UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 12 de setembro de 2025
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Privatização expulsará o povo das praias em nome do lucro da especulação imobiliária

Privatização das praias proposta por Flávio Bolsonaro e os fascistas para a  impedirá o trabalho de camelôs em todo país. Proposta de Emenda à Constituição pode levar também a despejos em massa da população pobre que mora à beira-mar para abrir caminho à especulação imobiliária.

Redação


BRASIL – Não bastasse privatizar os serviços básicos, como água, esgoto e energia elétrica, a nova cruzada dos fascistas ligados à Bolsonaro é aprovar uma mudança na constituição para privatizar toda faixa costeira do país. A proposta contida na PEC 3/2022, em discussão no Senado Federal, entrega a propriedade das terras na faixa costeira do Brasil a estados, municípios e pessoas privadas. 

Além disso, a PEC dá autorização aos governos locais de vender estes terrenos ou ceder em regime de concessão, como acontece com outros terrenos públicos afastados da área litorânea. Hoje, as terras costeiras (as que estão até 33 metros além da área de maré mais alta) são propriedade do Estado brasileiro, portanto são públicas. Se aprovada, a proposta relatada por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente golpista, possibilitará a privatização das praias brasileiras.

Imagine agora, ter que pagar ingresso para entrar e ficar um determinado período de tempo dentro de uma praia. Ou pior, ver estes espaços fundamentais para a preservação do meio ambiente e da biodiversidade marinha serem ocupados por grandes empreendimentos imobiliários capitalistas. 

Na realidade, a ideia do projeto dos Bolsonaro é transformar as praias do país em propriedade privada para empreendimentos milionários. Os espaços que hoje são ocupados por trabalhadores ambulantes, barracas e quiosques, poderão ser cercados e se tornar espaço para empresas privadas. 

A PEC 33/2022 vem no meio de outros projetos, como o de legalização de apostas de azar e de cassinos. A ideia dos Bolsonaros é criar áreas parecida com cidades caribenhas ou Cancún, no México. Estas cidades são conhecidas por uma alta taxa do chamado “turismo predatório”, que combina exploração sexual, destruição do meio ambiente e utilização de empregos de baixa qualidade e salários de fome. 

Privatização das praias pode destruir áreas de preservação ambiental

Outro objetivo da PEC é abrir mais espaços de preservação ambiental na costa para a exploração capitalista. Grandes parcelas dessas terras são compostas por áreas de restinga e de mangue que são criadouros de espécies de peixes, tartarugas e crustáceos. Muitas delas hoje estão em vias de extinção. 

Para piorar estas áreas de preservação são fundamentais também para o sustento de comunidades tradicionais de pescadores, indígenas e caiçaras. Para termos um exemplo, a atual tragédia ambiental no Rio Grande do Sul gerou a diminuição da salinização na Lagoa dos Patos o que levou a não haver reprodução de camarão no canal que liga a lagoa ao mar. Resultado desta situação é que os pescadores da região não conseguiram colher a safra de 2024. 

Caso o projeto de Flávio Bolsonaro seja aprovado pelo Congresso, a situação pode se repetir em outras áreas do país, pois a especulação imobiliária pode provocar o aterramento destas áreas de criadouros de espécies.

Projeto do fascismo é impor miséria ao povo lucros bilionários aos ricos

A PEC 3/2022 é mais uma demonstração do real projeto fascista para o Brasil: miséria para o povo e bilhões para os ricos. Para Bolsonaro não existe necessidade de proteger o meio ambiente, existe a necessidade de lucrar muito no menor tempo possível.

Para os fascistas, o povo pobre não pode mais nem ter direito de ir à praia. Este local que, para quem vive nas cidades litorâneas, é um espaço de cultura, lazer e de convívio pode agora virar um terreno de algum ricaço que só quer ganhar dinheiro.

Trabalho de base decide vitória em eleições do DCE da USP

Na última quinta-feira (30/05), a chapa “Fazer Valer a Luta: Ousadia para arrancar o que é nosso”, construída pelo Movimento Correnteza e os coletivos Juntos, Afronte e RUA, saiu vitoriosa das eleições para o DCE Livre da USP com mais de 3.700 votos.

Gabriel Borges | São Paulo


JUVENTUDE – Ao longo de todo o último mês de construção da chapa, o Movimento Correnteza se dedicou a debater com os estudantes da universidade qual o papel que o movimento estudantil deveria cumprir na atual conjuntura nacional e estadual, tendo em vista o cenário atual da USP. Essa vitória é resultado de um processo de lutas muito profundo ao longo da última gestão do DCE em que o Movimento Correnteza se desenvolveu, cresceu e esteve à frente da maior greve estudantil da história da USP.

Durante as eleições, o Movimento Correnteza fez um chamado à construção de um DCE antifascista na USP, que aprofunde sua relação com os Centros Acadêmicos, amplie os espaços de debate público e articule uma grande marcha estadual em defesa do orçamento da educação para colocar o Governo Tarcísio contra a parede e impor a decisão da maioria dos estudantes paulistas de ter uma universidade pública livre do fascismo e dos interesses privados do capital.

O Correnteza foi o movimento que, no último período, demonstrou o caminho da combatividade e da referência junto às bases. Construiu cozinhas solidárias para lutar contra a fome no Crusp (moradia estudantil), tem atuado em diversos CAs e DAs pela melhoria da qualidade de ensino, conquistado vitórias do interior à capital e expandindo a influência das ideias revolucionárias no seio da juventude revoltada da universidade. Essa vitória manda um recado claro para o Governo do Estado: não haverá paz para o fascismo enquanto o DCE Livre da USP honrar o nome de seu patrono Alexandre Vannucchi Leme e estiver à serviço da luta dos estudantes!

Governo fascista ataca a educação

A histórica greve de 2023 conseguiu frear o projeto privatista do governo fascista de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que insiste em cravar suas garras na educação estadual como nunca antes outro governador tentou na história recente de São Paulo. Os estudantes obrigaram o governo a negociar e conquistaram a abertura de concursos públicos para contratação de mais de mil docentes, construção de dois novos bandejões em Ribeirão Preto, oferecimento de mais refeições nos fins de semana, instauração de uma Comissão para debater o acesso indígena na universidade, entre outros.

Depois de sofrer a derrota dos estudantes, Tarcísio está trabalhando para mudar dispositivos na Lei Orçamentária de 2025 e cortar quase R$ 10 bilhões da verba do ICMS destinada à USP, Unicamp e Unesp. Apesar de ter recuado no corte de verbas, o governo manteve a disposição de cortar 30% do orçamento da Fundação Pública Estadual de Fomento à Pesquisa (Fapesp).

Taiguara: o artista mais censurado pela ditadura militar

Nascido em Montevideo, no Uruguai, em 09 de outubro de 1945, Taiguara Chalar era filho de pai brasileiro e mãe uruguaia, ambos músicos, e veio para o Brasil aos quatro anos de idade, morando no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em abril de 1994, gravou seu último e mais importante trabalho, “Brasil Afri”, uma grande homenagem ao nosso país, nossas origens, nossa cultura e, sobretudo, um canto ao futuro e ao socialismo. Exatos 30 anos depois, é necessário que esse trabalho seja conhecido e divulgado, especialmente para as novas gerações.

Clóvis Maia | Recife – PE


CULTURA – Taiguara foi o artista mais censurado pela ditadura militar brasileira. No livro Os outubros de Taiguara(Kuarup.2014), a jornalista carioca James Rocha registra em sua pesquisa que, de 1970 até 1974, o cantor e compositor teve 48 letras proibidas e 36 vetadas, num total de 140 letras registradas por ele ao Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP). A perseguição do regime era implacável. Em 1974, autoexilado em Londres, a ditadura censurou um disco inteiro do cantor, apesar de ter sido gravado todo em inglês e produzido em Londres. “Let the Children Hear The Music” foi o único disco brasileiro censurado fora do país e até hoje nunca lançado.

Voltando para o país em 1975, com a intenção da gravadora em se desculpar pelo “mal-entendido”, nova censura: “Imyra, Tayra, Ipy”, que contou com mais de 80 músicos em sua produção, dentre os quais Hermeto Pascoal, Wagner Tiso, Novelli e Toninho Horta, foi recolhido das lojas 72 horas depois de lançado, além de ter o show de lançamento, em julho de 1976, no Rio Grande do Sul, cancelado. A ditadura vetava a execução das músicas nas rádios, proibia os shows em cima da hora para causar prejuízos e retirava das lojas os discos, com o objetivo de impor um verdadeiro processo de apagamento da obra do autor, que, a essa altura, era reconhecido abertamente como comunista.

Mergulho em nossas origens

Sem conseguir trabalhar, Taiguara voltou a se exilar do país, tendo morado na Europa e na África, onde aprofundou seus estudos na música, nas nossas origens ancestrais e no marxismo. Foi na Tanzânia, inclusive por indicação do educador Paulo Freire, que nasceu as sementes de “Brasil Afri”. Após a Lei da Anistia, em agosto de 1979, o compositor retorna ao Brasil, onde participa ativamente das campanhas pelas Diretas Já e da Constituinte. 

Em 1981, Taiguara lança o compacto “Sol do Tanganica”, em que homenageou diretamente os revolucionários Amílcar Cabral e Patrice Lumumba, além de fazer também uma ligação direta da resistência do continente africano com a nossa história. Em 1983, é a vez de lançar “Canções de Amor e Liberdade”, disco mais politizado de sua carreira, e que marca de vez seu retorno aos shows e à música brasileira, resgatando seu trabalho para os novos públicos.

O disco

“Brasil Afri” é um mergulho em nossas origens musicais, culturais e rítmicas. Gravado em Havana, Cuba, entre os meses de março e abril de 1994, o disco traz Taiguara em seu auge como cantor, compositor, produtor e intérprete. Tendo escolhido uma gravadora independente (a Movieplay), ele se recusou a fazer um disco de regravações e releituras de seus antigos sucessos. “O Cavaleiro da Esperança”, homenagem ao revolucionário Luiz Carlos Prestes, de quem foi amigo pessoal, “Donde” e “A Norma”, homenagens a Cuba, trazem uma poesia extremamente apurada e arranjos alimentados na música africana e latino-americana.

O disco foi produzido por Paulinho Trompete, que empresta seu tom jazzístico ao trabalho, e contou com as participações do grupo cubano Manguaré, da cantora e atriz Zezé Motta e de Raphael Rabello – um dos maiores nomes do violão brasileiro. “Brasil Afri”, apesar de ter vindo à luz em uma década marcada pela retomada democrática na política e na arte brasileira, nunca recebeu o seu devido reconhecimento graças ao enorme processo de apagamento promovido pelo regime militar e pela indústria cultural nos anos de chumbo.

Dois anos depois, em fevereiro de 1996, o músico partiria, aos 50 anos de idade, vítima de um câncer, deixando uma extensa e profunda obra calcada na esperança e na fé num futuro mais justo.

O mais interessante nas músicas do Taiguara é que, apesar de toda a perseguição e censura, não se encontra em seus versos qualquer sentimento de pessimismo, melancolia ou derrotismo. “Brasil Afri” canta o bonde e as cidades do Rio de Janeiro, a saudade de casa e o amor, sem perder a fé na humanidade, na revolução e no socialismo.

A vitoriosa guerrilha camponesa de Trombas e Formoso

Em Goiás, a construção de Brasília e a rodovia Belém-Brasília nos anos 1940 e 1950 impulsionaram a colonização e a grilagem de terras, resultando em conflitos violentos entre posseiros e latifundiários. A resistência camponesa em Trombas e Formoso, liderada por comunistas, culminou em vitória com a legalização das terras em 1962.

Natanael Sarmento | Diretório Nacional da UP


LUTAS DO POVO BRASILEIRO – O processo capitalista do Brasil foi de industrialização tardia e dependente, especialmente a partir dos anos 1930. Todavia, da Colônia até meados dos anos 1950, o país foi hegemonizado econômica e politicamente pelos senhores latifundiários, os barões do café, do leite, do cacau, do açúcar, dos minérios.

A economia era fundamentalmente primária e destinada à exportação, com uma população de cerca de 50 milhões, espalhada difusamente nas vastidões do imenso território nacional. A maioria do povo, camponeses e trabalhadores assalariados, explorados sempre na condição subalterna da cidadania, meros figurantes da “grande política” do poder Estatal.

As capitais e algumas cidades de médio e grande porte, consideradas polos regionais, formavam o núcleo urbano. A maioria do povo habitava as vastidões dos grandes sertões. Estes rincões possuíam culturas e vida próprias, costumes locais.

No Estado de Goiás, localizado na região Centro-Oeste e com uma área maior do que a Finlândia, não possuía, sequer, um milhão de habitantes. A colonização de terras devolutas desse estado ganhou enorme impulso nos anos 1940, em virtude da estratégia geopolítica de integração do Centro-Oeste com o restante do país, dentro das ações chamadas “frentes pioneiras” do Governo Juscelino Kubitschek.

Com a decisão da construção de Brasília, da fixação da Capital Federal no Planalto Central e da construção da rodovia Belém-Brasília, são dados os estímulos necessários para atração de mão de obra à região. Há um processo migratório de atração de trabalhadores para as grandes construções (submetidos a condições análogas às de escravidão). 

Grilagem

Grilagem é a usurpação de terra, o esbulho legalizado mediante a fraude de títulos de aquisição de terras conquistadas com terror, assassinatos, ameaças, expulsões das famílias camponesas de seus sítios e outras trapaças. Nesse período (anos 1950 e 60), com a valorização das terras pelas obras, banalizou-se a grilagem.

O procedimento é padrão: primeiro, os latifundiários cercam as áreas dos povos originários (indígenas ou posseiros de roças e lavradores pobres). Em seguida, através de seus jagunços, avançam os marcos, fazem ameaças, expulsam os que ali já moravam. A legalização da propriedade e a obtenção do timbre do cartório civil de registro público completa a obra pelo conluio das classes dominantes e seus serviçais registradores (prefeitos, deputados, juízes, promotores, advogados, delegados, etc.). Toda grilagem é ato que conta com apoio de gente do “alto escalão”. Portanto, o problema menor era “legalizar” as terras griladas.

Nessa luta desigual, os verdadeiros detentores dos direitos da terra, os pobres camponeses e roceiros, são vulneráveis e, frequentemente, usurpados. São obrigados a gerar mais-valia, em condições subumanas de trabalho, e submetidos às taxações descabidas sobre o que produzem, explorados em contratos de arrendamento.

No uso da velha prática do trabuco, destacou-se um certo pau-mandado chamado de Seabra. Ele arregimentava jagunços para espalhar o terror nas roças da região. Praticavam todo tipo de violência, ameaças, coação, torturas, destruição e incêndio de plantações, e, se nada funcionasse, matavam o posseiro e seus familiares.

Ilustra bem o depoimento do comunista Antônio Granja, que participou da luta e esclarece as diferenças: “Nos anos 1950/51, os posseiros tentaram legalizar suas terras delimitadas e plantadas, mas tudo foi inútil, vez que as autoridades sempre se revelavam favoráveis aos grileiros”.

Os posseiros trabalhavam durante décadas na terra, construíam benfeitorias, mas não conseguiam a regularização do título de propriedade. Foi necessária uma luta guerrilheira, com derramamento de sangue nos pequenos povoados de Trombas e Formoso, Município de Uruaçu, para esse direito ser reconhecido. Essas duas localidades foram zonas de operações guerrilheiras e protagonizaram uma das mais significativas lutas de resistência camponesa da história brasileira contra o latifúndio.

Comunistas

Os comunistas seguiam a linha política revolucionária do “Manifesto de Agosto” e exerceram papel de vanguarda naquela luta de resistência camponesa do Centro-Oeste brasileiro. Deslocam para a região de conflito agrário quadros experimentados nas lutas camponesas, como José Porfírio de Souza, líder do movimento assassinado pela ditadura militar nos anos 1970, além de outros militantes do Partido: João Soares, Geraldo Tibúrcio (o Geraldão), Antônio Granja (membro do Comitê Central) e Ângelo Arroyo, assassinado na Guerrilha do Araguaia.

Tanto a juventude quanto as mulheres comunistas tiveram importante participação no movimento. Camponeses e camponesas, jovens, adultos e velhos, confiavam no Partido e conduziam sua política de vanguarda combativa para os demais camponeses. O Partido comunista teve protagonismo nos atos preparatórios da guerrilha, durante os combates e depois, nas tratativas de pacificação. Atuava nas duas frentes, na luta armada e na frente institucional, nas batalhas jurídicas e políticas. Difundia a propaganda e fazia denúncias, na imprensa, sem esquecer da resistência e da autodefesa armada necessária à vitória dos posseiros.

Articula-se o apoio de parlamentares estaduais e federais, leva-se ao conhecimento dos centros urbanos mais distantes a perspectiva da luta pela terra dos camponeses. A militância da juventude estudantil tem atuação nas cidades e no campo.

No plano organizativo, os comunistas articulam a criação da Associação dos Trabalhadores Agrícolas de Trombas e Formoso. Essa entidade aglutinou e dirigiu o movimento, promoveu ações judiciais em defesa dos posseiros. Com o aprofundamento das lutas, a Associação treinou e abasteceu a luta armada: foi o Estado Maior da guerrilha e do poder popular.

A diretoria, hegemonizada pelos comunistas, contava com José Porfírio (presidente), João Soares, José Ribeiro, Geraldão e Granja. Foram os criadores dos Conselhos do Córrego, a modalidade das assembleias em comunas, forma embrionária do poder popular. Nos conselhos, a população debatia e deliberava sobre o que fazer em cada situação, como prática efetiva ao longo de todo período de luta de resistência, fundamental ao trabalho de ligação e abastecimento na fase da luta armada.

Autodefesa 

Os latifundiários achacavam posseiros com cobrança de “taxas” de 30% da produção e a subscrição de “termos de renúncia de posse”. A tal subscrição dos latifundiários visava a, claramente, impedir ações de usucapião e o registro da propriedade a que tinham direito os posseiros. Na execução dessas “diligências”, os grileiros sempre estavam acompanhados do aparato policial e de jagunços pagos pelos fazendeiros.

Inúmeros posseiros cederam diante de tantas ameaças e deixaram a região. Saíram de mãos abanando, temendo perder a vida e a dos seus familiares. Porém, outros tantos resistiram, negarem-se a deixar para trás o trabalho de toda a vida: casa, plantações e criações. Buscaram apoio e o receberam junto à Associação dos Lavradores.

No roçado do Coqueiro Velho, do posseiro Nego Carreiro, os grileiros não esperavam a reação do camponês e, antes de o sargento Nelson sacar sua arma, Carreiro acertou-lhe um tiro de garrucha na cabeça e o outro na orelha de um soldado. Foi o suficiente para que a tropa de valentões corresse em debandada.

Depois do conflito em Coqueiro Velho, houve diversas batalhas cruentas entre 1954 e 1957. Os confrontos armados dos fazendeiros, grileiros, polícias militares, de um lado, e camponeses, do outro, registrou mais de cem mortos. Os camponeses se deslocaram das áreas de Formoso para as bandas de Trombas. As forças reacionárias e repressivas estatais detinham superioridade militar. A imprensa reacionária alardeava o eterno “perigo comunista”.

A chamada Batalha de Tataíra foi o principal foco da guerrilha, o palco do combate mais cruento. A pretexto de fazer justiça pela morte do farmacêutico Joaquim Alencar, que espionava e sabotava os guerrilheiros, os oligarcas organizaram uma forte expedição com tropas da polícia e jagunços privados. Utilizaram dois caminhões carregados com tropas, usando crianças e mulheres da população local como escudo, para arrefecer o ataque dos guerrilheiros. Mais de cem mortos foram contabilizados nessa luta histórica.

Vitória

A correlação de forças local e a conjuntura nacional nesse período do Governo JK fazia a balança pender para os camponeses. O governador de Goiás correu para encontrar a solução e evitar maiores danos. Era favorável à legalização das terras para os posseiros para suspender a luta armada e pacificar a situação, e, assim, viabilizar os investimentos das grandes obras. A instabilidade provocada pela guerrilha era risco efetivo de prejuízos, de atrasos, ou mesmo de suspensão e mudança de planos nas obras estruturantes da região. No ano de 1956, expediu-se a ordem expressa de retirada das tropas militares e deu-se início a um acordo com os camponeses.

Vitória da luta! Os posseiros de Trombas e Formoso pegaram em armas pelo direito à vida, à terra e ao trabalho.

Cioso pela paz, o senhor governador utilizou aviões para jogar panfletos, anunciando a pacificação dos ânimos. Na negociação de paz, assegurou-se a posse e a criação de uma delegacia com atribuição de garantir os termos do acordo subscrito. O triunfo da luta camponesa completa-se em 1962, com a distribuição dos títulos de posse para os posseiros de Trombas e Formoso.

Fontes: 

A Práxis do Guerreiro, a história de Antônio Ribeiro Granja; Dino Oliveira Gomes; Edições Fundação Astrojildo Pereira, 2006.

A Revolta de Trombas e Formoso; Maria Esperança Fernandes Carneiro; site da UFG.

Memórias Culturais de Petrolina: do Beco da Cultura ao Cine Teatro

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O Beco da Cultura e o Cine Teatro Petrolina foram importantes centros culturais em Petrolina, Pernambuco. Espaços dedicados ao incentivo à cultura popular, com realizações de saraus, apresentações musicais e exibição de filmes.

Alysson Monteiro | Petrolina – PE


CULTURA – O Beco da Cultura, um espaço de importância primordial para a cultura de Petrolina, no Sertão pernambucano, foi criado pelo vice-prefeito Simão Durando, na década de 1980, com a visão de valorizar a rica cultura da cidade e proporcionar um local para as suas manifestações culturais. O lugar, originalmente conhecido como Beco 13 de Maio, foi renomeado para Beco da Cultura. Era um espaço dedicado a incentivar a cultura popular, com diversos cartazes de livros de autores locais colados em suas paredes. Todas as sextas-feiras eram realizados saraus com poesias, canções de violeiros e apresentações musicais.

Além de ser um local de entretenimento e expressão artística, o Beco da Cultura também se destacava como um espaço de intenso debate político na cidade.

Próximo dali, em frente à Praça 7 de Setembro (também conhecida como Praça 21 de Setembro), estava outro local de extrema importância para a cultura da cidade: o Cine Teatro Petrolina, fundado na década de 1940. Além da exibição de filmes, era palco para apresentações de cantores famosos.

Um dos episódios mais marcantes envolvendo o Cine Teatro Petrolina ocorreu durante a ditadura militar, quando a população, principalmente os estudantes das escolas EMAAF e Dom Bosco, revoltou-se contra as condições precárias em que o cine teatro operava. O ato de rebelião culminou na depredação do local. “O quebra-quebra só começou quando um estudante, num gesto solitário, se dirigiu ao cartaz ao lado da entrada do cinema e o destruiu totalmente. Ato contínuo, houve a invasão ao cinema. Cadeiras foram quebradas, portas laterais arrancadas, cortinas rasgadas. Uma cena de guerra”, descreve Flávio Cabral, frequentador do local.

A revolta só cessou com a intervenção da Polícia Militar. Cerca de 100 estudantes participaram do ato, alguns foram presos, como o caso do estudante João Evangelista da Gama, que foi aplaudido por seu ato de rebeldia. Poucas semanas depois, o Cine Teatro Petrolina voltou a funcionar, agora em condições adequadas.

No entanto, a despeito de seu papel crucial na história cultural da cidade, ambos os espaços se encontram desativados hoje. o Cine Teatro Petrolina é agora uma igreja evangélica, enquanto o Beco da Cultura se transformou em um local para uso de drogas, abandonado pela gestão atual do prefeito Simão Durando (o filho!), que negligencia completamente o legado cultural e histórico que esses locais representavam para Petrolina.

Esses espaços, hoje considerados patrimônios culturais, representam uma memória social viva, sendo locais que contribuíram para a conscientização da população. Apesar da marginalização daqueles que os frequentavam e se apresentavam neles, o poder público não deu uma real importância aos locais, priorizando o capital e não a uma cultura verdadeiramente popular.

Greve da educação federal avança e manifestações obrigam Lula a se pronunciar

Com rede de educação federal em greve, presidente Lula foi obrigado a se pronunciar em dois eventos públicos neste mês. Greve por recomposição orçamentária e reajuste salarial continua em centenas de IFs e Universidades.

Ésio Melo | Maceió


EDUCAÇÃO – Com mais de 560 campi dos Institutos Federais e mais 50 universidades federais paralisadas, a greve nacional da educação federal em vigor já é a maior em abrangência da história do serviço público brasileiro. Mesmo com essa grande adesão de docentes e técnico-administrativos em educação (TAE), o Governo Lula segue sem fazer uma proposta decente para as categorias.

A greve reivindica recomposição orçamentária das universidades e institutos federais, reposição salarial das perdas inflacionárias, reestruturação das carreiras TAE e docente e revogação de medidas contrárias à educação pública, como o Novo Ensino Médio.

No caso dos TAEs, que possuem a carreira mais desvalorizada do serviço público federal, a greve já passa de dois meses nas universidades (bases da Fasubra) e de um mês nos Institutos Federais (bases do Sinasefe). Mesmo assim, a proposta do governo é de 0% de reajuste em 2024 e manter o desinvestimento na educação.

Ato em Alagoas

Durante visita do presidente Lula a Alagoas, nos dias 09 e 10 de maio, o Sintietfal – sindicato que representa docentes e TAEs do Instituto Federal de Alagoas – organizou a categoria para fazer atos no lançamento do trecho V do Canal do Sertão, em São José da Tapera, e na entrega de unidades habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida, em Maceió.

“Sabíamos que não ia ser fácil entrar com faixas, cartazes e adesivos no evento do Lula. Mesmo assim, mobilizamos um grupo do Ifal de três campi do Sertão e fomos às margens do canal, tendo que andar 7 km a pé, para abrir nossa faixa e deixar nosso recado”, disse Yuri Buarque, presidente do Sintietfal e membro da Direção Nacional do Sinasefe. A faixa ficou bem no meio do público, podendo ser vista por todos os presentes.

No dia seguinte, na Capital, a segurança presidencial proibiu a entrada das faixas e bandeiras, obrigando diversos movimentos e o Sintietfal a utilizá-las apenas do lado de fora. Mesmo assim, com cartazes da greve abertos pela segunda vez diante do presidente, Lula foi obrigado a se pronunciar no encerramento de seu discurso para dizer que defende o direito à manifestação, mas não se comprometeu concretamente a avançar nas negociações com os trabalhadores. Vocês sabem que eu vou atender. Vocês sabem que vou tratar bem professor, vou tratar bem o Instituto Federal. Acontece que a gente só tem um ano e cinco meses de governo”, disse o presidente, tentando justificar a enrolação diante da greve.

Lula, na ocasião, estava ao lado do prefeito bolsonarista de Maceió, João Henrique Caldas, do presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, do senador Renan Calheiro, do ministro Renan Filho e do governado Paulo Dantas.

Além de chamar a atenção para a greve, o Sintietfal conseguiu também entregar a carta aberta dos aposentados e pensionistas do Ifal à comitiva do presidente. A carta reivindica a revogação do Decreto nº 10.620/21, editado por Bolsonaro e aceito pelo reitor Carlos Guedes, que jogou aposentados e pensionistas do Ifal no INSS.

“Esperamos que, a partir desse ato, o governo entenda que é preciso avançar nas pautas da greve e garantir a valorização da educação. Sem esquecer de revogar as maldades criadas por Bolsonaro, que permanecem em vigor como essa, que joga nossos aposentados para o INSS”, completou Yuri Buarque, que é militante do Movimento Luta de Classes (MLC).

Ato em São Paulo

Já no dia 25 de maio, o presidente Lula esteve presente em evento que inaugurou a entrega de uma obra na rodovia Dutra, em Guarulhos, próximo ao campus de Guarulhos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Região Metropolitana de São Paulo. Lá também, representantes de todas as categorias e de diversos campi da Universidade e do Instituto Federal de São Paulo marcaram presença para reivindicar diretamente ao presidente a recomposição orçamentária da educação federal. Outro objetivo do ato era entregar ao presidente as cartas com as reivindicações específicas de cada categoria paralisada da educação federal.

A palavra de ordem “Do arcabouço eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação!” entoou na voz de estudantes, servidores e professores ao longo do evento, em denúncia ao Arcabouço Fiscal (ou “novo Teto de Gastos”), que concentra o orçamento da União no pagamento da dívida pública (isto é, o pagamento de juros a banqueiros e grandes empresários), enquanto bloqueia a verba destinada à educação, saúde e outras demandas sociais.

“Eu estou vendo alguns companheiros levantando cartaz ali para mim ‘estamos de greve’. Que bom que vocês podem vir no comício do Lula e levantar um cartaz dizendo que estão de greve. Que maravilha é garantir o direito democrático das pessoas lutarem, reivindicarem e chegarem a um acordo no momento correto”, afirmou Lula em resposta aos manifestantes.

Trabalhadores não aceitam proposta rebaixada do governo

No entanto, para o presidente aparentemente não chegou o momento certo para um acordo com o movimento de greve da educação federal. Isto porque até agora o Ministério da Gestão e Inovação, responsável pelas negociações com grevistas, se recusa a ceder a reivindicação básica dos servidores de reajuste já em 2024. 

Até agora, a pressão da greve garantiu a reversão da maior parte dos cortes orçamentários de 2024 e algumas concessões no plano de carreira dos técnicos administrativos terem sido feitos e a garantia de reajuste em 2025, mas universidades e institutos federais continuam sem ver o seu orçamento ser recuperado depois de 10 anos de cortes de verbas e os trabalhadores continuam amargando perdas salariais dos 7 anos sem reajuste.

O motivo para o governo recusar o reajuste e a recomposição total orçamentária é que a prioridade do governo federal é garantir o chamado “déficit zero” neste ano. Ou seja, economizar ao máximo as verbas do governo para gastar tudo com juros e amortizações da dívida pública. Ao invés de usar os recursos federais para recuperar a educação federal de uma década de sucateamento, a opção que até agora o governo faz é priorizar os interesses dos donos da dívida pública: fundos de investimentos, bancos e bilionários do Brasil e do exterior.

Na tentativa de desmobilizar a greve e evitar um acordo decente para as categorias, o governo tentou um acordo separado com a Proifes-Federação, um sindicato sem representatividade na base dos docentes da rede federal. Indignados com a tentativa de dividir a greve, o sindicato nacional ANDES (dos professores universitários) conseguiu uma liminar na justiça federal anulando o tal acordo. A manobra do governo serviu apenas para fortalecer a unidade entre os setores em greve. 

A mobilização continua em todo país e a pressão sobre o governo federal continua. A greve da rede federal de educação mostra que apenas com luta podemos derrotar os retrocessos impostos ao povo nos últimos anos.

Matéria publicada na edição nº 292 do Jornal A Verdade e com informações do site.

“Vivemos os efeitos das mudanças climáticas”, diz professor da UFRGS

Para entender melhor a dinâmica das chuvas e inundações no Rio Grande do Sul, especialmente como se poderia preveni-las e qual sua relação com as mudanças climáticas, A Verdade entrevistou Fernando Dornelles, engenheiro civil e doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela UFRGS, onde é professor no Departamento de Hidromecânico e Hidrologia. Confira perguntas da edição impressa e de entrevista ao vivo

Redação e Thiago Salvador


A Verdade — Fernando, mal o povo gaúcho se recuperou das enchentes do final do ano passado e ele já está sofrendo com outras inundações. Essas tragédias ocorrem por conta da crise climática ou por despreparo do governo do Estado do Rio Grande do Sul e do município de Porto Alegre?

Fernando Dornelles — É multifatorial, nem só mudança climática e nem só falta de gestão do uso do solo, mas tudo isso daí colaborou. Falando exclusivamente da questão da “improbabilidade” de eventos como esses que vimos, temos que lembrar que nós monitoramos esses rios há muitos anos. Desde 1899, a gente tem a série de níveis máximos do rio (ou lago) Guaíba, por exemplo.

A partir do momento em que se iniciaram os registros sistemáticos, aconteceram vários eventos acima da cota 3, que tem sido chamada de “cota de inundação”. Eu tenho críticas a essa denominação, porque ali no bairro Arquipélago, por exemplo, já houve casas sendo atingidas com 1,80m ou 2 metros de cheia – e se em qualquer parte da cidade a população já está sendo afetada, essa para mim é a cota de inundação.

Antes de 1941, a gente teve dois eventos onde a cota superou 3 metros. Depois, a gente teve o ano de 1941, que foi um evento bem distinto desse que está ocorrendo agora, foi mais gradual, demorou mais de 20 dias para alagar. Essa subida do Guaíba também gerou problemas em todo o Rio Grande do Sul, mas naquela época havia menos formas de registrar, então existem poucas fotos – ainda que um livro de um jornalista tenha organizado essas informações há uns seis, sete anos. Nessa enchente de 1941, o pico foi de 4,75 metros, ou seja, 60 centímetros abaixo do que foi atingido no Cais Mauá no primeiro fim de semana de maio.

Aquilo causou um grande impacto. A cidade inteira foi atingida, até porque a região central era praticamente toda a cidade de Porto Alegre naquela época. Isso criou um grande trauma e durante as décadas de 50 e 60, com o grande crescimento e desenvolvido na cidade, isso deu impulso para o projeto de proteções não só para Porto Alegre, mas também Canoas e São Leopoldo. Em 1968, de forma bem ágil, isso praticamente se concluiu. Por outro lado, as cheias que ocorreram nessa época foram menores, de no máximo 3,13m. Foram todos projetos do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), extinto em 1992 pelo governo Fernando Collor sob alegação de corrupção.

Com isso, os municípios que tinham estruturas do DNOS absorveram esses equipamentos. Aqui em Porto Alegre, isso ficou por conta do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), que fazia sua operação e manutenção até também ser extinto pelo governo Marchezan. Depois, houve um certo limbo: essa tarefa de manter o sistema de proteção e drenagem passou por uma secretaria do município até chegar, atualmente, ao Departamento Municipal de Águas e Esgoto (DMAE).

O critério de projeto do sistema foi a cheia de 41, que foi de 4,75m, e mais uma borda de segurança – ou borda livre –, para incertezas no dimensionamento e o efeito das ondas do Guaíba de 1,25m, chegando assim na cota de coroamento, de 6m. A princípio, Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo estariam protegidas para essa cota.

Além disso, existem elementos que complementam esse sistema, como o dique e o pôlder. Lembrando a aula de geometria, o pôlder é como se fosse a área onde queremos proteger, e o dique é o perímetro ao redor. São 68 quilômetros de diques aqui em Porto Alegre. Toda a Freeway é parte do dique, e ele continua ali pela avenida Castelo Branco – onde a comporta 14 rompeu, bem próximo à ponte do Vão Móvel. Na região central, a alternativa técnica foi o uso da cortina de concreto: o muro da Mauá. Esse sistema continua ao sul do Gasômetro e ao longo de toda a avenida Beira-Rio.

Por que a avenida Ipiranga não está inundada agora, por exemplo? Porque ela é o dique de proteção – o dique interno, como nós chamamos. As duas margens do Arroio Dilúvio fazem parte desse sistema, estão na cota seis. Continuando para o sul, ele ainda vai para o Pontal do Estaleiro e termina no pôlder do Hipódromo.

Fernando, há riscos de inundação para a região metropolitana e áreas próximas? As cidades banhadas pela Lagoa dos Patos, ao que parece, estão em risco. O que se pode esperar para os próximos dias? [Nota da edição online: a entrevista foi realizada no início do maio e a região da Lagoa dos Patos, de fato, foi duramente afetada pelas enchentes]

Sim, vai ter um repique. Não deve chegar ao nível máximo que já foi atingido, nem no Vale do Taquari e nem em Porto Alegre, mas o nível alto do Guaíba vai se manter e continuar prejudicando toda a região metropolitana. Na região do Vale do Taquari, que foi muito afetada e viu uma cheia recorde, a gente já está observando de novo a elevação dos níveis, principalmente ali em Muçum, Roca Sales, Encantado.

Esses rios têm uma hidrologia específica, em que eles tem uma cheia muito mais agressiva quanto mais a montante a gente vai neles. O rio Taquari subiu da cota 13 até a cota 33, ou seja, subiu 20 metros! As alternativas que temos para conter esse rio são muito distintas das que Porto Alegre tem. Lá, por exemplo, é inviável fazer um sistema de proteção com diques. Se a gente já tem problemas urbanísticos aqui na capital com o muro da Mauá, que tem três metros de altura, imagina criar lá uma estrutura com oito, dez ou até doze metros para proteger a cidade? Nessas regiões, o indicado é ter medidas que chamamos de não-estruturais, principalmente as medidas de zoneamento.

É preciso definir as zonas de passagem de cheia, onde não deve haver nenhum tipo de ocupação. Muitos desses lugares onde vemos imagens de casas destruídas deveriam ser zonas de passagem de cheia. Ali, a velocidade e a profundidade dos rios são altas e a destruição e o risco de morte são muito altos. Por simulação matemática, a gente consegue definir esses campos de velocidade e profundidade, classificar as áreas e dizer o que é uma zona de passagem de cheia, o que é uma zona de restrição e por aí vai.

O que é uma zona de restrição? É onde as profundidades e as velocidades são menores e é possível ter algum tipo de ocupação, mas com edificações preparadas para conviver com as inundações. Nela, não se pode ter escolas, hospitais ou sede da defesa civil. A cidade tem que se preparar e entender que as suas estruturas de serviço importantes para atuar durante uma emergência não podem estar em áreas inundáveis. Essa lógica é a que deve ser implementada na região do Taquari.

Outra coisa que complementa os diques são as casas de bomba. O dique impede que a água entre na cidade, mas também impede que a água saia. Como, então, fazer a água sair da cidade quando o Guaíba está muito alto? A única maneira é colocar energia nesse escoamento, por meio de bombeamento, que faz com que a água consiga passar por uma cota mais alta.

Existem, porém, os pontos vulneráveis do sistema, as chamadas partes móveis. Existe um problema com o acesso à região portuária, que precisa de entradas e passagens no sistema de proteção. O restante é tudo fixo, não exige operação, apenas vistoria e manutenção.

No dique do Sarandi, não tem comportas e a água entrou por lá. Circulam filmagens da enchente passando por cima do dique. A cota do dique estava certa?

Nesse caso, ninguém nunca checou isso para saber se o dique estava lá na cota 6. Na verdade, ele teria que ser até um pouco mais alto, porque como é o Rio Gravataí, a gente tem a questão da linha d ‘água. O projeto do dique de Canoas é 20 centímetros mais alto do que o de Porto Alegre, justamente por essa declividade da linha d ‘água, assim como lá em São Leopoldo ele também tem que ser mais alto. Então, lá no Sarandi, assim como no Matias Velho, será que o dique todo estava na cota 6,20m? São coisas que a gente precisa saber.

Quando a água passa por cima de um dique de terra, esse é o primeiro passo para o rompimento do dique. Essa é a situação mais grave que se pode ter, porque em vez de uma inundação gradual que vamos acompanhando de centímetro em centímetro o nível do rio, no rompimento a gente tem uma inundação brusca, que em questão de minutos uma região inteira pode ser inundada. Foi o que a gente observou em alguns pôlderes, como Sarandi e Matias Velho, onde a água pegou as pessoas de surpresa.

Disso, é importante tirar outra reflexão. Viver dentro de um pôlder não pode ser vida normal, a gente tem que saber que é uma zona de inundação e que estamos protegidos por um sistema que pode falhar. É preciso que haja todo um protocolo. Acompanhando a cheia do rio, é preciso fazer anúncios para a população, que deve estar preparada para organizar suas coisas, subir seus materiais, pegar seus documentos e evacuar a região.

Com o furacão Katrina, a cidade de New Orleans, nos Estados Unidos, aprendeu isso. A inundação brusca, infelizmente, acabou levando a centenas de mortos.

Nana Sanches (UP, Olga) — Fernando, queria te agradecer e colocar mais algumas questões. Ontem, eu estava vendo o Atlas do Rio Grande do Sul, uma publicação que já tem uns 20 anos e tem toda uma parte dedicada a apresentar para a população como funciona esse sistema de prevenção de inundações, que é uma grande e ótima obra da engenharia necessária para a cidade de Porto Alegre e parte da região metropolitana. Nas últimas gestões, dos prefeitos Marchezan e Melo, todas essas estruturas que o professor relatou aqui, de diques e estações de bombeamento, ficaram sem nenhum tipo de monitoramento e melhora. Não houve investimento nessas áreas, o que dificultou bastante a reversão do quadro de enchente no centro de Porto Alegre.

Isso tudo faz parte do neoliberalismo. Se a gente está conseguindo ter alguma resposta é porque os trabalhadores do DMAE, com apoio do pessoal da UFRGS, têm feito um grande esforço. O Departamento foi sucateado, mas mesmo assim conseguiu dar uma resposta e manter alguns equipamentos de tratamento de esgoto nas cidades. Sem isso, parece que a situação poderia estar ainda pior.

Nesse assunto do investimento, tem sido argumentado que foram gastos milhões na modernização das casas de bombas. De fato, isso aconteceu, temos agora bombas mais modernas e houve reformas na parte elétrica, além do trabalho de desassoreamento do Arroio Areia. Porém, nada disso foi investimento para evitar o problema que estamos tendo agora, que foi o ingresso da água dentro da área protegida pelas comportas pelas próprias casas de bomba.

As tampas de inspeção dessas galerias trabalham com pressão muito forte, era preciso que houvesse tampas herméticas. Rotineiramente, por exemplo, acontece o extravasamento de uma tampa na Voluntários da Pátria com a Álvaro Chaves. Quando chove forte em Porto Alegre, sai água daquela tampa, que é uma tampa de inspeção desse conduto forçado, que é uma galeria que drena da parte alta e descarrega no Guaíba. Enquanto está atravessando toda a parte baixa da cidade, esse conduto está sob pressão, então são necessárias tampas de inspeção robustas e competentes para resistir a essa pressão de dentro para fora. O que evitaria esse problema [de extravasamento] são coisas simples: um dimensionamento de chapa de aço, parafusos e borrachas para garantir a vedação adequada já serviriam.

Quando a gente vê utilização de sacos de areia, por exemplo, algo está errado. As comportas de Porto Alegre são autônomas, não deveriam precisar disso. O saco de areia pode ser uma medida efetiva contra inundações, mas eles são emergenciais. Só é para usar quando a água já está subindo. Quer dizer, o projeto de contenção é de 1968, como que a gente chega em 2024 dependendo de saco de areia? Além do mais, existem técnicas corretas para fazer uma barricada de sacos de areia, não é simplesmente empilhar qualquer saco, que é o que estamos vendo.

Os órgãos responsáveis, ao fazer o edital da modernização do sistema, deveriam ter previsto que as estruturas seriam solicitadas com tanta demanda.

Por que as cidades não aguentam mais as inundações?

Temos que analisar a localização das cidades em relação aos cursos d’água, boa parte das cidades se estabeleceram preferencialmente em regiões planas e próximas aos rios pelos diversos benefícios de comodidade, como de transporte, de uso da água e de conveniência para edificar (preferência por terrenos planos).

No entanto, ao ocupar estas zonas, a ameaça de serem inundadas passa a existir a cada evento de chuva intensa na bacia hidrográfica. Longos períodos sem grandes inundações fazem com que esta ocupação seja mais intensa e despreocupa com a ameaça de inundação. Quando ocorre uma cheia importante, os prejuízos são amplificados. Porém, estamos vivenciando os efeitos das mudanças climáticas. As cheias estão sendo mais frequentes e cheias históricas estão sendo superadas. As consequências deste comportamento são evidenciadas pela população impactada, em especial a parcela menos favorecida, que está constantemente se recuperando de inundações passadas por total falta de condições e oportunidades para sair desta situação.

Como será o processo de reconstrução pós-enchente?

Preferimos não falar em reconstrução, pois isso tem uma conotação de recair no mesmo erro, pois é evidente que nem tudo estava adequado já que foi destruído. Assim, preferimos usar “construir melhor” ou “recuperar”, pensando muito a respeito do que deu errado e como evitar.

É necessário principalmente estudar as formas de dar mais robustez e resiliência às estruturas de serviços públicos, como sistemas de proteção contra cheias, estações de tratamento de água, rede elétrica, transporte e, fundamentalmente, realizar programas sócio-habitacionais para prover melhores condições para os mais atingidos e desprovidos de recursos próprios para não serem impactados pelos desastres, realocando em zonas seguras de modo digno.

Este texto reúne trechos de matéria publicada na edição impressa nº 292 do jornal A Verdade e entrevista ao vivo realizada no canal do jornal.

Comunidade da UERJ luta contra atrasos dos auxílios e por mais orçamento

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Estrangulada pelo Regime de Recuperação Fiscal e sem amparo do estado, UERJ atrasa pagamento de auxílios estudantis e corta pagamento de auxílio saúde dos trabalhadores. Comunidade acadêmica responde esses ataques com mobilizações nas ruas.

Mariola Bianco* | Rio de Janeiro (RJ)


EDUCAÇÃO – No início de abril, estudantes da UERJ receberam a notícia em cima da hora pela PR4, pró-reitoria responsável pela assistência estudantil, que o pagamento de suas bolsas e auxílios atrasariam, com previsão para serem pagas apenas no décimo dia útil do mês. Não somente, servidores técnicos administrativos também foram surpreendidos com 900 reais a menos em seu pagamento por consequência do atraso do auxílio saúde, que, até o momento, não tem previsão para ser depositado. 

O atraso não é de hoje

Desde 2021, as bolsas e auxílios estudantis e dos servidores da UERJ caíam entre o quinto e o sétimo dia útil e entre o primeiro e quinto dia útil do mês, respectivamente. No entanto, em junho de 2023, essa realidade começa a mudar com o atraso do auxílio material didático e, em setembro, com o atraso de quase uma semana no pagamento geral das bolsas dos estudantes. Esses atrasos foram recebidos com diversas mobilizações convocadas por estudantes cotistas e apoiado por movimentos e centros acadêmicos. 

Neste mês, mesmo com uma nova gestão da reitoria empossada, eleita por um quórum expressivo da categoria estudantil por ter como proposta o fim dos atrasos, ainda temos problemas de comunicação e de transparência com a data dos pagamentos. 

Vale lembrar que os auxílios são políticas essenciais de assistência estudantil e que auxiliam na garantia da permanência dos estudantes na universidade, já que grande parte dos estudantes que os recebem destinam esse valor para o pagamento de despesas básicas, como a alimentação e deslocamento. Por isso, a falta de uma data fixa para o recebimento das bolsas causa ansiedade nos alunos bolsistas, que, atualmente, são cerca de 45% do total dos alunos da UERJ.

Reunião dos centros acadêmicos com a PR-4

Diante dos descontentamentos expressados pelos estudantes com a possibilidade dos atrasos voltarem a acontecer, a Pró-Reitoria de Políticas e Assistência Estudantis (PR4) convocou uma reunião junto do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e dos Centros e Diretórios Acadêmicos para justificar os atrasos recorrentes. 

Na ocasião, o representante da PR4 informou que a UERJ gastou mais do que recebeu do governo estadual, utilizando-se inclusive de emenda parlamentar para complementar seu orçamento. Essa realidade impactou na capacidade da UERJ de pagar em dia os auxílios dos estudantes. Tendo a situação se repetido no mês de maio, estudantes voltaram a cobrar a pró-reitoria, conquistando a gratuidade no restaurante universitário até que as bolsas sejam depositadas

A Luta dos Trabalhadores da UERJ

Além das pautas estudantis, servidores da UERJ também expressam sua indignação em atos unificados que cobram ao governador do estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro, o pagamento das últimas parcelas atrasadas das perdas salariais ocorridas entre 2017 e 2021 e a recomposição salarial, que não sofre reajuste desde 2021, o que reduziu o valor de compra dos salários em 50%. 

Dentre as mobilizações, destacam-se os atos que ocorreram em frente ao Palácio Guanabara e em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Todas essas mobilizações foram acompanhadas de uma paralização de 24h, com participação de diversos movimentos sindicais e entidades componentes do Fosperj (Fórum Permanente dos Servidores Públicos do Rio de Janeiro), como a Asduerj, e com outras categorias, que somou quase mil pessoas. 

Além da luta dos servidores, professores substitutos e terceirizados da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), também sofrem com atrasos nos seus salários e reivindicam por melhorias em seus benefícios. 

Em paralelo com as greves organizadas por servidores federais no país inteiro, que lutam por reajuste salarial, reestruturação dos planos de carreiras, recomposição orçamentária e entre outras pautas, servidores estaduais também enfrentam um inimigo comum: o teto de gastos.

Enquanto o orçamento dos institutos e universidades federais são afetados pelo chamado “Arcabouço Fiscal”, a UERJ e demais instituições estaduais sofrem com o Regime de Recuperação Fiscal do estado do Rio de Janeiro. 

Não queremos teto para a educação

Tanto as reivindicações estudantis, quanto a dos servidores do Estado sobre o orçamento da UERJ, são resultado da grave crise que está instaurada no Rio de Janeiro. 

O estado possui uma dívida de 188 bilhões de reais com a União, tendo começado em 13 bilhões crescendo até hoje através de juros abusivos. Por conta disso, a União criou o draconiano Regime de Recuperação Fiscal, ou RRF, que limita o investimento em saúde, educação, segurança pública e ciência e tecnologia, e forçava o Estado a privatizar a CEDAE. O dinheiro que o estado do Rio de Janeiro paga à União vai para continuar o pagamento dos juros e serviços da dívida pública, que responde por metade do orçamento federal do Brasil.

Dois anos depois da venda da CEDAE (Companhia de Água e Esgoto do RJ) por R$22 bilhões, tendo ido R$14 bilhões para os cofres do estado e 8 bilhões distribuídos entre os municípios. O dinheiro da privatização acabou tendo parte ido para pagar a dívida e outra perdida em esquemas de corrupção, e o Estado continua devendo a União, impossibilitando de investir nas necessidades do povo. Ademais, vale ressaltar que, além da privatização não ter conseguido quitar com as dívidas do Estado, ela também precarizou muito o serviço de água e esgoto da cidade, como pode ser aprofundado na matéria de capa da Edição n°286 do Jornal A Verdade.

*Militante do Movimento Correnteza na UERJ

Fome afeta 64,2 milhões no Brasil

No final de abril, o IBGE divulgou dados da Pnad Contínua, revelando que 64,2 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar. Resumindo: O Brasil, que está entre as dez maiores economias do mundo, tem uma em cada quatro famílias passando fome.

Luiz Falcão | Comitê Central do PCR e Diretor de Redação do JAV


Capitalismo e Fome

Implantado no Brasil há mais de três séculos, o sistema capitalista é o maior responsável pela fome, o desemprego e a desigualdade social no país. A classe que se beneficia desse sistema é composta por uma minoria de ricos bilionários, que age diariamente para manter seu domínio e impedir que os trabalhadores e as trabalhadoras saibam a verdadeira causa do seu sofrimento. Por isso, os defensores desse sistema abordam apenas aspectos isolados da política econômica.

Há alguns anos, diziam que se mudasse a legislação trabalhista, os capitalistas investiriam na economia e o país teria milhões de empregos. Com essa mentira, aprovaram a Reforma Trabalhista, que eliminou vários de nossos direitos. Após a reforma, o desemprego continuou e os salários tiveram seu poder de compra reduzido.

Em abril, os comentaristas dos grandes meios de comunicação fizeram um estardalhaço porque a Petrobras não tinha pago os dividendos extraordinários às empresas e especuladores donos das ações da empresa. Não disseram, porém, uma palavra sobre a elevação dos preços da gasolina, do gás, da energia elétrica e dos alimentos.

Agora, promovem debates dizendo que o problema da economia brasileira é o governo não ter um superávit de 0,5% no Orçamento de 2025. Escondem, entretanto, que, neste ano, o país vai pagar mais de R$ 800 bilhões de juros aos banqueiros.

Além do mais, estamos em 2024. Este ano haverá superávit nas contas do governo, e isso não impede que milhões de pessoas estejam desempregadas e que mais de 3 milhões de famílias morem em áreas de risco. Sobre esses déficits sociais, os ilustres economistas remunerados pela classe capitalista não consideram dignos de suas análises econômicas, afinal, são pagos para realizar uma defesa ortodoxa da burguesia e de seu regime. 

No Congresso Nacional, duas dezenas de partidos de direita e de centro-direita aprovaram isenção de impostos para grandes empresas, mas se recusam a debater uma lei para congelar os preços dos alimentos.  

Retrato do Brasil

Os fatos, entretanto, são teimosos. No final de abril, o IBGE divulgou dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), revelando que 64,2 milhões de brasileiros (27,6% da população) vivem em situação de insegurança alimentar. Como é muito feio um país que possui tantas riquezas ter tanta gente com fome, dividiram os famintos em três níveis:
a) Insegurança alimentar leve: famílias que vivem na incerteza de se terão alimentos no futuro: 18,2% dos domicílios.
b) Insegurança alimentar moderada: os lares que reduziram o consumo de alimentos para não ficar sem nada para comer: 5,3% das famílias.
c) Insegurança alimentar grave: domicílios onde há falta de alimentos para adultos e para crianças: 4,1% do total das famílias do país.

Resumindo: O país que está entre as dez maiores economias do mundo tem uma em cada quatro famílias passando fome. Com o transbordamento dos rios e as enchentes que afetaram 437 cidades do Rio Grande do Sul, atingindo diretamente 1,5 milhão de pessoas, mais famílias brasileiras passarão a viver o drama de não ter o que comer.

Mais: cálculos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base em dados do IBGE, mostram que 17 milhões de brasileiros vivem na extrema pobreza. 

Diante dessa cruel realidade, ditos cristãos defendem a concentração da riqueza nas mãos de uma minoria e culpam os pobres pela miséria em que vivem. O fato é que 37% das crianças brasileiras com até quatro anos não conseguem ter alimentação adequada, então fica uma pergunta a esses senhores: vocês acham mesmo que essas crianças passam fome por que não querem trabalhar ou por que o diabo se apossou de seus corpos?

Comunidade Ilha de Deus, em Recife, sobrevive do marisco. Foto: Davi Queiroz (JAV/PE).

Como acabar com a pobreza?

Essas mentiras são repetidas para esconder do povo que a causa da pobreza é um sistema econômico cujo objetivo não é o bem-estar e a felicidade dos que trabalham e produzem as riquezas, mas garantir que os ricos fiquem ainda mais ricos. De fato, relatório divulgado pela Oxfam mostrou que quatro bilionários brasileiros tiveram um aumento de 51% de sua riqueza, ao mesmo tempo que 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres. (Oxfam, 15 de janeiro de 2024)

 Uma dessas pessoas é Vicky Safra, dona de uma fortuna avaliada em R$ 87,8 bilhões. A senhora Vicky nunca trabalhou na vida, pois, desde 1800, o negócio da família é emprestar dinheiro cobrando juros. Junto com os filhos, é proprietária do Banco Safra e de várias empresas. Mas Vicky Safra quer mais: um dos seus filhos, Alberto Safra, processou a mãe e seus dois irmãos acusando-os de reduzirem sua participação no conglomerado Safra National Bank para se apropriarem de sua herança. A classe rica é assim: rouba do país, do povo e também entre eles mesmos.

O Brasil conta hoje com 18 bilionários entre as pessoas mais ricas do mundo, donos de R$ 14,2 trilhões e com fortunas ligadas ao agronegócio. Mas como essas pessoas ficaram tão ricas? Com certeza, não foi por vontade divina.

Em 1850, o imperador Dom Pedro II assinou a Lei de Terras, determinando o pagamento, em dinheiro, para regularizar qualquer terra no país. Sem dinheiro, indígenas e camponeses perderam suas terras, que foram parar nas mãos dos latifundiários. Hoje, estes senhores são modernos empresários do agronegócio, têm fazendas informatizadas, máquinas para fazer colheitas e contratam empresas terceirizadas que exploram o trabalho escravo. De acordo com a rede MapBiomas, responsável por mapear o uso do solo nacional, a agropecuária ocupa 282,5 milhões de hectares no Brasil. Apenas na Amazonia, a classe rica possui 57,7 milhões de hectares para pastagens, mas há quem critique os povos indígenas por lutarem pela demarcação de suas terras.

Pois bem, diz a Oxfam que o capitalismo não conseguirá acabar com a pobreza nos próximos 229 anos. Eis a questão: esperar mais três séculos para saber se a pobreza acabará no Brasil ou decidir se organizar num partido revolucionário e lutar por uma nova sociedade? Uma sociedade sem ricos e sem pobres, sem crianças e adultos passando fome, e, consequentemente, sem a exploração do povo trabalhador por uma minoria de bilionários.

PCR comemora 58 anos com ato em Salvador

PCR, o Partido Comunista Revolucionário, foi objeto de comemoração na capital baiana. Com apresentações artísticas e intervenções políticas, encontro de militantes e aliados marcou os 58 anos da organização marxista-leninista e também enfatizou seus avanços no estado

Jéssica Fontes | Salvador (BA)


No dia 09 de maio, o Partido Comunista Revolucionário (PCR) comemorou 58 anos de história com um ato em Salvador, reunindo a militância das principais cidades nas quais a organização tem se desenvolvido no Estado da Bahia. Edival Nunes Cajá representou o Comitê Central na ocasião.

Ele fez uma explanação sobre porque se torou comunista, resgatou a história do nascimento do PCR — como resposta concreta da vanguarda do povo brasileiro na luta para derrubar a ditadura militar fascista, em 1966 — e ressaltou a resistência do Partido  ao revisionismo e ao oportunismo.

Cajá, que foi preso político na ditadura, salientou que o comunismo é o futuro do mundo e a forma superior de organização da sociedade. “Para mim, a luta revolucionária se tornou viável quando me dei conta de que é possível acabar com a mendicância a qual o povo é submetido na sociedade capitalista, que, de um lado, tem o luxo, enquanto a maior parte do povo está na miséria e é obrigada a se humilhar para sobreviver”. E afirmou: “É possível mudar o mundo e a tarefa dos revolucionários é não aceitar mais que haja exploradores e explorados”.

Força da juventude

A atividade contou com a participação entusiasmada de dezenas de jovens e com representações da Unidade Popular (UP), Movimento de Mulheres Olga Benário, Movimento Luta de Classes (MLC), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), União da Juventude Rebelião (UJR), Movimento Correnteza e entidades estudantis.

Poesias revolucionárias de Bertolt Brecht, Carlos Marighella, Pablo Neruda e Emmanuel Bezerra marcaram as intervenções, intercalando-se com apresentações culturais de revolucionárias aliadas à luta do partido, como Ísis Valentini e Negra Winnie.

Também foi apresentado um histórico das principais lutas do Partido no estado, como o nascimento da Ocupação Carlos Marighella e da Casa Preta Zeferina em 2021. Com registros de atos organizados pela militância dos movimentos e organizações presentes, rememoraram-se manifestações em defesa da moradia digna e denúncias contra os fascistas que pioraram as condições de vida do povo.

Iniciando as intervenções políticas, Vitória Louise, da Coordenação Nacional da UJR, destacou que aquela era também a data em que o Exército Vermelho e o povo soviético derrotaram as tropas da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial em 1945. Ela salientou ainda a centralidade que a UJR dá à construção de uma nova moral comunista entre a juventude: “Che Guevara foi um jovem exemplar que abdicou de tudo que tinha e, por isso, ele é nosso patrono”. Louise também leu uma carta da revolucionária comunista Zoya Kosmodemyanskaya. Para encerrar, ela conduziu a premiação da Campanha de Recrutamento Sarah Domingues, que reconheceu os esforços dos três militantes da UJR da Bahia que mais trouxeram novas pessoas às fileiras da luta pela revolução socialista em nosso país.

Em seguida, Eslane Paixão, presidenta da UP Bahia, destacou a honra de construir a luta comunista e frisou a importância da luta antifascista no Brasil em todos os espaços. “Só a eleição não resolve! A verdade é que esse sistema é antidemocrático, não dá tempo de rádio e TV e não permitiu que nosso presidente — um homem preto, morador de ocupação —  falasse nos debates”, referindo-se à campanha de Leo Péricles para presidente da República em 2022.

A comemoração de 58 anos do PCR demarcou o caráter proletário da vanguarda revolucionária brasileira, da luta feminista, de libertação do povo negro e fortalecida no fogo da luta de classes; mergulhada na arte popular, na camaradagem e na alegria. Assim, se fortalece o espírito revolucionário dos comunistas para seguirmos batalhando pela verdadeira festa dos povos explorados e oprimidos, que é a Revolução!

Matéria publicada na edição impressa nº 292 do jornal A Verdade.

Greve da rede federal continua após tentativa do governo de impor acordo

Tentativa do governo federal de fechar acordo com sindicato sem base e dividir a greve da rede federal de educação fracassou. Mobilização grevista continua forte em todo país.

Victor Davidovitch | Fortaleza


TRABALHADORES – No último dia 27 de Maio, o Governo Federal anunciou a assinatura de um suposto acordo entre o Governo Federal e os trabalhadores em greve da rede de educação federal – logo repercutido nas páginas oficiais e pela grande mídia. Entretanto, a verdade é que o acordo foi assinado apenas pelo PROIFES, um sindicato ligado ao próprio Governo, que representa apenas cerca de 10% das Universidades e não tem registro sindical.

A estratégia do Governo foi fingir que a greve, organizada de fato pelo ANDES, FASUBRA e SINASEFE acabou, quando, na verdade, assembleias de trabalhadores em todo país, na semana passada, rejeitaram a proposta do Governo e aprovaram a continuidade da greve. A Justiça Federal, por sua vez, deu razão as verdadeiras representações dos trabalhadores e suspendeu o acordo no último dia 29 de maio. 

A medida do Governo está em completo desacordo com o que foi prometido na campanha eleitoral, quando a educação foi tratada como prioridade. Diante do grave sucateamento das Universidades e dos Institutos Federais e da altíssima inflação que corroeu os salários de técnicos e professores nos últimos anos, a resposta tem sido reajustes mínimos, tanto no orçamento, quanto na remuneração dos trabalhadores.

Em contrapartida, estão intactos os lucros e os interesses da burguesia, com a manutenção da Reforma Trabalhista e da Previdência, do pagamento de juros da Dívida Pública, etc. Ainda, outros setores do poder público (como os altos cargos do Judiciário e as polícias federais) receberam aumentos muito superiores.

Essa contradição e a tentativa do Governo de dividir os trabalhadores têm gerado grande insatisfação entre professores, técnicos e estudantes. As categorias da rede federal estiveram na linha de frente de enfrentamento ao fascismo durante os anos de governo Bolsonaro, sendo responsáveis por algumas das maiores mobilizações do período. Além disso, a maioria da comunidade acadêmica da rede federal de ensino apoiou a eleição de Lula, como forma de derrotar a política econômica de Bolsonaro e o avanço do fascismo e do autoritarismo, e, portanto, deseja uma postura radicalmente diferente em relação à educação pública.

Com esse cenário, o Governo diz que não apresentará novas propostas, mas trabalhadores da educação federal seguem em greve em todo país. A pressão continua nas universidades e institutos para que o governo ceda na posição de não dar reajuste aos servidores para guardar a verba para pagar os juros da dívida pública.