cidade arde em chamas!

A balança só pende a favor dos holandeses a partir de abril de 1632 com a deserção de Domingos Fernandes Calabar. Bravo lutador, ao lado de Matias de Albuquerque, ele não recebeu nenhuma recompensa material por essa mudança de lado. É o próprio Calabar que explica suas razões em carta a Matias de Albuquerque “…Depois de ter derramado meu sangue pela causa da escravidão, que é a que vós defendeis ainda, passo para este campo, não como traidor, mas como patriota, porque vejo que os hollandeses procuram implantar a liberdade no Brasil, enquanto os espanhóis e portugueses cada vez mais escravizam o meu país”. Com o engajamento de Calabar, as vitórias holandesas se sucedem; ao Norte, estendendo-se até a Paraíba e ao Rio Grande do Norte ou ao Sul, até Alagoas, expandindo-se depois para Sergipe e Maranhão. Quando o Arraial de Bom Jesus foi tomado pelos holandeses, Matias de Albuquerque com sua tropa em fuga para Alagoas enfrenta os holandeses em Porto Calvo (AL), terra natal de Calabar, que é aprisionado na ocasião e morto na forca em 22 de julho de 1635.

 As vitórias holandesas não significam lucro para a Companhia (WIC), pois não há organização da produção. O coronel Waerdenburch adota uma política de vingança, por não terem sido atendidos os seus apelos. As tropas acabam com tudo o que encontram pela frente. De abril de 1632 a dezembro de 1936, contabilizam povoações arrasadas, engenhos, armazéns, aglomerados rurais, bairros portuários e grande número de embarcações, animais e benfeitorias. A Espanha faz propostas de paz, todas recusadas pela Companhia, que impede os Estados Gerais (governo holandês) de negociar. Ainda considera que vale a pena investir na empreitada sangrenta. Para consolidar o poder na região ocupada e normalizar a economia, manda um estadista, o Conde João Maurício de Nassau-Siegen.

A verdade sobre Nassau

Nassau foi recebido com festas no Recife, dia 23 de janeiro de 1637, saudado como “Salvador da Nova Holanda“.  Sua primeira ação militar foi a retomada de Porto Calvo (AL). Generoso na vitória, tratou bem os prisioneiros, não permitiu saques, autorizou quem quisesse acompanhar a tropa derrotada. Abre logo negociação com os senhores de engenho. Publica edital dando prazo para aqueles que quisessem retomar a atividade, garantindo assistência e financiamento. Os que não atendessem ao chamado teriam suas propriedades confiscadas e vendidas aos interessados.  É permitido o comércio direto com importadores holandeses, ficando a Companhia com o monopólio de comércio de madeiras, material bélico e escravos. No final de 1638, 120 dos 166 engenhos estão funcionando; com as vendas, a Companhia embolsa 2 milhões de florins.

Faltava mão de obra, pois os escravos haviam fugido para Palmares ou se incorporado à luta contra os holandeses em defesa da propriedade de seus donos. Nassau organizou uma expedição à África e abasteceu o mercado pernambucano com novos escravos. Estudioso das ciências e admirador das artes, construiu palácios e pontes, implantou um jardim botânico, urbanizou o Recife

Em 1641, incorpora o Maranhão ao domínio holandês. No entanto, as construções e as novas conquistas exigem mais gastos, e os diretores da Companhia não estão mais dispostos a gastar. Com sua mentalidade capitalista de obter lucro acima de tudo, agora só queriam retorno. Responderam ao conde que  ele deveria desmobilizar parte da tropa e parar com suas obras, que teria o dinheiro necessário. Os acionistas da WIC não queriam mais despesas e, sim, maiores lucros.

O governador holandês não tem muito que fazer. Em 1644, os holandeses são expulsos do Maranhão. Enfraquecido, João Maurício de Nassau entrega o cargo. Deixa recomendações para o Conselho: prudência na cobrança dos empréstimos feitos aos senhores de engenho e plantadores de cana, moderação quanto ao aumento de tributos, bom tratamento e pagamento pontual às tropas, manutenção da liberdade religiosa (os holandeses eram protestantes calvinistas, mas não impuseram sua religião aos luso-brasileiros).

A nova administração não deu ouvida a Nassau. Impôs a cobrança das dívidas de maneira cruel.  A produção de açúcar parou. Muitos senhores de engenho fugiram para a Bahia. Os calvinistas começaram a perseguir os católicos.

Explode a insurreição

A primeira batalha vitoriosa aconteceu no dia 3 de agosto de 1645 no Morro das Tabocas, próximo a Vitória de Santo Antão, sendo os insurretos liderados por João Fernandes Vieira (senhor de engenho, ex-aliado dos holandeses) e Antônio Dias Cardoso, militar português. A seguir, juntaram-se a eles as tropas de André Vidal de Negreiros, filho de proprietários de engenho na Paraíba; Henrique Dias, filho de escravos africanos libertos, e Felipe Camarão ( Poti),  índio da tribo potiguar.  Juntos, vêm tomando as fortalezas do litoral sul, até deixarem os holandeses encurralados novamente no Recife. A tentativa de ajuda holandesa pelo Norte fracassou, ante a resistência encarniçada dos moradores, com destaque para as mulheres do povoado do Tejucupapo  no dia 24 de abril de 1646 (Leia A Verdade, nº 74-jul/2006)

Sitiados em Pernambuco, os holandeses, ainda com domínio do mar, tentaram mais uma vez conquistar a Bahia e ocupam a ilha de Itaparica, bloqueando Salvador em 1647. A conquista foi violentíssima; os invasores mataram duas mil pessoas, incluindo mulheres e crianças, que foram passadas pela espada ou afogadas. O governo português mandou reforços e os holandeses foram expulsos em 1648. Voltando ao Recife, tentam retomar o litoral sul, sem êxito.  As tropas de terra, confinadas no Recife, tentam romper o cerco por duas vezes, sendo derrotadas em ambas: a primeira, no dia 19 de abril de 1648, e a segunda no dia 19 de fevereiro de 1649.

A partir dessa derrota, os holandeses voltam ao confinamento no Recife, fustigados pelas tropas luso-pernambucanas, até que Portugal resolve mandar poderosa esquadra que combate os holandeses no mar, enquanto em terra o assédio ao Recife avança. A 27 de janeiro de 1654, seus comandantes assinam a rendição na Campina da Taborda, fronteiriça ao Forte das Cinco Pontas. No dia 28, à frente dos comandados, o Mestre de Campo General Barreto de Menezes entra triunfante no Recife, que estivera 23 anos em poder da Holanda.

Avaliando a guerra contra os holandeses

A historiografia oficial (e até alguns analistas de esquerda) considera que a luta contra os holandeses representouo nascimento da nação brasileira. Pode ser que a semente de um sentimento nacional tenha se plantado naquele momento. Objetivamente, entretanto, não há nenhum sinal dessa consciência. Pernambuco se liberta da Holanda, mas retorna ao domínio português. Não há registro de que alguém tenha proposto naquele momento a independência nacional ou a independência de Pernambuco. Henrique Dias, por exemplo, quando perde um braço na batalha de Porto Calvo (1637), brada alto e bom som: “Resta-me um braço para servir a Deus e ao Rei”.Concretamente, a derrota dos holandeses fortaleceu o domínio português e os senhores de engenho, que puderam dedicar seus esforços à destruição do Quilombo dos Palmares (1695).

Outro mito é o da união de raças. Esta união existiu apenas do ponto de vista militar, para combater o invasor.  Mas cada segmento tinha seu comandante. Depois da vitória, tudo continuou como antes no quartel d’Abrantes: os negros continuaram escravizados e seus quilombos massacrados sem dó nem piedade; os índios (aliás, divididos, pois os tapuias apoiaram os holandeses) seguiram sendo usados ou dizimados, em consonância com os interesses dos colonizadores e seus descendentes.

Quanto ao endeusamento de João Maurício de Nassau, trata-se de mais um equívoco. Não é possível separar o empreendedor, o construtor, o hábil diplomata, do que ele representa: um projeto colonizador com a mesma essência do português, de explorar as riquezas do Brasil e mandá-las para a sua Companhia, cujo objetivo é o lucro máximo, objetivo de qualquer sociedade capitalista. O príncipe holandês manteve o sistema de trabalho escravo; não conseguindo destruir o Quilombo dos Palmares, foi buscar, a ferro e fogo, novos escravos na África. Como podemos festejar a eficiência de um administrador cujos serviços favorecem o inimigo que vem nos dominar e oprimir? Repetindo Júlio José Chiavennato em As Lutas do Povo Brasileiro, não basta ter povo morrendo para que uma causa seja popular.

José Levino, historiador

A Revolução Mexicana de 1910

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“Ao contemplar os alegres, amáveis e humildes homens que tanto se prodigalizaram em suas vidas e comodidades à heroica luta, não pude deixar de pensar: É uma terra digna de amor – esse México –  uma terra pela qual dá vontade de lutar”. São palavras do jornalista norte-americano John Reed (famoso internacionalmente por sua obra Os Dez Dias que Abalaram o Mundo). Quando expressou este pensamento de amor ao México, Reed, no fervor dos 20 anos, estava no olho do furacão, acompanhando tropas rebeldes por montanhas e desertos, vendo a morte nos olhos por di-versas ocasiões.

Esse México!

Era habitado por povos indígenas, especialmente os maias e os astecas, estes a grande maioria. Civilizações avançadas, com obras de irrigação, arquitetura, astronomia, entre outras, muito ouro e prata, usados para fabricar objetos artísticos para uso e admiração, pois eles desconheciam o comércio, o lucro, a ambição. Viviam nos ejidos, fazendas comunitárias, visto que a terra era pro-priedade coletiva.

No início do século XVI, eles chegaram. Os invasores espanhóis foram destruindo tudo o que encontravam pela frente, exterminando ou escravizando os nativos. A ponto de um sacerdote sensível que os acompanhava para abençoar a carnificina e fora nomeado bispo de Chiapas, ter rompido com seus compatriotas. Frei Bartolomeu de Las Casas indignou-se com tanta crueldade e lançou um anátema: “Com que direito ou justiça mantendes estes índios em servidão tão cruel e horrível? Com que autoridade travastes uma guerra detestável contra estas pessoas, que habitam com quietude e paz na sua própria terra?… Por que com o trabalho excessivo que exigis deles, adoecem e morrem, ou, na realidade, vós os matais com vosso desejo de extrair e adquirir ouro todos os dias?”

Desnecessário dizer que as bestas não lhe deram ouvido e o frade é que foi destituído da diocese; passou o resto da vida escrevendo sobre a experiência vivida, deixando seu testemunho para a eterni-dade.

Que independência?

Depois de anos de luta, aconteceu em 1821, mas não foi uma verdadeira independência, assim como aconteceu nos demais países latino-americanos. A economia continuou dependente e associada ao capital estrangeiro. No período da ditadura de Porfírio Diaz (1876-1911), a aliança burguesia nacional-latifúndio-capital estrangeiro, com apoio do Estado, da Igreja Católica e do Exército, investe contra as terras comunais em que viviam os camponeses pobres, mantendo a tradição que aprenderam com os indígenas. O capital estrangeiro já controlava a exploração de minérios, do petróleo, os bancos, a produção e distribuição de energia elétrica, as principais indústrias e o grande comércio.

Eis que ocorre uma cisão nas classes dominantes. Francisco Madero, filho de latifundiário, se rebela contra a ditadura de Porfírio Diaz, lidera um Movimento Constitucionalista e se candidata a presidente nas eleições de 1909, mas é preso e deportado para os Estados Unidos.

A guerra camponesa

Eclode a Revolução Mexicana, com a rebelião armada dos camponeses. Ao Norte, liderada por Pancho Villa e ao Sul por Emiliano Zapata. Embora com objetivos comuns – a defesa dos ejidos e a reforma agrária – os dois grupos não tinham articulação entre si. Somente em 1914, formalizaram uma frente comum (Pacto de Xoximilco, lago situado nas proximidades da capital mexicana), mas nem chegaram a desenvolver uma ação conjunta coordenada.

Zapata tinha uma visão política mais avançada. Sob o lema Terra e Liberdade, onde seu exército passava, ia organizando os ejidos, criando escolas técnicas, e instalando governos populares com base num regime de democracia participativa. Zapata chegou a governar o Estado de Morelos, situ-ado na região central do país.

Com tropas compostas por camponeses pobres, mal-armados e sem experiência militar, os exer-citos populares de Zapata e Villa impuseram derrotas memoráveis aos federais e colocaram Madero no governo em 1911.

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Imediatamente, Zapata apresenta ao novo governo o Plano Ayala (Ayala era a capital do Estado de Morelos), que prevê o reconhecimento dos ejidos (propriedade comunitária), expropriação dos latifúndios e nacionalização dos bens dos inimigos da Revolução.  Madero vacila. Tanto Zapata como Villa retomam a luta armada, e Madero é deposto em 1913.

Assume o general Vitoriano Huerta, apoiado pelor porfiristas (forças conservadoras). A luta camponesa cresce e ressurge o Movimento Constitucionalista nas cidades, com forte adesão dos setores médios. A classe operária é ainda incipiente, e seus dirigentes conciliadores e corporativistas.

Huerta cai em 1914, sendo sucedido por Venustiano Carranza, originário de uma família de médios proprietários de terra.  Carranza participara da luta constitucionalista ao lado de Madero e fora seu secretário. Assumindo, tratou de isolar o Movimento Camponês. Ordenou ao Exército fede-ral que continuasse o combate contra os exércitos camponeses e convocou uma assembléia consti-tuinte que excluía o campesinato. Adotou medidas nacionalistas, a exemplo da estatização do petró-leo, mas fez concessões a empresas petrolíferas estadunidenses.

Mesmo assim, o movimento constitucionalista urbano resolveu participar da Constituinte. A no-va Constituição aprovou medidas progressistas, como direitos e garantias individuais, leis trabalhis-tas, reconhecimento da propriedade comunitária (ejido) e propriedade do Estado sobre terras devo-lutas, águas e riquezas do subsolo. A Constituição Mexicana de 1917 é considerada pelos analistas como a mais avançada do mundo naquele momento, considerando seus aspectos econômicos e so-ciais.
Zapata e Villa não acreditaram numa Constituição na qual o campesinato não teve a menor participação. Parte dos camponeses, entretanto, se afastou da luta. Queriam esperar um pouco para ver se as medidas seriam concretizadas.

O enfraquecimento do Movimento deu causa, certamente, a que Zapata aceitasse um encontro com um general do exército federal, que fingiu simpatizar com a causa camponesa. Não tomando as medidas de segurança necessárias para um encontro desse tipo, o grande combatente, que disse certa vez “é melhor morrer de pé do que viver de joelhos”, foi abatido covardemente no dia 9 de abril de 1919. Após sua morte, o Exército Popular do Sul se desintegrou. Ao Norte, Pancho Villa fez acordo com o governo em 1920, depôs as armas e acabou assassinado em 20 de julho de 1923.

Álvaro Obregon, que depôs Carranza, governando de 1920 a 1924 e seu sucessor, Plutarco Elias Calles (1924-1928), ampliaram a reforma agrária, reconhecendo os ejidos e estendendo-os a 53% do território, e estabeleceram uma política agrícola que criou uma classe média rural, enfraquecendo o latifúndio. Por outro lado, mantiveram o modelo econômico dependente e associado ao capital estrangeiro.

Lázaro Cárdenas, que participara do Movimento Revolucionário, governou o México de 1934 a 1940. Ampliou e fortaleceu a reforma agrária, incentivando a formação de cooperativas comunitá-rias, aos moldes do programa zapatista, nacionalizou a indústria petrolífera e incentivou a organiza-ção dos camponeses e dos indígenas. Cárdenas apoiou o movimento republicano espanhol e deu gua-rida a centenas de exilados após sua derrota para os fascistas.

Em 1940, a direita vence o pleito eleitoral, estreita os vínculos com a política estadunidense e vai eliminando as conquistas da Revolução Mexicana. Simplesmente, retira o apoio estatal aos ejidos e fortalece a grande agricultura exportadora. Os ejidos, os pequenos e até os médios proprietários foram perdendo suas terras para os grandes grupos privados. O Movimento camponês renasce em 1960, liderado por Rubén Jaramillo, que havia combatido nas fileiras zapatistas. Encaminha as reivindicações pelas vias institucionais, mas vê que os caminhos estão barrados. Apela então para a luta armada até ser assassinado no Estado de Morelos em 1962.

Nos anos 60, aconteceu o chamado “Milagre Mexicano”, que forma uma numerosa classe média consumista, mas a maioria da população só pôde apreciar os bens de consumo modernos pelas vitrines das lojas. Aparentemente, entretanto, tudo era paz, a ser coroada pelas Olimpíadas de 1968.

Mas nesse ano, irrompe no mundo inteiro a rebelião da Juventude, e o México não fica de fora. Os estudantes foram às ruas reivindicando não apenas reformas estudantis, mas mudanças em todo o sistema econômico-político-social. Tudo terminou na Praça das Três Culturas (Cidade do México), onde uma quarta cultura se impôs – a da “ponta do sabre e bala de metralhadora”, varrendo a praça, deixando abatidos trezentos jovens. Foi o fatídico dia 2 de outubro de 1968.

Fechados os canais pacíficos, parte das lideranças do movimento partiu para a guerrilha urbana. Um grupo foi tentar a guerrilha rural junto aos indígenas maias de Chiapas. Os maias, que já haviam convertido frei Bartolomeu de Las Casas, convenceram também os garotos rebeldes a terem calma. No tempo certo, eles saberiam pegar nas armas. Os garotos, por sua vez, ensinaram os indígenas a verem além de suas comunidades, a compreenderem o que estava acontecendo no país e no mundo e o que isso tinha a ver com eles. Os guerrilheiros urbanos foram vitimados pela guerra suja que se abateu sobre toda a América Latina e também tiveram seus mortos, torturados e desaparecidos.

Uma crise econômica que se anunciava nos anos 70 foi contida pela abundância do petróleo mexicano. Aconteceu a “petrolização” do país. A economia (75% das exportações) e as finanças públicas passaram a depender completamente do petróleo, explorado (alguém tinha dúvidas?) pelas empresas texanas.

O início da década de 80 é marcado pela queda vertiginosa nos preços do petróleo. A economia mexicana entra em bancarrota. Em 1982, o governo de López Portillo decreta moratória e nacionaliza os bancos. Mas nos anos seguintes, o governo apela para o Fundo Monetário Internacional (FMI), que cede empréstimo de 9 bilhões de dólares e instala seus funcionários nos ministérios da área econômica do México.

É aplicada a velha receita: arrocho salarial, redução dos gastos públicos e entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro e a seus sócios nacionais. Crescem o desemprego, a exclusão social, a marginalidade. Milhares tentam passar para seu vizinho dominador, os Estados Unidos, e grande parte encontra a prisão ou a morte na fronteira do falso “paraíso”.

A revolução camponesa retoma seu curso    

A adesão plena ao neoliberalismo (imperialismo) se formaliza em 1º de janeiro de 1994, com a assinatura do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), firmado pelos EUA, México e Panamá. O presidente do México, Carlos Salinas de Gortari, ainda comemorava a celebração do malfadado acordo, quando se revela ao mundo o bendito fruto de um casamento que acontecera nos idos de 1968.

O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), formado por indígenas maias de diversas comunidades e por remanescentes do movimento de 1968 (representados pelo subcomandante Marcos), na madrugada de 1º de Janeiro de 1994, com cerca de três mil insurgentes armados tomou o controle de quatro municípios do Estado de Chiapas: San Cristóbal de las Casas, Ocosingo, Altamirano e Margaritas. Tomou uma estação de rádio, atacou um quartel do Exército e divulgou a “1ª Declaração da Selva Lacandona”, da qual transcrevo o seguinte trecho: “Povo do México: Nós, homens e mulheres, íntegros e livres, estamos conscientes de que a guerra que declaramos é uma medida extrema, porém justa. Os ditadores estão aplicando uma guerra genocida não declarada contra nossos povos desde muitos anos; por isso, pedimos sua participação decidida, apoiando este plano do povo mexicano que luta por trabalho, terra, alimentação, saúde, educação, independência, líberdade, democracia, justiça e paz. Declaramos que não deixaremos de lutar até conseguirmos o atendimento das demandas básicas de nosso povo formando um governo de nosso país livre e democrático.”

O Zapatismo vive. Viva Zapata!

José Levino, historiador

Che e Fidel: uma amizade revolucionária

Dois homens especiais cuja contribuição à Humanidade ficará para sempre na História. Duas personalidades com pontos em comum e também com diferenças, mas que se completaram para constituir uma luz para os povos oprimidos do Caribe, da América Latina e de todo o mundo. Fidel Castro Ruz, cubano, nasceu em 1926, filho de Ángel Castro e Lina Ruz, ele um imigrante galego, pobre, que fez fortuna em Cuba, acumulando terras, madeira e gado. Fidel cursou direito na Universidade de Havana, onde começou sua intensa militância política, com uma visão profundamente anti-imperialista, evoluindo para o socialismo e o comunismo. Ernesto Guevara de La Serna, argentino, nasceu em 1928, filho de Ernesto Guevara Lynch e Célia de La Serna, um casal de classe média alta, embora em crise financeira, e progressista. Ernesto (Teté, Chancho) não participou ativamente do movimento estudantil, desde cedo estudou a filosofia marxista, mas não simpatizava com o Partido Comunista Argentino.

Dois caminhos se encontram

Fidel criou um Movimento Revolucionário, que se chamaria 26 de Julho, em memória à data do assalto ao Quartel Moncada para distribuir armas com o povo e incitá-lo a derrubar a ditadura de Fulgencio Batista; foi preso, solto e saiu para o México, onde iria se encontrar com outros companheiros exilados a fim de organizar uma expedição para desencadear uma guerra de guerrilhas contra a ditadura a partir da Sierra Maestra.

Ernesto Guevara buscava um caminho, tinha uma consciência profundamente anti-imperialista e socialista. Não se contentava com o conhecimento baseado na leitura. Queria ver, contatar os oprimidos de perto. Fez sua primeira viagem junto com Alberto Granado, por grande parte da América do Sul (ver filme Diários de Motocicleta). No retorno, disse “Não sou o mesmo de antes”. A segunda viagem foi de engajamento. Na procura de um movimento para lutar pela libertação dos oprimidos, chegou à Guatemala, onde o povo se mobilizava para defender o governo Árbenz (democrático e nacionalista) de uma invasão de reacionários apoiados pelos Estados Unidos (CIA).

Derrotada a revolução guatemalteca, Ernesto segue para o México, onde foi apresentado aos cubanos, em cuja missão se integrou e por eles foi rebatizado como “Che”, devido a Ernesto dirigir-se às pessoas como tchê (costume dos Pampas).  Com eles, encontrou seu “norte”. Che ficou tão impressionado com Fidel, que escreveu um poema para ele: “Vamos, ardoroso profeta da madrugada/por caminhos longínquos e desconhecidos/liberar o grande caimão que você tanto ama/quando soar o primeiro tiro e na virginal surpresa toda a mata despertar/lá ao seu lado, serenos combatentes/você nos terá…

Fidel também se impressionou com aquele argentino cheio de entusiasmo e fé, absolutamente decidido a dedicar sua vida ao povo, que considerava a luta em Cuba a primeira grande oportunidade de pôr em prática seu inquestionável objetivo. Aceitou-o como médico da expedição, mas, logo nos primeiros treinamentos militares, sua firmeza, sua capacidade de aprender as técnicas da guerrilha, sua capacidade de liderança e a magnética personalidade deixaram claro que ali se encontrava um guerrilheiro de primeira hora.

Companheiros de comando, amigos e confidentes

Já no Natal de 1956, após os primeiros meses de luta na Sierra, Che integrava o Estado-Maior do Exército Rebelde, depois foi nomeado Comandante da Segunda Coluna. No dia de sua nomeação por Fidel, Che escreveu no Diário: “Isso me fez sentir como o homem mais orgulhoso da Terra neste dia”. A partir daquele momento, ele era o Comandante Che Guevara.

A bravura e dedicação do Che tornaram-no um símbolo do guerrilheiro heroico, braço direito de Fidel e seu principal confidente.  Mesmo quando suas colunas estavam distantes, constantemente trocavam bilhetes. Fidel falava para ele dos planos militares, debates políticos, assuntos financeiros, e relatava experiências com novas armas que iam inventando no decorrer da luta.

Em entrevista ao jornalista argentino Jorge Masetti, ainda na Sierra, Che disse: “Fidel me impressionou como um homem extraordinário. Ele enfrentou e superou as coisas mais impossíveis. Ele tinha uma fé excepcional de que, uma vez que partisse para Cuba, chegaria. Que uma vez que tivesse chegado, lutaria. E que, lutando, venceria. Eu compartilhei desse entusiasmo…

Após a tomada do poder, em janeiro de 1959, Che assumiu diversas funções no governo, buscando pôr em prática sua ideia de construção do homem novo. Para ele, o socialismo só seria possível com o ser humano superando o individualismo e colocando a coletividade em primeiro plano. Para isso, dizia Che, incentivos materiais não servem e sim a emulação proporcionada pelo trabalho voluntário, no qual ele era o primeiro a dar exemplo. Uma vida simples. Uso de carro oficial apenas a serviço, recusa de levar a mulher em viagens ao exterior, em dar presente aos filhos que o homem do povo não pudesse dar também, e assim por diante.  Che sempre recebeu o apoio e o incentivo de Fidel.

Che sempre teve claro que Cuba não seria seu porto final. Que era preciso continuar a luta pela libertação da humanidade. E que Cuba não poderia avançar sozinha na construção do socialismo, dependendo apenas do apoio da União Soviética, onde a política dos governantes já sinalizava um recuo, em vez de avançar para o comunismo.

De Che para Fidel

Mas Che compreendia a posição do governo cubano e de Fidel, só que não via sentido em permanecer mais em Cuba enquanto outros povos precisavam de sua “modesta” contribuição. A carta de despedida que fez para Fidel antes de partir para o Congo, de onde sairia para a Bolívia, é um testemunho emocionante da admiração e amizade que mantinha pelo Comandante Fidel: “…Vivi dias magníficos ao seu lado, senti o orgulho de pertencer ao nosso povo nos dias brilhantes, embora tristes, da crise caribenha. Raramente um diplomata foi mais brilhante que você naqueles dias…Carrego para novas frentes de batalha a fé que você me ensinou, o espírito revolucionário do meu povo. Se minha hora final me encontrar debaixo de outros céus, meu pensamento será para o povo e especialmente para você…

Bem, infelizmente, a hora final chegou debaixo dos céus da pátria-mãe latino-americana, mais precisamente da Bolívia, quando, ferido em combate em 8 de outubro de 1967, no dia seguinte, o eterno Che Guevara foi assassinado, fria e covardemente, por um esbirro do exército boliviano, assessorado pelos boinas-verdes dos EUA.

De Fidel para Che

Ao anunciar ao povo cubano a morte do Comandante Che Guevara, Fidel manifestou publicamente – e visivelmente emocionado – toda a admiração e amizade que também mantinha pelo herói, dizendo, entre outras palavras ardorosas:
…Che possuía, como revolucionário, as virtudes que podem ser definidas como a mais cabal expressão das virtudes de um revolucionário: homem íntegro, homem de honradez suprema, de sinceridade absoluta, homem de vida estoica e espartana, homem em quem, praticamente, em sua conduta, não se encontra uma só mancha. Constituiu, por suas virtudes, o que se pode chamar de verdadeiro modelo de revolucionário. Um verdadeiro exemplo de virtudes revolucionárias! Mas, além disso, tinha outra qualidade, uma qualidade do coração, porque era um homem extraordinariamente humano, extraordinariamente sensível! Homem de ação, mas também homem de pensamento,  homem de imaculadas virtudes revolucionárias e de extraordinária sensibilidade humana, unidas a um caráter de ferro, a uma vontade de aço, a uma tenacidade indomável.

Trabalhador infatigável, nos anos que esteve a serviço de nossa pátria não conheceu um só dia de descanso. Sua inteligência multifacetada era capaz de empreender, com o máximo de segurança, qualquer tarefa, de qualquer ordem, em qualquer sentido.

Nos dias regulamentares de descanso, empenhava-se no trabalho voluntário. Foi o inspirador e o máximo impulsionador desse trabalho que hoje é atividade de centenas de milhares de pessoas em todo o país, o impulsor dessa atividade que cada dia ganha mais força nas massas de nosso povo.

E como revolucionário, como revolucionário comunista, verdadeiramente comunista, tinha uma infinita fé nos valores morais, tinha uma infinita fé na consciência aos homens. E devemos dizer que, em sua concepção, viu com absoluta clareza nos recursos morais a alavanca fundamental da construção do comunismo na sociedade humana.

Em uma palavra, deixou-nos seu exemplo! E o exemplo de Che deve ser um modelo para nosso povo, o exemplo de Che deve ser o modelo ideal para nosso povo!

Se queremos expressar como aspiramos a que sejam nossos combatentes revolucionários, nossos militantes, nossos homens, devemos dizer sem vacilação de nenhuma índole: que sejam como Che! Se queremos expressar como aspiramos a que sejam os homens das futuras gerações, devemos dizer: que sejam como Che! Se queremos dizer como desejamos que nossos filhos sejam educados, devemos dizer sem vacilação: queremos que se eduquem no espírito de Che! Se queremos um modelo de homem, um modelo de homem que não pertence a este tempo, um modelo de homem que pertence ao futuro, de coração digo que esse modelo, sem uma só mancha em sua conduta, sem uma só mancha em suas atitudes, sem uma só mancha em sua atuação, esse modelo é Che! Se queremos expressar como desejamos que sejam nossos filhos, devemos dizer com todo o coração de veementes revolucionários: queremos que sejam como Che!

Leia também: Como a CIA matou Che Guevara

José Levino, historiador

Exército Vermelho salva a humanidade do monstro nazifascista

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No capitalismo, as guerras são fruto da concorrência entre as classes dominantes de diferentes nações pelo domínio do planeta. Na primeira guerra mundial, formaram-se dois blocos imperialistas opostos: Alemanha, Itália e Japão, vencidos, de um lado; Grã-Bretanha, França e EUA, vencedores, do outro.

O sol nasce vermelho

Algo novo, entretanto, surgiu durante a 1ª guerra mundial: a revolução socialista de outubro de 1917, na Rússia; nova cisão ocorria no mundo, agora dividido em dois sistemas adversos: o capitalismo e o socialismo.

Os dois blocos capitalistas passaram a ter um objetivo comum: a destruição do primeiro estado operário-camponês da história, em vista da restauração do capitalismo em escala global.  Esse fim é que levou o bloco vencedor, especialmente os EUA, a investir na economia alemã 15 bilhões de marcos em seis anos (1924-1929).

Quando o hitlerismo se firma na Alemanha e explicita seu intento de domínio mundial, as potências capitalistas dominantes não tratam de combatê-lo. Ao contrário, fecham os olhos às suas agressões e até incentivam o monstro nazista a direcionar seu ataque para a União Soviética (URSS).

Em 1939, a URSS propôs a Inglaterra e França um pacto para ações militares conjuntas se os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), bloco nazifascista, iniciassem a guerra na Europa. Não houve rejeição formal, mas nenhum passo foi dado por parte dos países capitalistas para concretizar o pacto. Ao contrário, França e Inglaterra firmaram com Alemanha e Japão acordos de não-agressão. Deixada sozinha, em agosto de 1939, a URSS assinou com a Alemanha um tratado de não-agressão. Os dirigentes sabiam que mais cedo ou mais tarde Hitler romperia o acordo, mas conseguiram ganhar algum tempo para reforçar melhor sua capacidade de defesa.

De 1938 a 1941, Hitler ocupou  Áustria,  Checoslováquia, Polônia, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Noruega, Grécia, Iugoslávia e finalmente a própria França.   Na Europa central e oriental, a Alemanha fascista adquiriu imensa quantidade de material de combate, freios de transporte, matéria- prima e materiais estratégicos, tornando-se forte o suficiente para atacar a URSS.

Hitler, no livro Mein Kampf proclamara: ”…tratando-se de obter novos territórios na Europa,deve-se adquiri-los principalmente á custa da Rússia”.

A invasão hitlerista foi impiedosa. ’’Fuzilavam em massa as pessoas (mulheres, crianças, idosos, montavam campos de morte, deportavam para trabalho forçado na Alemanha. Por onde passavam, não deixavam pedra sobre pedra’’. Era a política do extermínio. “Eu tenho o direito de destruir milhões de homens de raça inferior que se multiplicam como vermes’’ (Hitler).

Em resposta, o governo, o PCUS, o povo soviético lançou a palavra de ordem: ’’Morte aos invasores fascistas, tudo para a frente! Tudo para a vitória!“  Às fileiras do Exército Vermelho se integraram milhões de homens. Criaram-se também inúmeros regimentos de milícia popular contando 2 milhões de combatentes.

Formou-se, ainda na retaguarda uma força guerrilheira massiva. A dedicação e bravura do povo soviético comoveram o mundo e foram decisivas para quebrar a resistência capitalista (EUA,Inglaterra,França). Formou-se finalmente o bloco aliado, antifascista, a frente única dos povos pela democracia.

Caíra por terra a idéia de Hitler de que a ocupação da URSS seria um passeio uma ‘’guerra relâmpago’’ Os nazis não imaginavam a resistência que encontrariam nas principais cidades: Leningrado, Stalingrado, Kiev e Moscou, entre tantas.  Homens, mulheres, idosos e crianças ergueram-se como muralha inexpugnável.

Os feitos do povo soviético repercutiram no mundo inteiro, levando um jornal burguês como o STAR, de Washington, a publicar: ”Os sucessos da Rússia na luta contra a Alemanha hitleriana revestem-se de grande importância não só para Moscou e o povo russo, como também para Washington, para o futuro dos Estados Unidos. A história renderá homenagens aos russos por terem suspendido a guerra relâmpago, pondo em fuga o adversário”.

Em junho de 1942, os invasores avançam,  mas encontram uma barreira instransponível em  Stalingrado. Durante quatro meses de combate, os invasores perderam 700.000 soldados e oficiais, mais de mil tanques, 2 mil canhões e morteiros, 1.400 aviões. Os invasores eram tecnicamente superiores, mas em novembro de 1942, os números já se invertiam em favor dos soviéticos. Os alemães estavam com 6.200.000 soldados, os soviéticos com 6.600.000; 5.000 tanques invasores contra 7.000 soviéticos; 51.000 peças e morteiros contra 77.000.

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Na derrota do Stalingrado, os nazis perderam 1,5 milhões de soldados e oficiais. ’’… Do ponto de vista moral, a catástrofe que o exército alemão sofreu nos acessos de Stalingrado teve um efeito sob o peso do qual ele não pôde mais reerguer-se’’ (A segunda guerra mundial, B.Lideel Hart).

Depois, ocorreu a vitória do Cáucaso e se iniciou processo de expulsão em massa dos ocupantes nazistas. ’’A União Soviética pode orgulhar-se das suas heróicas vitórias”, escreveu o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, acrescentando: “…os russos matam mais soldados inimigos e destroem mais armamentos do que os outros 25 estados das Nações Unidas no conjunto”.

O final de 1943 marca a virada na frente soviética e na Segunda Guerra em geral. O movimento contra o nazifascismo consolidou-se e ampliou-se em todo o planeta. A guerra estava decidida, embora os hitleristas ainda tenham resistido um ano e meio.

Em junho de 1944, com o exército nazi batido em todas as regiões da URSS, as tropas anglo-americanas desembarcaram no Norte da França, dando início à 2ª frente proposta pelo governo soviético desde o início da invasão.

Pode-se dizer que a essa altura a guerra estava decidida, diante da derrota alemã na Rússia. O próprio Winston Churchil, primeiro-ministro britânico, reconhece o papel fundamental dos soviéticos, no discurso pronunciado na Câmara dos Comuns em julho de 1944: ’’… Considero meu dever reconhecer que a Rússia mobiliza e bate  forças muitíssimas maiores que as enfrentadas pelos aliados no Ocidente, que há longos anos, ao preço de imensas perdas ela suporta o principal fardo da luta em terra’’.

Um Exército Libertador

Apesar de imensas perdas, o Exército Vermelho avançou no encalço dos alemães pela Europa Oriental a dentro, fustigando os nazistas e auxiliando as forças populares da resistência a derrotarem os ocupantes e seus colaboradores internos. Repúblicas democrático-populares foram instaladas com os partidos comunistas à frente na Polônia, Hungria, Iugoslávia, Checoslováquia, Romênia, Bulgária.

Para Berlim’’! Era a palavra de ordem do exército libertador. Não foi um passeio. A resistência nazista, embora enfraquecida, produzia encarniçados e sangrentos combates.

Os russos vitoriosos, não mataram, não pilharam, não se vingaram dos crimes cometidos pelo exército alemão no solo soviético. Ao contrário, alimentaram os famintos, organizaram a assistência médica, o funcionamento dos transportes, a distribuição de água e de energia elétrica. A 2 de maio de 1945, o Comando Supremo alemão assinou o ato de capitulação incondicional das forças armadas.

Sob novos céus

Terminada a guerra na Europa, era preciso voltar-se para a Ásia. O Japão, aliado dos nazistas dominavam milhões de pessoas na China, na Coréia, nas Filipinas. Apesar de as forças armadas dos EUA e da Inglaterra vir imprimindo sucessivas derrotas, as forças japonesas ainda eram numerosas e fortes. De vez em quando, elas atacavam as fronteiras da URSS e torpedeavam navios soviéticos em alto-mar.

No dia 8 de maio de 1945, a União Soviética declarou guerra ao Japão e começou a ofensiva  de 8 para 9 de agosto. Nesse mesmo dia, o primeiro-ministro japonês, Teiichi Suzuki afirmou: “…A entrada da URSS na guerra hoje de manhã põe-nos definitivamente numa situação sem saída e torna impossível continuar a guerra”. Estava certo. No final do mês, o Exército nipônico havia perdido 677 mil soldados e oficiais: 84 mil mortos e 593 mil prisioneiros.

Ao contrário do que muitos pensam, e a historiografia burguesa busca difundir, não foram as bombas estadunidenses lançadas no início de agosto contra Hiroshima e Nagasaki que provocou a capitulação japonesa. A guerra continuou normalmente depois do ataque bárbaro e covarde. A rendição resultou do destroçamento do exército nipônico pelas tropas soviéticas.

Se alguém duvida, leia o testemunho do general Chenault, que chefiou as forças dos EUA na China: “…A entrada da URSS na guerra contra o Japão foi o fator decisivo para o fim da guerra no Pacífico, o que sucederia mesmo sem o emprego de bombas atômicas. O rápido golpe desferido pelo Exército Vermelho sobre o Japão fechou o cerco que pôs finalmente o Japão de joelhos”.

O Exército Vermelho contribuiu ainda para a expulsão dos nazistas da China e da Coréia. O sacrifício do povo soviético foi inestimável. Mas valeu a pena porque livrou a Humanidade da besta nazista. Foi também a vitória do socialismo que saiu da Segunda Guerra triunfante em toda a Europa Oriental e na China.

Por todos, valeu a carta de agradecimento enviada pelo povo coreano a José Stalin, comandante supremo das forças soviéticas: “…Os combatentes soviéticos chegaram não como conquistadores, mas como libertadores. Emancipada da escravidão, a nossa pátria respirou livremente. O céu apareceu-nos radioso. A nossa terra floresceu. Jorraram canções de liberdade e felicidade…

José Levino, historiador

A vida das mulheres na sociedade socialista

“A mulher e o trabalhador têm algo em comum: são ambos oprimidos. Essa opressão sofreu modificações na forma, segundo o tempo e o país, mas subsistiu..” (Auguste Bebel). Desde que a humanidade passou a viver num sistema de exploração do homem pelo homem, com a dissolução das comunas primitivas, é assim. Na escravidão e no feudalismo, ela era  mera propriedade do seu marido. Podia até ser vendida, morta, enfim…

No capitalismo, o Estado burguês proclamou a liberdade das mulheres, mas apenas para liberar mão-de-obra barata para o sistema fabril. Mas manteve pais e maridos como proprietários dos seus sentimentos, de sua virgindade, fidelidade e assim por diante.

Os socialistas utópicos lançaram um brado de guerra contra a opressão da mulher. Charles Fourier, diz Engels, faz uma crítica magistral da moral sexual burguesa e anuncia que “a evolução de uma época histórica é determinada pela relação entre o progresso da mulher e o da liberdade, pois o grau de emancipação feminina determina naturalmente a emancipação geral”.

Certo, diz Marx, só que esta emancipação não surge por milagre ou por um simples ato de boa-vontade. A opressão da mulher é fruto da divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, da dominação de uma classe sobre as outras. Sendo assim, só terminará com o fim da exploração do homem pelo homem, ou seja, no socialismo.

A burguesia reprimiu duramente a luta dos operários pelo reconhecimento dos seus direitos, mas quando as mulheres trabalhadoras estiveram à frente dessa luta, suprema ofensa, a repressão foi mais intensa, cruel.  Símbolo dessa perseguição foi o massacre das operárias têxteis em Nova Iorque no ano de 1857, tragédia que deu origem ao Dia Internacional da Mulher, o 8 de março. A criação desse dia, por sinal, foi proposta por uma militante comunista, Clara Zetkin, no II Congresso Internacional das Mulheres Socialistas realizado em 1910 na Dinamarca.

Sob o capitalismo, as mulheres têm se engajado nas lutas gerais e específicas e com isso, uma série de conquistas foi alcançada: direito a votar e ser votada, divórcio, igualdade perante a lei. Na prática, entretanto, permanece a discriminação no mercado de trabalho e na vida social, a escravidão doméstica, o salário inferior ao do homem, embora exercendo a mesma função, a dupla jornada, etc.  Na maior parte, dos casos, diz Lênin, “o divórcio não se realiza porque o sexo oprimido é economicamente esmagado, a mulher permanece escrava da casa, aprisionada no quarto de dormir, no quarto da criança, na cozinha..”.  A análise do grande líder comunista permanece atualíssima porque o capitalismo, em qualquer etapa, se caracteriza por proclamar todas as liberdades e direitos, mas sua realização se dá de forma ínfima. Não poderia ser diferente, porque está provado historicamente, que as relações sociais, as relações humanas resultam das relações de produção e do sistema de propriedade.

O Socialismo realizou a emancipação da mulher?

Desse modo, a Revolução Bolchevique de 1917, na Rússia, tendo eliminado a propriedade privada dos meios de produção e proclamado o seu caráter socialista, teria procedido à libertação integral da mulher? O que aconteceu de fato na Rússia e posteriormente em toda a União Soviética?

Como vimos, as relações sociais e humanas derivam das relações de produção e do sistema de propriedade. Mas é claro que se transformam em costumes, em cultura. Então, mesmo retirada a base que lhes deu origem, não mudam automaticamente. É preciso criar as condições materiais e desenvolver a consciência, mudar as idéias, o que não ocorre do dia para a noite, especialmente num país como a Rússia, onde, no campo o sistema econômico-social ainda era semifeudal.

No campo jurídico, o poder dos sovietes foi ágil. Em 1917 decretou o divórcio, em 1918 o novo Código Civil suprimiu todos os direitos dos homens sobre as mulheres, a exemplo da imposição do nome da família, domicílio e nacionalidade do marido. A primeira Constituição da República Soviética (1918) deu à mulher o direito de votar e ser votada para cargos públicos, o que só veio a acontecer no Brasil, por exemplo, em 1930. Em 1920 foi promulgada lei garantindo o aborto gratuito em todos os hospitais do Estado. Deve-se ressaltar que o aborto não era incentivado e quem cobrasse para fazê-lo era severamente punido.

Mas, mesmo no socialismo, o fato de ser aprovada uma lei não significa que as mudanças ocorram imediatamente.  “Esta será uma luta longa. Exige uma transformação completa da técnica social e dos costumes”, diz Lênin em artigo publicado no Pravda em 1920. Nessa época, o divórcio já era lei, mas só vigorava efetivamente nas cidades. No campo, era letra morta, por conta da influência dos padres, dos preconceitos religiosos.  Nesse ponto, é preciso agir com cuidado, chamava a atenção Lênin, porque não se pode ferir o sentimento das pessoas. Explicava: “Só chegaremos à libertação da mulher camponesa no momento em que passarmos da pequena propriedade individual para a propriedade coletiva da terra. E para isso estamos organizando os comitês de camponeses pobres” (Lenin, 1920).

E nas cidades, afirmava o grande dirigente bolchevique, “para a verdadeira libertação das mulheres, é preciso superarmos a economia doméstica. Ainda não estamos cuidando dos ramos novos da economia comunista: os restaurantes coletivos, as lavanderias coletivas, as creches, os jardins de infância. São ramos simples, não têm nada de pomposo, mas são capazes de promover a libertação da mulher”. Falando na IV Conferência das Operárias sem partido de Moscou, em 23/09/1919, Lênin fez estas afirmações e declarou que nada disso se concretizará “sem o concurso de mulheres de toda a Rússia, não centenas, mas milhões e milhões de mulheres”.

As mulheres bolcheviques, as sem-partido, os operários, os dirigentes ouviram seu dirigente máximo e se lançaram na ação.   Lênin faleceu em 1924, mas apesar de sua perda ter sido lamentada, o processo revolucionário não teve solução de continuidade, graças ao seu sucessor, que se denominava simplesmente um “seguidor de Lenin”: José Stalin.

Em 1927, um balanço de dez anos de revolução demonstrava que em uma dezena de anos, as mulheres russas haviam dado mais passos rumo à sua completa emancipação do que as mulheres de todo o mundo em dois séculos.  Isso foi possível exatamente por se ter realizado o que pedia Lênin: implantação de um programa de obras públicas com a construção de moradias, escolas, hospitais, restaurantes coletivos e lavanderias públicas em todos os bairros.

Na indústria, o salário feminino passou a ser igual ao masculino na mesma função, proibida qualquer discriminação no trabalho e na vida social. Um programa especial de qualificação da mão-de-obra feminina foi realizado.

No campo, onde a dificuldade era maior, como exposto por Lênin, mudanças significativas vinham acontecendo, graças ao avanço na formação de cooperativas agrícolas, os kolkhozes, instrumento fundamental na criação de uma consciência coletiva entre os camponeses.

No ano de 1933, falando no congresso dos kolkozianos, Stalin mostrou os avanços ocorridos desde 1917. Diz:“Considerai este congresso e vereis que as mulheres, tão atrasadas, passaram há muito a figurar na vanguarda. Alguns dados: 6 mil mulheres integrando a direção das cooperativas, 28 mil chefes de equipe, 100 mil organizadas em grupos de trabalho, 7 mil dirigindo tratores…” Agora, ressalta Stalin, “Nem o pai nem o marido podem dizer que sustentam a mulher. Hoje,  graças ao trabalho, a mulher é dona dela mesma. Assim é a libertação da mulher”.

Daí para frente, as mulheres foram sempre conquistando novas posições, avanços só interrompidos pela invasão nazista-imperialista. De 1939 a 1945, todo o esforço das mulheres, dos homens, das crianças, dos idosos foi para a guerra de defesa de sua pátria e do socialismo.

Testemunha Stalin:  “As mulheres soviéticas prestaram serviços inapreciáveis  à defesa nacional. Elas trabalham com abnegação para a frente de batalha; suportam corajosamente todas as dificuldades do tempo de guerra; inflamam por ações entusiásticas os combatentes do Exército Vermelho, os libertadores da Pátria..” (Relatório apresentado à sessão dos deputados dos trabalhadores de Moscou no XXIV aniversário da grande Revolução Socialista).

Terminada a guerra, com entusiasmo maior ainda, o povo soviético dedicou tempo integral à recuperação da sua economia, da sua vida, com resultados surpreendentes e admirados em todo o mundo.

Em 1953, morre Stalin. Infelizmente a sua sucessão não foi como a de Lênin. Sabemos que a luta de classes continua no socialismo. A burguesia não se conforma em ter perdido poder econômico, político, social. Primeiro se lançou no enfrentamento direto (guerra interna, invasão imperialista). Mas ao mesmo tempo, busca solapar por dentro o poder soviético. E o que os poderosos tanques alemães não conseguiram, a infiltração diária, sorrateira, dissimulada, conseguiu. A direção gestada no XX Congresso do PCUS conduziu a grande pátria socialista pelo caminho de volta ao sistema de exclusão e opressão.  De Nikita Kruschev a Gorbachev, foi só retrocesso, que se completou em 1991, quando um grupo  de gangsters tomou o poder e detonou a União Soviética, implantando um sistema capitalista predador.

Hoje, as mulheres soviéticas retomam a luta por direitos que, bem ensina a sua história, só serão alcançados plenamente no socialismo.

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José Levino, historiador

Sônia Angel – Coragem e alegria dedicadas à causa revolucionária

Combatente e revolucionária, alegre e destemida, Sônia Angel dedicou sua juventude à luta pela Revolução Socialista, à causa de libertação do povo brasileiro e da humanidade, da opressão capitalista. De 1968 a 1973, foram oito anos de muitas atividades políticas, quase todos vividos na clan-destinidade e dedicados à luta armada contra a tirania da ditadura militar.

Assim foi a breve, mas intensa vida da guerrilheira Sônia Angel. Infelizmente, pouco restou de documentos que pudessem contar às novas gerações seu legado e sua história. O terror e a repressão obrigaram parentes e amigos a queimar os escritos e as cartas que continham suas reflexões, porém seu exemplo continua vivo no coração e na consciência dos que lutam contra as injustiças do capitalismo.

Sônia nasceu no dia 9 de novembro de 1946, em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul. Seus pais, João Luiz de Moraes, militar que chegou a tenente-coronel, e Clea Moraes, sempre descrita como uma pessoa extraor-dinária. Ambos dedicaram suas vidas à preparação educacional de jovens à universidade.

Desperta a militância heróica de Sônia

O contato de Sônia com as idéias revolucionárias começou no ano de 1966, quando ingressou no curso de economia da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Já em seu primeiro dia de aula, foi eleita representante de turma. Sua liderança despontava naturalmente, pois era uma jovem que nunca escondeu seu amor à vida, transmitindo muita alegria com o carisma de sua personalidade divertida e espontânea. Gostava de viajar, namorar e ir a festas, vivendo sua juventude com plenitude e vigor.

Foi, também, na Faculdade de Economia que Sônia conheceu o jovem Stuart Angel Jones, com quem se casou em outubro de 1968. Stuart era um destacado militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), uma das mais importantes organizações revolucionárias surgidas durante o regime militar, implantado no Brasil com o golpe de 1964.

Na prisão enfrenta a arrogância da ditadura

Sônia conheceu cedo os impactos da ação repressiva em sua vida e na de seus companheiros. Em 1969, um grupo de estudantes, entre eles Sônia, com apenas 22 anos, preparava-se para realizar panfletagem em portas de fábricas durante atividades de convocação do 1º de Maio, quando foi preso por agentes do famigerado Departamento de Ordem Política Social (Dops).

O argumento usado para justificar a prisão dos jovens foi o Decreto 477, criado pelo então Ministro da Educação, coronel Jarbas Passarinho, para reprimir as atividades das lideranças estudantis nas escolas e universidades. Com isso, Sônia foi sumariamente expulsa da Faculdade Nacional de Economia da UFRJ, onde já cursava o último ano.

Presa por mais de três meses no prédio do Dops, localizado na Rua da Relação, Sônia protagonizou um dos episódios mais ousados dos anos de chumbo, mostrando sua firmeza de jovem militante. Havia sido agendada uma visita de inspeção do então Secretário de Segurança, o general Luiz de França Oliveira. Ordenaram que todas as “detentas” ficassem sentadas em círculo e, a partir do apito do carcereiro, levantassem e se colocassem em posição de sentido diante do general. Todas obedeceram às instruções, menos Sônia, que permaneceu no seu lugar. O general entrou na cela e  dirigiu-se a ela, exigindo que cumprisse as determinações:

– Levante-se, minha senhora. A senhora está diante de uma autoridade, o Excelentíssimo Senhor general Luiz de França, Secretário do Estado, e deve reverenciá-lo.
Sônia manteve-se sentada e respondeu com firmeza:
– Não me levanto pra policial nenhum!

Diante do clima de constrangimento e do receio por parte dos repressores de que aquela atitude contagiasse as demais prisioneiras, os carrascos recuaram e ordenaram que as outras presas sentassem.

Sônia foi julgada e absolvida duas vezes, por unanimidade, pelo Tribunal Superior Militar. No entanto, sua absolvição não significaria liberdade e segurança.

Sensibilidade e consciência temperadas para enfrentar a dura realidade

Tanto Sônia quanto Stuart estavam lúcidos da realidade cruel que tomava conta do Brasil naqueles anos de escuridão da ditadura militar. O aparta-mento do casal, localizado na rua Pinto de Figueiredo, na Tijuca, tradicional bairro de classe média carioca, fora invadido, revirado, saqueado e destruído pelas forças da repressão e estava sob vigilância constante. Tal situação levou Sônia a tomar todos os cuidados logo após sua saída da prisão no Dops, pois estava ciente de que iriam fazer de tudo para capturá-la novamente.

Alguns dias após sua absolvição pelas cortes da Justiça Militar, um representante do então I Exército (atual Comando Militar do Leste) foi à casa de seus pais, levando uma intimação para que Sônia  se apresentasse para prestar depoimento. A intimação não passava de uma manobra dos militares para prendê-la, enquadrá-la em novo processo e, com isso, mantê-la encarcerada.

Como Sônia já havia se juntado a Stuart em lugar ignorado, seu pai, João de Moraes, se prontificou a dar os esclarecimentos em seu lugar. Na saída do quartel, um companheiro de João que estudara com ele na Escola Militar lhe alertou: “Moraes, não deixe sua filha aparecer nunca mais, porque vão matá-la”.

Exílio amadurece a opção pela luta armada

Já eram crescentes as ações armadas em todo o país. Diante da situação, os pais de Sônia e os dirigentes do MR-8 concordaram que seria melhor o exílio voluntário do casal. Mas Stuart, peça-chave da organização, não admitiu deixar seus companheiros e decidiu ficar, não havendo nada que o demovesse de sua posição. Ficou acertado que Sônia seria re-tirada estrategicamente do Brasil, uma tarefa cada vez mais difícil, devido ao aprofundamento da perseguição política. Coube então à família tratar dos procedimentos para sua retirada.

Havendo nada que o demovesse de sua posição. Ficou acertado que Sônia seria re-tirada estrategicamente do Brasil, uma tarefa cada vez mais difícil, devido ao aprofundamento da perseguição política. Coube então à família tratar dos procedimentos para sua retirada.

A saída de Sônia do Brasil foi marcada por muitas dificuldades. Até a chegada na fronteira, a fuga clandestina ocorreu com “relativa normalidade”, apesar de duas revistas minuciosas por patrulhas do Exército, espalhadas pelas estradas na busca desenfreada ao Capitão Carlos Lamarca, embrenhado com seus guerrilheiros nas matas do Vale do Ribeira. No Paraguai, um acidente com o carro deixou-os muito feridos, quase comprometendo a ação, mas a viagem prosseguiu e o embarque para a França aconteceu.

No exílio em Paris, Sônia continuou sua militância. Dedicou-se com afinco à causa revolucionária, não descuidando de ler e estudar a teoria marxista-leninista. Couberam-lhe as tarefas (exercidas por ela com grande desprendimento),  de micro-filmar os materiais enviados pelo MR-8 e dar assistência política e ideológica aos companheiros enviados para fora do Brasil, confortando e apoiando, material e psicologicamente, os que estavam traumatizados pela violência da tortura, da distância do país e da família.

O árduo caminho de volta

A necessidade de organizar seus companheiros fez com que Sônia se transferisse para Santiago, no Chile. Foi na capital chilena que soube da morte de Stuart e das bárbaras circunstâncias do seu assassinato, cometido pela ditadura militar. A notícia deixou-a completamente arrasada. Esse episódio cristalizou ainda mais sua aspiração de retornar ao Brasil.

O amadurecimento ideológico se materializava e consolidava seu posicionamento diante da luta armada. Para Sônia,  a luta armada deveria ser decorrente de um intenso trabalho de base, de uma forte ligação com o movimento de massa. Ela entendia que as organizações revolucionárias deveriam criar vínculos consistentes com o povo, especialmente, os operários na cidade e os camponeses no meio rural. Observando que o MR-8 não caminhava nessa direção e, inclusive, suas lideranças estavam desistindo dessa forma de luta, Sônia desligou-se da organização.

Para sobreviver, passou a trabalhar como fotógrafa profissional, mantendo, porém, sua opção pela guerrilha, o que a levou ao ingresso na Ação Libertadora Nacional (ALN);  defendeu que se preparasse a volta dos exilados ao Brasil e a reestruturação da organização guerrilheira, com ações voltadas para o povo. Logo se destacou em seu novo grupo.

Apesar da enorme adversidade que o movimento revolucionário estava vivendo no Brasil, o fim de 1972  marcou a decisão da ALN favorável ao re-torno de Sônia. As condições para o retorno de qualquer exilado eram de ex-trema dificuldade, mas sua partida foi confirmada. Chegando ao Brasil em maio de 1973, ela encontrou um novo companheiro, o extraordinário guerrilheiro Antônio Carlos Bicalho Lana.

O covarde assassinato de Sônia Angel pela ditadura militar

Logo ficou evidente que havia “infiltração” de agentes da ditadura, espionando e delatando suas atividades Não demorou muito e a repressão armou uma emboscada para prender Lana e Sônia. Os dois revolucionários ainda estavam presos quando a ditadura militar se encarregou de divulgar nos principais órgãos de imprensa que ambos haviam morrido numa troca de tiros em São Paulo. A família de Sônia só pôde descobrir o fato porque sua mãe havia exigido que  ela lhe contasse seu nome clandestino: Esmeralda.

O empenho da família, que se dirigiu às pressas até a cidade litorânea de São Vicente, onde residiam Lana e Sônia, na tentativa de resgatar o corpo das vítimas, foi frustrado. O clima de enfrentamento da família Moraes com os militares chegou ao absurdo das ameaças de morte e ao constrangimento da prisão de seu pai. Posteriormente, após um exaustivo processo de investigação, ficou claro que enquanto João Moraes estava preso, Sônia foi seqüestrada e conduzida para o Rio de Janeiro, onde padeceu monstruosas torturas. Levada de volta a São Paulo, sofreu novas torturas, estupro e seviciamento. Por fim, recebeu um tiro de misericórdia na nuca. Foi no dia 30 de novembro de 1973. Ela tinha 27 anos.

A morte de Sônia Angel representa mais um crime hediondo da burguesia. Mas deixou seu exemplo e sua força como jovem guerrilheira, defensora dos interesses dos oprimidos, da liberdade e da vida plena, como aspiração para todos aqueles que lutam por um mundo livre da exploração do homem pelo homem. Em cada batalha do povo brasileiro pela sua libertação e pelo socialismo, Sônia estará presente.

Bibliografia:
“O Calvário de Sônia Angel – Uma história de terror nos porões da ditadura”
Autor: João Luiz de Moraes

Como a CIA matou Che Guevara

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Quando decidiu partir de Cuba, renunciando a todos os cargos e à convivência com seus “entes mais queridos” (mulher, filhos, amigos), Che Guevara sabia que poderia não voltar mais. Na carta a Fidel, afirmou: “…Se minha hora final me encontrar debaixo de outros céus, meu último pensamento será para o povo, especialmente para você…” . Para seus pais “queridos viejos”:  “…Muitos me chamam de aventureiro, e o sou, mas de um tipo diferente, sou daqueles que colocam a vida em jogo para demonstrar as suas verdades. É possível que esta seja a definitiva. Se tiver que ser, então este é meu último abraço…”.  Para Aleida March, sua última esposa, deixou uma fita em que recita  poemas de amor, vários de Pablo Neruda, seu poeta favorito.  Para os filhos, uma carta: “…Seu pai foi um homem que agiu de acordo com suas próprias crenças e sem dúvida foi fiel às suas convicções… Cresçam como bons revolucionários. Estudem muito…Acima de tudo, procurem sentir profundamente qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo…..Até sempre, filhinhos. Ainda espero vê-los de novo. Um beijo grande de verdade e um abraço apertado do seu papa…”  
“…Deixo-lhe um olhar que sempre traz (como passarinho ferido) ternura e a memória indelével (sempre latente e profunda) das crianças, que um dia você e eu concebemos, e o pedaço de vida que resta em mim, isso eu dou (convicto e feliz) à revolução…” (De Che para Aleida, escrito às vésperas de sua morte).

As primeiras batalhas

As primeiras batalhas sob outros céus se deram no Congo, África, no ano de 1965. Não deu certo. Então voltou para nuestra América Latina e escolheu a Bolívia como ponto de partida para a libertação do Continente. Chegou a Nancahuazú, interior boliviano, no final do ano de 1966. Em março de 1967, a guerra começou.

A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, a famigerada CIA, acompanhava os passos de Che. Ela participou direta ou indiretamente de todos os golpes de Estado ocorridos na América Latina, para garantir a continuidade do domínio imperialista dos EUA.

Mas a CIA não é onipresente. Seus dirigentes acreditavam que Che tinha morrido no Congo. Eles só desconfiaram que o comandante Ramon era o Che, com a prisão de dois desertores da guerrilha, fato que ocorreu logo após as primeiras escaramuças. E tiveram a confirmação com a captura de Régis Debray, escritor francês, e Ciro Bustos, enviado por Che para abrir uma frente guerrilheira na Argentina. Debray não suportou a tortura e revelou que “Ramon” era, na verdade, Ernesto Guevara, el Che.

Desde então, o governo dos EUA agiu rápido, pois não acreditava na capacidade das Forças Armadas Bolivianas, que, aliás, até o momento sofrera apenas derrotas. É o que afirma o principal agente enviado pela CIA para orientar e acompanhar a operação, Félix Rodriguez Lopez, o capitão Ramos. Ele era cubano de origem, se naturalizara norte-americano e combatia a Revolução desde o início. Afirma Lopez: “…O Exército boliviano estava totalmente despreparado para enfrentar uma guerrilha. A maior parte dos soldados trabalhava na construção de estradas e provavelmente jamais dera um tiro de fuzil. Nos primeiros embates, os guerrilheiros aprisionavam os soldados, tiravam suas roupas e os soltavam..”.

A Intervenção da CIA

Imediatamente, um grupo de “boinas verdes”, tropa especializada no combate a insurreições foi enviada para treinar o Exército da Bolívia, tendo formado o corpo de RANGERS, que recebeu a missão de desbaratar o grupo guerrilheiro e caçar o Che. Félix Rodriguez chegou à Bolívia no dia 1º de agosto.

Sem o apoio do Partido Comunista Boliviano, que fez exigências impossíveis de serem aceitas por Che, como a de ficar com o controle total da guerrilha (Che concordava em ceder apenas o comando político, ficando com o militar), sem o apoio dos camponeses, uma vez que na área escolhida não havia nenhum trabalho político prévio, o grupo ficou isolado.

Che dividira sua pequena tropa em duas colunas, uma comandada por ele e a outra por Juan Joaquin Vitalio Acuna. Joaquin participou da coluna de Che durante todo o período da guerra revolucionária em Cuba, assumindo função de comando nos últimos dias antes da tomada do poder. Era o mais velho do grupo, com 41 anos.

Em agosto, os dois grupos tinham perdido o contato e estavam à procura um do outro. A coluna de Joaquin, entretanto, traída por Honorato Rojas, o único camponês da região que estava apoiando a guerrilha, sofreu uma emboscada. Todos foram exterminados, inclusive a lendária Tania, a militante comunista alemã Tamara Bunke.

No início de outubro, foram cercados os vinte homens que restavam.  Apenas cinco combatentes escaparam: três cubanos (Harry Pombo Villegas, Dariel Alarcón Ramirez –Benigno e Leonardo Urbano Tamayo) e dois bolivianos (Inti Peredo e David Adriazola –Dario).

Che atirava por trás de um rochedo, quando um tiro inimigo inutilizou sua carabina M-2.  Sem a arma e ferido por uma bala na perna esquerda, o Comandante foi capturado e aprisionado numa escola do povoado de La Higuera. Era 8 de outubro de 1967.

Assassinato a sangue frio!

No dia seguinte, o grande revolucionário foi assassinado friamente. O executor foi o sargento Mario Terán, que pediu para fazê-lo porque queria se vingar de três colegas mortos no combate do dia anterior.

E quem deu a ordem de execução? Segundo Félix Rodriguez, foram as autoridades bolivianas, pois a CIA queria que Che fosse levado para a base militar estadunidense no Panamá, onde seria interrogado. A ordem teria partido do próprio presidente, o ditador-general Renê Barrientos.  Mas Félix Rodriguez reconhece que poderia desobedecer Zenteno Anaya, chefe militar que recebera as ordens de matar Che, retirá-lo dali e levá-lo para o Panamá, pois havia aviões norte-americanos esperando para transportá-lo, mas preferiu não fazê-lo.  E ainda colaborou com a farsa de que Che havia sido morto em combate, ao orientar o sargento Terán a atirar do pescoço para baixo, para passar a impressão de que não houvera a execução de um prisioneiro sem o devido processo legal, contrariando as regras internacionais de tratamento dos presos em combate. Não apenas Che, mas todos os outros prisioneiros foram assassinados friamente.

Félix Rodrigues acompanhou o corpo de Che no helicóptero que o conduziu para a cidade de Vallegrande, onde ficou exposto ao público e depois foi sepultado clandestinamente, com as mãos decepadas. Os restos mortais só viriam a ser encontrados 30 anos depois, graças às revelações do general Vargas Salinas e do major Andrès Selich, que comandaram a operação de execução e ocultação do cadáver.

Che vive, já os seus algozes….

Quase todos os que participaram do assassinato de Che Guevara tiveram fim trágico e estão lançados na lata de lixo da história. Alguns exemplos:

  • General René Barrientos Antuño, presidente da Bolívia na época e um dos que decidiram pela execução de Guevara: morreu carbonizado num acidente de helicóptero em abril de 1969. As circunstâncias do ocorrido nunca foram completamente esclarecidas
  • Major Andrés Selich, chefe dos rangers que capturaram Che e um dos últimos a falar com ele em La Higuera: morreu sob tortura em 1973, durante a ditadura do general boliviano Carlos Hugo Bánzer
  • General Juan José Torres, chefe do Estado-Maior do Exército e um dos que decidiram a morte de Che: foi assassinado na Argentina em fevereiro de 1976, durante a “guerra suja”
  • Coronel Joaquín Zenteno Anaya, comandante da zona militar onde ocorreu o assassinato de Che: morreu vítima de um atentado fatal em Paris. Quem assumiu o assassinato foi a desconhecida “Brigada Internacional Che Guevara”
  • Coronel Toto Quintanilla, um dos principais chefes da polícia política na Bolívia durante o governo Barrientos: após a execução de Guevara, preocupado com possíveis atentados, pediu para ir para a Alemanha, onde trabalhou como cônsul em Hamburgo. Foi assassinado em novembro de 1970, num atentado assumido pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), grupo peruano revolucionário criado e dirigido por Hector Bejar e Juan Pablo Chang, este morto com Che na guerrilha
  • General Gary Prado, prendeu Che Guevara: em 1981, foi baleado numa reunião de militares e ficou paraplégico.
  • Honorato Rojas, o agricultor que havia delatado o grupo de Joaquin e preparado a emboscada em 31 de agosto (que acabou com a morte de nove guerrilheiros): foi encontrado e executado em 14 de julho de 1969, pelo ELN.

Já o Che, continua mais vivo do que nunca nas mentes e nos corações de milhões de pessoas em todo o mundo. Desde o povoado de La Higuera, onde foi morto, até as selvas mexicanas (zapatistas), os movimentos populares latino-americanos,  Europa, Ásia, África e o próprio coração do Imperialismo, os EUA.  Para o povo de La Higuera, ele é um santo a quem recorrem em suas necessidades; para os demais, é exemplo do Homem Novo, coerente, íntegro, pleno de profundo sentimento de amor, capaz de renunciar a tudo e doar a vida pela causa da libertação dos oprimidos. Assim falava, assim o fez. Hasta La Victoria, Siempre, Comandante!”

Nota: por proposta do presidente Fidel Castro, a celebração a Che Guevara ocorre mundialmente no dia 8 de outubro, data do seu último combate, e não no dia de sua morte.

José Levino é historiador