UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 12 de setembro de 2025
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Universidades em greve em defesa da educação e dos trabalhadores

Os servidores técnicos-administrativos em educação (TAEs) entraram em greve nacional em março. Em seguida, somaram-se os professores. Entre as principais reivindicações estão: aumento salarial; reformulação da carreira; recomposição do orçamento das universidades e institutos federais. Para entendermos o desenvolvimento e os objetivos da greve, o jornal A Verdade entrevistou militantes do Movimento Luta de Classes (MLC) que atuam nas entidades nacionais que dirigem a ação.

Esteban Crescente | Coord. Geral do Sintufrj


TRABALHADORES – Nos últimos anos, especialmente após o golpe de 2016, os servidores públicos federais enfrentam dificuldades para terem aumento salarial. Em 2023, houve um aumento emergencial, mas com o Centrão e a burguesia disputando o Orçamento da União, ficou evidente para os servidores a dificuldade que seria conquistar um reajuste salarial em 2024.

Diante desse cenário, os servidores técnicos-administrativos em educação (TAEs) iniciaram uma greve nacional em março. Em seguida, somaram-se os professores. Entre as principais reivindicações estão: aumento salarial; reformulação da carreira; recomposição do orçamento das universidades e institutos federais. Após inúmeras tentativas de negociações, as propostas do Governo Federal foram rejeitadas. A luta ganhou força e, até o fechamento desta edição, são 70 universidades e mais de 500 campi institutos federais paralisados em todo o país.

No dia 17 de abril, cerca de 10 mil pessoas participaram de uma grande marcha pela educação que encheu a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, seguida de uma aula pública em frente ao Ministério da Educação. Cícero Lopes, 69 anos, professor aposentado de Agronomia da UnB presente na passeata, afirma: “Participo das greves desde 1982. A gente nunca teve uma reposição salarial sem uma movimentação, sem luta e sem greve. Essa posição de 0% do Governo para 2024 é vergonhosa”.

Para entendermos o desenvolvimento e os objetivos dessa greve, o jornal A Verdade entrevistou militantes do Movimento Luta de Classes (MLC) que atuam nas entidades nacionais que dirigem a ação. 

Foto: Donavan Sampaio/JAV-DF

Os TAEs entraram em greve, impulsionando o movimento de servidores e da educação, e quais foram os motivos?

Francisco Dias, da Comissão de Supervisão de Carreira do Sinasefe – Há vários motivos que levaram os TAEs à greve, como a sobrecarga de trabalho, o que gera uma grande quantidade de afastamentos por saúde; a diferença de valorização entre as carreiras do Poder Executivo, pois os da educação recebem os piores salários; a diferença gigantesca em comparação com o valor dos auxílios-creche, alimentação e saúde entre servidores do Legislativo e Judiciário.

O fato mais importante para a greve foi a desvalorização dos salários. Após seis anos sem nenhum reajuste, a inflação levou os servidores ao empobrecimento e ao endividamento. Não por acaso, esta foi uma das bases sociais que mais esteve nas ruas pela derrubada do Governo Bolsonaro antes das eleições.

Nesta greve nacional, os TAEs tomaram a dianteira na luta para recuperar o seu poder de compra dos seus salários. O movimento cresce no país, colocando nas redes e nas ruas trabalhadoras e trabalhadores que estão dispostos a radicalizar suas ações, caso o governo não atenda a pauta.

Quais motivos levaram os professores das universidades à greve?

Aroldo Félix, diretor do Andes-SN – As professoras e professores da base do Andes-SN aprovaram no seu 42° Congresso Nacional, em fevereiro, o fortalecimento da greve da educação federal, já em construção naquele momento. Essa decisão foi tomada porque, ao longo de 2023, o Governo só enrolou os servidores públicos nas mesas de negociação. Para piorar, insistiu com 0% de reajuste para 2024 e míseros 4,5% para 2025 e 2026. Muito distante da nossa proposta para recompor as perdas inflacionárias dos últimos sete anos, que é de 22,71% em três parcelas de 7,06%.

Além disso, a nossa luta é pela recomposição do orçamento das universidades e institutos federais, questão diretamente relacionada com a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, das condições de trabalho e da política de permanência estudantil.

Por tudo isso, o Andes-SN orienta seus sindicatos filiados a entrar em greve. As assembleias têm sido as mais participativas dos últimos tempos, com mais de 400 professores presentes em algumas delas. No dia 17 de abril, cerca de 10 mil servidores públicos organizaram uma grande caravana a Brasília, que pressionou o Governo Federal a apresentar uma nova proposta. Esta veio um pouco melhor, porém ainda insuficiente para nossas reivindicações. 

Como o MLC tem atuado nas entidades de base durante a greve?

Clodoaldo Gomes, coordenador de Educação da Fasubra O MLC está presente nas direções das entidades nacionais Fasubra, Sinasefe e Andes, que representam as trabalhadoras e trabalhadores das instituições de ensino federal. Fruto de um trabalho de quase uma década com debate coletivo em nível nacional e agitação e propaganda de nossa linha, venda do jornal A Verdade nas plenárias e assembleias de base. 

Prezamos pela combatividade, independência de classe frente ao governo e senso de unidade de ação frente às divergências internas no movimento sindical. Periodicamente, lançamos panfletos nas bases e realizamos plenárias presenciais ou virtuais.

Os sindicatos filiados à Fasubra que contam com nossa presença na direção protagonizaram as maiores assembleias de deflagração de greve dos últimos anos, como o Sintufrj, com 700 pessoas, e Sintespb, com 400. Além disso, temos trabalhos de destaque na base UFRGS, Cefet-MG, UFMG, UFES, UFAL, UFABC, etc.

Nas bases dos institutos, dirigidas pelo Sinasefe, atuamos na linha de frente no Sintietfal, Sinasefe-BA, Sinasefe-RN e Sintifrj.

Recentemente, passamos a compor também a direção nacional do Andes em uma frente unitária, o que permitiu crescermos nossa influência entre os professores universitários. Nossa atuação preza pela unidade com os estudantes e trabalhadores terceirizados das instituições de ensino, pois somos todos membros da classe trabalhadora.

Porque o Governo Federal não apresenta solução para a demanda dos servidores e da educação?

Lenilda Luna, oposição sindical ao Sintufal – O Governo Lula cede principalmente aos setores do empresariado, do agronegócio e do sistema financeiro, que cobram o atendimento aos seus interesses. Além disso, o Centrão, liderado por Arthur Lira, suga o Orçamento com emendas parlamentares recordes, em busca dos interesses eleitoreiros.

Medidas estruturantes precisam ser tomadas para atender as pautas populares. É urgente a revogação do Arcabouço Fiscal, que limita o investimento em políticas públicas, assim como as revogações da Reforma Trabalhista e da Previdência, que retiraram direitos históricos das trabalhadoras e dos trabalhadores.

Nesse contexto, é preciso disputar as pautas da classe trabalhadora nas ruas. A educação só será prioridade se as categorias que sustentam o funcionamento das universidades e institutos federais pressionarem com amplas mobilizações e com o fortalecimento da greve. Desde o início, o MLC vem alertando que a negociação vai depender da nossa capacidade de mobilização.

Matéria publicada na edição nº 291 do Jornal A Verdade.

Surge o Comitê Estadual de Memória, Verdade e Justiça do RN

No dia 07/05, o novo Comitê Estadual da Verdade do Rio Grande do Norte (CEV-RN) tomou posse na Governadoria do Estado. O comitê conta com atores da sociedade civil e militantes organizados, comprometidos com a pauta da Memória, Verdade e Justiça na luta contra o fascismo. 

Josué Nascimento e Redação RN | Natal (RN)


MEMÓRIA – No dia 07/05, tomou posse na sede da Governadoria do Estado o Comitê Estadual da Verdade do Rio Grande do Norte (CEV-RN), que conta com atores da sociedade civil e militantes da pauta da memória da ditadura. O Comitê funcionará por meio da Secretaria de Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEMJIDH).

A pauta da Memória é muito cara a diversos setores não somente pelo teor político do debate, mas também pelo compromisso com a memória daqueles que tombaram na luta contra a ditadura e pelo socialismo.

De acordo com Ana Beatriz Sá, militante da União da Juventude Rebelião (UJR) e membro do CEV-RN, o Comitê representa um enfrentamento ao discurso dos que tentaram acabar com a democracia. “A gente tem que organizar nosso povo contra o fascismo e a nossa tarefa agora é continuar esse legado de luta, construindo o socialismo e lutando por uma sociedade melhor para todo mundo”, ela diz.

Ana Beatriz é neta do militante comunista Glênio Sá, que faleceu em 1990 em um acidente de carro cujas circunstâncias a família considera que não foram bem apuradas pela Justiça. Existe uma suspeita do envolvimento de militares em sua morte, mesmo após a redemocratização e a Lei de Anistia, e há uma reivindicação de que o acontecimento seja novamente investigado.

Sabemos que, a todo momento, os fascistas tentam inverter a história do regime militar de 1964-1985 para dizer que ele foi uma “revolução” e a “salvação” do comunismo. Isso não é novidade. A mesma retórica dos golpistas de ontem é a dos de hoje, como vimos em 8 de Janeiro de 2023: eram fascistas pedindo uma intervenção militar para impedir a posse do Presidente eleito.

A não punição dos que apoiaram a tentativa de golpe do 8 de janeiro fortalece a organização do fascismo em todo o país. Ele é apoiado pelos grandes ricos do agronegócio, empresários e banqueiros porque o interesse da classe dominante é intensificar a exploração do povo trabalhador a qualquer custo, sendo o fascismo a melhor ferramenta para isso.

Em sua história, o Brasil viveu mais períodos de ditadura que de democracia. Por isso o compromisso dos movimentos sociais, partidos e organizações ao lutar por Memória, Verdade e Justiça não é de remoer o passado, mas sim de tratá-lo da devida forma, para que exista de fato uma Justiça de Transição, instrumento fundamental para países que passaram por ditaduras.

Segundo Alex Feitosa, membro do Partido Comunista Revolucionário no RN, “a constituição de um Comitê Estadual da Verdade marca uma posição política importante na luta contra os fascistas de ontem e de hoje”. Feitosa também aponta que o CEV/RN “fortalece a campanha pela reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ainda pendente no Governo Federal”.

“Devemos resgatar a memória de patriotas e revolucionários como Emmanuel Bezerra, Anatália de Souza Alves, Virgílio Gomes da Silva e exigir que os culpados pelos assassinatos, sequestros, torturas e perseguições sejam devidamente responsabilizados e punidos”, ele conclui.

25 de abril: 50 anos depois, os cravos ainda florescem

Portugal celebrou, no último mês, os 50 anos da Revolução dos Cravos. Com atos por todo o país, a imprensa local registrou que as manifestações deste ano foram as mais populosas desde que a data é celebrada. O alto comparecimento é uma forte resposta às recentes tentativas de diminuir a importância do 25 de Abril, encabeçadas pela direita portuguesa.

Daniel Schiavini | Portugal


Portugal celebrou, no último mês, os 50 anos da Revolução dos Cravos. Mesmo após um cenário eleitoral muito negativo, a população saiu em peso às ruas para celebrar a deposição do regime fascista, que durou cinco décadas, e a breve, porém valorosa, experiência revolucionária no país. Com cravos nas mãos, partidos, coletivos e sindicatos conduziram os blocos que desfilavam pelas cidades, chamando o povo a se juntar. O Núcleo Internacional da Unidade Popular (UP) esteve presente nos atos do Porto e de Lisboa.

Com atos por todo o país, a imprensa local registrou que as manifestações deste ano foram as mais populosas desde que a data é celebrada. O alto comparecimento é uma forte resposta às recentes tentativas de diminuir a importância do 25 de Abril, encabeçadas pela direita portuguesa. 

Dia de festa, dia de luta

No Porto, a celebração se iniciou com um ato em memória dos que resistiram à longa noite do fascismo. Estavam presentes pessoas que lutaram contra a ditadura de Salazar e viveram para ver a vitória. A homenagem lembrou também dos heróis, conhecidos ou anônimos, que deram a vida para construir a Revolução.

Embora seja a principal data cívica de Portugal, o 25 de Abril está longe de ser apenas uma defesa da memória. Enquanto parte dos cantos celebrava o fim do fascismo salazarista, pautas atuais, como a crise habitacional, a xenofobia e até a defesa da Palestina estavam presentes.

Em Lisboa, movimentos sociais construíram uma nova ocupação em pleno 25 de Abril, transformando um edifício abandonado em um novo centro social. A ação lembra o primeiro ano da Revolução dos Cravos, quando a população organizada iniciou ocupações e um processo de reforma agrária.

Memória em disputa

Se nas ruas o 25 de Abril era celebrado, no Parlamento português a data não é uma unanimidade. Parlamentares de direita não participaram da moção de aplauso aos heróis da Revolução. Posteriormente, enquanto a canção “Grândola, Vila Morena”, o hino da Revolução dos Cravos, era cantada, partidários do Chega (partido de extrema-direita) se retiraram da assembleia.

As tentativas de esvaziar os atos foram muitas. Em Lisboa, o prefeito Carlos Moedas não concedeu os repasses públicos para a realização do tradicional Arraial dos Cravos. Mesmo sem apoio estatal, o evento foi um sucesso.

Durante o regime fascista, mais de um terço dos habitantes de Portugal era de analfabetos. A fome assolava o país, as mulheres não possuíam direitos políticos e a saúde era privilégio dos ricos. Até 1974, Portugal ainda possuía colônias em África e promovia uma sangrenta guerra para impedir as independências.

Não é fácil traduzir em palavras uma Revolução. Entre cravos e cantos, a chama revolucionária do 25 de Abril de 1974 parece ainda estar viva no seio do povo português. A presença massiva nas ruas para a celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos mostra como os ideais que ajudaram a pôr fim ao fascismo no país ainda são capazes de mobilizar e encantar o povo.

Matéria publicada na edição nº 291 do Jornal A Verdade

A Revolta da Chibata e a carta do ministro da Marinha

João Cândido, líder da Revolta da Chibata, foi perseguido, torturado, preso na Ilha das Cobras, expulso da Marinha, morreu doente, na miséria, em 1969. Mas tem o reconhecimento do povo.

Natanael Sarmento | Diretório Nacional da UP


SOCIEDADE – Bastante citada pela pertinência é a frase de Karl Marx segundo a qual “A história sempre se repete: a primeira vez como tragédia, e a segunda, como farsa”. No Brasil, a tradição de todas as gerações mortas da Casa Grande dos brancos e ricos oprime como pesadelo o cérebro dos vivos.

Uma das maiores traições das elites contra os pobres e negros, mestiços, pardos e brancos brasileiros, entre tantas da nossa história de traições, ocorrida na primeira década do século 20, tem agora a repetição atualizada no governo atual do presidente Lula, eleito pela maioria povo, na rejeição e repúdio ao fascista Bolsonaro.

Depois de mais de um século, o ministro da Marinha Marcos Sampaio Olsen, nomeado por Lula, escreveu uma carta à Comissão de Cultura da Câmara de Deputados criticando o Projeto de Lei que reivindica que o nome de João Cândido, o Almirante Negro da célebre Revolta da Chibata, seja inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.

O ato do ministro da Marinha é a pura concepção do tronco, dos tempos dos maus tratos, uma chicotada da elite branca da Casa Grande contra pobres e pretos. Os heróis dessa pátria, para eles, são brancos, matadores de indígenas, caçadores de quilombolas, genocidas de camponeses ou almirantes, que jamais lutaram em batalha alguma. O ministro de Lula alega que “é ilícito recorrer às armas que lhes foram confiadas para reivindicar supostos direitos”. A memória seletiva do ministro, porém, esquece que os militares recorreram às armas que lhes foram confiadas para dar o golpe de Estado em 1964 e derrubar um presidente legitimamente eleito pelo povo. 

Lembrar para não esquecer

O que foi a Revolta da Chibata e quem foi João Cândido, o seu líder?

Foi uma rebelião de marinheiros, a maioria negros, entre 23 e 27 de novembro de 1910, contra os castigos corporais – chibatadas – aplicados pelos oficiais superiores contra seus subordinados. Os marinheiros prenderam a oficialidade e assumiram os navios da Marinha fundeados na Baía da Guanabara (Rio de Janeiro). Exigiram do governo leis que abolissem os maus-tratos físicos. Como se vê, a abolição da escravidão, de 1888, não era completa na Marinha do Brasil da primeira década do século 20.

O marinheiro Marcelo Rodrigues recebia 250 chibatadas diante da tripulação do Navio Minas Gerais. A cena aviltante detonou a revolta dos seus companheiros. Liderados pelo marinheiro João Cândido Felisberto (o Almirante Negro), 30 anos à época, iniciaram a revolta em luta corporal.

Nas tratativas de pacificação, os amotinados enviaram mensagens com suas reivindicações ao governo. O presidente General Hermes da Fonseca ganhava tempo para isolar e enfraquecer os revoltosos. Os marinheiros amotinados dispararam um tiro de canhão que acertou um cortiço da então Capital Federal. Duas pessoas morreram. A ação produziu enorme efeito na opinião da população da cidade. A Capital da República estava em pânico.

Um manifesto com as reivindicações, resumidamente, exigia melhores condições de trabalho, melhoria do soldo, fim dos castigos corporais e anistia dos rebelados.

Premido pela ameaça real, forçado pela opinião pública simpática à causa dos marinheiros, o presidente Hermes mentiu. Respondeu que aceitava as reivindicações dos revoltosos e selou a paz. Mas o governo traidor, com a cumplicidade da imprensa burguesa, desqualificou os insurgentes e quebrou a palavra dada. Tão logo os marinheiros baixaram a guarda, entregaram as armas e os navios, o governo desencadeou a violenta repressão. A devassa e a caça às bruxas, com prisões, expulsões e deportações decretou mais de mil exonerações por “indisciplina”.

Foram 14 mortos: os dois civis do disparo de canhão e 12 militares, entre oficiais e marinheiros do lado legalista. Já do lado dos revoltosos, somam-se mais de 200 mortos. Ao todo, dois mil foram expulsos e deportados. Os legalistas foram sepultados como heróis, com honras militares. Os insurgentes, enterrados como traidores da pátria.

Lições da História

João Cândido, verdadeiro herói do povo brasileiro, perseguido, torturado, preso na Ilha das Cobras, expulso da Marinha, morreu doente, na miséria, em 1969. Mas tem o reconhecimento do povo. Recebeu de João Bosco uma bela homenagem na música “O Mestre Sala dos Mares”: “Há muito tempo nas águas da Guanabara/ O Dragão do Mar reapareceu/ Na figura de um bravo marinheiro/ A quem a história não esqueceu…/ Salve o Almirante Negro”. Merece ter seu nome no Livro dos Heróis da Pátria.

Em meio à recente polêmica, o único filho vivo de João Cândido, Adalberto Cândido, 85 anos, declarou: “Quero ver meu pai herói popular, não herói da Marinha”. E ainda deu uma aula ao ministro: “Ele teria que agradecer aos marinheiros de 1910 pela Marinha de hoje. Naquela época, não tinha disciplina, hierarquia, não tinha nada. Os marinheiros eram os filhos rebeldes que os pais colocavam na Marinha. Os oficiais eram os filhos dos fazendeiros. A Marinha só foi modernizada depois disso. A última escravidão do Brasil foi na Marinha”.

A luta de classes dos oprimidos contra os opressores não se extingue com meras palavras e promessas dos opressores donos do poder. Desarmar-se materialmente em troca de promessas do inimigo é ilusão.

Matéria publicada na edição nº 291 do Jornal A Verdade

Trabalhadores de aplicativos denunciam exploração dos donos das plataformas

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A precariedade é a marca das condições de trabalho dos motoristas de aplicativos, categoria que possui diferentes perfis, jornadas de trabalho e níveis de dedicação à atividade. Sob a ilusão de empreendedorismo e flexibilidade, são submetidos a condições abusivas, que os tornam reféns do poder do patrão invisível (os donos das plataformas digitais).

Karen Fernanda Nicoletti* | Porto Alegre (RS)


BRASIL – Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existiam, no Brasil, 778 mil pessoas que exerciam, como trabalho principal, o transporte de passageiros por meio de aplicativos. Atualmente, esse número é calculado em 1,5 milhão de trabalhadores. Com um sistema de transporte público cada vez mais deteriorado, com ônibus, trens e metrôs sucateados e superlotados, ocorre, paralelamente, o crescimento da demanda pelos aplicativos.

A precariedade é a marca das condições de trabalho dos motoristas de aplicativos, categoria que possui diferentes perfis, jornadas de trabalho e níveis de dedicação à atividade. Existem desde os que possuem outro emprego fixo até os aposentados, que utilizam a atividade como complemento de renda, passando pelos trabalhadores dedicados exclusivamente à função, sejam proprietários sejam locatários de veículos.

Entre os trabalhadores dedicados exclusivamente à atividade, temos os locatários de veículos, que são os mais vulneráveis nessa relação. Além de gerarem lucro para a plataforma, também geram renda para a locadora do veículo, o que aumenta ainda mais a exploração da sua força de trabalho.

Já os trabalhadores que utilizam a atividade como renda extra, conseguem se concentrar em jornadas menores, em horários mais favoráveis e com tarifas um pouco melhores. Alguns possuem garantias trabalhistas asseguradas em suas atividades principais, o que não é a realidade da maioria.

Com a implementação de políticas neoliberais que beneficiam os patrões e visa a desmantelar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os motoristas de aplicativos se veem numa condição de escravidão moderna. Sob a ilusão de empreendedorismo e flexibilidade, são submetidos a condições abusivas, que os tornam reféns do poder do patrão invisível (os donos das plataformas digitais).

Enquanto são incentivados a se enxergarem como empreendedores de si mesmos, na prática, são obrigados a cumprir metas, longas jornadas e tarifas impostas pelas empresas. O desempenho é monitorado e controlado a cada minuto, sem garantia de remuneração digna ou segurança no trabalho.

Os desligamentos e bloqueios de contas arbitrários também são uma realidade, obrigando este trabalhador a ficar parado e, consequentemente, sem receber nada. Alguns recorrem a meios ilegais para manter sua fonte de renda com o uso de contas falsas, comercializadas em mercado paralelo. Isso, porém, provoca mais uma insegurança ao trabalhador e aos passageiros.

Nesse cenário, a falta de proteção trabalhista expõe os motoristas a riscos que vão além do contexto individual. Doenças, acidentes e demissões podem gerar impactos sociais e familiares, criando um ciclo de precariedade que afeta toda a sociedade.

Foto retrata trabalhadores de aplicativos em manifestação.
Trabalhadores de aplicativos manifestam pelos seus direitos. Foto: Arquivo.

Projeto de Lei 12/2024 mantém superexploração

Diante dessa grave situação, os trabalhadores de aplicativos se mobilizam e organizam diversos protestos e até greves contra a superexploração que sofrem das plataformas. Para tentar diminuir esses protestos, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 12/2024, que pretende “uma regulamentação inovadora para um tipo de trabalho diferente”. Porém, uma análise séria desse projeto revela que, na prática, ele legaliza a ausência de direitos para estes trabalhadores, além de permitir que as empresas imponham punições através do controle de atividades e métricas, como taxas de aceitação e cancelamento de pedidos, podendo, inclusive, suspender, bloquear ou excluir os prestadores de serviço que não atendam às determinações exigidas. Além disso, a proposta estabelece sistemas de avaliação dos trabalhadores e usuários, criando uma relação de trabalho subordinada, vinculada e controlada, sem garantia de direitos trabalhistas (descanso remunerado, férias, 13º, FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, periculosidade, etc.).

A carga horária permitida é de até 12 horas diárias, sem restringir a quantidade de dias na semana, podendo totalizar até 84 horas semanais em cada plataforma. Porém, esta contagem se refere apenas ao tempo de viagem, desconsiderando o tempo de espera, o que pode transformar facilmente essas 12 horas em 15 horas, ou até mais.

A remuneração mínima estabelecida diverge dos custos reais relacionados a esta atividade. De acordo com a proposta, os profissionais devem receber R$ 32,10 por hora trabalhada, sendo R$ 24,07 destinados a custos operacionais (celular, combustível, manutenção do veículo, custos de depreciação, seguro, impostos, etc.) e R$ 8,03 como remuneração do trabalho em si.

O projeto, portanto, ignora completamente que os custos operacionais estão relacionados também à quilometragem percorrida, e não somente ao tempo.

Quanto à remuneração pelo serviço prestado, a proposta apresentada não foge muito da realidade dos preços praticada atualmente, que já é um ponto de descontentamento geral da categoria, especialmente em horários de baixa demanda. O PL também não fez qualquer referência aos serviços que possuem tarifas diferenciadas, como confort e executivo.

Previdência Social

Um dos principais pontos apresentados no PL 12/2024 é a promessa de garantir aposentadoria aos trabalhadores de aplicativo. Mas também aqui o projeto é insuficiente. Vejamos. A proposta contempla a obrigatoriedade de inscrição dos trabalhadores junto ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com o recolhimento, por parte dos trabalhadores, de 7,5% sobre a remuneração, enquanto os empregadores terão que recolher 20%.

Tomemos como exemplo o valor mínimo proposto por hora trabalhada: R$ 32,10, com uma remuneração ao trabalhador de 25%, equivalente a R$ 8,03. Neste caso, o motorista teria que recolher para a Previdência R$ 0,60 (7,5%) e o empregador, R$ 2,00 (20% do valor).

Parte dos motoristas já possui alguma forma de vinculação previdenciária através de MEI, carnê do INSS ou outra relação de trabalho, e muitos demonstram descrença em relação à aposentadoria existente hoje após a Reforma da Previdência imposta pelo fascista Bolsonaro e pelo Congresso reacionário, o que torna este direito pouco atrativo.

Outro ponto abordado pelo projeto é o auxílio-maternidade, que passa a garantir o acesso aos direitos previdenciários previstos para as trabalhadoras seguradas pelo INSS. No entanto, o percentual de mulheres na categoria de motoristas é baixo, representando apenas cerca de 6%.

Falta de democracia na elaboração do projeto

Apesar de ter sido apresentado como resultado de um debate entre os donos das plataformas e as centrais sindicais, a verdade é que houve pouca participação da classe trabalhadora. A divulgação do conteúdo do PL só foi feita aos trabalhadores quando o Governo Federal enviou a proposta para tramitação no Congresso Nacional, sem possibilidade de alterações.

De fato, o Ministério do Trabalho e os sindicatos não garantiram a participação ativa dos trabalhadores, não ouviram nem organizaram a categoria, e, muito menos, denunciarem as perdas durante as negociações. A falta de demonstração de força e organização levantou questionamentos sobre a eficácia dos sindicatos em representar os interesses dos motoristas de aplicativo. Como resultado, muitos desses trabalhadores se sentem descrentes e afirmam que os sindicatos não os representam.

Diante desse cenário, há também críticas ao projeto no ponto em que prevê a representação da categoria por uma entidade sindical da categoria profissional denominada “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas” para fins de negociação coletiva, cabendo a este sindicato assinar acordos e convenções coletivas e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais.

Organizar e lutar 

Por fim, sob a ótica do Direito do Trabalho, a modalidade dos motoristas de aplicativo, como acontece hoje, enquadra-se como uma relação de emprego, em que o trabalhador presta um serviço de forma remunerada e não eventual, sob total dependência da plataforma, que é quem decide o ingresso e o rendimento desse trabalhador e ainda detém todo o funcionamento dos algoritmos, que não são compartilhados com os “colaboradores”. E justamente por não haver um contrato formal, a ilegalidade na relação trabalhista desta categoria fica ainda mais evidente, não contando com qualquer tipo de fiscalização e apoio por parte do Estado.

Atualmente, mais de 10 mil processos trabalhistas envolvendo motoristas de aplicativo estão em andamento na Justiça do Trabalho. Outros tantos processos já reconheceram o vínculo empregatício com base nos artigos segundo e terceiro da CLT.

O caminho, portanto, para mudar essa realidade e garantir os direitos desses trabalhadores é avançar na organização da categoria em cada cidade, em nível nacional, e seguir realizando atos, greves e breques de apps.

*Karen Fernanda Nicoletti é graduada em Tecnologia da Informação e organizada no Movimento Luta de Classes (MLC); motorista de app uberizada após 28 anos de CLT

Matéria publicada na edição nº 291 do Jornal A Verdade

Mulheres enfrentam condições desumanas em penitenciárias

O Brasil possui uma população carcerária feminina de 40 mil pessoas (terceira maior do mundo). Para as mulheres encarceradas, as violências cotidianas são ainda mais chocantes e vão desde a falta de absorventes até o desamparo familiar, passando pela escassez de água e alimentação adequada, fazendo da vida dessas mulheres um verdadeiro tormento.

Daniel M. e Lucas Marcelino | São Paulo (SP)


MULHER – As condições das pessoas encarceradas no Brasil demonstram o profundo desprezo que o Estado tem por esta parcela da população. Para as mulheres encarceradas, as violências cotidianas são ainda mais chocantes e vão desde a falta de absorventes até o desamparo familiar, passando pela escassez de água e alimentação adequada, fazendo da vida dessas mulheres um verdadeiro tormento.

O Brasil possui uma população carcerária feminina de 40 mil pessoas (terceira maior do mundo). Fica atrás apenas dos Estados Unidos e da China, segundo levantamento da World Female Imprisonment List, de 2022. Cerca de 45% dessas detentas estão presas preventivamente, quer dizer, ainda aguardam a sentença da Justiça de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional.

Este número demonstra o real objetivo do sistema prisional num Estado burguês: o encarceramento em massa das parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora, em especial da população preta.

Para obter um retrato mais próximo das prisões femininas, A Verdade foi até a Penitenciária Feminina Sant’Ana, ao lado do antigo Carandiru, na Capital paulista, e entrevistou familiares de detentas que aguardavam na fila de visitas. Os relatos ilustram diversas violações de direitos básicos e confirmam o cenário degradante dentro dessas cadeias.

Detenções injustas

A filha de uma das detentas contou que a mãe foi presa em casa, junto com o pai, dois irmãos e colegas dos irmãos. A residência da família abrigava um carro roubado, porém, segundo a jovem, a mãe não tinha envolvimento com o crime. Os homens foram condenados em 2018, enquanto a mulher pôde responder em liberdade até o começo deste ano, quando a juíza do caso ordenou a prisão.

Este enredo demonstra algo comum entre muitas mulheres que cumprem pena no país: a detenção por motivos de relacionamentos.

Não é raro que parceiros, filhos, irmãos cometam crimes, como tráfico de drogas, roubos de carro, entre outros, e mães e esposas sejam consideradas cúmplices por viverem sob o mesmo teto. Portanto, não se pode analisar as motivações que levam à prisão de mulheres ignorando a condição de dependência econômica imposta a elas pelo machismo na sociedade capitalista.

Quando se trata de tráfico de drogas, o contexto se agrava. Este crime, inclusive, corresponde a 39% das penas de mulheres no Brasil. Muitas dessas mulheres são colocadas na linha de frente do tráfico, servindo de aviãozinho ou guardando drogas para sustentar a família ou o vício.

“A liderança é masculina, mas essa liderança normalmente tem uma companheira que acaba tomando conta quando este homem está preso ou quando ele é promovido. Então, as mulheres assumem essas funções dentro de uma estrutura mais patriarcal e acabam sendo mais encarceradas”, explica Ana Elisa Bechara, professora e vice-diretora da Faculdade de Direito (FD) da USP, ao Jornal da USP.

No relato de outra filha a caminho de visitar a mãe, mais uma prisão em que não houve relação direta com o crime.

O tio da jovem não percebeu que o motor do portão emperrou, deixando-o aberto ao sair para trabalhar. Os cachorros da família fugiram e acabaram tirando a vida de uma idosa. A mãe, presa há sete meses, aguarda julgamento por júri popular, porém a expectativa é que demore pelo menos dois anos até que isso aconteça.

Segundo a entrevistada, a estrutura familiar, que era sustentada pela figura materna, desmoronou. Ela e a irmã, menores de idade quando o incidente ocorreu, tiveram de ficar sob os cuidados do irmão mais velho. Este teve de trancar a faculdade para cuidar delas.

Outros parentes tiveram que se mobilizar para lidar com os custos financeiros e a mudança de casa devido hostilidade da vizinhança incentivada pelos “programas policiais” na TV.

Em um país em que 50,8% dos lares têm liderança feminina – segundo dados do Dieese de 2023 –, este é um exemplo de como o encarceramento de uma mãe abala toda a família.

Condições sub-humanas

O site da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) ressalta a beleza do prédio projetado pelo famoso arquiteto Ramos de Azevedo, ao mesmo tempo em que exalta seus 1.450 metros de muralha para impedir o contato das detentas com o mundo exterior. Mas isso não impede que a verdade venha à tona.

Todos os entrevistados reclamaram das péssimas condições de alimentação. “Que fique registrado, a comida é horrível. Eu já comi uma refeição com fezes de rato aí dentro. A comida melhor que tem é essa aqui que a gente tá levando. Feita com amor e carinho”, pontua um marido em visita. E continua: “É muita demora na fila e tratam a gente feito animais. Arregaçam nossa comida. Mesmo um bife, onde não tem como esconder nada dentro, eles cortam tudo”. Muitos entrevistados falam da falta de regras claras para entrar com alimentos na penitenciária.

Segundo perícia do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), no Estado de São Paulo são destinados apenas R$ 8 para as três refeições do dia – dado divulgado em outubro passado, em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

A precarização também afeta intensamente as condições de limpeza, acesso a materiais de higiene e a cuidados médicos. “A minha mãe tem depressão, tem ansiedade. Ela tava fazendo o tratamento aqui fora, porque ela tem depressão há muito tempo. Mas lá dentro ela não tem assistência nenhuma”, lamenta uma visitante. Ela se indigna com a forma distorcida com que a vida nas penitenciárias é divulgada pelos grandes meios de comunicação: “Tudo o que a gente vai questionar, eles falam que a Casa tem, a Casa ajuda, a Casa dá. É aquela coisa bonita que passa na TV, que o preso tem tudo, que é uma vida de regalias. Mas isso é tudo mentira”.

Se o Estado não garante alimentação digna e acesso a medicamentos, o que poderíamos esperar do atendimento às condições específicas das mulheres, como a higiene pessoal?

O companheiro de uma delas denunciou a burocracia para se conseguir um absorvente – de baixíssima qualidade –, que precisa ser solicitado à assistência social e, muitas vezes, só chega depois do ciclo menstrual. Outra denúncia foi sobre o acesso à água, que só chega após ao meio-dia e faz com que as mulheres precisem pagar – com maços de cigarros – por tambores para armazenar água de um dia para o outro. Essa realidade também foi destacada pela perícia da MNPCT, que ainda se deparou com a falta de realização de exames de pré-natal para detentas gestantes.

Grande parte das prisioneiras não recebe visitas. Esse abandono é uma das principais diferenças de gênero na população carcerária. Contraste sentido por uma das entrevistadas: “Eu senti essa diferença quando a gente visitava meu pai e o meu irmão. Você vê pela porta, é super cheio, é muita gente. E aqui não, isso aqui pra mim é vazio. E tem muita mulher lá dentro”.

Empresas e governo exploram detentas

A desumanização levada a cabo pelo sistema prisional evidencia as principais contradições geradas por uma sociedade em que o lucro está sempre acima da vida. Se não se preocupa em garantir necessidades básicas da população em geral, por que o Estado daria atenção para as pessoas privadas de liberdade?

E as mulheres trabalhadoras, que acumulam o sustento da maioria das famílias no Brasil e o trabalho de cuidado doméstico e materno – sem remuneração –, quando colocadas atrás das grades, veem-se em uma situação de extremo desamparo.

Para agravar a situação, em abril de 2023, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) regulamentaram decreto que incentiva a construção e administração de presídios por empresas privadas.

Na prática, como todo processo de privatização, trata-se de transferir dinheiro público para a conta de grandes empresários, que não vão se importar com as condições de vida de presidiárias e presidiários. E mais, terão todo interesse em ampliar as prisões e o número de pessoas encarceradas no Brasil.

Entretanto, como ensina a História, por maiores que sejam as injustiças, nada detém a mobilização popular organizada. Não vai ser diferente na luta para transformar a situação calamitosa dos presídios femininos apresentada pelos dados e relatos.

Os movimentos sociais devem ir às portas das penitenciárias conversar com as famílias e apresentar o socialismo como a saída para que ninguém mais precise cometer um crime para se alimentar, para não morrer de fome.

A luta pela vida das mulheres deve transcender as barras das celas e os muros dos presídios e formar alianças mais firmes que as algemas, na construção de uma sociedade em que ser livre seja a regra e a detenção seja imposta para aqueles que roubam o direito do povo de viver com dignidade.

Matéria publicada na edição nº 291 do Jornal A Verdade

Movimento Olga Benario organiza I Encontro Nacional de Ocupações de Mulheres

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Movimento Olga Benario se prepara para o I Encontro das Ocupações, nos dias 30 e 31 de maio, em São Paulo. É a primeira vez que as coordenações das ocupações se reunirão para acumular sobre as experiências desta nova fase da luta feminista no Brasil. 

Movimento de Mulheres Olga Benario


MULHERES – Há oito anos, nasceu a primeira ocupação de mulheres no Brasil, a Ocupação Tina Martins, em Belo Horizonte (MG), para denunciar um brutal caso de feminicídio na cidade e o descaso do Estado em relação ao aumento da violência contra as mulheres. Logo nos primeiros dias, mulheres em situação de violência foram bater na porta da ocupação procurando ajuda e receberam acolhimento.

Assim, iniciou-se a experiência das 23 ocupações do Movimento de Mulheres Olga Benario, espalhadas por todas as regiões do país. Com o agravamento da crise do capitalismo e a retirada dos direitos das mulheres, além do crescimento do fascismo e das guerras, as ocupações do Movimento se converteram em trincheiras de luta em defesa da vida das mulheres, dos seus direitos e, principalmente, de uma sociedade em que as mulheres possam ser livres de verdade da violência e da opressão, uma sociedade socialista.

Após realizar o Encontro de Mulheres da América Latina e do Caribe, há um ano, que contou com mais de mil mulheres de vários países e estados brasileiros, o Movimento Olga Benario se prepara para o I Encontro das Ocupações, nos dias 30 e 31 de maio, em São Paulo. É a primeira vez que as coordenações das ocupações se reunirão para acumular sobre as experiências desta nova fase da luta feminista no Brasil. 

Com o objetivo de fazer avançar a luta revolucionária das mulheres, em todo o país: por uma rede popular e nacional de enfrentamento da violência às mulheres; pelo fim da violência, por creche, moradia digna, educação e saúde públicas; pela legalização do aborto; por geração de emprego e renda contra a carestia e a fome; contra as guerras e o fascismo!

Os núcleos e as coordenações estão se preparando para construir um grande encontro, uma vez que o movimento constrói toda essa luta sem nenhum recurso do Estado ou de grandes capitalistas, somente com a autossustentação, realizando atividades como festas, rifas, vendas de produtos, pedágios e, principalmente, através do apoio daqueles que entendem a importância da luta das mulheres. Apoie também através do pix: movolgabenariobr@gmail.com.

Curso de formação da UJR reúne jovens para debater marxismo no RN

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Curso de formação realizado pela União da Juventude Rebelião no RN estudou o livro Fundamentos do Leninismo, de Josef Stálin.

Adriane Nunes | Natal


JUVENTUDE – A defesa e a agitação do marxismo-leninismo como a teoria da revolução e do poder popular no Brasil e em todo mundo é uma tarefa de prioridade máxima da União da Juventude Rebelião em todo o país, pois, quando se fala de organizar a rebeldia, é preciso ter uma teoria para guiá-la de modo consequente.

Dessa forma, no dia 10 de abril, a UJR realizou um curso de introdução ao marxismo na cidade de Natal, RN. “A nossa militância é muito aguerrida e tem muita disposição para tocar as lutas, contudo, ela precisa intervir na realidade revolucionariamente, aplicando os princípios do socialismo científico para formar um tipo militante que pense criticamente o mundo a sua volta”, defende Iuna Brasil, da Coordenação Estadual da UJR.

O livro utilizado como base para a aula foi Fundamentos do Leninismo, de Josef Stálin. A aula aprofundou-se nos princípios de organização partidária, o método e a prática das organizações comunistas e o combate ao revisionismo e economicismo no cumprimento das tarefas cotidianas. Como diz o próprio Stalin, o ímpeto bolchevique precisa temperar o espírito da nossa militância, porém, sem um sacrifício consciente e abnegado, promovido pelo aprofundamento do marxismo, torna-se inviável.

Ana Beatriz de Sá, militante do Correnteza e da UJR, avalia que é preciso “promover mais atividades de formação para preparar uma militância combativa, fortalecida ideologicamente e abnegada, que cumpra sem vacilações a tarefa histórica da revolução em nosso país. A conjuntura cada vez mais se acirra, e precisamos intensificar e potencializar nossa formação”. 

Nessa perspectiva, a União da Juventude Rebelião, a geração futura do Karl Marx, Engels, Che Guevara, Josef Stálin, Lenin, Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e tantos outros revolucionários convoca o conjunto dos jovens do Rio Grande do Norte e todo país a estudarem a teoria da revolução e lutarem pelo fim da miséria e da exploração capitalista.

Operação resgata oito trabalhadores em situação análoga à escravidão em Exu (PE)

Operação resgata oito trabalhadores em condições degradantes na extração de madeira em Pernambuco. Vítimas foram localizadas no município de Exu, sem condições básicas de saúde e higiene. MPT denuncia abuso de jornada, salários insuficientes e moradias precárias. 

Jesse Lisboa | Redação PE


BRASIL – Na quinta-feira, dia 2 de maio, a Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Superintendência Regional do Trabalho (SRTb/PE) resgataram oito trabalhadores em condições de escravidão. Os trabalhadores estavam envolvidos na atividade de extração de madeira para empresas localizadas do Polo Gesseiro de Pernambuco. Os trabalhadores foram encontrados em condições precárias, vivendo em meio ao ambiente da caatinga, sem acesso a condições básicas de saúde, segurança e higiene.

De acordo com a procuradora chefe do MPT em Pernambuco, Ana Carolina Lima Vieira, os trabalhadores eram recrutados na cidade de Jardim Tavares, na divisa com o estado do Ceará, por intermediários que os levavam até o local de trabalho na floresta. Eles relataram que eram submetidos a jornadas extenuantes sem controle de horário ou registro e recebiam salários muito baixos, ganhando apenas cerca de R$ 18 por metro cúbico de madeira extraída, não atingindo sequer o valor mínimo estabelecido por lei.

As moradias improvisadas pelos próprios trabalhadores não ofereciam condições mínimas dignas, sendo construídas com lonas e madeira e desprovidas de instalações sanitárias adequadas ou proteção contra animais peçonhentos. A escassez de água potável e eletricidade também era uma realidade para esses trabalhadores.

Após o resgate, os trabalhadores foram recebidos pelo Ministério Público do Trabalho e entidades locais responsáveis pela assistência social. Além disso, também se firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o empregador, que inclui a compensação por prejuízos morais tanto individuais quanto coletivos, juntamente com o direito a receber benefícios do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado.

No entanto, o TAC prevê o pagamento de uma rescisão no valor de R$15 mil apenas, o que é incompatível com a realidade vivida por esses trabalhadores. O Governo do Estado de Pernambuco ainda não se manifestou sobre o caso desumano no qual os trabalhadores viveram. Nem mesmo foram expostas quais empresas estão por trás desse crime.

Reforma trabalhista é responsável por aumento de denúncias de trabalho análogo à escravidão

Manifestação no dia 1º de maio, em Recife. Foto: Davi Queiroz
Manifestação no dia 1º de maio, em Recife. Foto: Davi Queiroz

A aprovação da Lei 13.467/2017, a qual prevê a possibilidade da supressão de direitos trabalhistas, praticamente amarrou as mãos daqueles que se dedicam a combater a exploração do trabalho análogo à escravidão, abrindo portas para uma exploração trabalhista desenfreada, no entanto, com respaldo da lei.

O número de denúncias aumentou consistentemente desde 2021, com 1.915 em 2021, 2.119 em 2022 e 3.422 em 2023. Anteriormente, o maior registro anual era de 1.743 denúncias em 2013.

A Reforma Trabalhista introduziu mais de 100 alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o objetivo declarado de combater o desemprego e a crise econômica que o Brasil enfrentava na época. No entanto, essas mudanças levam à precarização do trabalho e ao enfraquecimento dos direitos laborais. Em 2018, já com a reforma aprovada, o desemprego foi para 12,3%; em 2020, três anos após a mudança na CLT, o desemprego subiu para 13,5% e, em 2021, depois de quatro anos, a taxa de desemprego continuou em 13,2%. 

No Brasil, a Reforma Trabalhista e da Previdência refletem uma agenda neoliberal que amplia a desigualdade e a exploração dos trabalhadores, resultando em mais desemprego, salários baixos e condições de trabalho precárias. Em 2023, o Movimento Luta de Classes (MLC) deu início à coleta de um abaixo-assinado em todo o país, enfatizando a necessidade urgente de revogação dessas reformas para proteger os direitos e a dignidade da classe trabalhadora, diante do aumento do trabalho informal e da exploração.

O movimento pela revogação da reforma trabalhista já começou e precisa ser fortificado. É preciso ampliar essa denúncia, destacar as principais reivindicações da classe trabalhadora: o aumento salarial, revogação das reformas trabalhista e da previdência, e revogação do arcabouço fiscal. A situação do povo é de miséria e exploração, porque enquanto a maioria da sociedade, o proletariado, produzem as riquezas; a minoria, que são os burgueses, a classe capitalista, roubam essas riquezas de quem de fato as produz.

Qual é o anticapacitismo que precisamos?

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A luta incansável das pessoas com deficiência tem divulgado a discussão sobre a discriminação e as consequências do capacitismo. No entanto, surge também uma série de falsas soluções que pretendem resolver o problema sem enfrentar as estruturas que o sustentam. A saída é resgatar o passado de luta do movimento PcD e suas táticas de enfrentamento.

Acauã Pozino* | Redação RJ


Nos últimos 20 anos, a discussão sobre o anticapacitismo e a opressão das pessoas com deficiência tem ganhado um importante espaço dentro dos movimentos e das instituições. Isso se deve ao esforço do conjunto dos movimentos sociais. Basta ver, por exemplo, o fato de que um marco importante para a luta anticapacitista no Brasil foi a primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001; dali saíram importantes lutas que se traduziram em conquistas, como a padronização das cadeiras de rodas, a oferta destas pelo SUS, entre outras.

A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) também foi um marco relevante para nossa luta, já que foi um evento onde, pela primeira vez, pessoas com deficiência do mundo inteiro se reuniram para decidir sobre seu próprio presente e suas perspectivas de futuro. E, desde 2011, a opressão por nós sofrida ganha um termo em português: “capacitismo”, traduzido do inglês “ableism” por Anahí Guedes de Melo. Esse foi um passo fundamental para a compreensão de que o que sofremos é uma opressão que, junto com o racismo, a misoginia, a LGBTQfobia, etc., forma a horrenda e atrasada estrutura do capitalismo.

Contudo, essa mesma estrutura, comandada pela classe dos patrões – a burguesia – jamais assistiria em silêncio a ascensão de uma força capaz de derrubá-la. Assim, neste mesmo período de tempo começaram a ser disseminadas, no interior dos movimentos sociais preocupados com a questão da deficiência no capitalismo, ideias estranhas aos nossos interesses; falsas ilusões de que a solução para a discriminação está na “conscientização dos patrões”, na “reeducação da sociedade” ou mesmo no abstrato conceito de “mais empatia”.

Empresas começaram a tentar se promover como locais acessíveis e inclusivos (como no evento do “Setembro Verde”, onde empresas iluminam suas sedes de verde para mostrar que são inclusivas). A partir da criação de importantes espaços como os conselhos (municipais, estaduais e nacional) dos direitos da pessoa com deficiência, surge também uma concepção extremamente limitante de que a militância PcD está restrita a estes espaços, esvaziando a participação, que nunca foi muito grande, dessas pessoas nos movimentos sociais. Estes, por outro lado, sempre foram disputados pelo capacitismo que não pode faltar na ideologia burguesa e são compostos, salvo exceções, por pessoas criadas numa sociedade que age como se nós não existíssemos ou não pudéssemos agregar ao conjunto da sociedade.

De onde vem a opressão da deficiência?

As pessoas com deficiência já sofreram diferentes graus de discriminação ao longo da história. É no capitalismo, porém, que essa discriminação se transforma em opressão regular e sistemática. Isso acontece porque, logo no alvorecer das revoluções industriais do século XVIII e XIX, percebeu-se que os trabalhadores com deficiência, muitos deles sendo vítimas de acidentes industriais, não produziam no mesmo ritmo que os outros, prejudicando o lucro dos patrões. Para que produzissem, era (e é) necessário que o ambiente de trabalho fosse adaptado às suas necessidades. Em outras palavras, que fosse mais acessível.

Isso, também, reduz o lucro dos patrões, já que além de investir em máquinas, energia e salários, teria que também dedicar uma parte do capital a essa acessibilidade. Vendo que, em qualquer cenário, essa parcela do povo era um obstáculo ao lucro infinito e à competição desenfreada, iniciou-se o projeto de internar, abandonar, segregar e, se preciso, sacrificar a vida desses trabalhadores em nome de manter a taxa de lucro o mais alta possível.

Combater o capitalismo é defender as Vidas PcDs

Portanto, cabe nos perguntarmos: se a nossa opressão tem origem numa decisão da burguesia enquanto classe, para proteger seus lucros em detrimento da nossa vida, como é possível acreditarmos em soluções “pacíficas” para esse problema? Como esperar que estes patrões, que já não são donos de algumas fábricas cada um, mas de setores inteiros da produção, abram mão do procedimento que os enriqueceu – e continua enriquecendo – por solidariedade ou empatia? Além do mais, de que serve uma empatia individual, se a pouca acessibilidade que o movimento popular obrigou essas empresas a desenvolver tem sempre um grande custo adicional, tirando-a do alcance de grande parte do povo com deficiência?

Muita gente bem-intencionada defende estas premissas, argumentando que qualquer coisa diferente disso, como uma revolução que dê o poder aos trabalhadores, é uma utopia que nunca pode ser concretizada. Essa desesperança, natural depois de séculos de segregação e extermínio, é usada de propósito pela burguesia que pratica o capacitismo, que nos diz: ”Ouçam seus colegas, não vale a pena brigar! Fazemos o máximo possível, mas a sociedade não está preparada e as pessoas com deficiência estão satisfeitas com os benefícios do governo e vivendo à margem da sociedade… o que podemos fazer?”

E, realmente, há de se dar razão aos senhores patrões. A história do capitalismo mostra que acender luzes verdes no mês de setembro e nos usar como “exemplos de superação” [sic] em programas televisivos cujo faturamento vai inteiro para os seus bolsos é o máximo que essa classe de parasitas pode fazer se não estivermos organizados para denunciar a podridão do sistema e lutar por um mundo novo.

Há 200 anos essa classe nos promete mudar de atitude e respeitar nossas vidas; há 200 anos sofremos a desilusão de, na primeira sombra de recessão econômica, perdermos o benefício da previdência, o direito ao trabalho, os recursos de acessibilidade, etc. Acreditar que isso seja apenas uma questão de boa-vontade e que devemos nos empenhar em  “sensibilizar” essa classe do mero fato de que somos humanos, isso sim é utopia.

Não é fácil participarmos da luta popular, porque as cidades são hostis e a sociedade, realmente, não está acostumada com nossa presença; mas muito pior será se todo nosso futuro depender do senso de humanidade de uma classe que, não faz nem 60 anos, lucrava com as torturas do Holocausto de Barbacena.

De qual anticapacitismo precisamos?

O que precisamos, hoje, é de movimentos de pessoas com deficiência que não tenham medo de denunciar publicamente o descaso do poder público e o total desprezo da iniciativa privada pela acessibilidade e a garantia dos nossos direitos como cidadãos e trabalhadores, bem como cada assassinato, violência ou agressão capacitista, através de manifestações, agitações em praças públicas, elaboração de panfletos, cartazes e intervenções urbanas.

Devemos nos inspirar no exemplo da classe operária com deficiência dos Estados Unidos, que ocupou o prédio do Departamento de Estado por duas semanas até que o governo promulgasse a lei que proibia a discriminação por capacitismo, apoiados política e logisticamente pelo Partido dos Panteras Negras. No México, as mobilizações combativas das pessoas neurodivergentes e suas famílias provocaram a criação de uma legislação do cuidado que levasse em conta a pessoa com deficiência como sujeito de direito e não como paciente. Na Argentina, a luta nas ruas e a tática de enfrentamento garantiu que o Ministério da Saúde fosse obrigado a elaborar um protocolo especial para o atendimento de PcDs.

Adotar uma postura de enfrentamento não significa, necessariamente, gerar caos ou insegurança, mas sim provocar a mobilização de toda a sociedade em prol de uma causa que diz respeito a todos. Se nos dirigirmos aos patrões e a seus amigos de forma submissa e passiva, sem gerar alarde nem chamar a atenção, facilmente seremos presenteados com uma solução falsa, que nos faça relaxar e permitir que o capacitismo continue. Se tivermos chance de negociar, estas negociações não devem ser barganhas amigáveis entre sócios, mas sim negociações de guerra, porque se trata da guerra entre o capital e o trabalho, entre os que só querem explorar e os que querem um mundo justo e fraterno para todos.

A atuação nos conselhos e órgãos burocráticos, na formulação de leis e nos espaços de decisão é importante, mas ela nunca terá sentido sem a pressão organizada feita nas ruas e nas praças, nos partidos e nos movimentos, visando o fim desse sistema e a criação de outro. Vale lembrar que, na União Soviética, a luta dos trabalhadores não conquistou uma lei ou um programa social, mas sim um modo de produção onde as pessoas com deficiência, pela primeira vez na história, eram respeitadas como seres humanos e membros dignos da sociedade e do estado.

*Membro do Diretório Municipal da UP no Rio de Janeiro e ex-coordenador do Movimento Nacional de Pessoas com Deficiência do Fórum Social Mundial

Falta de prevenção a enchentes leva a centenas de mortos e desaparecidos no RS

Desastre no Rio Grande do Sul que já causou a morte de 107 pessoas poderia ser prevenido. Porém, governos neoliberais do Estado e da capital gaúcha cortaram recursos da prevenção a catástrofes climáticas e atacaram leis ambientais

Redação RS


São 437 municípios atingidos pelas enchentes, dos 497 do Estado do Rio Grande do Sul. Cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre, como Eldorado e Canoas, ainda estão submersas. De acordo com a Defesa Civil, atualmente (09/05), somam-se 107 mortes, 136 desaparecidos e 374 feridos. Mais de 1,5 milhão de pessoas foram afetadas pelos temporais, sendo que 232 mil pessoas ainda estão fora de casa. Desse total, são 67.542 em abrigos e 164.583 desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos).

Casas, prédios, supermercados, postos de gasolina, hospitais, escolas e empresas estão alagadas. Em cidades que são banhadas pelo Rio dos Sinos e pelo Rio Jacuí, como Canoas, a Prefeitura determinou a evacuação de 11 bairros, mas centenas de pessoas ainda esperam por resgate; são mais de 50 mil pessoas vivendo em área de risco. Eldorado do Sul, com 38 mil habitantes, está inundada pelo Rio Jacuí, com registro de 600 solicitações de resgate.

São seis barragens no estado em situação de risco e 18 em estado de alerta. Nas principais rodovias, como a BR-290, em Charqueadas, o asfaltou desmoronou. Diversos diques também transbordaram. No bairro Sarandi, na zona norte da capital gaúcha, mais de 90 mil moradores foram orientados evacuar suas casas desde o dia 05.

Os verdadeiros culpados

A situação é grave, mas é, de fato, uma tragédia anunciada. Há pelo menos dez anos, um amplo estudo da Presidência da República já apontava chuvas acentuadas no Sul do Brasil em decorrência das mudanças climáticas. O projeto “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, encomendado em 2014, composto por vários relatórios, apresentava resultados dramáticos. Elevação do nível do mar, mortes por onda de calor, falta d’água no Sudeste, piora das secas no Nordeste e o aumento das chuvas no Sul. Além disso, chama atenção para a necessidade de sistemas de alerta e de planos de contingência.

Mesmo assim, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), não investiu um centavo sequer na preservação de enchentes em 2023, mesmo após a cidade sofrer com as enchentes duas vezes no segundo semestre e com um caixa de R$ 428 milhões no Departamento Municipal de Águas e Esgotos.

Outro que sabia dessa informação foi o governador Eduardo Leite (PSDB), que negligenciou todas as recomendações dos técnicos, cientistas e da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Em 2020, o mesmo governador e sua maioria de parlamentares na Assembleia Legislativa aprovaram a Lei 15.434, flexibilizando 500 artigos do Código Estadual de Meio Ambiente a respeito da proteção dos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Os governos de Eduardo Leite e de Sebastião Melo são os principais culpados pela destruição que eles chamam de “desastre natural”. Eles têm reforçado diariamente seu compromisso com os grandes empresários para garantir as privatizações em prol do agronegócio e quem paga por toda essa tragédia social é o povo gaúcho, que sofre a cada enchente, perde o pouco que tem e se vê abandonado pelo estado.

Somente com apoio do povo, centenas de milhares de pessoas estão sendo atendidas nos abrigos e casas de parentes, garantindo que chegue água e comida à população que está sem acesso ao mínimo de condições básicas para viver.

Esse cenário crítico do desastre no Rio Grande do Sul é resultado de vivermos no sistema de produção capitalista, que, pela sua desenfreada busca por mais lucros, destrói a natureza e gera a chamada “crise climática”. É contra o sistema e seus representantes que temos que lutar.